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Edição 140 > Jornalismo e disputa da hegemonia: os cem primeiros dias do governo Flávio Dino na capa de O Estado do Maranhão
Jornalismo e disputa da hegemonia: os cem primeiros dias do governo Flávio Dino na capa de O Estado do Maranhão
Torna-se cada vez mais difícil compreender a prática dos grupos políticos sem levar em conta o papel dos meios de comunicação.
Em nossos dias, a mídia incorpora à sua função de agente destacado das esferas públicas a de ator institucional partidário.
E, como mostra o exemplo de O Estado do Maranhão, o jornalismo regional é ainda mais propenso a atuar como contendor nas disputas entre grupos políticos locais

Analisamos neste artigo o comportamento editorial do jornal O Estado do Maranhão na cobertura dos cem primeiros dias do governo de Flávio Dino (PCdoB).
O jornal reflete as estratégias discursivas de um grupamento político deslocado para o campo oposicionista, como resultado da luta pela hegemonia travada entre as elites maranhenses tradicionais e os novos atores políticos alçados ao poder estadual com a vitória da coligação Todos pelo Maranhão nas eleições de 2014.
As conclusões aqui expostas refletem os resultados parciais da pesquisa Governando contra as notícias: o primeiro ano do governo Flávio Dino nas páginas do jornal O Estado do Maranhão (1).
Em um primeiro momento, a pesquisa concentrou-se na análise das capas das cem primeiras edições do jornal em 2015 - primeiro ano do novo governo -, com o objetivo de compreender o posicionamento de um jornal que passou ao campo oposicionista.
A principal metodologia utilizada é a análise de valência - em que as manchetes e chamadas de capa das notícias referentes ao governo estadual são classificadas como negativas, positivas, ambivalentes ou neutras.
A pesquisa em curso pretende contribuir para o adensamento das discussões sobre o papel da mídia regional no processo de manutenção-reforço do poder de grupos dirigentes, muitos deles de caráter oligárquico, os quais, não raro, detêm a posse do aparato comunicacional local.
Esse aparato serve à missão de conquistar, manter e reforçar a hegemonia desses grupos, que, quando apeados do poder, recorrem à desconstrução midiática daqueles que os sucedem.
Jornalismo e política: uma conversa teóricaA política contemporânea encontra-se bastante interligada à ação da mídia.
Torna-se cada vez mais difícil, em nossos dias, compreender a prática dos grupos políticos sem levar em conta o papel dos meios de comunicação (THOMPSON, 2002).
A mídia chega mesmo a incorporar à sua função de agente destacado das esferas públicas a de ator institucional partidário.
E o jornalismo regional é ainda mais propenso a atuar como contendor nas disputas entre grupos políticos locais (PINTO, 2015).
No Maranhão, a disputa pelo poder de fazer ver e fazer crer desdobra-se no trabalho, sempre recorrente, de elucidar e traduzir a realidade do estado.
Nessa perspectiva, construir conhecimento é apostar no poder sobre o território maranhense e sobre seu povo.
Parte importante dessa tarefa concentra-se no jornalismo, forma de conhecimento público qualitativamente diferente da ciência, dentre outros fatores por possuir uma dimensão mais explicitamente política.
Evidentemente, não é nosso objetivo restringir o jornalismo à dimensão política, mas apenas enfatizar um aspecto que interessa para se pensar o jornalismo realmente praticado.
Na lógica de uma sociedade que legitima seus membros pelo conhecimento, a atividade jornalística entroniza-se ao ocupar espaço como instância de produção de saber, constituindo-se em campo cultural/social (BOURDIEU, 1998) que se habilita ao exercício de um poder -capaz de fazer coisas com palavras-.
Essa condição implica uma ação de sentido que, deflagrada em formações sociais específicas, produz -padrões de comportamento, sistemas de normas técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização específicos e disputas de poder e saber- (BOURDIEU, 1998, p.
27).
É nesses termos que o jornalismo valida-se como forma de conhecimento da realidade social com fortes implicações políticas.
Compreensões funcionalistas, entretanto, tendem a conceber o jornalismo em disjuntiva com a ação política.
Nessa perspectiva, a atividade jornalística é vista como -crítica responsável- pautada pela simples divulgação dos fatos, com -objetividade- e -neutralidade-.
