Homenagem
Edição 134 > Entrevista com Diógenes Arruda – Parte 2
Entrevista com Diógenes Arruda – Parte 2
Diógenes Arruda Câmara: centenário de um comunista "danado"
Confira a seguir a segunda e última parte da entrevista com Diógenes Arruda realizada em junho de 1979 pelos jornalistas Albino Castro e Iza Fraeza e que Princípios publica pela primeira vez em meio impresso como homenagem aos 100 anos do histórico líder comunista, completados em dezembro de 2014

Iza - Você já era do Comitê Central-
Arruda - Não. Eu estava como primeiro secretário do Comitê Regional de São Paulo. Bem, então entramos em contato com o Maurício Grabois. Haviam saído da prisão alguns ex-oficiais do Exército e também alguns antigos dirigentes do Partido, como José Medina, que era um operário naval e tinha sido secretário-geral da Federação Nacional dos Marítimos e ao mesmo tempo membro do Birô Político do Partido em 1935. Tinha tido um bom comportamento na prisão. Também tinha o velho Álvaro Ventura, que era estivador em Santa Catarina, com quem também havíamos estabelecido contato. Nós tínhamos contato, nesse período... era São Paulo, articulado com a Bahia - na Bahia tinha um dirigente, muito jovem, que era Mário Alves -, tínhamos contato também com o secretariado de Sergipe, de Alagoas, de Pernambuco - mas que caiu em 1941 também - e com a Paraíba.
Bem, começamos a descer. Fomos a Santa Catarina e pegamos contato com Álvaro Ventura, e contato depois com o Rio Grande do Sul. Então, precisava ver a situação do Rio de Janeiro. É aí que nos encontramos com Maurício Grabois e nos encontramos também com o responsável pelo trabalho militar no Partido, que não havia sido preso. Naquele tempo era um tenente, ou capitão, do Exército, não me recordo, chamado Júlio Sérgio de Oliveira. Já morreu - morreu de câncer em 1956 ou 57. Nesse momento, chegavam, de Belém do Pará, João Amazonas e Pedro Pomar, que haviam fugido da prisão. Então, nós começamos, no princípio de 1942, a estabelecer contatos, mas dizíamos o seguinte: Um novo Comitê Central só pode surgir se for a expressão da confiança completa dos Comitês Regionais. Então, em junho ou julho de 1942, fizemos uma reunião ampliada no Rio de Janeiro e foi tirado um Secretariado Nacional Provisório. Esse Secretariado tinha como missão reconstruir o Partido, recontatar os Comitês Regionais, rearticular o Partido e realizar uma Conferência Nacional para tirar um Comitê Central. Esse Secretariado era composto por José Medina, por mim e por Maurício Grabois.
Albino - Amazonas e Pomar não
Arruda - Amazonas vai para a Comissão Sindical - nesse tempo ele já tinha reconstruído o Partido em Belo Horizonte e Juiz de Fora, e nas Minas de Nova Lima e Raposos. Então, vem como responsável de Minas Gerais, mas aí fica responsável pelo trabalho sindical. Pomar vem para trabalhar na Comissão de Organização, junto com outros elementos, como, por exemplo, um ferroviário de Pernambuco, chamado Agostinho Dias de Oliveira, que também tinha sido preso no Pará, e que tínhamos chamado. Nesse trabalho de reorganização, nós fomos pegando contato, e de contato em contato, com ex-presos políticos, fomos avançando na reorganização do Partido. Quando juntamos tudo, conseguimos uns 980 militantes.
Albino - O Prestes nesse tempo estava na cadeia. Ele era informado-
Arruda - Não. Ao mesmo tempo, nós fazíamos a luta contra o nazismo. Nós tínhamos a União Nacional dos Estudantes na mão, reconstruímos uma organização antiga que tinha no período de Olavo Bilac, chamada Liga de Defesa Nacional, organizamos um departamento trabalhista, e fomos avançando na luta pela participação do Brasil na guerra, pela conquista das liberdades, fomos estabelecendo uma nova linha política do Partido, e quando se verificaram os afundamentos dos navios os estudantes no Rio de Janeiro ocuparam o Clube Germânico e abriram a União Nacional dos Estudantes, legalmente no Rio de Janeiro. Fizemos um movimento pela participação do Brasil na guerra, com voluntários, fizemos com que todos os jovens do Partido se inscrevessem como voluntários, e todos os oficiais do Exército - e sargentos - no Partido também se ofereceram como voluntários. Esse foi o núcleo para a formação da FEB. Então nós fizemos voltar todo o Partido para o trabalho de massas, para o trabalho estudantil, para o trabalho sindical, para o trabalho popular, para o trabalho de luta contra o fascismo - a luta democrática.
Ao mesmo tempo estávamos reconstruindo o Partido. Um departamento sindical que se organizou na Liga de Defesa Nacional foi o embrião para formar o Movimento Unitário dos Trabalhadores, o MUT. As lideranças sindicais que saíam das prisões nós fomos articulando nesse movimento, e fomos retomando todo o movimento sindical brasileiro - que havia sido tremendamente golpeado desde a insurreição nacional libertadora de 1935. Então, esse nosso trabalho foi adquirindo amplitude, a ponto de nós realizarmos, em agosto de 1943, uma conferência nacional, chamada Conferência da Mantiqueira, que se realizou num sítio de elementos do Partido, que eram camponeses pobres. Esse sítio fica próximo ao município de Barra do Piraí. A Conferência da Mantiqueira contou já com delegados da Paraíba, de Alagoas, de Sergipe, da Bahia, de Minas Gerais, do Estado do Rio, de São Paulo, de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande do Sul.
