Internacional
Edição 156 > Trump é um protecionista - mas quem ele está protegendo?
Trump é um protecionista - mas quem ele está protegendo?
As tarifas de Trump visam aumentar os lucros em alguns setores de corporações, em detrimento de outros. Os socialistas não têm nada a ver com essa disputa

As políticas nacionalistas de comércio de Donald Trump, incluindo sua recente decisão de impor tarifas sobre o aço e o alumínio importados, provocaram um debate na esquerda. Durante anos, os progressistas argumentaram que a globalização neoliberal destrói empregos e piora a desigualdade nos EUA e em todo o mundo. Se isso for verdade, por que não faria sentido proteger as indústrias domésticas, como o aço e o alumínio, onde se perderam empregos? Apesar das muitas outras objeções a Trump, não seria de se esperar que os progressistas endossassem suas políticas nacionalistas, alegando que poderiam ajudar os operários industriais dos EUA a recuperar empregos e salários que foram perdidos?
A crítica progressista da globalização e dos acordos comerciais recebeu, de fato, extensa validação em vários estudos recentes realizados por importantes economistas. David Autor e Daron Acemoglu do MIT (Massachusetts Institute of Technology), juntamente com uma série de coautores, encontraram fortes evidências estatísticas que confirmam que o “choque” do aumento das importações da China causou perdas maciças de empregos (até 2,4 milhões) e salários significativamente baixos para os trabalhadores dos EUA, especialmente aqueles com menos educação. Eles descobriram que as importações chinesas afetaram os trabalhadores, não apenas nas indústrias que competem diretamente com as importações, como também nos setores de serviços locais que atendem as comunidades impactadas pelas importações, bem como nas indústrias “emergentes” que fornecem insumos para as firmas que concorrem com as importações. As estimativas de Robert E. Scott, do Economic Policy Institute, mostram um deslocamento de trabalho ainda maior, devido a déficits comerciais mais altos dos EUA com o México e a China. Qualquer que sejam as estimativas, acredita-se que os defensores do livre comércio, que ignoram ou negam esses enormes custos sociais, obviamente puxaram para si mesmos a atual onda de reação contrária ao comércio.
Mas a economia mudou tanto desde o auge das indústrias de “chaminé” dos EUA que, hoje em dia, elevar as barreiras tarifárias não trará de volta a maioria dos empregos industriais que desapareceram nas últimas décadas. Para começar, os acordos comerciais são apenas um dos diversos fatores que impulsionam a globalização; reduções acentuadas nos custos de transporte (carga em container) e comunicações (tecnologia da informação), bem como o desenvolvimento econômico de outras nações (China etc.) também são causas importantes, e é pouco provável que sejam revertidas.
Além disso, as operações de fabricação, como a produção de aço, simplesmente não precisam de muito trabalho, como no passado. Trinta anos atrás, os EUA tinham cerca de 200.000 trabalhadores na indústria siderúrgica, que produziam aproximadamente 80 milhões de toneladas de aço por ano. Nos últimos anos, aproximadamente o mesmo volume anual de aço foi produzido por cerca de 85.000 trabalhadores dos EUA, o que significa que a produtividade é mais que o dobro do que era então. A maioria das perdas de empregos de longo prazo no aço não tem sido causada por importações, mas sim, pela tecnologia aperfeiçoada (automação) e reestruturação da indústria (mini usinas que dependem de sucata reciclada em vez de minério de ferro), conduzindo a essa duplicação da produtividade. Como resultado, restringir as importações pode trazer de volta apenas uma pequena fração dos empregos perdidos em épocas anteriores.
Se os EUA banissem todas as importações de aço amanhã, a produção doméstica teria que subir cerca de um terço para atender à demanda atual. Mesmo que o nível de emprego no setor siderúrgico aumentasse proporcionalmente (o que está longe de acontecer), o resultado seria apenas cerca de 28.000 novos empregos criados. Isso seria uma gota no oceano em comparação com as perdas de empregos anteriores na indústria - mais de 100 mil desde o final dos anos 80, e cerca de 500 mil desde meados da década de 1960. Simplesmente, elevar as tarifas de importação do aço não nos fará voltar aos tempos em que as siderúrgicas geravam muito mais empregos.