O jornalismo é concebido como -função social- voltada ao -aperfeiçoamento das instituições democráticas- (GENRO FILHO, 1987).
Esse modo de conceber a questão reduz o papel político do jornalismo e acaba por vinculá-lo apenas às necessidades de reprodução da -normalidade- social, que, nesse caso, fica restrita ao funcionamento das instituições da democracia liberal.
É o que percebemos, por exemplo, na chamada -teoria democrática-, segundo a qual a imprensa tem uma dupla função: -positiva- - informar os cidadãos para que estes possam exercer direitos e expressar opiniões - e -negativa- - funcionar como guardiã da sociedade contra os abusos de governantes e poderosos.
Segundo Manin (1995), a existência de uma opinião pública plural seria essencial para qualquer sistema que se pretenda -democrático-.
Também Aldé (2004) entende que uma das formas de apoio que a mídia, em especial a imprensa, dá à democracia é prover os cidadãos com as informações necessárias para que possam tomar decisões e exercer a crítica dos poderes constituídos.
Com base nesse tipo de pressuposto não se vai longe.
À parte a obviedade de se postular o caráter libertador do conhecimento e da informação, essa concepção ignora qualquer dimensão histórica e transformadora, tanto da política quanto do jornalismo, que são concebidos aqui, em última instância, de um ponto de vista meramente -administrativo-.
Ou seja: se a política e o jornalismo, ambos arrumadinhos e penteadinhos, fizerem cada qual seu papel (sua -função social-), tudo estará bem na sociedade.
Na prática, não se leva em conta a dinâmica dos conflitos públicos inerentes à vida comunitária.
Fica difícil, no quadro dessa concepção, situar o fenômeno do jornalismo no contexto das lutas sociais.
Escapa a hegemonia ideológica das elites dominantes na produção jornalística, bem como as contradições internas desse processo.
De nossa parte, adotamos a perspectiva de que a mídia constitui-se em uma instituição política em nada substancialmente diferente das demais instituições dessa natureza nas democracias modernas (SPARROW, 1999; COOK, 2005).
A mídia é hoje um ator político relevante, cujo discurso é -situado e marcado por uma rede complexa de relações- (MIGUEL e BIROLI, 2010, p.
66).
Essas relações - econômicas, políticas, sociais, culturais - transbordam nos textos que denotam as escolhas da instituição jornalística, assim como nos silenciamentos que promove e nos destaques que celebra.
Os contextos de produção de conteúdos jornalísticos importam tanto quanto o conteúdo em si, pois este só é inteligível a partir da compreensão de por que as coisas são ditas, com que intenções, para qual público e em que intensidade.
Como mostra Raymond Williams (1990), na sociedade capitalista a grande mídia encontra-se diretamente envolvida com as questões de uma ordem econômica e política.
Ao mesmo tempo em que é especificamente determinada por essa ordem, a mídia representa fator significativo de sua reprodução e/ou modificação.
Esse ponto de vista retoma concepções anteriormente desenvolvidas pelo pensador marxista Antonio Gramsci, que, em -Jornalismo-, já havia declarado: -Se se examinam todas as formas de jornalismo e de atividade publicística-editorial em geral existentes, vê-se que todas pressupõem outras forças a integrar ou às quais coordenar-se mecanicamente- (1977, p.
2261).
Gramsci concebe a política e as atividades de cunho ideológico-cultural, entre as quais se inclui o jornalismo, como momentos distintos da superestrutura social.
Esta seria um edifício de muitos andares, todo ele cimentado pela política.
Nessa hipótese, os diversos -graus- (ou níveis) da superestrutura encontram-se relacionados ao que Gramsci denomina -dupla perspectiva- na ação política e na vida estatal.
Existem -[.
] Vários graus em que se pode apresentar a dupla perspectiva, dos mais elementares aos mais complexos, mas que podem ser reduzidos a dois graus fundamentais, correspondentes à dupla natureza do Centauro maquiavélico, ferina e humana, da força e do consenso, da autoridade e da hegemonia, da violência e da civilização [.
].
- (GRAMSCI, 1977, p.
1576)Nessa perspectiva, jornalismo e política stricto sensu fazem parte de um único edifício mais amplo: a superestrutura social.