Albino - E do Pará, o Amazonas...
Arruda - Sim. E do Pará. Do Pará também veio um delegado. Nessa Conferência a gente estava com uns mil e oitocentos militantes. Aí é que se tira um novo Comitê Central, na chamada Conferência da Mantiqueira. Esse Comitê Central tira uma Comissão Executiva e um Secretariado. Para o Secretariado são eleitos José Medina, eu, o Maurício Grabois e o João Amazonas. E para o Birô Político, ou Comissão Executiva, Pedro Pomar e outros elementos que não me recordo agora. Aí é que o Prestes é eleito membro do Comitê Central do Partido - Marighella também (foi eleito) membro do Comitê Central do Partido. E alguns outros presos políticos (foram eleitos) membros do Comitê Central e muitos outros camaradas já provados nas prisões, na clandestinidade, nas torturas etc. Nós éramos muito rigorosos a respeito desse problema.
Iza - Só ali que Prestes é eleito membro do Comitê Central-
Arruda - Sim, só ali que Prestes é eleito.
Albino - Ele foi nomeado em 1931, na União Soviética, secretário-geral no lugar de Astrojildo Pereira...
Arruda - Não, não. O Prestes só foi aceito no Partido em agosto de 1934. Depois, em 1935 ele vem ao Brasil, e é proposto para o Comitê Central. Há resistências no Comitê Central em 1934 para ele ser membro do Partido. Foi preciso uma solicitação do Comitê Executivo da Internacional Comunista. Também em 1935, uma solicitação do Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista para ele ser membro do Comitê Central. Porque aí ele era do Secretariado da Internacional Comunista, junto com Harry Berger, cujo nome verdadeiro era Arthur Ewert, um operário metalúrgico alemão que tinha sido deputado pelo Reichstag, tinha sido membro do Comitê Central do partido alemão e do secretariado do partido alemão, e também membro do Comitê Executivo da Internacional Comunista. E tinha outras personalidades. Muitos desses elementos foram presos, Berger passou dez anos na prisão. Morreu torturado barbaramente o Barron (5), que era um jovem comunista norte-americano, membro da Internacional da Juventude Comunista etc.
Albino - Astrojildo nessa época ainda era o secretário, não é-
Arruda - Não. Astrojildo tinha sido afastado como secretário-geral do Partido em fins de 1929 e expulso em 1930, como oportunista de direita.
Albino - E depois foi readmitido-
Arruda - Astrojildo só foi readmitido no Partido em 1945 com a legalidade. Ele passou, portanto, de 1930 a 1945 fora do Partido - durante praticamente 15 anos.
Em todo esse movimento de reorganização do Partido, o trabalho de massa, o trabalho sindical, o trabalho popular, o trabalho estudantil... o Partido foi crescendo. Nós concentrávamos forças na luta democrática, antifascista, procuramos eliminar todas as tendências sectárias no Partido, e quando chega em dezembro de 1944 nós lançamos a palavra de ordem de -anistia ampla, geral e irrestrita-. O movimento adquire corpo em janeiro através de uma campanha de massas muito ampla, da qual participa, inclusive, Osvaldo Aranha - mas na qual também nós botamos comunistas que saíram da prisão para falar em comícios. Essa campanha vai de janeiro a março. Em 17 de abril de 1945, nós conseguimos a anistia.
Albino - Para todo mundo, não é-
Arruda - Para todo mundo. Nesse momento, o Partido está com uns seis mil e oitocentos membros, através de um balanço que nós demos em fins de abril de 1945. Com a anistia, nós lançamos imediatamente a campanha por uma Assembleia Constituinte, democrática, soberana, livremente eleita. E lançamos também a campanha para o reconhecimento da União Soviética e de todos os países socialistas. E ao mesmo tempo começamos a lutar pela legalidade do Partido. Mas nós não iríamos pedir licença ao governo para lutarmos pela legalidade do Partido. Utilizamos um artifício. Procuramos fazer um grande comício (6) no Estádio de São Januário, do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, em comemoração à anistia - portanto, a liberdade dos presos políticos. Esse comício superlotou o estádio.
Posteriormente, nós realizamos um grande comício no Pacaembu, em São Paulo, que também superlotou. No Pacaembu, nós lançamos a legalidade do Partido. O Partido Comunista do Brasil, a partir de hoje, está legal em todo o Brasil. Foi realmente um espetáculo emocionante. Porque, vamos contar -x- de abril, maio, junho o Partido passou para 40 mil membros, 50 mil membros, 60 mil membros, e em dezembro o Partido já estava com 80 mil membros. Era verdadeiramente emocionante. Nós não sabíamos o que fazer. Estávamos acostumados a dirigir um Partido pequeno. E como dirigir um Partido grande- Nós não sabíamos. Em São Paulo eu me recordo de uma fábrica que foi um espetáculo emocionante, a Arno. Uma fábrica metalúrgica.