Também é verdade que o mercado global de aço tem um excesso de capacidade crônica, em grande medida devido ao enorme aumento da capacidade de produção, boa parte subsidiada, na China e em outras nações exportadoras. A pressão de queda sobre os preços mundiais do aço resultante disso colocou muitas empresas siderúrgicas em risco, ou fora do mercado, nos EUA e em outras economias relativamente abertas. Mas com apenas pequenas quantidades de importações diretas de aço da China (menos de 3% das importações de aço em 2017, abaixo dos 6% em 2015, como resultado das tarifas existentes), as novas tarifas de Trump - a menos que ele emita isenções suficientes - recairão principalmente sobre economias como a do Canadá e da União Europeia, que não subsidiam seu aço, além de alguns supostos “comerciantes injustos” de aço, como a Rússia e o Brasil. Na melhor das hipóteses, ameaçar esses países com tarifas pode, possivelmente, induzi-los a se unirem em um esforço de negociar com a China para controlar o excesso de capacidade, conforme defende Robert E. Scott. Mas é uma maneira estranha de tratar amigos ou conquistar cooperação.
Uma Não-Estratégia
Se o objetivo é reduzir o déficit comercial dos EUA, a melhor abordagem seria combater a sobrevalorização do dólar, que prejudica os exportadores dos EUA e estimula as importações - e não adotar tarifas que beneficiam algumas indústrias em detrimento de outras. Também é possível, sob as leis internacionais, impor tarifas diretas (ou seja, taxas que não discriminem indústrias ou países) com finalidade de equilibrar a balança de pagamentos; e eu já propus considerarmos tais tarifas como um impulso para barganhar a queda do dólar e do excedente de produção em países com excedente como a China, expandindo sua demanda doméstica. Mas as tarifas de importação do aço não atendem esse propósito.
A administração Trump justificou suas tarifas de aço e alumínio usando uma relíquia da Guerra Fria: uma lei de 1962 que dá ao presidente autoridade quase ilimitada para impor tarifas por motivos de segurança nacional. Mas não há argumentos válidos para que acreditemos que as indústrias de aço e alumínio dos EUA não poderiam fornecer produtos suficientes em qualquer crise de segurança nacional concebível. Trump já concedeu exceções temporárias para o Canadá e o México (pretendia que fosse uma moeda de troca para conseguir que eles aceitassem suas exigências na renegociação do NAFTA) e se ofereceu para isentar outros países em troca de concessões recíprocas. Se a revitalização da indústria siderúrgica do país é realmente um objetivo de segurança nacional, é difícil ver como as tarifas que são impostas ou retiradas com base no capricho de um presidente e outras negociações encorajariam as empresas siderúrgicas a fazer investimentos de longo prazo em novas instalações.
Por outro lado, é importante não dar muita credibilidade às previsões apocalípticas dos defensores do livre comércio, que advertem que os aumentos dos preços do aço induzidos pelas tarifas destruirão um grande número de empregos em indústrias de transformação, como a automobilística e a construção. Embora seja verdade que há muito mais empregos nas indústrias a jusante do que no próprio aço, o impacto dos preços mais altos do aço sobre o emprego nessas indústrias provavelmente será limitado, e os preços em qualquer caso não subirão tanto quanto a taxa de 25% da tarifa sugere. Alguns produtos a jusante poderiam tornar-se menos competitivos, levando ao aumento das importações em alguns setores. Mas se mais aço for produzido internamente, haverá também alguns empregos adicionais criados em indústrias que fornecem insumos para a produção de aço e aqueles que servem comunidades locais onde as siderúrgicas estão localizadas - e esses empregos compensarão algumas das possíveis perdas nos setores a jusante. Em última análise, o emprego nesses outros setores dependerá muito mais da demanda por seus produtos do que das mudanças nos custos do aço.
Outra alternativa que está longe de ser certa é a perspectiva de uma “guerra comercial”. Os livre-comerciantes estão emitindo críticas histéricas de que as tarifas de aço e alumínio dos EUA levarão a uma retaliação massiva por parte de outros países. Tendo aprendido como funciona o sistema político dos EUA, os países estrangeiros estão ameaçando retaliar com tributações sobre as exportações norte-americanas de estados politicamente mais delicados, tais como motocicletas do estado natal de Paul Ryan, Wisconsin, e bourbon do estado natal do líder majoritário do Senado, Mitch McConnell, do Kentucky. Mas, para fazer isso legalmente, esses países devem primeiro pedir à Organização Mundial do Comércio (OMC) que declare as tarifas dos EUA como ilegais ou que se envolva em investigações de tarifas de salvaguardas, o que leva tempo. Os exportadores norte-americanos poderiam eventualmente sofrer, especialmente se outros países impusessem tarifas sobre as principais exportações, como milho e aviões a jato. Mas até agora, as tarifas de Trump cobrem apenas uma pequena fração das importações dos EUA e ainda estamos muito longe de uma guerra comercial total.
