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História

Edição 134 > Pequena história de um século da Grande Revolução de Outubro

Pequena história de um século da Grande Revolução de Outubro

Bernardo Joffily*
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Princípios inicia nesta edição a publicação de uma série de textos, concatenados, mas semi-independentes, sobre a Revolução Russa, que completará 100 anos em 2017. Escrita pelo jornalista Bernardo Joffily, a série procura contribuir com o debate sobre o significado e as lições deste que foi um dos principais acontecimentos da história contemporânea

"Esta primeira vitória não é ainda a vitória definitiva. [...] Como poderia um povo sozinho e atrasado conseguir vencer sem reveses e erros- Não receamos admitir os nossos erros e encará-los desapaixonadamente para aprender a corrigi-los. Mas fatos são fatos. Nós começamos a obra. Pouco importa quando precisamente, em que prazo os proletários de qual nação a terminarão. Importa que se quebrou o gelo, que se abriu o caminho, que se indicou a via."

Vladimir Lênin, 14 de outubro de 1921 [https://www.marxists.org/portugues/lenin/1921/10/14.htm].

Introdução

A medida que se aproxima o centenário da Revolução Russa de 1917 renova- -se a polêmica. Já lá vai um quarto de século desde o colapso final da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A extinta URSS espatifou-se em 13 Repúblicas independentes, às vezes dilaceradas por sua vez em guerras e secessões, como a Geórgia em 2000 e 2008, ou a Ucrânia em 2014-2015. Da pioneira experiência socialista soviética nada restou. No entanto, a controvérsia sobre a revolução e o socialismo soviéticos não dá sinais de arrefecer. Longe disso, até recrudesceu, com a grande crise mundial de 2008, onde o capitalismo, depois de triunfar na URSS, ostenta um grande ponto de interrogação diante de sua saúde e de sua expectativa de vida.

Esta série de uma dúzia de textos, concatenados, mas semi-independentes, procura contribuir com o debate invocando a contribuição da história - que não é uma contribuição qualquer. -Conhecemos apenas uma única ciência, a ciência da história- (em seus dois aspectos concatenados e inseparáveis, história da natureza e história dos homens), afirmavam Karl Marx e Friedrich Engels, na Ideologia alemã (1846). E o faziam não para menosprezar os demais ramos do saber científico, mas para frisar que todos os processos, da natureza e da sociedade, e igualmente os processos do conhecimento dos seres humanos sobre eles, são necessariamente históricos: só se deixam desvendar quando são encarados no seu incessante movimento, não como fotografias, mas como filmes.

Portanto, diante de todo o problema é sempre útil examiná-lo em seu movimento, discernir os processos de seu desenvolvimento. E com muito maior razão quando se trata de um tão complexo e controvertido como o da Revolução de 1917 e o da experiência socialista soviética. É o que faremos, sinteticamente, nesta Pequena história daquela que merece ser chamada a mãe de todas as revoluções.

1. Crepúsculo da velha Rússia: capitalismo tardio, autocracia czarista, Partido Bolchevique, Revolução de 1905

Na virada para o século 20, a Rússia era, nas palavras de Lênin, -um país incrivelmente, inusitadamente atrasado, miserável e semisselvagem, quatro vezes pior aparelhado de instrumentos modernos de produção que a Inglaterra, cinco vezes pior que a Alemanha e dez vezes pior que os Estados Unidos- (LENIN, t. XVI, p. 543, ed. russa). O regime de servidão fora abolido, apenas em 1861, mas, décadas mais tarde, a lei ainda permitia que o mujique (camponês russo) fosse açoitado. E cinco em cada seis habitantes do país viviam no campo.

O regime político era uma monarquia absoluta, ou autocracia: todo o poder se concentrava no czar Nicolau II (1868-1917), que se intitulava -Imperador e Autocrata de Todas as Rússias- e era apelidado de -o Sanguinário-. Embora o país fosse habitado por mais de uma centena de nacionalidades, as -outras raças-, não russas, eram oprimidas, humilhadas, proibidas até de ter livros, jornais e escolas em suas línguas maternas. A Rússia czarista era vista como a grande cidadela e a mais segura retaguarda de toda a reação europeia.

