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Edição 134 > Qual Reforma Política?
Qual Reforma Política?
A agenda de Reforma Política atual pode se transformar em uma pauta conservadora e provocar enormes retrocessos. Há uma nítida pressão pela redução dos partidos políticos. E essa ofensiva se dará de modo despolitizado aproveitando um senso comum da negação da política. É preciso mobilizar forças políticas e sociais para evitar uma nova derrota em assunto tão vital para a democracia brasileira

Desde a redemocratização a pauta da Reforma Política é presente nos debates sobre os rumos do país, seja pelas mudanças obrigatórias com o fim do regime militar, seja pelas disputas existentes para o alcance do poder.
Se considerada a redemocratização iniciada a partir dos governos militares com o processo de abertura, o ato inaugural foi a reforma política realizada em dezembro de 1979 com a aprovação da Lei federal 6767/79, em que se extingue o bipartidarismo - consequentemente, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) - e se autoriza a formação de novas agremiações partidárias.
É importante destacar que essas mudanças legais não foram realizadas apenas por uma diretriz política do regime militar da época, mas pela luta que se travava no período pela volta da democracia no Brasil. Junte-se a isso o desgaste que o partido situacionista, Arena, já acumulava e a necessidade de se reorganizar as forças políticas que apoiavam o governo. A mudança também previa eleições gerais em 1982, exceto para a Presidência da República.
O cenário político no começo dos anos 1980 foi o da volta do multipartidarismo com a criação do Partido Democrático Social (PDS), substituto da Arena; o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, principal força de oposição, herdeiro do MDB; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); o Partido Democrático Trabalhista (PDT); e o Partido dos Trabalhadores(PT). A volta do multipartidarismo no fim do regime militar não permitiu a legalização dos partidos comunistas.
A vitória oposicionista em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves e a posse de José Sarney, motivou a apresentação de um amplo projeto de reforma política através da Emenda Constitucional nº 25/1985, aprovada em maio, logo após o início do novo governo civil, a chamada -Nova República-.
A nova lei política permitiu a liberalização das regras para a formação de novos partidos; a legalização dos partidos comunistas; o direito de voto do analfabeto; a eleição direta para prefeito nas capitais e cidades consideradas de segurança nacional; a convocação da Assembleia Nacional Constituinte a partir da renovação do Congresso Nacional (eleição de 1986); a eleição direta para presidente da República, mas sem data definida. Apesar de grandes avanços, a não convocação para eleição direta frustrou parte das forças políticas que buscavam a redemocratização plena, propiciando uma interpretação de manobra política de quem havia alcançado o poder político à época.
A Constituição de 1988 manteve o sistema presidencialista; representativo; o voto direto para escolhas dos cargos executivos e legislativos; o Congresso com Câmara e Senado; a previsão da utilização de plebiscitos e consultas populares; a nova regra de dois turnos para eleições acima de 200 mil eleitores.
Em 1990 houve uma mudança pontual para pôr fim ao sistema de sublegenda para votação no Senado, uma incongruência gerada pelas regras do regime militar, mas criou outra: a suplência de Senado com direito a assumir em qualquer ocasião de ausência do titular.
Em 1993 foi realizado um plebiscito sobre o sistema político brasileiro, conforme determinação da Constituição de 1988. O eleitor brasileiro foi convocado a decidir, a partir de duas perguntas, pela República ou Monarquia e pelo Parlamentarismo ou Presidencialismo. Pela República votaram 66,26% e pela Monarquia 10,25% (13,20% nulo e 10,29% branco) e o Presidencialismo 55,41% e Parlamentarismo 24,79% (14,67% nulos e 4,82% brancos). Prevaleceu a tradição secular da República e pelo Presidencialismo.
Em 1994 houve a alteração do período de mandato de presidente da República, de cinco para quatro anos através da Emenda Constitucional de Revisão nº 5/1994.
Em 1995, a Lei 9096/1995 estabeleceu novos critérios para a formação e a existência de novos partidos. Ela alterou o critério mais liberalizante da legalização dos partidos e estipulou um novo prazo para a criação da chamada cláusula de barreiras em que os partidos teriam que alcançar 5% dos votos nacionais distribuídos em ao menos 2% em nove estados. A lei não tornava ilegais os partidos que não alcançassem o percentual, mas restringia a participação legislativa, reduzia drasticamente o direito ao tempo de TV e ao fundo partidário. A cláusula de barreiras foi considerada inconstitucional em 2006, como veremos adiante.
Em 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, houve a aprovação da Emenda Constitucional de Revisão nº 16/1997, que passou a permitir o direito à reeleição por mais um mandato para os cargos de presidente da República, governadores e prefeitos. Uma decisão que passou a vigorar em benefício do presidente em exercício em clara manobra política a favor do governo. Também houve questionamentos significativos sobre o processo de votação no Congresso Nacional com a compra de votos de parlamentares a favor da emenda.
Em 2002, a resolução nº 20.993, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), modificou a interpretação legal sobre alianças políticas instituindo a verticalização das coligações. Nesse modelo, os partidos que realizaram coligação nacional para presidente da República não podiam se coligar com outros partidos de outras alianças para os governos estaduais. Essa decisão, além de não ser uma lei aprovada pelo Congresso Nacional, mas uma resolução do TSE, gerou questionamentos porque criou dificuldades maiores para os candidatos e partidos oposicionistas.