Conforme teoriza Gramsci (1977), o -duplo caráter- (político e ideológico) da superestrutura reflete-se na atividade político-partidária.
Podemos falar, assim, de dois momentos da política: a política em ato - como campanha, ação efetiva, por vezes espasmódica, que culmina em momentos de fervor - e a política como programa.
Isso significa que, no momento da ação, o partido operante nem sempre é o mesmo partido que, em momento anterior, elabora programaticamente a ação.
Por vezes essa separação chega ao extremo, com o partido da ação assumindo a forma de uma organização política propriamente dita, e o partido programático tomando a forma de uma organização cultural, religiosa ou editorial.
Porém, de um ponto de vista -substantivo-, entre os dois -partidos- as coincidências são tantas que é muitas vezes legítimo afirmar-se que se trata do mesmo organismo.
Nos termos aqui discutidos, entendemos que jornalismo não é história, literatura e nem política stricto sensu.
Não obstante, o material jornalístico serve de suporte privilegiado à ação política e, na contramão da visão funcionalista tradicional, não se separa da política - ao contrário, é perpassado por ela.
De posse dessa assertiva, buscaremos, em um segundo momento, examinar a especificidade do jornalismo, tentando compreender, de um ponto de vista interno, as formas pelas quais programas políticos manifestam-se por meio da linguagem jornalística.
Notícia: um produto políticoAo longo de sua história, o jornalismo especializou-se como dimensão do conhecimento e da atividade prática humana com características próprias e distintas de outras formas de apreensão da realidade.
Essa especialização baseou-se, em larga medida, na ideia de que a notícia e outros gêneros do jornalismo não devem emitir juízos de valor explícitos, à medida que isso contraria a natureza da informação jornalística tal como esta se configurou modernamente.
Ou, como explica Mário Erbolato, -A evolução e a adoção de novas técnicas no jornalismo [.
] levaram a uma conquista autêntica: a separação entre, de um lado, o relato e a descrição de um fato, dentro dos limites de objetividade permitidos pela natureza humana, e, de outro, a análise e o comentário da mesma ocorrência.
- (1991, p.
34)Também Nilson Laje (2001) afirma que o conceito de objetividade posto em voga pelo jornalismo consiste na descrição dos fatos tais quais se apresentam.
Trata-se de um abandono deliberado das interpretações ou do diálogo com a realidade para extrair desta apenas o que se mostra autoevidente.
Laje assinala as vantagens práticas dessa técnica, que correspondem à proposição de um -improvável ponto de equilíbrio diante do qual um fato ocorrido pudesse ser contado de uma só maneira justa- (p.
17).
Tanto Laje quanto Erbolato expõem uma evidência que as críticas estreitas do jornalismo - todas baseadas na ideia de -manipulação- - não reconhecem.
Trata-se, aqui, da validação de uma nova estratégia de apreensão do real, na qual os fatos são reconstruídos em seu aspecto fenomênico por meio de modernas técnicas discursivas.
É nessa perspectiva que devemos entender a reclamada -objetividade- no trato da matéria jornalística: estamos diante de uma questão de método, não de substância.
Não se trata de um conceito ontológico, mas de um efeito de objetividade simulado por técnicas de linguagem.
A objetividade é, assim, uma estratégia discursiva que visa a um efeito de veracidade e, consequentemente, à conquista de credibilidade e legitimidade junto ao leitor.
É evidente que, no seu pior, a ideia de objetividade jornalística reproduz o funcionalismo burguês, que serve à reprodução e confirmação dos aspectos da notícia que são funcionais à ordem dominante.
Nessa perspectiva, a -objetividade- reflete uma compreensão do mundo como conjunto de -fatos- prontos e acabados, cuja existência, portanto, seria anterior a qualquer forma de percepção, e autônoma em relação a qualquer ideologia ou concepção de mundo.
Na contramão dessa concepção, temos por pressuposto que os fatos não encerram, em si mesmos, um significado objetivo independente do sujeito que os percebe e codifica, ou completamente apartado das ideologias e concepções de mundo que enformam a totalidade histórica.
Todo relato jornalístico reproduz os fatos através de uma complexa operação intersubjetiva.
Como explica Genro Filho (1987), o jornalismo recorta fatos em um fluxo contínuo de acontecimentos e os constrói como notícias.
