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Edição 154 > Marx e o papel do trabalho

Marx e o papel do trabalho

Mateus Fiorentini
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“A campanha abolicionista em prol da
libertação da escravatura preta,
teve seu desfecho em 1888,
colocando assim
os alforriados em condições de,
junto com os trabalhadores brancos,
lutarem pela mesma causa.”(1)

Durante os anos 1990, quando ganhavam força perspectivas que enxergavam o fim da história, muitos declararam a morte do marxismo. Contudo, com a explosão da crise mundial do capitalismo (2007), a atualidade da obra de Marx para explicar as dinâmicas desse sistema tem ocupado papel de destaque. Dessa forma, após 200 anos de seu nascimento, seu pensamento e sua obra seguem vivos. Diante dos desafios da atualidade, é preciso continuar extraindo lições das experiências históricas concretas, atualizando e desenvolvendo a teoria em função das tarefas futuras e do presente.

Assim, o presente artigo busca apresentar um debate sobre as contribuições de Marx em seu tempo, e promover uma reflexão sobre as novas condições da luta de classes diante das transformações decorrentes sobretudo da crise do capitalismo e sobre o fortalecimento das lutas chamadas de identitárias e sua relação com a luta dos trabalhadores.

Marx e a revolução copernicana das ciências sociais

Marx viveu em um contexto onde o capitalismo consolidava-se enquanto Modo de Produção hegemônico. Naquele processo formavam-se novos processos e personagens, destacando-se os trabalhadores assalariados e o operariado, a partir do impulso da indústria. Assim, o século XIX esteve marcado por intensos conflitos e embates de proporções históricas que impactaram sobre a forma como o alemão interpretava uma realidade com dinâmicas cada vez mais complexas. Diferente do que afirmam algumas pessoas que frequentaram recentemente a Avenida Paulista vestidas com a camiseta da seleção brasileira, Marx não inventou a luta de classes, a dialética ou o materialismo. Seu objetivo consistia em compreender aquela realidade em toda a sua complexidade. Por isso, o “método dialético surge como recurso para analisar a realidade contraditória.” (GRESPAN, 2002). Marx parte da necessidade de se compreender e/ou desvendar o processo real dos fenômenos sociais, neles identificando totalidades contraditórias que carregam, ao mesmo tempo, os mesmos elementos que afirmam sua positividade ou negatividade. Assim, enquanto o capitalismo afirma-se e se consolida, os elementos que o distinguem de qualquer outro Modo de Produção já havido na história da humanidade o fazem negando as características que o vinculam aos modelos implementados no passado. Quer dizer, à medida que o capitalismo reafirma as características que o definem o faz negando-se simultaneamente em unidade dialética.

O uso da dialética marxista permite ir além, uma vez que descortina a relação entre aparência e essência presente no capitalismo. Assim, da mesma forma que a burguesia reafirma o estatuto da igualdade jurídica, que diferencia o capitalismo do absolutismo ou da sociedade medieval, desenvolve um sistema sofisticado de exploração do trabalho. Para Marx, somente o trabalho poderia opor-se ao capital, pois entendia que a relação entre capital e trabalho, no capitalismo, se dava em dois processos distintos:

1) O trabalhador troca a sua mercadoria, o trabalho, o valor de uso que, como mercadoria, também tem um preço, como todas as outras mercadorias, por uma determinada soma de valores de troca, determinada forma de dinheiro que o capital lhe cede.

2) O capitalista recebe em troca o próprio trabalho, o trabalho como atividade que põe valor, como trabalho produtivo; i.e., recebe a força produtiva que conserva e multiplica o capital e que, com isso, devém força produtiva e força reprodutiva do capital, uma força pertencente ao próprio capital. (2011).

Considera-se, assim, que o salário pode ser entendido como pagamento pela força de trabalho que o trabalhador é “constrangido a vender como uma mercadoria.” (IDEM, 1878). Segundo o professor do curso de História da Universidade de São Paulo, Jorge Grespan (2002), para explicar esse fenômeno Marx se ve obrigado a

(...) descer ao nível mais profundo das condições de produção, caracterizadas pelo divórcio entre trabalho e propriedade privada. Aqui ocorre a desigualdade decisiva, configurando uma oposição de capital e trabalho que determina todas as outras do sistema capitalista.