O Fundo da Questão
No entanto, um efeito das tarifas é claro: na medida em que os preços do aço aumentam, aumentarão as margens de lucro para as siderúrgicas dos EUA - e essas empresas não terão a obrigação de aumentar os salários de seus trabalhadores ou investir em expansão doméstica das instalações da siderúrgica. Não é de admirar que ex-executivos do setor siderúrgico, como o Secretário do Comércio Wilbur Ross e o conselheiro do Trump, Dan DiMicco, estejam entusiasmados com as tarifas: seus amigos e comparsas vão colher a maior parte dos ganhos. Enquanto isso, as indústrias de transformação que compram aço - incluindo construtoras e fabricantes de maquinários - enfrentarão custos de aço mais altos, o que poderia reduzir suas margens de lucro. Esta é uma batalha entre interesses industriais rivais; os progressistas não devem tomar partido.
Além disso, as tarifas de Trump não são acompanhadas por nenhum tipo de estratégia de revitalização industrial ou desenvolvimento regional em áreas afetadas negativamente pelo comércio e pela deslocalização das empresas. Além das tarifas, a única “estratégia” que o governo Trump oferece é a redução das alíquotas de impostos para corporações e ricos, juntamente com a desregulamentação em todas as áreas imagináveis: padrões trabalhistas, segurança do consumidor, proteção ambiental e assim por diante. Na melhor das hipóteses, esta é uma receita para a criação de um pequeno número de empregos de baixa remuneração, em condições inseguras de trabalho e com efeitos colaterais ambientais e de saúde destrutivos.
Uma verdadeira revitalização industrial dos EUA exigiria o exato oposto das políticas domésticas do governo Trump. O governo teria de investir recursos significativos em pesquisa tecnológica, educação científica e treinamento de trabalhadores para desenvolver as indústrias do futuro. O país precisa de investimentos públicos maciços em infraestrutura, financiados por trilhões de dólares em gastos federais – sem enviar a conta aos governos estaduais e locais ou privatizar a infraestrutura, como a administração Trump está propondo. Os EUA precisam lidar com o aquecimento global desenvolvendo energia renovável, incluindo energia solar e eólica, para substituir os combustíveis baseados em carbono. Também precisam reverter a guerra de classes que redistribuiu a renda para cima e concentrou o poder nas mãos dos bilionários. Reunidas, esses tipos de políticas criariam muito mais empregos do que as tarifas de Trump - inclusive em setores como o aço, que forneceria insumos fundamentais.
Versões desse programa têm sido defendidas por uma série de economistas e comentaristas progressistas, incluindo o economista de Harvard, Dani Rodrik, o ganhador do Prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, e o jornalista econômico e professor de Brandeis, Robert Kuttner. Existem algumas diferenças: Kuttner está mais disposto a usar intervenções comerciais do que Stiglitz; Rodrik está em algum lugar no meio. Mas na ausência da adoção dessa agenda política, os progressistas não deveriam apostar em Trump, apoiando tarifas promulgadas com base em falsa segurança nacional, em nome de uma agenda política reacionária que é totalmente destrutiva dos interesses da classe trabalhadora.
Trump oferece a falsa esperança de que as barreiras comerciais para setores específicos, combinadas com cortes de impostos, desregulamentação e aumento da produção de combustíveis fósseis, rejuvenescerão a indústria dos EUA e recriarão o tipo de empregos industriais abundantes e com altos salários que existiam no passado. Isto é simplesmente uma armadilha e uma ilusão, para não mencionar destrutivo para o planeta. Precisamos reescrever os acordos comerciais para que eles não favoreçam os direitos corporativos sobre os direitos trabalhistas e, assim, não entreguem mais poder de monopólio às empresas que possuem patentes e direitos autorais. Precisamos adotar políticas monetárias que evitem que o dólar seja tão supervalorizado que exacerba o déficit comercial.
Os progressistas não precisam amar o “livre comércio” ou abandonar suas críticas à globalização neoliberal. Mas não devem pensar que as tarifas de Trump são a resposta certa.
*Robert A. Blecker é professor de economia na American University, Washington, D.C. e pesquisador associado do Economic Policy Institute. Texto reproduzido da revista eletrônica Jacobin (https://www.jacobinmag.com)
URL encurtada da publicação original:
https://goo.gl/eMHQ5u
Tradução: Inês Rosa Bueno