Os fatos, portanto, não existem previamente como tais.
O que existe é um fluxo objetivo na realidade, de onde certas ocorrências são -discretizadas- e reconstituídas segundo determinações ao mesmo tempo objetivas e subjetivas.
Assim, os próprios fatos, emoldurados em uma dimensão histórico-social mais ampla, não são puramente -objetivos-.
Eles possuem dupla dimensão: objetiva e subjetiva.
Mesmo sua dimensão objetiva não pode ser definida de maneira naturalista, como uma objetividade encerrada em si própria, independente do sujeito que percebe e ressignifica.
A objetividade dos fatos só pode ser encontrada na imanência da realidade histórico-social.
Em síntese, os fatos possuem uma dimensão objetiva, material, que os faz terem sempre algo novo a dizer.
Não podem jamais ser dissolvidos no caráter evanescente da subjetivação.
A natureza dessa informação, evidentemente, não pode ser arbitrária.
Por outro lado, o fato nunca pode ser tomado em si mesmo; precisa ser visto como parte de uma totalidade contraditória, prenhe de alternativas que exigem tomada de posição.
No processo de apreensão jornalística da realidade social, os juízos que construímos sobre os fenômenos têm como veículo a própria forma de apreensão, seleção e apresentação dos fatos (seja ela escrita, oral ou visual).
Desde o momento da coleta dos dados até a edição final, passando pelas definições de enfoque e linguagem, nada disso é -inocente- ou -neutro- em termos político-ideológicos.
Ao privilegiar certos aspectos e ordená-los em um texto, incluindo alguns elementos e suprimindo outros, colocando estes no lide, aqueles na ponta da -pirâmide invertida-, o jornalista revela seu olhar particular.
É na face aguda do fato relatado que a mediação política se apresenta, na forma de alusões e indícios muitas vezes pálidos, que se apresentam em lusco-fusco e se dissolvem antes mesmo de se mostrarem com nitidez, revelando a herança dos pressupostos políticos e ideológicos que presidiram a apreensão do fenômeno.
É por isso que não precisamos optar entre um jornalismo -objetivo- e um jornalismo -político-.
Mesmo quando a notícia é produzida segundo os estritos cânones das técnicas jornalísticas, sem adjetivações e vieses explícitos que comprometam a ideia de distanciamento, ainda assim pode situar-se na perspectiva das disputas políticas, como é o caso da maioria das notícias produzidas pelos jornais da imprensa tradicional, o que inclui O Estado do Maranhão.
O Estado do Maranhão e o embate entre elites tradicionais e novos grupos dirigentesO jornal O Estado do Maranhão faz parte de um sistema, o Grupo Mirante de Comunicação, formado também por um portal de internet, uma emissora de televisão afiliada à Rede Globo, com cinco concessões - nas cidades de São Luís, Codó, Imperatriz, Santa Inês e Açailândia (2) -, uma emissora de rádio AM que opera em cadeia com 20 retransmissoras no interior, com cobertura em 200 dos 217 municípios, e uma rádio FM com 18 emissoras.
A tiragem média do jornal é de 13 mil exemplares diários (16 mil aos domingos).
A cobertura agregada do Grupo Mirante chega a 90% do estado (3).
O Grupo Mirante é um importante instrumento a serviço do grupo político derrotado nas eleições de 2014.
Esse grupo, liderado pelo ex-presidente José Sarney, deixou o Palácio dos Leões, sede do governo estadual, mas manteve intacto o domínio sobre os meios de comunicação locais.
A hegemonia do grupo baseia-se, em larga medida, na força da construção ideológica emanada do aparato de comunicação, dentre outros meios (a exemplo dos eruditos e acadêmicos).
Neste ponto é necessário introduzir uma discussão conceitual sobre a noção de hegemonia.
A teorização clássica sobre o conceito foi originalmente desenvolvida por Antonio Gramsci.
Hegemonia, na proposta gramsciana, é a direção, o domínio, a liderança de um grupo social sobre os demais, por meio do uso simultâneo de instrumentos de coerção e consenso.
No segundo caso, o processo baseia-se no emprego maciço de mecanismos ideológicos.