Então chegaram os velhos espanhóis, com um bocado de jovens. E eu participei da reunião. Disseram: -estamos aqui, nós somos velhos comunistas, mas essa juventude é que é realmente a liderança da fábrica. Esses são jovens de vanguarda na fábrica-. Eles disseram: -Nós queremos todos entrar no Partido-. O que foi significativo foi que esses operários velhos disseram: -Nós já demos o que podíamos dar. Essa juventude é nossa continuadora-. E elegeram um jovem de 20 anos de idade, como secretário da célula. -Como é que se organiza uma célula do Partido- Nós não sabemos. É como no Sindicato- Não. É assim, assim, assado. Quem são os dirigentes-- -Vocês é que sabem quem são os dirigentes-. Nós não sabíamos. E assim fomos organizando células e mais células nas empresas metalúrgicas, nas fábricas têxteis, no porto de Santos etc., etc. Posteriormente ao comício de São Januário, foi feito um grande comício no Recife (7).
Albino - Foi onde- Na Ilha do Retiro-
Arruda - Não. Foi no Parque 13 de Maio. Foi verdadeiramente emocionante. Pernambuco havia sofrido muito com a repressão. Vários dirigentes e militantes do Partido haviam sido mortos barbaramente pela polícia de Pernambuco. Entre eles, um irmão de Gregório Bezerra, chamado Lourenço Bezerra, que tinha uma mulher e cinco ou seis filhos. O maior tinha parece que 5 anos de idade. Pois bem. Foram quebrando as mãos, os braços do Lourenço, para ele dizer alguma coisa. E Lourenço, mesmo tendo uma mulher e cinco ou seis filhos, nunca disse uma palavra - e morreu assim. Também me recordo de um dirigente do Partido chamado Luiz Bispo, era o primeiro secretário. Foi preso em 1936, reagiu à prisão e aqueles bandidos da polícia política de Pernambuco, que tinha Etelvino Lins à frente, torturam tanto o Luiz Bispo que depois tiveram que juntar os ossos e enterrá-los num saco de aniagem - porque aquilo já era uma massa informe. Mas Luiz Bispo também nunca disse uma palavra (pronuncia com voz grave e pausadamente).
José Francisco Cabelo de Rato, também um outro herói do Partido, e assim outros e outros tantos. Me recordo que em 1938, 39, havia - 37, 38 - um Secretariado do Nordeste do Comitê Central. O seu primeiro secretário era um jornalista baiano, chamado Clóvis Caldeira, que foi torturado noite e dia (pronuncia pausadamente) sem parar durante um ano inteiro. Depois de uns dois anos, soltaram o Caldeira e ele parecia um homem que tinha saído de um campo de concentração. Magro, tuberculoso, sem poder falar. Mas o Caldeira nunca disse uma palavra (pronuncia pausadamente e com a voz grave). Foi preso com ele um major da Força Pública do Recife, se não me falha a memória chamado major Calmon.
Conheci depois o major Calmon andando com duas bengalinhas, porque botaram ele numa tortura com soda cáustica e as pernas dele secaram. E o major Calmon nunca disse uma palavra. Então, o povo pernambucano, os trabalhadores, os comunistas de Pernambuco, tinham muitos heróis e mártires. Quando se verificou o comício ali, eu me recordo, foi verdadeiramente emocionante. Eu como pernambucano fui instalar legalmente o Comitê Regional de Pernambuco. Fui também no comício do Parque 13 de Maio, e era impressionante a acolhida de operários, de estudantes para ingressar no Partido Comunista do Brasil.
Iza - E esse crescendo foi até...
Arruda - Esse crescendo foi... tivemos as eleições, em dezembro de 1945, tivemos mais de 12% da votação, fomos o primeiro partido no Rio de Janeiro, em Recife, em Santo André, em Santos, em Sorocaba, fomos o segundo partido em São Paulo. Nas eleições municipais: primeiro partido em São Paulo, elegemos o prefeito de Santo André, de Sorocaba (8), e disparado o primeiro partido em Santos, que era considerada a -cidade vermelha-, a Stalingrado brasileira, primeiro partido novamente no Recife etc. Quer dizer: nos principais centros urbanos, e principalmente nos centros operários, nós éramos o primeiro partido. Ele foi crescendo em 1946, em março de 47 nós demos um balanço e o Partido estava com 220 mil membros. Porque em 1947 nós íamos realizar o 4º Congresso do Partido.
Só que estávamos preparando o Congresso quando o Partido é fechado por um ato arbitrário, monstruoso, ilegal do Tribunal Eleitoral. O Partido é fechado no dia 7 ou 8 de maio de 1947, é jogado na clandestinidade (9).
Albino Castro - Arruda, eu queria, antes de avançar até 1947, falar mais do período da legalização. Por exemplo, quando Prestes saiu da cadeia ele foi àquele comício com o Getúlio. Quer dizer: o Partido saiu da cadeia, da ilegalidade, e dessa forma foi apoiar Getúlio. Getúlio simbolizava a ditadura. Isso é considerado para muitos um erro histórico do Partido. A aliança com o ditador... Que bem ou mal era o regime dele que tinha torturado e matado.
Arruda - Olha aqui, nós...
Albino - Prestes tinha passado dez anos na cadeia, ele fez aquilo sem consultar os companheiros que tinham reorganizado o Partido-
Arruda - Não, não, não...