Assim, pode-se identificar que o único bem que o trabalhador possui, “a força de trabalho, é ele próprio. Ou seja, ele é obrigado a se vender para sobreviver. E, se ele não fizer isso ele morre”, conforme assinalou o professor Dermeval Saviani (2018), durante o seminário Bicentenário de Karl Marx: Desbravar um Mundo Novo no Século XXI, promovido recentemente pela Fundação Maurício Grabois. Assim, a crença de que todos são plenamente livres, graças à igualdade diante da lei, reforça a dominação sobre o trabalho, tornando a igualdade o momento mais desigual do capitalismo. Ou seja, na aparência o trabalhador é livre, mas na essência é escravo. Dessa forma, a contradição entre capital e trabalho e a relação entre a socialização do trabalho e da produção com a apropriação privada dos produtos do mesmo representam marcas que singularizam o capitalismo em relação aos demais Modos de Produção. Identificar as dinâmicas que determinam a produção e a reprodução das condições materiais de sobrevivência dos seres humanos (o que não tem a ver com o economicismo do qual lhes fora atribuído) foi o que levou Marx a recorrer ao método dialético para sua análise; não o contrário. Ou seja, não é o pensamento de Marx que cria as classes ou a luta entre elas. Antes, porém, é a existência objetiva das mesmas e seus conflitos que colocam para o alemão a necessidade de utilizar e desenvolver o método materialista e dialético. Quer dizer, o objetivo de Marx consistia em compreender como os seres humanos organizaram-se socialmente e relacionaram-se com a natureza para manutenção e reprodução da sua sobrevivência ao longo da história. Para Marx, o trabalho é condição essencial da natureza humana. Entretanto, na história, objetivamente ele não encontra o trabalho realizador da condição humana, no qual acreditava. Historicamente, o trabalho aparece sempre como resultado de processos de exploração e dominação. Por isso, o pensamento de Marx e sua leitura do capital, assim como das dinâmicas e características do capitalismo, produziram enorme impacto sobre a sociedade bem como sobre as ciências humanas. Ele demarcou uma forma revolucionária de apreender e explicar a realidade objetiva e, ao fazê-lo, no seu tempo, desnudou o capitalismo. É nesse sentido que a obra produzida por Marx assume grande transcendência e revela constantemente a atualidade do seu pensamento.

Pensamento vivo de Marx

Importantes transformações ocorrem na dinâmica do capitalismo, acentuadas após a crise  iniciada em 2007. Aprofundam-se a liberalização das economias, o sequestro dos Estados nacionais pelo rentismo, o neocolonialismo e a intensificação da exploração do trabalho. Tudo isso aliado ao crescimento de forças ultraconservadoras e fascistas. No cenário nacional, esse fenômeno materializa-se no processo do golpe em curso e no projeto que visa a liquidar efetivamente as conquistas da Era Vargas. Tais mudanças intensificam o processo de precarização do trabalho através do corte de proteções laborais, atacam a organização dos trabalhadores, agravam a exploração da mão de obra e acentuam a divisão do povo. Essas transformações produzem impacto nas características assumidas pela luta de classe nesse contexto. Assim, Marx nunca foi tão atual para que compreendamos as peculiaridades assumidas pela classe trabalhadora e as lutas de classes no atual momento histórico.

Se o capitalismo de hoje é distinto daquele vivido por Marx, ao longo da história e de acordo com cada realidade nacional, o mesmo assumiu diferentes características. Durante os anos 1970, era possível encontrar fábricas com 20 mil operários que trabalhavam em linha de produção na região do ABC paulista, por exemplo. Atualmente esse número é muito menor e está acompanhado de um processo de especialização e informatização que singulariza as atuais condições em relação àquelas de outros momentos históricos. 

Segundo o metalúrgico João Batista Lemos, 

Hoje a preferência de contratação são de jovens, mais especializados. Na nossa época, era outra classe trabalhadora, em 1980. A Volks dava preferência para contratar trabalhadores que vinham da roça, para trabalhar na linha de produção. Hoje a classe mudou. Se transformou, porque se transformaram as máquinas, são máquinas computadorizadas (2018).