Na visão de Gramsci, ao longo do desenvolvimento de suas próprias formas políticas a burguesia teria conjugado o exercício do poder de Estado às instituições dirigentes da ação política e da produção e reprodução de significados e valores sociais.
Conformam-se, dessa maneira, formas ampliadas de exercício do poder político, capazes de incorporar aspectos não apenas militares e jurídicos, mas também intelectuais e morais.
A verdadeira hegemonia implica, nessa perspectiva, não apenas formas coercitivas, mas também o consenso do conjunto da sociedade, por meio da imposição de significados e estilos de vida.
Quem exerce a hegemonia habilita-se a unificar posições e blocos políticos, e quanto maior é a força da -violência simbólica- (BOURDIEU, 1998) empregada, mais se pode prescindir da utilização de mecanismos coercitivos.
Aplicado à leitura do contexto político maranhense, esse modelo mostra, uma vez mais, seu poder explicativo.
Impossibilitado de usar, por força das próprias circunstâncias, o monopólio do uso legítimo da coerção, materializado no Estado, o grupo oligárquico busca preservar suas posições apelando ao outro lado do -Centauro maquiavélico-: a disseminação de ideias, sentimentos e valores capazes de forjar um caldo de cultura oposicionista, francamente prejudicial ao desenvolvimento harmonioso do projeto político materializado no governo do PCdoB.
No contexto político maranhense, a eleição de Flávio Dino representa um movimento em direção à ruptura política, a uma mudança na forma de condução dos assuntos públicos.
Eleito por uma coalizão de forças democráticas, de centro e de esquerda, o novo governo empunha um programa desenvolvimentista e inclusivo.
Porém, ainda não foi capaz de se contrapor plenamente, senão no plano político-eleitoral, ao discurso das elites anteriores, que ecoa dos veículos do grupo Mirante, em especial de O Estado do Maranhão.
Quando consideramos o lugar do jornal no contexto mais amplo do sistema Mirante de comunicação, fica patente que seu papel é seminal: aquilo que surge nas páginas impressas de forma mais densa e elaborada será retrabalhado pelos outros veículos do sistema, chegando à base da pirâmide social na forma de uma mensagem simples e popularizada.
Aqui, sobressai o papel das rádios, principalmente as do espectro AM, que jogam grande papel em um estado pobre e periférico, cujas taxas de analfabetismo, medidas pelo IBGE no senso de 2013, chegam a 18,5%.
No entanto, quando examinamos estritamente o papel de O Estado do Maranhão, é preciso considerar que o jornal vende notícias para um público letrado e de classe média, em sua maioria localizado na capital.
Seu principal interlocutor, porém, não é o leitor padrão dessa camada urbana, mas os atores políticos e econômicos que disputam o poder no estado.
O diálogo que se estabelece através das narrativas jornalísticas dá-se principalmente entre as elites políticas e econômicas, que são permanentemente mobilizadas.
Análise de valência e índice de viésDe acordo com Fausto Neto (1995), a capa do jornal é uma vitrine em que são exibidos os principais interesses do veículo e do grupo que o sustenta.
A capa serve, ainda, como roteiro de leitura para o leitor e fornece pistas para o pesquisador sobre o que o jornal tenta estabelecer como prioridade na agenda de discussão pública.
É na capa, portanto, que acontece o primeiro embate no jogo da construção discursiva estabelecido junto ao público leitor.
As chamadas e manchetes desempenham um papel delineador da narrativa que se encontrará no miolo do jornal (FERES; BARBABELA; MIGUEL; CÂNDIDO; SASSARA: 2015).
Por isso optamos, neste trabalho, por focar esses textos curtos, porém muito reveladores das intenções de um veículo impresso.
Os objetivos de um jornal podem ser desvelados, entre outras metodologias, por meio da análise de valência, que classifica as notícias como positivas, negativas, neutras e ambivalentes.
As notícias têm valências positivas para determinado ator se elas lhes são favoráveis; negativas se são desfavoráveis, contendo críticas, ressalvas, ataques; neutras se se há um equilíbrio entre aspectos negativos e positivos; e ambivalentes se não é possível determinar se a notícia é negativa ou positiva em relação a um determinado fato, pessoa ou instituição (ALDÉ; FIGUEIREDO; MENDES, 2007).
