Capa
Edição 141 > Vanessa Grazziotin: “Estamos do lado certo da história”
Vanessa Grazziotin: “Estamos do lado certo da história”
Senadora do PCdoB fez defesa vigorosa da democracia e do governo Dilma na Comissão Especial do Impeachment e apresentou voto em separado com argumentos que colocam por terra a tese golpista de que houve crime de responsabilidade praticado pela presidenta

Há décadas circula nos meios políticos uma afirmação-ditado que diz que um parlamentar comunista vale por dez. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), única representante do Partido Comunista do Brasil no Senado atualmente, fez valer o dito popular. Sua conduta obstinada em defesa da democracia e na denúncia do golpe parlamentar perpetrado no último dia 12 de maio a destacou como uma das principais lideranças da esquerda naquela casa legislativa.
De forma enérgica e ao mesmo tempo equilibrada, Vanessa lutou sem esmorecer contra a maioria absoluta dos senadores que aderiram ao movimento golpista. Integrante da Comissão que analisou o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a senadora do Amazonas apresentou um substancioso voto em separado, com 191 páginas, contestando todo o processo e apontando diversos equívocos e manipulações contidos no relatório da comissão. Entre eles o fato de que para criminalizar as chamadas pedaladas fiscais criou-se artificialmente uma nova figura jurídica e contratos de prestação de serviços passaram a ser entendidos como operação de crédito, e metas do orçamento que sempre foram anuais passaram a ser entendidas como bimestrais ou quadrimestrais.
A senadora frisa que o caráter golpista do pedido de impeachment transparece em todo o processo, o que nos coloca “diante de uma das maiores afrontas perpetradas à Constituição Brasileira, uma das maiores fraudes ao Estado Democrático de Direito, um verdadeiro golpe parlamentar, destinado a atender a interesses pouco republicanos de uma elite inconformada com o resultado das urnas em 2014”.
A senadora reafirma sua disposição de continuar lutando contra o golpe em todas as trincheiras. “Iremos enfrentar de cabeça erguida todas as dificuldades vindouras. Não temos receio. Temos a certeza de que estamos do lado certo da história”, afirma.
Seus argumentos estão consolidados no pronunciamento que fez na noite do dia 11 de maio, pouco antes da votação que acabou decidindo pela abertura do processo de impeachment e consequente afastamento da presidenta de suas funções por 180 dias.
Por se tratar de um momento histórico e também por trazer informações relevantes sobre o tema em disputa, Princípios reproduz, a seguir, a íntegra do discurso:
“Senhor Presidente,
Senhoras Senadoras e Senhores Senadores,
A falta de Justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo o nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.
Esta frase, que acabo de reproduzir, foi dita por Rui Barbosa nesta casa em 1914 e permanece atual até os nossos dias.
O Senado da República, cujo patrono tanto nos orgulha, está prestes a cometer nesta noite uma grande injustiça com a história e principalmente com o povo brasileiro!
Não podemos ser justos sem trilharmos o caminho da verdade. E a verdade que se avizinha é a aventura política, o personalismo em excesso, a ambição partidária desmedida e sem limites, que subverte a nobreza da própria política.
Hoje a nação inteira aguarda a manifestação desta Casa sobre o afastamento ou não da Presidenta da República, cuja denúncia, frágil e manifestamente ilegítima, acusa-a de práticas de ilícitos de natureza administrativo-penal, práticas essas adotadas pelos ex-presidentes Lula e FHC, assim como por grande parte dos governadores, sem que nenhum tivesse recebido qualquer reprimenda dos Tribunais de Contas.
Dilma Vana Rousseff, torturada, julgada e condenada por um tribunal de exceção ditatorial, quis o destino que os ventos da democracia a transformasse na primeira mulher Presidente da República do Brasil.
Hoje, esta destemida e combativa Presidenta Dilma Rousseff é novamente submetida a julgamento, desta vez em um colegiado que teria por obrigação defender o substrato da sua própria existência – a democracia –, mas que se revela a um só tempo, desprovido da necessária serenidade e tomado por uma maioria de ocasião, transformando-se , portanto, num colégio eleitoral de excessão, cujo objetivo é retirar a presidente legitimamente eleita e colocar em seu lugar um presidente sem voto.
Vimos e ouvimos, aqui no desfile dos pronunciamentos que se seguem, Senhoras e Senhores Senadores tentando justificar suas posições a favor do afastamento da presidenta da República. Fala-se de tudo, da crise econômica, corrupção, mas não falam do crime. Por quê- Porque crime não há.
Pois bem, é essa peça, contaminada pelo ódio e desprovida dos mais elementares fundamentos jurídicos, o que analisamos esta noite.
E digo, Senhoras e Senhores Senadores, que após extenuantes reuniões de mais de 10 horas, saí da comissão do impeachment mais convencida do que entrei: o impeachment, sem a fundamentação jurídica que lhe dá legitimidade, É GOLPE!
Valho-me de um saudoso tribuno, de suas sábias palavras em um momento igualmente trágico de nossa história republicana:
“É a própria debilidade da tese, é o próprio absurdo da pretensão que lhes anula os argumentos, lhes minimiza a presunção que lhes condicionam a formulação jurídica”.
