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Economia

Edição 156 > Liberais Atormentados

Liberais Atormentados

Luiz Gonzaga Belluzzo
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As transformações do capitalismo ocorridas desde os anos 70 do século XX envolvem mudanças profundas na operação das empresas, na integração dos mercados e na soberania do Estado

A revista The Economist está preocupada com a reputação do capitalismo. Conhecida no Brasil de Bolsonaro e Paulo Guedes como The Communist, a respeitável e tradicional publicação foi dirigida no século XIX pelo ícone liberal Walter Bagehot. Hoje, está assustada com as duras críticas disparadas contra o capitalismo. “A sensação de que se trata de um sistema voltado para beneficiar os donos do capital em detrimento dos trabalhadores é profunda. Uma pesquisa de 2016 concluiu que mais da metade dos jovens americanos não defende mais o capitalismo.” 

Na opinião da revista, “A vida na antiga economia ficou confortável demais para algumas empresas, enquanto na nova economia empresas de tecnologia adquiriram rapidamente grande poder de mercado. ” Na nova economia, os ganhos de produtividade gerados pelas novas tecnologias estão escondidos nos refúgios construídos pelo poder de mercado das grandes empresas e plataformas digitais. As poderosas sobem as margens de lucro e destinam seus ganhos parrudos à recompra das próprias ações e ao pagamento de dividendos. Os salários modorrentos convivem com a letargia do investimento empresarial, enquanto a “geração de valor” para os acionistas promove a aflitiva concorrência na busca de resultados financeiros de curto prazo. 
Em artigo escrito há algum tempo, em parceria com o professor Davi Antunes, tratamos das transformações do capitalismo ocorridas desde os anos 70 do século XX. Essa reestruturação envolveu mudanças profundas na operação das empresas, na integração dos mercados e na soberania do Estado. Em primeiro lugar, a empresa oligopolista, “conglomerada” e “verticalizada”, desmontou a velha estrutura e concentrou-se na “atividade principal”. 

 A nova empresa assumiu a função “integradora” no comando de uma rede de fornecedores. Em segundo lugar, as decisões empresariais estratégicas foram submetidas ao “comando sistêmico” de poucas instituições financeiras. Em terceiro lugar, sob os auspícios do capital financeiro, ocorreu a centralização do capital à escala mundial, o que envolveu a vitória do “valor do acionista” sobre as “ultrapassadas” estratégias de crescimento da firma apoiada no investimento produtivo via lucros retidos. 

Vamos detalhar tais transformações e discutir suas implicações. A “desconglomeração” e a centralização da estrutura produtiva ocorreu em conjunto com profunda reorganização empresarial, levando a uma redução drástica do número de empresas. Toda a economia mundial passou a ser dominada por pouquíssimas empresas, em geral, de países desenvolvidos. O setor de equipamentos de telefonia móvel, por exemplo, é dominado por 5 empresas, o farmacêutico por 10 empresas e o de aviões comerciais de grande porte por apenas 2. Em termos do gasto com pesquisa & desenvolvimento, a concentração é semelhante: apenas 100 grandes empresas concentram 60% do gasto em P&D, sendo 2/3 dos gastos realizados em apenas 3 setores (informática, farmacêutico e automotivo).

Concentrando seus recursos no core business (marca, marketing, design, pesquisa & desenvolvimento (P&D)), as grandes empresas ganharam dimensão global através de fusões e aquisições e se tornaram integradoras de cadeias globais de produção terceirizadas. A empresa integradora se desverticalizou, vendendo ativos e terceirizando atividades, e forçou seus fornecedores a também ganharem escala mundial e a se fundirem, num grande efeito cascata. Um exemplo eloquente é a Boeing. O 787 Dreamliner foi projetado integralmente em computadores, mas sua produção foi largamente terceirizada: 70% dos 2,3 milhões de componentes foram produzidos por 50 empresas em diversos países. Isto não significa que houve perda de controle sobre a produção, já que a Boeing, gerenciava em tempo real os fornecedores, os fornecedores dos próprios fornecedores, sincronizava pagamentos, estoques, prazos etc. Ou seja, mantinha estrito controle sobre as terceirizadas.

Em seu impulso para a “desterritorialização”, as empresas deslocaram a produção para as regiões em que prevalecem baixos salários, câmbio desvalorizado, baixa tributação. Nos 40 anos de globalização, as empresas dos países centrais cuidaram de separar os componentes de sua atividade globalizada: a) Wall Street e a City londrina abrigam as 20 maiores instituições financeiras que “administram” os ativos globais; b) na China e adjacências, predomina a formação de nova capacidade produtiva; c) nos paraísos fiscais, a captura dos resultados.

O sistema financeiro também passou transformações de monta, graças à globalização e à desregulamentação. Nas últimas décadas, as ondas de fusões e aquisições elevaram o grau de centralização: os 25 maiores bancos do mundo tinham 28% dos ativos dos 1.000 maiores bancos em 1997; em 2009, mais de 45%. Dos US$ 4 tri de transações diárias com moedas, 52% delas são realizadas pelos 5 maiores bancos. No que tange aos bancos de investimento, os 10 maiores concentram 53% das receitas. Baseados principalmente nos 10% mais ricos, que geram 80% de suas receitas, os bancos se conglomeraram e se tornaram verdadeiros supermercados financeiros, capazes de oferecer todo tipo de serviço financeiro a pessoas físicas e jurídicas. O setor financeiro também se destaca no que se refere ao gasto em P&D. O investimento em TI (internet, caixas eletrônicos, servidores) alcançou US$ 380 bi em 2006.

Foram os bancos, através das transações eletrônicas online, que permitiram a integração financeira das cadeias globais de valor. Os bancos são o aparelho circulatório do sistema ao fazer 95% de toda a movimentação financeira: transações cambiais, hedge, pagamentos, transações comerciais, investimentos. 

No resto do sistema financeiro, o grau de concentração também mudou de escala: US$ 64 tri em 2010 estavam nas mãos dos gestores de ativos, sendo que os 50 maiores tinham 61% do total e o BlackRock, o maior, mais US$ 3,3 tri em ativos. Os fundos de investimento levaram a enorme centralização da propriedade, ao adquirem participação nos mais diversos negócios. Apenas com o intuito que a administração se submeta à lógica do EBITDA, a da geração do máximo de caixa possível, e a busca incessante da valorização acionária. 

O livro de James Glattfelder, Decoding Complexity - Uncovering Patterns in Economic Networks, desvela a concomitância entre a constituição das cadeias globais de valor e a centralização do controle da produção e da riqueza em poucas grandes empresas e instituições da finança “mundializada”. 36% das grandes transnacionais detêm 95% das receitas operacionais das 43.000 empresas transnacionais conhecidas. Mais importante: os 737 principais acionistas, instituições financeiras e fundos de investimento dos Estados Unidos e do Reino Unido podem controlar 80% do valor delas.

 * Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor, consultor editorial da revista CartaCapital, onde este artigo foi publicado originalmente

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