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Economia

Edição 134 > A queda de preço do petróleo em 2014 e a crise estrutural do capitalismo

A queda de preço do petróleo em 2014 e a crise estrutural do capitalismo

Luís Eduardo Duque Dutra*
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O que está em andamento é uma profunda mudança nos preços relativos que tem impacto na vida de todos

O preço do barril caiu quase um terço entre julho e dezembro de 2014 (de US$ 100/b para US$ 69/b). Frente a dezembro de 2013 (US$ 120/b), a queda é de quase 50%. Pelas consequências, é um movimento violento em termos de geração e transferência de renda. Trata-se da maior indústria do mundo, que tem uma dinâmica profundamente cíclica e está habituada à volatilidade dos preços, mas, desta feita, tendo em vista a velocidade da queda, todos os dirigentes do setor estão em alerta.

O que está em andamento é uma profunda mudança nos preços relativos que tem impacto na vida de todos. O século passado foi o do petróleo e o século XXI, pelo menos neste início, será o do gás natural. Juntos, eles respondem por metade da energia do mundo. Sozinho, o petróleo responde por 95% de toda a energia gasta no transporte. Do ponto de vista econômico, importa saber como se processa a transferência de renda; afinal, quem ganha e quem perde- Em seguida, interessa distinguir o impacto no curto e no longo prazo; isso porque, quando se trata de energia, existem custos ocultos que, só muito mais tarde, serão revelados.

***

A economia política, de forma simples, permite o entendimento do crescimento, da estagnação e dos fluxos de renda que caracterizam o capitalismo. Ricardo e Marx dividiam a sociedade em classes (trabalhadores, capitalistas e aristocratas) e analisavam como se dava a luta pelo excedente. Keynes, por seu turno, supondo uma economia fechada, passou a considerar três agentes: as famílias, as empresas e o Estado. A partir dessas categorias, não é difícil concluir que, em princípio, os maiores beneficiados serão as famílias de trabalhadores e os donos de empresas. Além disso, no curto prazo, o ganho será maior que o custo; principalmente, devido à tímida retomada após as perdas de 2009.

Para as famílias, a energia barata diminui o custo de vida e libera renda para outras coisas. O menor preço do óleo diesel e da gasolina diminui o custo de deslocamento, o que aumenta a mobilidade dos trabalhadores e consumidores; o que é bom para eles e para as empresas. Para estas, a baixa é bem-vinda, especialmente considerando-se a demanda estagnada e os preços de petróleo, que só fizeram crescer após a virada do milênio. De imediato, ganharão os setores cujos processos são intensivos em energia, como o químico, metalúrgico, siderúrgico, vidro, cerâmica e o transporte. Menores custos de produção e logística se refletem imediatamente no caixa e melhoram as expectativas de lucro.

Tão difícil quanto prever o preço do petróleo é prever seu impacto. A despeito disso, segundo estudo do FMI, a queda em 10% aumentaria o PIB mundial em 0,6%; o que comprova que a mudança é, finalmente, benéfica 1. Assim, se a cotação for de cerca de US$ 70/b, a riqueza mundial poderia ser de até 1,8 % maior. Para o próximo ano, a expectativa de crescimento (do Banco Mundial) é de uma taxa de 2,4%, rebaixada algumas vezes nos últimos meses. Portanto, uma queda em 30% do preço do petróleo quase dobraria o ritmo de crescimento esperado da riqueza em 2015: de 2,4% para 4,2%. Um estímulo oportuno para uma recuperação que perde vigor desde 2012.

A longo termo, contudo, a avaliação é diferente e mais cética. Ocultos, os custos sociais terão de ser arcados e eles não são poucos. Não é difícil entender que, quanto menor o preço do petróleo, menor a penalização do desperdício e maior o custo de sua substituição. A US$ 70/b, o uso do biocombustível, a energia fotovoltaica e eólica, as redes inteligentes de distribuição de eletricidade, a geração localizada e o veículo elétrico serão, todos, revistos. Até ontem, a US$ 100/b, sem subsídio ou imposição parafiscal, nenhuma dessas iniciativas competia com os derivados de petróleo.

Assim, a perdurar por dois anos, a baixa de preço do barril pode gerar um elevado custo daqui a dez anos, ou mais. Ela retarda a substituição da energia de origem fóssil e, desse modo, impede a mitigação das mudanças climáticas e a redução da poluição urbana. Este tipo de impacto negativo é denominado custo social. Coase e Commons, institucionalistas norte-americanos da década de 1930, ensinaram que eles estão ocultos, dispersos, não estão incluídos nos preços e não são, portanto, pagos no ato da compra. Nem o vendedor, nem o consumidor, arca com eles. A conta só vem mais tarde e é arcada por todos; daí a denominação.

Os custos de substituição também são relevantes, justamente porque envolvem despesas irrecuperáveis, tão ocultas quanto as anteriores. Também chamadas afundadas, estão ligadas à especificidade dos ativos. Gasodutos e térmicas sem gás, oleodutos e refinarias sem petróleo, hidroelétricas sem água e fazendas eólicas, que não despacham eletricidade, não servem para nada e interessam a poucos. Fator imprescindível para gerar valor, a energia envolve cadeias produtivas longas e especializadas. Depois de instaladas, não serão abandonadas, exatamente em razão dos custos afundados jamais recuperados pelo capital. A economia de inovações esclarece, assim, o -trancamento- tecnológico. É o que faz o carvão ainda ser a fonte energética de boa parte da população mundial, a despeito da elevada emissão de gases e particulados no seu uso e da vantagem/custo no uso de derivados de petróleo.