Conforme os pressupostos teóricos adotados neste artigo, não existem notícias neutras, positivas ou negativas em si mesmas.
Negatividade, positividade e neutralidade só podem ser observadas à luz do contexto social, histórico, político e cultural no qual se insere o processo de produção, circulação e consumo das notícias (ALSINA, 1996).
Nesse sentido, a análise de valência é aqui utilizada com base na ponderação desses pressupostos, levando-se em consideração a intencionalidade do emissor (O Estado do Maranhão) em relação ao sujeito noticiado (Governo do Estado).
Uma matéria só pode ser considerada negativa, positiva ou neutra em referência a um contexto político determinado.
A valência, portanto, é conjuntural, não estrutural.
Adotamos, ainda, o índice de viés elaborado por Feres (2015) em suas pesquisas sobre o comportamento editorial dos maiores jornais de circulação nacional em relação às eleições presidenciais e ao governo Dilma.
O índice de viés indica a relação chamadas favoráveis menos chamadas contrárias divididas pelas chamadas neutras (IV=F-C/N).
Dessa forma é possível analisar a relação entre chamadas negativas e positivas a partir da ponderação com as neutras.
Isso empresta à pesquisa uma ferramenta a mais de análise que nos permite observar, a partir dos dados quantitativos, implicações qualitativas da cobertura realizada.
Na primeira fase da pesquisa, em que apenas as capas são analisadas, as notícias não foram separadas por editorias ou enquadramentos discursivos.
Os resultados expostos adiante dizem respeito à cobertura agregada em um único enquadramento: governo.
Em cem edições, foram catalogadas e analisadas 168 chamadas de capa que nos ajudam a compreender não apenas o posicionamento de O Estado do Maranhão em relação ao governo Flávio Dino, mas também a intensidade desse posicionamento.
Cem dias governando contra as notíciasEm cem edições, 168 chamadas de capa atenderam ao enquadramento -governo-.
Eram notícias referentes à atuação dos órgãos estaduais, dos secretários de governo ou do próprio governador.
A edição de 1º de janeiro inovou, trazendo o editorial na capa.
Outras edições ao longo do período também trouxeram editoriais e colunas de opinião na capa, movimento incomum no jornalismo impresso.
Esses textos opinativos, por estarem na primeira página, foram incluídos na catalogação para o estudo das valências.
Em média, o enquadramento -governo- aparece em três chamadas por dia.
Em apenas doze edições não houve qualquer enquadramento desse tipo na capa do jornal (o que não significa dizer que não havia, nessas edições, relatos sobre o governo estadual).
Não foram encontradas chamadas ambivalentes, ou seja, aquelas em que não é possível determinar se são negativas ou positivas a respeito de determinado assunto ou personagem.
Os gráficos a seguir apresentam os números relativos às valências negativas, positivas e neutras encontradas na primeira página do jornal entre 1º de janeiro e 10 de abril de 2015.
Dada a hipótese inicial da pesquisa, esperávamos um desequilíbrio acentuado entre valências positivas e negativas, mês a mês e no agregado do período.
Mas a intensidade desse desequilíbrio, como mostram os gráficos, vai além de qualquer hipótese.
Apresentamos abaixo seis gráficos.
Os quatro primeiros são relativos aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril (até o dia 10).
O quinto apresenta o agregado do período, e o último a evolução do índice de viés.
Um dado relevante é que, no primeiro mês de governo, o jornal não tenha encontrado uma única ação positiva da gestão que se estava iniciando, em que pese o editorial de 1º de janeiro informar que agiria como -observador crítico-.
Essa promessa de postura equilibrada não se sustentou.
Nos meses seguintes, ao contrário, a cobertura negativa intensificou-se de tal forma que apenas quatro chamadas com valência positiva foram publicadas na capa em cem dias, todas sobre ações do Procon.
Houve também uma queda nas chamadas neutras em relação ao primeiro mês, o que denota a acentuação da cobertura negativa do jornal em relação ao governo.
O índice de viés das valências para janeiro foi de -3,076 (4).
É um índice muito alto para o primeiro mês de um novo governo e só pode ser compreendido se se leva em conta o contexto institucional de produção, circulação e consumo das informações publicizadas, conforme exposto anteriormente.
O mês de fevereiro teve um total de 44 chamadas, sendo que apenas sete não foram negativas.