Albino - Ah, não foi-
Arruda - Não. Hoje se olhando verifica-se, eu pelo menos acho, que a nossa linha política do período de 1945 a 1947 foi oportunista de direita. Nós acreditávamos que podíamos conquistar o poder através de um processo democrático, eleitoral, parlamentar etc. Éramos dirigentes jovens, os êxitos subiram à cabeça. Grandes vitórias, verdadeiramente desconhecidas na história do Partido e do movimento operário brasileiro. Bem... Mas nós tivemos muitas ilusões de classe. Entretanto, não podemos considerar, não creio correto, que era errada a política que adotamos em relação ao Getúlio. Tinha aspectos que deveriam ser corrigidos. Por exemplo: falar em ordem e tranquilidade - isso era uma atitude oportunista. Não querer realizar muitas greves - outra atitude oportunista. O apoio incondicional a Vargas - também uma atitude oportunista.
Entretanto, o apoio a Vargas era correto. Em que sentido- Apoiar o governo Vargas no sentido das conquistas democráticas e nas concessões que ele dava em relação à participação da FEB, em relação à redemocratização do país, em relação ao reconhecimento da União Soviética, em relação à legalidade do Partido, em relação à convocação de uma Assembleia Constituinte. E surge aí um fenômeno original. É que na verdade no Brasil só quem lutou contra o Estado Novo, contra a ditadura de Vargas, foram os comunistas. Mais ninguém (ênfase). O seu Octávio Mangabeira tinha ido para Nova Iorque, para os Estados Unidos. E mais ninguém. O resto é conversa fiada. Então, o Getúlio estava fazendo concessões e mais concessões às forças operárias, às forças populares, às forças democráticas.
É nesse momento que surgem elementos que haviam, como nós dizemos, comido na gamela durante todo os dez anos do Estado Novo para articular um golpe. Quiseram nos envolver nesse golpe. O certo é o seguinte: esse golpe contra o Getúlio foi preparado depois de um célebre discurso do senhor Adolf Berle Júnior, que era embaixador dos Estados Unidos, proferido em Petrópolis, onde disse que o comunismo era um perigo, que estava avassalando o Brasil. E deixando a entender que Getúlio estava fazendo concessões aos comunistas. Então, há toda uma encenação de preparação do golpe.
Na verdade, esse golpe não foi contra o Getúlio. Foi contra o processo de conquistas de liberdades: liberdade sindical, liberdades democráticas. E contra a democracia, porque o povo brasileiro estava avançando no sentido da democracia. Agora são esses tipos, aqueles velhos carcomidos, muitos deles vão para o PSD ou para a UDN - principalmente para a UDN -, que procuraram nos acusar. Uma vez fizemos um discurso na Câmara e desmascaramos. Dissemos o seguinte: -passaram tantos mil comunistas, tantos mil aliancistas - membros da Aliança Nacional Libertadora -, pela prisão. Temos no Comitê Central do nosso Partido tantos elementos que somados os seus anos de prisão é tanto. Temos aqui deputados que também tiveram tantos anos de prisão. Morreram comunistas, como heróis e mártires do Partido, tantos e tantos. Levantem, queremos saber, entre os senhores, quantos mortos existem entre os seus partidários e quantos passaram pelas prisões-. A Câmara foi esvaziando, porque eles não podiam levantar o dedo de ataque a nós. Nunca enfrentaram a luta assim com um debate conosco, franco e aberto, a respeito dessa acusação.
Agora, com Vargas sucedeu o seguinte: nós procuramos estabelecer um contato, e teve entendimentos antes do golpe dado contra ele em 1945. Dissemos: -vamos à greve geral, vamos levantar as forças armadas-. Nós tínhamos muita força, principalmente no Exército. E o Vargas disse: -Prefiro renunciar e ir embora a fazer uma guerra civil. Porque começa comigo e vai terminar nas mãos dos comunistas-. E o Vargas foi embora para a sua fazenda lá em São Borja e não quis enfrentar os golpistas no terreno que deviam ser enfrentados - através de uma greve geral, paralisando toda a vida do país, e através da luta armada. Porque os golpistas eram fracos. Quem tinha força nas forças armadas de fato era o Getúlio, naquele tempo, e os comunistas, o nosso Partido. E Getúlio não quis enfrentar a luta no terreno que era possível para garantir o processo democrático.
Albino - Agora, uma outra coisa curiosa... Ah, você não terminou. Desculpe. Termina, termina...
Arruda - Agora, posteriormente, quando são convocadas as eleições, o Getúlio toma a atitude de organizar... vem o PSD, vem a UDN, vem alguns partidos... e Getúlio toma a iniciativa de organizar o PTB. Não sei se vocês se recordam que o Getúlio deu uma entrevista à revista Globo, onde ele explica os motivos...
Albino - Lá do Rio Grande do Sul. É a revista do Érico Veríssimo.
Arruda - Então, ele dá essa entrevista e diz os motivos por que organiza o PTB. É preciso que a gente refresque a memória hoje que se quer reorganizar o PTB. Bem, Getúlio dizia o seguinte: -o comunismo está ganhando toda a classe operária-. Foram organizados velhos partidos, como o PSD, a UDN, parecidos com os partidos antes de 1930. -E eu preciso- - dizia ele - -organizar um partido que entre na massa de salário mínimo e evite que o movimento operário seja totalmente ganho pelo Partido Comunista do Brasil-. E foi com esse objetivo que Getúlio organizou o PTB - contra o Partido Comunista do Brasil. Para ver se conseguia barrar a nossa crescente influência no movimento operário e no movimento sindical.