Se a avaliação é de longo prazo, a contribuição da história econômica é valiosa. A instabilidade do capitalismo é visível a partir da segunda metade do século XIX. Desde então, ocorreu pelo menos uma crise financeira por década. Com enormes custos sociais, estas crises frequentes não têm a dimensão das crises estruturais. Estas últimas são raras, ocorrem em espaço de décadas, mas, são duradouras e têm um impacto mundial. Como em 1929, como entre 1939 e 1945 e nos choques do petróleo nos anos 1970, elas anunciam novos tempos.

A propósito, a queda do preço do petróleo não é um fato desconhecido (o último ciclo de baixa durou quase duas décadas), nem isolado. Os preços dos minerais e produtos agrícolas já começaram a cair e os novos termos de troca são prejudiciais aos países emergentes. É uma reversão importante da tendência que os beneficiara nos últimos quinze anos. E não é só isso, os problemas econômicos e políticos se acumulam. A alavancagem financeira é excessiva, segundo o FMI, e a guerra cambial está em andamento, o protecionismo voltou com força, o Japão enfrenta a deflação, a União Europeia é contestada por dentro e em suas fronteiras, e o combate ao terrorismo, liderado pelos EUA, ameaça se transformar num conflito generalizado.

A persistência da crise não deixa dúvida quanto às transformações em curso. O mercado é global, a concentração do capital, muito maior e sua mobilidade, quase absoluta; decorrência da última revolução tecnológica (e da difusão da automação e da informática). Longas cadeias produtivas articulam diferentes tarefas em novos países e centros tradicionais perdem espaço. Com tudo isso, é difícil não acreditar que 2008 não seja o marco de uma crise secular, estrutural e decisiva em termos de mudança dos padrões de produção e consumo.

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A partir de categorias já mencionadas, embora as incertezas sejam imensas, é possível ter um cenário por vir coerente com a história do capitalismo. Nos próximos anos, as famílias perderão mais que todos os demais, por não terem como valorizar o trabalho (única mercadoria que possuem) em um ambiente de recessão. As empresas (e seus donos, os capitalistas) estão protegidas de grandes perdas (em razão de terem o monopólio do capital e da tecnologia), mas só aumentarão as despesas para ampliar o capital, se o lucro subir e as expectativas mudarem. Tudo indica que isso não ocorrerá antes de 2017.

E o Estado em tudo isso- Se fizer como no século passado, será o grande vencedor, em especial o Estado em países centrais e importadores. Ele se apropriará da renda petrolífera, até ontem nas mãos dos exportadores, via tributos. E, visto o conservadorismo fiscal e monetário vigentes, isto será feito sem considerar os custos sociais em termos distributivos, energéticos e ambientais, tanto da mudança dos preços relativos, quanto da mudança climática.

É entre os Estados que se verificará a mais importante transferência de renda com a queda do preço do barril. O Estado importador se apropriará do excedente, ao se beneficiar da inelasticidade da procura, que é pouco sensível à variação do preço. Isso ocorre com o petróleo, e especialmente com o óleo Diesel e a gasolina, cujos substitutos são mais caros e menos eficientes. Assim, a menor receita na cabeça do poço será compensada pela maior arrecadação na bomba do posto. A ganância fiscal apenas mudará de endereço, mas, reitera-se, nesse caso, em detrimento da periferia exportadora.

Nos países importadores, o ganho dos consumidores é indiscutível. As famílias asiáticas, desde a China ao Paquistão, passando pelas Filipinas e a Índia, poderão ser beneficiadas porque, de alguma forma, o menor preço do petróleo se repercutirá no gasto com GLP (e na cocção de alimentos), no preço do transporte público (que depende do óleo diesel) e na locomoção da classe média (que, por sua vez, depende da gasolina). Ocorre que essa transferência será a parcela pequena do todo, muito menor que a parte do Estado, ou a do capitalista, exatamente porque os consumidores estão capturados na compra desses produtos pelo fisco e pelos seus vendedores.

Em conclusão e de forma bastante pessimista, visto que o capitalismo está diante de uma crise estrutural e as repostas são monetárias, restam duas esperanças. Primeiro, que Prometeu adiante a próxima solução em termos de substancial ganho de produtividade do trabalho e rendimento dos processos e, segundo, que não apele para a solução mais rápida e cara: a destruição pela guerra. Isto sugeriria que, em pleno século XXI, comparado ao anterior, não teria havido nenhuma evolução civilizatória.

* Luís Eduardo Duque Dutra é doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris, professor adjunto da Escola de Química da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e assessor da ANP (Agência Nacional do Petróleo).

NOTA

1 - O estudo foi feito por Rabah Aregki e Olivier Blanchard e está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://blog-imfdirect.imf.org/2014/12/22/seven-questions-about-the-recent-oil-price-slump/

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