A oposição revolucionária corria por conta dos narodniks, ou populistas. Intelectuais urbanos, os narodniks idealizavam as comunidades dos mujiques como um germe do socialismo, e praticavam atentados terroristas (um deles, em 1881, matou o czar Alexandre II, avô de Nicolau II).

Fábricas como cogumelos

No entanto, aquele país imenso, -incrivelmente, inusitadamente atrasado-, estava em rápida transformação, com o desenvolvimento do capitalismo industrial. Embora com grande atraso, em relação às potências capitalistas tradicionais da Europa, Inglaterra, França, Holanda, ou mesmo à Alemanha, as fábricas brotavam como cogumelos depois da chuva, do mofo da velha Rússia.

Não eram poucas as grandes indústrias modernas. A metalúrgica Putilov, em São Petersburgo (a capital e maior centro industrial do império, 1,5 milhão de habitantes, rebatizada Petrogrado em 1914 e Leningrado em 1924-1991) chegou a 12 mil trabalhadores em 1900 e 36 mil em 1917. Cresciam assim as classes sociais típicas da modernidade capitalista: a burguesia e o proletariado. E as greves começaram a pipocar no país.

Com o capitalismo, também as ideias marxistas chegaram à Rússia (enquanto o próprio Marx, no fim da vida, começou a aprender russo para conhecer aquela realidade que o interessava vivamente). Em 1883 o jovem ex-narodnik Georgi Plekhanov (1856-1918), exilado na Suíça, fundou o grupo -Emancipação do Trabalho-, primeira organização marxista. Plekhanov é considerado o primeiro teórico marxista russo. Suas obras ajudaram a fundamentar a crítica às ideias e práticas narodniks e a lançar as bases de um pensamento marxista russo.

Nessa fase inicial, os círculos marxistas como o -Emancipação do Trabalho- se limitavam à propaganda e ao trabalho teórico-ideológico. Os laços com o movimento operário real eram precários, os métodos artesanais. A Okhrana (Okhrannoye Otdeleniye), temida polícia política do czar, fazia estragos nos círculos. Embora em 1898 tivesse ocorrido o 1º Congresso do Partido Operário Socialdemocrata da Rússia (POSDR), o partido na prática ainda estava por ser fundado, não tinha programa, nem estatutos, nem direção única.

Lênin e a disputa bolcheviques x mencheviques

Em 1895, os cerca de 20 círculos de São Petersburgo se congregaram na -União de Luta Pela Emancipação da Classe Operária-. À sua frente, responsabilizando-se pelas publicações, destacou-se um jovem, recém-chegado de encontros com Plekhanov (em Genebra), com o veterano da Liga dos Comunistas Wilhelm Liebknecht (em Berlim) e o genro de Marx, Paul Lafarge (em Paris). Regressara com numerosas obras marxistas, num fundo falso da mala. Seu nome, Vladimir Ilitch Ulianov (1870-1924); mas o mundo iria conhecê-lo, e admirá-lo, ou odiá-lo, pelo pseudônimo que ele usaria no livro clandestino Que fazer- (1902): Lênin.

Que fazer- apresenta e fundamenta a teoria leninista de partido, enquanto destacamento de vanguarda organizado da classe operária. Seu alvo é o oportunismo no interior do movimento, em particular a variante -economicista-, que se punha a reboque da luta econômica dos trabalhadores, desprezando a luta política revolucionária. Faz também uma apaixonada defesa de -um jornal clandestino para toda a Rússia-, o recém-lançado Iskra (A Centelha), impresso na Alemanha e concebido para ser -não só um propagandista e um agitador coletivo, mas também um organizador coletivo-.

Uma divisão semelhante do POSDR, em um bloco leninista e outro oportunista, deu a tônica no 2º Congresso do Partido, em 1903, iniciado na Bélgica, mas concluído em Londres, por razões de segurança. Foi aí que os leninistas ganharam o apelido de bolcheviques (majoritários), pois tinham a maioria dos 46 delegados. Seus adversários passaram a ser os mencheviques (minoritários).