De fato, o Partido tinha ganho a maioria já do movimento sindical. Tinha feito um congresso de delegados sindicais de todo o Brasil e organizou a Confederação dos Trabalhadores do Brasil. E nós derrotamos os chamados -queremistas-, ou getulistas, no movimento sindical - os pelegos, naquele tempo -, e ganhamos a direção do movimento sindical. Só posteriormente, no governo de Dutra, essa Confederação dos Trabalhadores do Brasil foi fechada. Houve intervenção em dezenas e dezenas... centenas de sindicatos - intervenção em quase dois mil sindicatos. Fecharam as Ligas Camponesas, fecharam os comitês democráticos, ou comitês populares, fecharam o Partido...
Albino - Agora, uma coisa curiosa que eu acho... Por exemplo... Não sei se isso tem relação já com... Porque a gente aprende na história do Brasil, e vocês já são da história do Brasil, que desde a saída do Prestes (da prisão) passou a haver uma espécie de choque de liderança dentro do Partido. Em 1945, o Partido foi à legalidade e em 46 participou das eleições, mas você e o Pomar criaram o Partido Social Progressista.
Arruda - Não, não, não (ênfase). Não havia naquele tempo um choque...
Albino - Tanto é que vocês foram deputados por um outro partido e não pelo PCB (então a sigla do Partido Comunista do Brasil).
Arruda - Não. Foi o seguinte: nós fizemos um acordo com o partido do Ademar de Barros, Partido Social Progressista, para as eleições suplementares (de 19 de janeiro de 1947) em São Paulo. Então, eu e o Pomar fomos candidatos a deputado e resolvemos apresentar as candidaturas - quem resolveu foi o Comitê Central do Partido - pelo Partido Social Progressista.
Albino - Porque já havia uma disputa no Partido...
Arruda - Não. Porque o Partido poderia ser fechado. Então, na verdade, nós elegemos...
Iza Freaza - Estratégia... Foi ideia sua-
Arruda - Não. Foi da Comissão Executiva do Partido.
Albino - Os portugueses fizeram isso também há pouco tempo.
Arruda - O PTB elegeu um deputado, que foi Emílio Carlos, nós elegemos dois, que foi o Pomar e eu, com uma votação verdadeiramente impressionante, e nós elegemos um senador, que foi o Cândido Portinari, o grande pintor. Ele foi eleito. Basta dizer o seguinte: o Roberto Simonsen, que havia sido apoiado pelo PSD, pelo Getúlio e por todo mundo, estava atrás da votação de Portinari, cerca de 50 mil votos. Essa noite ia ser fechada a ata geral das eleições em São Paulo. Na noite seguinte, para surpresa, os quase 50 mil votos de diferença a favor do Portinari haviam passado milagrosamente... ou melhor dito: foram roubados e passados para Roberto Simonsen. Quer dizer: o Roberto Simonsen não foi eleito pelo eleitorado. Foi eleito pelo Tribunal Estadual Eleitoral de São Paulo. O verdadeiro senador eleito foi Cândido Portinari.
Portinari fazia uns comícios formidáveis, admiráveis. Ele contava muita história da vida dele, história de quando ele era filho de sitiantes lá em Brodósqui. E também histórias outras. Ele gostava de contar muitas histórias engraçadas. E no interior de São Paulo se gostava muito daquela maneira caipira que ele falava. Eu me recordo que participando de um comício com Portinari, ele contava uma história interessante. Quando ele estava fazendo os murais do Ministério da Educação, que são os chamados ciclos da história do Brasil, o Capanema, que era ministro da Educação, disse: -Portinari, está faltando aqui um quadro-. Ele disse: -Qual é o quadro-- Era botar Caxias como o pacificador do Brasil, o patrono do Exército. Porque senão aqueles murais seriam considerados subversivos. -Não é possível - você faça essa concessão-.
E o Portinari ficou bravo, não quis mais continuar a fazer os murais etc. Então, por muita solicitação, muitos pedidos de Capanema, Portinari aquiesceu em fazer o retrato de Caxias. Não um quadro. E de vez em quando o Capanema ia acompanhar a feitura dos murais. Um dia Capanema pergunta ao Portinari se ele já havia pintado o retrato de Caxias. Ele disse: -Perfeitamente, pode vir olhar-. O Capanema começou a olhar o mural sobre o pau-brasil, o mural sobre a era do ouro, depois o mural sobre a mineração, sobre o açúcar, o café, a pecuária também etc. E o Capanema vai olhando, vai olhando... volta e diz: -Mas não está - não vejo o retrato de Caxias-. Ele diz: -É porque você não olhou direito. Volte a olhar os quadros-. Aí, dizia o Portinari, o Capanema voltou e disse: -Mas eu não vejo o Caxias. Onde é que você botou o Caxias--
Ele o chamou para frente do mural que era a pecuária e disse: -Olha aqui nesse mural que você vê o retrato de Caxias-. Ele disse: -Mas eu não vejo, Portinari!- Ele disse: -Você não vê- Olhe para esta bosta de boi que ela tem a cara do Caxias-. (Risos). Estava a cara de Caxias ali numa bosta de boi (risos). Então o Capanema disse: -Não faça isso, Portinari! (rindo) Nós vamos todos para a cadeia!- Ele disse: -Bem, se você não quer o Caxias como essa bosta de boi eu apago o negócio e fica o dito pelo não dito- (risos). E assim ele contava... e o pessoal ria (rindo), dava gargalhadas, batia palmas no interior de São Paulo. E assim (gargalhadas)... era maravilhoso! Isso não pode botar (na entrevista), não é-
Iza - Acho que sim. Lá eles vem como é que é. E há quanto tempo... Portinari já está morto...
