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Internacional

Edição 145 > Por Que Trump?

Por Que Trump?

Cristina Soreanu Pecequilo
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Independentemente do que fez ou falou, Trump chega ao poder legal e legitimamente como produto das contradições da era Barack Obama (2009-2016). Cabe examiná-las, assim como as perspectivas da nova gestão republicana.

A eleição de Donald Trump como pre-sidente dos Estados Unidos em 08 de novembro de 2016 tem sido apresen-tada como uma vitória atípica e ines-perada, não prevista e que contrariou as pesquisas.Todavia, um breve exa- me de sua trajetória desde 2015, quando o então pré--candidato lançou seu nome às primárias, demonstra que nenhuma dessas avaliações se sustenta.O risco de uma vitória de Trump já era real, ainda que subes-timada, mais por desejo de que não ocorresse do que por uma demonstração da realidade.

Nos estados de batalha (swing/battleground, no original) predominava um empate técnico nas pes-quisas Clinton-Trump em torno de linhas divisórias claras do eleitorado: homens brancos acima de 45 anos, mulheres conservadoras, com inclinação reli-giosa, a parcela mais rica e educada e a mais pobre e com menos acesso a ensino deste estrato populacio-nal (paradoxalmente os extremos dos mais e menos favorecidos) e o operariado classe média (blue collar), para os republicanos; e os homens e mulheres ne-gros e latinos, abaixo de 45 anos, menos religiosos e distribuídos mais igualmente nos estratos de renda e educação, para os democratas. A questão para defi-nir a vitória era quem mobilizaria mais suas bases e conseguiria trabalhar com o sistema de eleição indi-reta do Colégio Eleitoral.

A resposta? Os republicanos. Clinton conquistou a vitória no voto popular, com cer- ca de 600 mil votos a mais, sendo representativa de um espectro populacional mais amplo, enquanto o oponente ganhou os votos elei-torais necessários para chegar à Casa Branca: 290 de Trump con-tra 232 de Clinton (de um total de 538 votos, dos quais são necessários 270, até o fechamento deste artigo em 17 de novembro, a apuração no estado de Michigan não havia sido finalizada). No século XXI, esta é a segunda vez que esse fenômeno ocorre: em 2000 o republicano W. Bush venceu o democrata Gore da mesma forma, e agora em 2016 (duas vezes em 15 anos, sendo que antes disso o último episódio dessa disparidade voto popular-voto eleitoral foi em 1888).

O candidato antipolítica e outsider beneficiou-se do mesmo sistema disfuncional que tanto criticou. Curiosamente, mais uma vez a população e as forças progressistas foram às ruas para protestar contra pessoas, e não contra o mecanismo arcaico criado no século XVIII que impede que sua voz seja ouvida. Qual vontade prevaleceu?  A do jogo de palavras que faz sucesso mundo afora em torno da eficiência sem ideologia, as manifestações racistas, misóginas, xenófobas, agressivas e de intolerância. Independentemente do que fez ou falou, Trump chega ao poder legal e legitimamente como produto das contradições da era Barack Obama (2009--2016). Cabe examiná-las, assim como as perspectivas da nova gestão republicana.

De Obama a Trump: Um Legado Ambíguo

Em 2009, Barack Obama chegou ao poder como símbolo da esperança que construiria uma nova América, multirracial e moderna. Sua gestão tinha como objetivo enfatizar a mudança positiva e promover reformas econômicas e políticas para superar a recessão gerada por W. Bush, seu unilateralismo e militarismo. Além disso, avançaria medidas relacionadas ao bem-estar ampliando o acesso à educação e à saúde para os norte-americanos, especialmente os mais pobres.

Apresentada como histórica por levar o primeiro presidente negro à Casa Branca, a vitória de Obama foi um marco. Ainda assim, um marco incompleto que não superou em 2008, ou em sua reeleição em 2012, as profundas divisões internas do país que impulsionam a direita radical em suas mais diversas formas. Tais formas evoluíram desde o chamado “Contrato com a América” de 1994 que se sustentava na agenda religiosa-conservadora social prometendo recuperar os valores norte-americanos, até o movimento do chá. Associado aos libertários, anti-governo, pró-armas, pró-vida, anti-imigrantes, este grupo impulsionou candidaturas via Partido Republicano e em 2010 impôs a primeira grande derrota  a Obama em seu primeiro mandato, ao ampliar sua base legislativa na Câmara e no Senado

Para os republicanos moderados, essa também foi uma perda significativa, e abriu espaço à candidatura Trump, síntese das manifestações radicais. A contínua secessão interna entre as minorias, de gênero, raça e etnia (definidas como não brancas pelo censo norte-americano) e a população branca apenas se acentuou. A reconciliação nacional não se realizou. Em muitas localidades observa-se uma profunda guerra urbana, com assassinatos sistemáticos e violação de direitos civis e sociais das minorias. A imigração e a sombra de 11 de setembro de 2001 permaneceram e, embora Obama tenha avançado importantes legislações sobre crimes de ódio, direitos de gênero e imigração, assim como projetos educacionais e sociais, o impacto destas medidas não se converteu em votos em 2016.

O legado de Obama permaneceu dúbio, baseado em uma percepção unidimensional de parte do eleitorado, que levou os democratas à derrota nos estados de batalha. Houve crescimento econômico, mas ele foi desigual. A percepção de que a crise econômica de 2008 foi superada não se estendeu a grupos de classe média. Reforçou-se entre os blue collars, e os brancos mais pobres, a impressão de que sua vida havia piorado devido a “outros”, e esse sentimento foi explorado. A queda da renda, a não geração de empregos similares aos perdidos especialmente no setor industrial e o crescimento da linha de pobreza associado à concentração de renda no topo foram essenciais para impulsionar mensagens maniqueístas. O ataque se estendeu à condição feminina e a várias dimensões do gênero e direitos básicos. Hillary foi desrespeitada inúmeras vezes.