Estas foram as palavras do então deputado Mário Covas ao defender que a Câmara dos Deputados não se dobrasse ao peso e à força do arbítrio em 12 de dezembro de 1968, às vésperas da decretação do famigerado AI-5.
Covas, então líder da oposição, sabia que a recusa ao irrefreável apetite autoritário do governo militar traria consequências políticas a ele e ao país. Mas ele corajosamente teve brios para enfrentar a sanha daqueles insaciáveis de poder, que sepultavam a esperança de um país livre e democrático.
Muitos acreditam que o sabor da aprovação popular momentânea pode suplantar o império da lei, mas saibam que jamais suplantará o julgamento da história.
Senhoras e Senhores Senadores, fora o princípio do Estado Democrático de Direito nos restará somente o arbítrio, a intolerância e a insegurança institucional.
Como bem destacou o professor Geraldo Luiz Prado, ao citar o importante pensador brasileiro Nilo Batista, “nesse tipo de situação em que o processo é mero ritual, em que questões podem estar previamente definidas, a acusação é só pretexto”.
Senão vejamos: a denúncia que resultou na autorização da Câmara dos Deputados para processar e julgar a Presidenta da República por impeachment é um corolário de impressões, convicções e opiniões políticas.
Tanto ali quanto no relatório do senador Anastasia, falta a subsunção dos fatos aos elementos jurídicos de que resultem, sem qualquer dúvida, a ocorrência de crimes de responsabilidade, na forma descrita na Constituição de 1988 e na lei 1079/50.
Caso este plenário aprove a instauração do processo, estaremos diante de uma das maiores afrontas perpetradas à Constituição Brasileira, uma das maiores fraudes ao Estado Democrático de Direito, um verdadeiro golpe parlamentar, destinado a atender a interesses pouco republicanos de uma elite inconformada com o resultado das urnas em 2014.
Temos viva em nossa memória a figura do senador Auro de Moura Andrade, que declarou vaga a cadeira de Presidente da República, enquanto tínhamos o presidente João Goulart em território nacional.
Sua atuação, naquela triste noite de 1º de abril de 1964, não só ofendeu sua memória como manchou a história deste Senado, redundando em 21 anos de ditadura.
A nossa responsabilidade é avaliar se as denúncias elencadas se lastreiam ou não na realidade e no nosso ordenamento jurídico.
Temos que decidir se este parecer, oriundo de um processo viciado desde a origem, nascido a partir de uma denúncia encomendada pelo PSDB, que pagou 45 mil reais, assinado por advogados e membros do PSDB e aqui no Senado relatado por um senador do mesmo partido, o PSDB. Portanto, além da ilegitimidade que é patente, não há os indícios mínimos do cometimento de crimes de responsabilidade pela Presidenta da República.
Após me debruçar com atenção e afinco sobre a denúncia, a defesa e o relatório, não tenho dúvidas: NÃO HÁ CRIME DE RESPONSABILIDADE.
Senão vejamos:
• Pedaladas Fiscais (Plano Safra, Lei 1992, MF e MA sem participação da PR).
• Nova figura jurídica – contrato de prestação de serviço = operação de crédito.
• Quatro Decretos de suplementação orçamentária
• Não alteraram metas
• Nova figura jurídica – metas não são anuais, são bimestrais ou quadrimestrais.
Um relatório tão frágil e inconsistente, que os próprios juristas citados vieram a público contestar seu conteúdo, destacando que o relator publicou de forma deturpada as suas citações aos comentários ao art. 85 da Constituição.
Os juristas Lenio Streck, Marcelo Cattoni de Oliveira e Alexandre Bahia destacam: “O que se faz, ao fim e ao cabo, revela, justamente o que nós, e os demais autores aqui citados, temos dito desde o início: trata-se de uma flagrante inconstitucionalidade que sacrifica o caráter jurídico-político, portanto, constitucional, do instituto do impeachment para reduzi-lo apenas à vontade de uma maioria tardiamente formada”.
Avançar nesse processo, com a evidente falta de respaldo jurídico, é sem dúvida alguma, um golpe de Estado tão grave quanto aquele experimentado em 1964.
E para a realização desse objetivo pouco importam os argumentos e se eles encontram respaldo na realidade. Este arremedo de processo que começa nesta noite é um mero ritual.
É um pretexto para que o Estado brasileiro abandone as políticas sociais e volte aos tempos do neoliberalismo onde o patrimônio público e as empresas públicas eram vendidos a preços imorais, onde os direitos dos trabalhadores eram subtraídos e usurpados.
Um pretexto para que se restabeleçam as políticas de apartheid social tão bem descritas no documento “Ponte para o Futuro”. Uma versão contemporânea do Ame-o ou Deixe-o, que contempla as propostas de Governo de Michel Temer.
Apesar do incômodo que causa a tantos aqui presentes, não há outro nome a denominar o que pode ser feito esta noite. Tentar escamotear ou mudar o nome não muda a ação.
A imprensa internacional já percebeu do que se trata.