Albino - Agora tem uma história muito engraçada, não sei se é verdade. Dizem que quando o Partido foi para a ilegalidade você e o Pomar continuaram na bancada do PSP. Então quando chegava o Natal vocês iam lá com as mocinhas da juventude comunista recolher uma grana para o Natal das crianças comunistas.
Arruda - (Risos)
Albino - E diz que o Zezinho Bonifácio (10), certa vez, botou a grana dele, bateu no chão e disse: -Arruda, lembre-se bem de mim, estou contribuindo-. Naquele tempo existia um medo de que o PC tomasse o poder. É verdade isso-
Arruda - Não me recordo. Eu soube que uma vez a uns jornalistas o Zé Bonifácio falou a respeito. Mas francamente não me recordo desse episódio. Talvez possa ser, mas me falha a memória a respeito. Não me recordo bem desse fato (risos).
Albino - Era uma espécie de pedágio...
Arruda - Em geral os dirigentes do Partido não faziam finanças. Nós tínhamos cuidado (risos). Eles sabiam que eu era dirigente do Partido...
Albino - Depois da ilegalidade do Partido é que vem a história, vamos dizer assim, mais controvertida sua dentro do Partido, não é- Que é a história em que normalmente a minha geração tomou conhecimento através do livro do Peralva, O Retrato. Que é talvez a única versão, ou uma das raras versões, que foi editada sobretudo nesse período que vai de 1947 a 1956, 1957, que é o período da chamada -desestalinização-, essa coisa toda. De maio de 1947 até 1952, que é o ano da morte de Stalin, qual foi o comportamento do Partido- Como ele agiu-
Arruda - 1952 não, 1953.
Albino - 1953, é. O Partido estava preparado para essa ilegalidade- Primeiro tenho uma pergunta mais interessante: o Juracy Magalhães (11) fez uma provocação no plenário perguntando ao Prestes se a União Soviética declarasse guerra ao Brasil de que lado o Partido Comunista ficaria. Eu acho que o Prestes respondeu de uma maneira muito ingênua. Foi uma provocação a qual hoje certamente ele não responderia assim. Como é que você viu aquilo- Você estava na bancada do Ademar de Barros, não é-
Arruda - Não. Eu e o Pomar fomos eleitos pela legenda do partido de Ademar de Barros, mas quando chegamos na Câmara entramos para integrar a bancada comunista. Nos declaramos comunistas. Olha, efetivamente o Juracy Magalhães, como um sujeito muito reacionário, um agente americano desses de um servilismo sem limites, fez uma provocação uma vez num debate na Câmara. Eu creio que, naquele momento, a posição realmente justa, do ponto de vista internacionalista proletário, era dizer o seguinte: Se há uma guerra das potências imperialistas contra a União Soviética, que naquele momento era um país socialista, e o Brasil participa ao lado dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Alemanha etc., qual era a posição dos comunistas brasileiros-
A posição dos comunistas brasileiros seria de se colocar contra essa guerra de intervenção, como se colocaram na época da guerra da Alemanha nazista, contra a Alemanha nazista e em defesa da União Soviética, naquele tempo parte do socialismo. E lutar, no caso brasileiro, contra o governo que se integrasse numa coalizão anticomunista, antissoviética. Então, o papel de um comunista, de um internacionalista, era fazer a guerra civil, era fazer a revolução no Brasil para evitar que a União Soviética, naquele tempo país socialista, fosse esmagada como havia se tentado na época de Hitler. O debate foi muito aceso na Câmara e eles tentaram, através dessa manobra provocadora, isolar o Partido. Não me recordo quais foram os termos da pergunta do senhor Juracy Magalhães, nem me recordo da resposta do senhor Luiz Carlos Prestes.
Mas me recordo que nós procuramos ver como não seríamos isolados. E tínhamos que fazer que ele (Juracy Magalhães) saísse... Não foi difícil. Taticamente, a saída foi o seguinte: nós movimentamos toda a máquina partidária no Brasil inteiro, principalmente da Bahia ao Pará, do Norte/Nordeste, e fizemos uma campanha de massas para que os americanos entregassem as bases militares e navais, que ainda estavam ocupadas por eles desde o período da guerra. E dissemos: -Fora, americanos! Fora americanos das nossas bases e de nosso país!- Fizemos uma campanha de comícios - o comício do Rio de Janeiro teve mais de 100 mil pessoas. Na Bahia, foi um comício impressionante. Em Recife, foi um comício de quase 200 mil pessoas.
Iza - Em que ano-
Arruda - 1946. Esse movimento foi de tal importância que se criou no meio da massa um ódio contra os americanos que eles não podiam sair na rua. Mesmo na Bahia, algumas baianas haviam se casado com oficiais americanos e não puderam sair na rua. Ficaram isolados. Americanos recebiam navalhadas nas ruas de Salvador e de Belém do Pará.
Albino - É verdade. Inclusive a irmã de Marta Rocha...
Arruda - A irmã de Marta Rocha, casada com um americano. A juventude na Bahia fez um movimento de repúdio de tal maneira que a moça teve de ser mandada para os Estados Unidos. Foi um movimento verdadeiramente impressionante, de sentimento antiamericano que surgiu no nosso povo. Legítimo. Foi a nossa saída. Isso representou uma grande conquista para o povo brasileiro, porque os americanos queriam permanecer nas bases navais e nas bases áreas.