Na verdade, porém, a correlação de forças era apertada e flutuante. No 2º Congresso, a ala bolchevique triunfou no debate do programa, mas perdeu a votação, disputada com fúria, sobre o artigo 1º do estatuto, que definia as condições para se tornar membro do partido. E meses depois, com Plekhanov afastando-se de Lênin, os bolcheviques perderam a maioria no Comitê Central. Ao 3º Congresso (Londres, 1905) os mencheviques se recusaram a comparecer. No 4º Congresso (Estocolmo, 1906) eles tiveram maioria, embora escassa. Já no 5º Congresso os bolcheviques foram majoritários.

A Revolução de 1905

Enquanto isso o czar, com a matança do -Domingo Sangrento-, acendeu o rastilho da Revolução de 1905. Na manhã de 9 de janeiro (pelo calendário ortodoxo; 22 pelo calendário gregoriano, só adotado depois da Revolução de 1917), uma pacífica procissão de 140 mil operários de São Petersburgo, carregando imagens religiosas e retratos do -paizinho- Nicolau II, e liderada pelo padre Gapone, um agente da Okhrana, foi metralhada pela guarda do Palácio de Inverno do czar. O número de mortos é incerto, mas supera um milhar. No mesmo dia, ao anoitecer, começaram as primeiras barricadas nos bairros operários.

A Revolução desencadeou uma -luta grevista sem precedentes no mundo inteiro por sua amplitude e dureza- (Lênin, https://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/esquerdismo/cap02.htm#topp). Só em janeiro foram 440 mil grevistas, mais que nos dez anos anteriores. Na cidade industrial de Lodz (a Polônia pertencia ao Império czarista), uma greve geral em junho desembocou em três dias de confronto armado com a tropa. De maio a agosto, durante uma tenaz greve geral, os operários de Ivanovo-Vosnesensk, sob direção bolchevique, criaram um soviete (conselho) - talvez o primeiro deles.

Os camponeses também se insurgiram, enxotavam os latifundiários e confiscavam seus depósitos de cereais. E em junho a revolução chegou à tropa: rebelaram-se os marinheiros do couraçado Potemkin - o mais moderno da marinha de guerra russa na época -, fundeado no porto de Odessa, uma cidade do Mar Negro em plena greve geral e agitação revolucionária. Em 1925 o episódio inspiraria Serguei Eisenstein numa obra prima do cinema de todos os tempos.

Para cada sublevação que a tropa esmagava, outras surgiam, num crescendo. Em outubro, um manifesto do czar acenou com um inédito arremedo de Parlamento, a Duma, sem poder legislativo. Os bolcheviques decidiram boicotar a Duma, logo varrida pela maré revolucionária. No mesmo mês, formavam-se os sovietes de São Petersburgo e Moscou, o primeiro sob direção menchevique, o segundo bolchevique. Em novembro, Lênin deixou o exílio em Genebra e entrou clandestinamente na Rússia para participar pessoalmente dos acontecimentos.

A Revolução chegou ao auge em dezembro, com a insurreição armada em Moscou, greve geral e barricadas. Foi esmagada a ferro e fogo, depois de uma resistência tenaz, como na barricada de Krasnaia Presnia, reduzida a escombros. Depois dessa derrota a sublevação declinou, gradualmente, até 1907. Mas forneceu um rico aprendizado aos operários e camponeses, a começar pelo instrumento de poder, os sovietes, criados no calor das jornadas revolucionárias; 1905 serviu de ensaio geral para as revoluções vitoriosas de fevereiro e outubro de 1917.

A resistência à Reação Stolypiniana

Seguiram-se, de 1907 a 1910, alguns anos de descenso do movimento, a fase da chamada Reação Stolypiniana. O nome vem de Piotr Arkadyevich Stolypin (1862-1911), primeiro-ministro czarista de 1906 até a morte, cinco anos depois, abatido a tiros num obscuro atentado, diante de toda a família real, durante uma exibição na Ópera de Kiev.