Uma particularidade é que fevereiro é um mês tradicionalmente rico em menções ao governo estadual por causa do período carnavalesco, patrocinado em grande parte pelo poder público.
Foi possível notar, já nesse segundo mês de cobertura, a construção discursiva do Maranhão como -estado problema-: o movimento menor de turistas e foliões nas ruas da capital, São Luís, foi contraposto a um período anterior de -sucesso- da festa popular.
As opções do jornal ficam mais claras e o índice de viés de fevereiro (-7,4) reflete bem isso.
Em março, o índice de viés cai para -4,71.
Foram 35 chamadas no total, sete neutras e apenas duas positivas.
O mês de abril, que teve apenas dez dias de cobertura contabilizados neste trabalho, foi especialmente emblemático para a tendência de aprofundamento da construção de uma percepção desfavorável em relação ao governo do Maranhão: 24 chamadas em dez dias, todas negativas - índice de viés de -24.
O sexto gráfico mostra, de forma dramática, o aprofundamento da cobertura negativamente orientada, o que nos permite afirmar que Flávio Dino governa contra as notícias.
Considerações finaisNossa pesquisa compreende o jornal como ator político.
Conforme buscamos deixar claro ao longo desta comunicação, o pressuposto adotado confirma-se com nitidez no caso de O Estado do Maranhão.
Ao lançar mão de uma análise metodologicamente rigorosa, observamos destaques e silenciamentos capazes de revelar, pelo menos em parte, como operam as estruturas discursivas que buscam conferir ao Maranhão o status de -estado problema-, e à administração Flávio Dino o rótulo de inoperante, -perdida no reino das fantasias- (O Estado do Maranhão, 10 de abril de 2015, p.
1).
As notícias negativamente orientadas enquadram, quase sempre, os cem dias do governo Flávio Dino numa dicotomia discurso versus prática, de modo que O Estado do Maranhão desconstrói o principal mote da campanha eleitoral de 2014: a mudança.
A análise do marco das cem edições confirmou a hipótese inicial de que o jornal atuaria como ator político situado no campo oposicionista e se comportaria como adversário e crítico do governo recém-instalado no Palácio dos Leões.
Essa crítica, ideologicamente orientada, materializa a intencionalidade do grupo político ao qual o jornal pertence.
É possível antever algumas consequências desse comportamento para os campos político e jornalístico.
No campo político, como já era esperado, observa-se a configuração de um embate permanente entre os dois campos que disputam a hegemonia no Maranhão, intensificado e publicizado no plano jornalístico por meio das construções noticiosas que minimizam e até excluem qualquer possibilidade de reconhecimento dos acertos do novo governo.
No campo jornalístico, a postura de O Estado do Maranhão revela que mesmo um jornal que separa formalmente informação de opinião, atendendo aos pressupostos do jornalismo moderno, é também político, tanto quanto ou às vezes até mais do que os veículos militantes que caracterizaram, no passado, a prática jornalística.
No quadro de uma disputa acirrada pela hegemonia, é improvável que haja um ponto de equilíbrio na cobertura jornalística, até porque mesmo uma postura supostamente -equilibrada- pode, considerado o contexto mais geral do maquinismo das forças políticas, favorecer um dos lados da contenda.
* Professores adjuntos do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão.
Notas(1) A pesquisa é desenvolvida pelo Laboratório Integrado de Pesquisa e Práticas Jornalísticas e Culturais da Universidade Federal do Maranhão, inscrito no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPQ, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (Fapema).
Página eletrônica: www.
labjor.
ufma.
br / labjor@ufma.
br.
(2) Com essa estrutura, o sinal da TV Mirante gerado a partir de São Luís alcança praticamente todos os municípios do estado.
Além das cinco geradoras citadas, o sistema conta com retransmissoras afiliadas em vários municípios.
As geradoras produzem programação local.
As retransmissoras apenas retransmitem o sinal gerado a partir da cabeça de rede em São Luís.
Dados disponíveis em www.
imirante(3) Dados disponíveis em material do departamento de marketing distribuído entre anunciantes.
(4) Quanto mais próximo de zero for o índice de viés, mais equilibrada é a cobertura de um veículo.
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Berkeley, University of California Press, 1999.