Iza - Em que dia o Partido entrou na ilegalidade-
Albino - Oito de maio.
Iza - Na hora em que você soube do negócio, o que você estava fazendo- Você foi cassado imediatamente- E qual foi a reação do Partido- Salve-se quem puder- Como foi-
Arruda - Não. O Partido foi colocado na ilegalidade entre 7 e 8 de maio de 1947. Nós já sentíamos que isso ia acontecer e tomamos todas as medidas. Primeira medida: destruir todos os arquivos do Partido. Recolher os arquivos para os refúgios. E tomamos as medidas também de preservar todas as direções do Partido. Na verdade, não foi preso ninguém. Tomamos uma série de outras medidas para um reajuste do trabalho na clandestinidade. Com o Partido naquele tempo tendo uns 200 mil membros e estando dirigindo o movimento sindical, o movimento camponês e o movimento estudantil, era preciso encontrar as formas adequadas para ir para a clandestinidade. Claro, quando um partido vai para a clandestinidade ele diminui os seus efetivos. Mas o Partido recuou organizadamente, não sofrendo os golpes que a reação desejava desferir.
Iza - Eram quantos deputados-
Arruda - Em 1947 nós fizemos o seguinte: deixamos alguns deputados, porque a cassação dos mandatos só veio em janeiro de 1948.
Iza - Quer dizer: o Partido ilegal e vocês legais-
Arruda - Legais. Mas recuamos aqueles mais visados e deixamos outros atuando para desmascarar as medidas reacionárias do governo Dutra.
Albino - Tem inclusive a história de que Prestes fugiu da polícia no dia da cassação dos mandatos do Partido e se refugiou no apartamento do João Mangabeira no Hotel Glória... (12)
Arruda - Não. Isso não é verdade. Nós tínhamos um aparelho clandestino bastante bem organizado. O Partido naquele tempo era rico. Por quê- Porque, avaliem vocês: nós tínhamos 17 deputados. Ganhava um deputado 24 mil cruzeiros. Marighella e Amazonas, que eram solteiros, recebiam cerca de 600 cruzeiros. Eu era casado e recebia 1200 cruzeiros.
Iza - O resto ficava para o Partido-
Arruda - Todo o resto ficava para o Partido.
Iza - De 24 mil, tirava 600, no caso do Marighella...
Arruda - Marighella, Amazonas... Os solteiros. Os casados tinham proporcional à família. Ainda tínhamos os vereadores - nós éramos o partido majoritário no Distrito Federal. Tínhamos vários deputados... nove deputados estaduais em São Paulo, 11 deputados em Pernambuco...
Iza - E foram cassados quantos-
Arruda - Foram cassados todos. Então, isso dava uma base muito grande para o Partido. Nós tínhamos realmente grandes reservas para a direção do Partido, para o Comitê Central, de tal maneira que pudesse não sofrer com as dificuldades naturais que surgem com o Partido na clandestinidade.
Iza - Quando é que você cai na clandestinidade-
Arruda - Eu recuei, mas pouco tempo depois voltei à Câmara. Nós aparecíamos na Câmara durante todo esse período.
Iza - E quando começaram as lutas internas no Partido-
Arruda - Então, dá-se o golpe contra o Partido e nós, através de uma reflexão, vimos que nossa linha política não era correta. É preciso dizer que nós éramos todos jovens dirigentes do Partido. O único dirigente mais velho era o Prestes. E os êxitos tinham sido muito grandes, subiram à nossa cabeça e não observamos que na linha do Partido havia fortes componentes reformistas. Então, através de uma avaliação crítica nós fomos chegando à conclusão de que a linha do Partido era uma linha essencialmente oportunista. Nós acreditávamos ingenuamente que podíamos chegar ao poder através da via democrática, parlamentar, eleitoral. Era realmente uma linha oportunista de direita.
Poucos dias ou poucas semanas depois da ilegalidade do Partido nós começamos uma discussão e chegou a que em janeiro de 1948 começássemos já a reformulação da linha do Partido. Essa reformulação foi feita posteriormente, com o Manifesto de Agosto de 1950. Esse Manifesto, na essência, já indica uma posição revolucionária. No entanto, cometemos um erro aí sério de esquerda, que foi subordinar demasiadamente a tática do Partido à estratégia. Tática e estratégia ficaram fundidas. Ora, isso levou a uma rigidez na tática, falta de amplitude na tática, falta de flexibilidade na tática, que dificultava a abordagem das massas pelo Partido. Levava à subestimação dos conhecimentos táticos, de nos aproximarmos mais e mais das massas. Em fevereiro de 1951, seis meses depois, chegamos à conclusão de que havíamos, ao sair de uma posição reformista de direita, caído numa posição esquerdista.
Iza - Qual era a posição- Você pode definir assim politicamente- Uma era pela via parlamentar. E a outra-
Arruda - A outra... nós dizíamos que já tinha de ser pela luta armada.
Iza - Essa declaração de 1950...