Dessa forma, a complexidade do trabalho e as mudanças em curso tornam a organização e a conscientização da classe trabalhadora em tarefa mais difícil no atual cenário. Crescem novas formas de trabalho terceirizados, desenvolvem-se processos de atomização e precarização do trabalho, home office,  trabalho intermitente, entre outros. No caso brasileiro, o fim do imposto sindical, a reforma previdenciária e trabalhista ameaçam concretamente a aposentadoria dos trabalhadores e os direitos laborais conquistados há mais de 70 anos. Nesse esteio, surgem projetos conhecidos como “uber da educação” ou “professor delivery” dos quais o PSDB se orgulha de ter sido o proponente a partir da Prefeitura de Ribeirão Preto (SP). De acordo com a proposta, o professor não teria vínculo empregatício com a prefeitura e seria acionado através de aplicativos e mensagens de celular ou através das redes sociais (2).

Assim, inserido na lógica do capital, o imenso progresso tecnológico do último período traz consigo a fragilização do trabalhador e o avanço da dominação do capital sobre o mesmo praticamente em tempo integral. Além de condicionar toda a dinâmica da vida do trabalhador, diante sobretudo da evolução das tecnologias ligadas à informação, o mesmo apodera-se inclusive do tempo livre do qual este possa dispor. Ao mesmo tempo, atinge determinadas profissões que são substituídas por máquinas ou pelo serviço informatizado. Essa imagem tem sido cada vez mais frequente em bancos, supermercados, transporte público, entre outros setores da economia. Assim, no cenário de financeirização e desindustrialização, ou mesmo do vínculo cada mais estreito entre os setores produtivos e os setores financeiros, em meio a essa crise, os impactos sobre a classe trabalhadora são profundos.

Esse é um processo que ocorre em meio ao debate em torno do protagonismo de um conjunto de movimentos sociais identificados com pautas diversas, organizados em torno da luta contra as diversas formas de opressão, sobretudo bandeiras ligadas ao movimento de negros, mulheres, LGBT, moradia etc. É possível afirmar que estes atores vêm ganhando força desde os anos 1960, e da turbulência daqueles anos. Diante daquele cenário, não foram poucos que identificaram na emersão desses movimentos o fim do marxismo ou declararam caducos os seus conceitos. A definição de classe fora declarada obsoleta, pois seria um conceito demasiado rígido diante da diversidade dos atores que emergiam. Outros, ainda, por um lado, atribuíram-lhe caráter essencialmente economicista, limitado, portanto, tendo em vista a multiplicidade de injustiças existentes. Por outro, também foi grande o número de intelectuais que apontaram o entrelaçamento entre distintos aspectos da realidade. Entre eles podemos mencionar o peruano Aníbal Quijano, importante referência do que se conhece como pensamento decolonial e um opositor ao eurocentrismo. Para ele, na América Latina, “ambos os elementos, raça e divisão do trabalho, foram estruturalmente associados e reforçando-se mutuamente” (2005), sem deixar de ver, no entanto, a primazia do Capital como elemento condutor desse processo. Em A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas, o autor afirma: 

O capital, na relação social de controle do trabalho assalariado, era o eixo em torno do qual se articulavam todas as demais formas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos. Isso o tornava dominante sobre todas elas e dava caráter capitalista ao conjunto de tal estrutura de controle do trabalho.

Com o fim do bloco socialista e a hegemonia unipolar dos EUA, as visões que pregavam o fim do marxismo ganharam força na sociedade. Com o avanço das perspectivas que apontavam para a inviabilidade da superação do capitalismo, aprofundaram-se a distância entre essas pautas e as perspectivas de transformação da sociedade. Atualmente, com o crescimento dos movimentos chamados de identitários, esse debate volta à tona em um contexto onde já não existe a URSS. Além disso, setores ligados à oligarquia financeira e à guerra, sobretudo do Partido Democrata dos EUA, têm incorporado essas pautas buscando renovar o seu discurso. Aqui no Brasil setores ligados às classes dominantes buscam reproduzir esse mesmo caminho no seu discurso e chegam a permitir, em alguma instância, a incorporação desses atores à sua dinâmica. Se, por um lado, este fenômeno permite que parcelas insignificantes de negros ascendam socialmente, por outro, ele perpetua a visão do negro como inferior à medida que identifica nestes “negros notáveis” exceção à regra. Para Florestan Fernandes (1972), a sociedade brasileira, nos inícios do século XX, é a “combinação híbrida da sociedade de castas e a sociedade de classes”, condição que se perpetua até os dias atuais. Dessa compreensão, Florestan extrai a leitura de que o “dilema racial brasileiro possui caráter estrutural” (IBIDEM), onde a segregação racial é o sustentáculo da dominação de classe. Isso torna a aceitação a um negro no seu meio mais intragável para a elite da casa-grande.