Sob Stolypin, o regime se vingou com fúria dos revolucionários. Milhares foram condenados à forca, a qual ganhou o apelido de -gravata stolypiniana-. Outros revolucionários foram presos ou desterrados na Sibéria. Nas fábricas, a jornada de trabalho se alongou e os salários se reduziram. Foi o apogeu do movimento ultradireitista dos Cem-Negros (ou Centúrias Negras), dos progroms contra os judeus: nas palavras de Lênin, um tempo de -desânimo, desmoralização, cisões, dispersão, deserções, pornografia em vez de política-.

Ao mesmo tempo, Stolypin baixou uma lei agrária desagregando as antigas comunidades rurais. Com ela processou-se uma diferenciação na massa de mujiques. Uma minoria de camponeses ricos, chamados kulaks, acumulou terras e utensílios explorando o trabalho alheio. Na extremidade oposta, mais de um milhão de camponeses se arruinaram e perderam as terras.

Os bolcheviques mudaram sua tática para responder à situação de reação e descenso, recuando ordenadamente. Lênin teve de retornar ao exílio. Nessa fase, o Partido aproveitava minuciosamente qualquer chance de trabalho legal, fosse ela uma caixa de socorro mútuo ou um congresso contra o alcoolismo. No lugar de boicotar a Duma, passou a empregá-la como tribuna, elegendo a maior parte dos deputados dos distritos operários.

Novo ascenso, o papel do Pravda

Após 1910, a fase de reação pouco a pouco deu lugar a um novo ascenso. Em abril de 1912, a polícia abriu fogo contra grevistas da mina de ouro do Rio Lena, na Sibéria, de capital inglês. A metralha deixou por terra mais de 500 operários mortos ou feridos. O Massacre do Lena gerou uma onda de indignação e solidariedade por todo o país - 400 mil trabalhadores participaram nas greves de 1º de Maio daquele ano. A partir daí o ascenso ganhou impulso. Uma frase do ministro do Interior de Stolypin, Alexander Alexandrovitch Makarov, quando questionado na Duma sobre a matança, tornou-se um símbolo da empáfia, mas também da miopia, da autocracia czarista: -Assim foi e assim será-.

No mesmo mês da chacina do Lena, saiu em São Petersburgo o primeiro exemplar do Pravda (A Verdade), o diário operário de massas dos bolcheviques. Com quatro páginas, custava apenas dois kopeks (centavos de rublo). Cada edição vinha repleta de denúncias e de correspondências dos operários, enquanto uma seção chamava-se -A vida do camponês-. O Pravda circulava legalmente; para driblar a censura, usava alusões e indiretas, como por exemplo quando se referia às -reivindicações do ano de 1905-. Quando o governo o proibia, o que ocorreu oito vezes em três anos, ressurgia com outro nome - Pela Pravda, O Caminho da Pravda, Pravda do Trabalhador. O jornal fez enorme sucesso: coletas nas fábricas ajudavam a sustentá-lo; os membros do partido eram chamados de -pravdistas-. Na avaliação de Stálin, -o Pravda de 1912 lançou as bases do triunfo do bolchevismo em 1917-.

Pouco antes do lançamento do Pravda, em janeiro, uma conferência do POSDR em Praga consumou a cisão bolcheviques-mencheviques. Na prática, havia quase uma década as duas alas já atuavam como partidos distintos, e hostis. Mas a Conferência expulsou formalmente os mencheviques (embora, na base das províncias mais distantes, alguma confusão tenha perdurado até 1917). -Conseguimos finalmente, apesar da canalha liquidacionista, reconstituir o Partido e seu Comitê Central. Espero que você festeje junto conosco- (LENIN, t. XXXIX, p. 19, ed. russa).

Ao levar às últimas consequências a separação entre sua ala esquerda, revolucionária, e a ala direita, reformista, o partido marxista russo adiantou-se alguns anos em relação a seus pares do resto da Europa e do mundo. Logo adiante, a Grande Guerra, a imensa crise que ela abriu no movimento socialista e a situação revolucionária que criou, iriam espalhar pelo planeta essa diferenciação. E não por acaso foi precisamente na Rússia, onde ela aconteceu precocemente, que a situação revolucionária desaguou na revolução e na vitória.

* Bernardo Joffily é jornalista, tradutor, colaborador de Princípios e autor do Atlas Histórico IstoÉ Brasil 500 anos

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