Arruda - É. Então, com o Manifesto de Agosto começa a se elaborar uma linha política revolucionária no país. Mas, como nós caímos em posições esquerdistas, em fevereiro de 1951 nós começamos a pensar na necessidade de elaborar um programa do Partido. Então, tiramos uma grande comissão, e tiramos subcomissões, para trabalhar no programa do Partido. Esse programa nós levamos quase um ano para elaborá-lo. E, então, pela primeira vez elaboramos um programa revolucionário. É preciso dizer que para a elaboração desse programa nós recebemos a ajuda teórica inestimável de Stalin. Dado que se imaginava corretamente o seguinte: num texto de Lênin, ele afirmou algumas vezes que se a revolução, tendo sido vitoriosa na Rússia, fosse vitoriosa também na China e na Índia, estava decidida a vitória da revolução socialista proletária mundial.
Mas acontece que a independência da Índia foi (ininteligível) da burguesia. Então, foi uma revolução frustrada, ou truncada - ou não se realizou propriamente uma revolução na Índia. (...) Bem, pensavam os bolcheviques, e o camarada Stalin, que essa tese de Lênin podia ser reformulada no seguinte sentido: uma vez vitorioso o socialismo na União Soviética, e vitoriosa a revolução na China e no Brasil (ênfase), estava decidido o destino da revolução socialista proletária mundial. E essa tese era inteiramente correta, porque se a gente pensa como teve repercussão na América Latina a revolução em Cuba, com cerca de 7 milhões de habitantes, quanto mais no Brasil, um país de dimensões continentais - que repercussão iria operar uma revolução vitoriosa no país!
Albino - Agora vamos entrar no terreno em que você é mais conhecido, mais polêmico no Brasil. Nesse período que vai do pós-guerra até 1953, você na prática era quem dirigia o Partido. Era o homem que tinha contato com Stalin, era o homem que ia a Moscou...
Iza - Tem até o bigode parecido...
Albino - Tem até o bigode parecido...
Arruda - (Risos)
Albino - A gente queria saber como era o seu relacionamento...
Iza - Como era o Stalin-
Arruda - Então, nós recebemos uma grande ajuda teórica, ideológica...
Iza - É verdade que você era o único que Stalin recebia-
Albino - Do Brasil...
Arruda - Não. Uma grande ajuda teórica do partido bolchevique e do camarada Stalin. Principalmente nesse processo de elaboração do programa, ele teve um papel de dizer como podia desempenhar uma revolução vitoriosa no Brasil. De fato, eu tive a oportunidade de conhecer pessoalmente Stalin. Foi por ocasião do 19º Congresso do partido bolchevique. Stalin era uma figura extremamente simpática. Modesto, simples, afável, não tem nada disso que se propalou no mundo. E ele tinha muito carinho com o nosso Partido. Eu não privei particularmente com o camarada Stalin. Lamentavelmente não privei (ininteligível). O camarada Stalin tinha bastante carinho pelo nosso Partido e nos ajudou do ponto de vista teórico. Usava aquela roupa de soldado (pronuncia pausadamente). (...) Agora, isso de ele cortar algumas cabeças... (cansado, Arruda pede para interromper a entrevista).
NOTAS
-As notas 1, 2 e 3 estão na primeira parte da entrevista, publicada na edição 133 de Princípios-
(4) Leôncio Basbaum, antigo militante e dirigente do Partido (nota de Osvaldo Bertolino).
(5) Victor Allen Barron, radiotelegrafista e técnico em radiocomunicações (nota de Osvaldo Bertolino).
(6) Leia o discurso feito por Luiz Carlos Prestes neste comício: https://docs.google.com/file/d/0B8_gvWjrwU3ZVkFqZk5ERHNTZzg/edit-pli=1
(7) Leia o discurso proferido por Luiz Carlos Prestes neste comício: http://www.marxists.org/portugues/prestes/1945/11/26.htm
(8) Arruda se equivoca: o Partido não elegeu o prefeito de Sorocaba (nota de Osvaldo Bertolino).
(9) Compreensivelmente, Arruda se equivoca: o 4º Congresso era para ser realizado em 1946. Uma nota da Comissão Executiva do dia 16 de abril de 1946 informa que o Congresso seria adiado -para data mais oportuna- e anunciou a convocação da 3ª Conferência Nacional - quando Milton Caires de Brito foi eleito para a Comissão Executiva. O registro do Partido foi cassado no dia 7 de maio de 1947 (nota de Osvaldo Bertolino).
(10) José Bonifácio Lafayette de Andrada, elegeu-se deputado à Assembleia Constituinte de 1946 pela UDN de Minas Gerais, continuando a exercer o cargo com mandato ordinário. Foi participante ativo da vida política do país, sendo um dos articuladores do movimento que culminou com a queda do presidente João Goulart e o golpe militar de 1964. Faleceu em 18 de fevereiro de 1976 (nota de Osvaldo Bertolino).
(11) Tenente na década de 1920, um dos principais articuladores da revolução de 1930, interventor e governador da Bahia até 1937, afastou-se de Getúlio Vargas com a decretação do Estado Novo. Ajudou a fundar a UDN, partido pelo qual elegeu-se constituinte em 1945 (nota de Osvaldo Bertolino).
(12) Esse episódio ocorreu, na verdade, quando a polícia invadiu a casa de Maurício Grabois, já em 1948. Prestes estava na residência. Ambos fugiram e se refugiaram no apartamento de Octávio Mangabeira, no Hotel Glória (nota de Osvaldo Bertolino)
O texto desta entrevista, na íntegra, assim como os aúdios da entrevista original, estão disponíveis através de links no site da revista, no seguinte endereço:
http://www.revistaprincipios.com.br/Arruda100anos