Considerações finais

Por fim, se é preciso admitir o acerto de Florestan ao ter dito que a luta de classes no Brasil tem cor, também é verdadeiro afirmar que aqui o racismo tem classe. O racismo brasileiro guarda raízes escravistas e mesmo nos dias atuais remete-se ao local ocupado pelo negro na sociedade colonial. Embora um setor da classe dominante busque incorporar um discurso antirracista, feminista e anti-homofóbico, a contradição entre aparência e essência presente no capitalismo torna impossível para o mesmo incluir estes setores. Se fosse possível já não poderia ser quem realmente é nem chamado pelo mesmo nome. Assim, as distintas opressões não podem ser compreendidas se dissociadas das relações entre capital e trabalho uma vez que esta condiciona todos os níveis da vida humana no sentido exposto anteriormente. Assim, as desigualdades entre homens e mulheres ou entre brancos e negros, por exemplo, devem ser vistas dentro das características da luta de classes atual. A superação das mesmas está relacionada à luta em torno do trabalho e só ganha real sentido quando vinculada à transformação estrutural da sociedade. Entendendo que no capitalismo todos aqueles que não são capitalistas precisam vender sua força de trabalho para sobreviver, nesses 200 anos Marx nos permite retomar e renovar o debate sobre a centralidade do trabalho na transformação social. As mudanças em curso no capitalismo em nível global prometem agravar a exploração do trabalho, acentuando a divisão entre aparência e essência. Em outros casos, fazem com que muitos trabalhadores não se vejam como assalariados, mas como colaboradores ou empreendedores de si mesmos. Destituídas de conquistas históricas, as atuais mudanças produzem impacto na consciência dos trabalhadores e tornam mais complexa a sua organização. Comprometem-se, assim, conquistas do período de constituição do Brasil moderno, entre elas a proteção ao trabalho. A atual ofensiva neocolonial busca desestruturar essa relação, e ao mesmo tempo ataca áreas estratégicas para o desenvolvimento soberano, como o petróleo. Mesmo a identidade do brasileiro com o futebol, entendido como símbolo da brasilidade, vem sofrendo esses ataques com o crescimento das torcidas por clubes estrangeiros no país. Assim, a luta pela emancipação social é o que permitirá aos trabalhadores brancos, negros, mulheres, homens, homossexuais ou heteros lutarem pela mesma causa e poderem construir uma nação realmente independente e um povo livre.

Mateus Fiorentini é professor de História graduado pela PUC-SP. Atualmente é mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM-USP) e coordenador do Coletivo Nacional de Pós-Graduandos do PCdoB.


Notas

(1) A Voz do Trabalhador, Rio de Janeiro, 05 de agosto de 1914.
(2) PSDB. Prefeitura tucana cria “Uber da Educação”, 2017. Disponível em: <http://www.psdb.org.br/acompanhe/noticias/prefeitura-tucana-cria-uber-da-educacao/>. Acesso em: 22 jul. 2017.

 

Referências

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Europeia, 1972. 285 p.
GRESPAN, J. A dialética do avesso. Crítica Marxista, n. 14. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 26-47.
HEINRICH, M. A edição de Engels de O capital e o manuscrito original de Marx. Crítica Marxista, n. 43. São Paulo: EDUNESP, 2016, 29-43.
MARX, Karl. Entrevista com Karl Marx, o fundador do socialismo moderno. Chicago Tribune. Chicago, dez.1878, p. 1-5. Disponível em: <http://www.grabois.org.br/portal/especiais/149577-44779/2013-03-18/entrevista-com-karl-marx-o-fundador-do-socialismo-moderno>. Acesso em: 18 mar. 2013.
_______. Grundrisse: Manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011. 788 p.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina Titulo. In: CLACSO. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso), 2005. p. 117-142.
SAVIANI, Dermeval. Seminário Bicentenário de Karl Marx: Desbravar um Mundo Novo no Século XXI. São Paulo: Tv Grabois, 2018. Son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1CWK6o0iG1Y>. Acesso em: 18 maio 2018.
TV VERMELHO. Metalúrgico e presidente do PCdoB/RJ, João Batista Lemos fala sobre Lula. São Paulo, 2018. (432 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nVQ1Yx2tgd4>. Acesso em: 10 abr. 2018.

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