A exploração do racha social e das tensões latentes se reproduziu na política externa. Se há problemas dentro do país é porque a maioria deles vem de fora, acentuando o aspecto interméstico (internacional e doméstico) da agenda. A equação apresentada foi simples: se há desindustrialização, perda de renda e emprego é porque existem dois principais culpados, a China e o México (e a ele associado o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta). Ambos fazem competição agressiva e injusta e precisam ser contidos como ameaça, assim como outros países e blocos. Nisso se incluem o Brasil, toda a América Latina, a União Europeia, a Parceria Transpacífica – isto é, todo e qualquer parceiro comercial dos Estados Unidos.

A União Europeia precisaria contribuir mais financeiramente para a sua segurança, “pagando” mais pela presença das tropas dos Estados Unidos em seu território que fazem parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O mesmo se aplicaria ao Japão. Por sua vez, o México deveria responsabilizar-se pelo muro a ser construído na fronteira, pois seria responsável pela onda de violência e drogas no país, prometendo deportar todos os ilegais. Desta posição vieram algumas das falas mais racistas e xenófobas de Trump, que passaram quase incólumes na campanha.

Foi citado que os terroristas viriam do Oriente Médio, como refugiados e patrocinados pelo Estado Islâmico, criado pelo governo democrata. Esta foi uma das grandes peças publicitárias da campanha: a ideia de que o EI foi produto da atuação de Clinton como secretária de Estado e de Obama como presidente, por sua fraqueza no Afeganistão, no Iraque, na Líbia. O modelo para combater estes e outros inimigos? A Rússia de Putin e sua projeção de poder decisiva. Por fim, criticou-se a reaproximação com Cuba, o multilateralismo em geral, e temas especíicos como o aquecimento global (meio ambiente como um todo). O que emerge desta realidade?

As perspectivas

Tanto agora quanto durante a campanha tornou-se lugar comum ouvir analistas, jornalistas e cidadãos afirmarem que as falas de Trump foram apenas exageros de campanha, e que ele “não vai cumprir o que prometeu”, ou “que ele não pensa realmente assim”. Ora, esta é apenas mais uma face do apaziguamento de Trump. Se ele acredita ou não é irrelevante, suas opiniões e promessas foram reais e pressionam as minorias.

Para muitos grupos supremacistas, o sinal verde para sua ação foi dado. Se já existiam episódios de violência sistemática, pressões para redução de direitos sociais, do gênero às ações afirmativas, estas somente tendem a se acentuar. A nomeação de Stephen Bannon como estrategista chefe da Casa Branca conhecido por seu antissemitismo e racismo, certamente não é um sinal positivo.

Muitas medidas de Obama podem ser facilmente revertidas por Ordens Executivas (equivalentes às Medidas Provisórias no Brasil), como o programa de acesso universal à saúde (Obamacare), a reforma da imigração, a retomada das rela- ções diplomáticas com Cuba, a ampliação de direitos sociais. A política de deportação de imigrantes será realizada em pelo menos pequena escala, para não descontentar a base de imediato. São possíveis recuos reais: Trump poderá nomear juízes à Suprema Corte que afetem legislações relativas ao aborto, à raça, aos direitos de gênero e tornar o país mais conservador ainda.

O choque comercial não deverá ser completo, mas espera-se mais protecionismo e unilateralismo. Prevalece a ideia da “América primeiro”, e isso implica uma determinada presença global econômico-militar-estratégica da qual não se abrirá mão, seja pelo desejo da manutenção da ordem global, seja pela pressão dos grupos de interesse do complexo industrial militar e do setor energético. O isolacionismo é relativo, até o limite que comprometa os interesses hegemônicos.

Além da Casa Branca, os republicanos controlam o Senado e a Câmara, pelo menos até as próximas eleições de meio de mandato em 2018, e a maioria dos governos estaduais. A derrota democrata foi abrangente e tem sido repetidamente. Caso o Legislativo se una em uma frente conservadora pró-Trump, nada restará a fazer, a não ser esperar a próxima eleição parlamentar e a presidencial no ciclo 2018 e 2020.

Trump e similares são produto da incapacidade de atualização do “lado de cá” e da dispersão das forças. O republicano apostou no desejo de renovação agressiva, sustentada no medo, no preconceito e na ignorância. Deste tripé, emergem mensagens de ódio, racismo, nacionalismo e xenofobia, que cooptam eleitores frustrados e passam a sensação de impunidade de baixo para cima, e de cima para baixo, expressa por seus líderes. A culpa é sempre “do outro”, seja ela do imigrante, da mulher, do que possui uma opção sexual ou religiosa, ou de uma raça ou uma etnia diferente.

Reflexos da época do imediatismo, individualismo e hedonismo, a externalização dos problemas e a busca de soluções fáceis crescem na crise e no desencanto. Os Estados Unidos são apenas mais um capítulo na consolidação de uma direita que avança e que pode trazer tempos mais sombrios. Mas, também, podem se tornar um exemplo de como superar, com pragmatismo, justiça e liberdade, estas mesmas tendências, desde que se entenda a batalha que se está lutando.

Cristina Soreanu Pecequilo é professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Autora de Os Estados Unidos e o Século XXI.

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