Em 2006, a lei 11.300/2006 proibiu a utilização de materiais de propaganda considerada brinde aos eleitores, como camisetas, bonés, canetas chaveiros etc. Também foram proibidos os chamados -showmícios- em que artistas populares animavam os palanques dos candidatos. Essa mudança passou a valer no mesmo ano por resolução do TSE. Ainda nesse ano foi aprovada a Emenda Constitucional nº 52/2006 que voltou a permitir coligações regionais.
Também em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN)- promovida pelo PCdoB e apoiada por diversos partidos como PSOL, PPS e PV - contra o artigo 13 da Lei 9096/1995 que estabeleceu a chamada cláusula de barreiras. O relator do STF Marco Aurélio Mello deu parecer contrário ao artigo considerando-o inconstitucional, baseado no artigo 17 da Constituição Federal, que define a liberdade da organização partidária. Um dos principais argumentos foi de que a mudança foi feita por lei ordinária e não por emenda constitucional. O pleno do STF aprovou a posição do relator impedindo a mudança da lei partidária.
Em 2007, o TSE decidiu que o mandato pertencia ao partido a partir de uma consulta realizada pelos Democratas (DEM), mesmo sem uma decisão do Congresso Nacional. Em outubro do mesmo ano o STF estabeleceu o entendimento de que a fidelidade partidária passaria a ser norma, o que provocou nova reação sobre a intervenção do Judiciário em possível assunto legislativo.
Em 2010 foi aprovada a lei complementar nº 135, conhecida como a lei da Ficha Limpa. Uma proposta de iniciativa popular que contou com 1,6 milhão de assinaturas que torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato cassado, por renúncia, para evitar cassação, ou for condenado por decisão de órgão colegiado mesmo que ainda exista possibilidade de recursos. Houve recurso ao STF e o projeto foi considerado constitucional em 2012.
Através desse panorama histórico é possível verificar que as mudanças legais para o funcionamento partidário e eleitoral desde a redemocratização são constantes na pauta legislativa e jurídica. Entre 1979 e 2010 foram 14 iniciativas de alterações de algum impacto na legislação política e eleitoral.
Entre o período inicial da redemocratização e a agenda contemporânea da reforma política houve uma mudança significativa conceitual sobre o funcionamento do sistema político nessa democracia liberal brasileira. Da abertura e a liberdade da organização partidária como mecanismo de consolidação democrática à tentativa de restrição da existência e funcionamento partidário pelo argumento da estabilidade democrática.
A agenda de reforma política atual pode se transformar em uma pauta conservadora e provocar retrocessos importantes. A dinâmica das mudanças legais será predominantemente pela redução dos partidos políticos. E essa ofensiva se dará de modo despolitizado aproveitando um senso comum da negação da política.
A proposta de emenda constitucional - PEC 352/2013 -, relatada pelo deputado Cândido Vacarezza (PT) vai à direção restritiva do funcionamento dos partidos, pois cria cláusula de barreira de 5% dos votos para os partidos distribuídos em 1/3 dos estados alcançando no mínimo de 3% em cada um; defende restrição nas coligações para deputados federais, sendo permitidas apenas por formação de blocos parlamentares na Câmara; estabelece o voto facultativo; o fim da reeleição; datas únicas de eleições em âmbito federal, estadual e municipal; garantia do financiamento privado; estabelece um complexo cálculo proporcional numa mistura de distritalização e voto direto; prazo de filiação para concorrer às eleições de seis meses; a fidelidade partidária passa a ser tratada em âmbito partidário. No geral, um retrocesso absurdo para a vida democrática brasileira.
Essas e outras propostas em tramitação no Congresso Nacional passam a ser analisadas por uma Comissão de Reforma Política na Câmara dos Deputados. A seguir, alguns temas que comparecerão ao debate, com argumentos favoráveis e contrários que percorrerão a construção de uma nova proposta de mudanças, certamente sem consenso no plenário do Congresso e na sociedade.
Parte dos analistas políticos considera que as coligações geram uma distorção na organização política pela perda de identidade dos partidos coligados. Na tese do fortalecimento dos partidos, o fim das coligações é imprescindível para se apresentar as ideias e os projetos à sociedade de forma mais clara.
As coligações partidárias são permitidas desde 1946, com exceção do período militar, e têm um forte enraizamento no sistema político, principalmente como característica regional a fim de formar justamente amplas coalizões políticas e acordos entre lideranças locais. Também têm sido utilizadas por partidos ideologicamente definidos, mas com menores condições eleitorais para alcançar o quociente eleitoral, para formar alianças mais amplas que possibilitem a disputa legislativa.
Uma alternativa ao fim das coligações é a previsão de Blocos ou Frentes partidárias que atuariam conjuntamente em âmbito nacional, regional e local. É comum essa composição em países europeus, no Uruguai, África do Sul, entre outras experiências. Essa aliança tem perfil mais duradouro e traça táticas comuns de apoio a candidato único de todos os partidos na localidade onde há a disputa.
A principal crítica a esse modelo é que a identidade partidária fica diluída dentro dessa composição. Símbolos importantes que identificam o partido passam a ser substituídos pelos que a frente política definir. Disputas internas inevitáveis e a imposições das correntes mais fortes sobre as outras também é elemento de tensão dentro de uma organização mais ampla.
Outras medidas de mudança significativa no modelo eleitoral são a substituição do voto direto no candidato pela adoção de lista fechada no partido, em que o voto vai para o partido ou mista em que se vota no partido e no candidato; e a restrição geográfica com a adoção do voto distrital ou distrital misto. E os modelos de financiamento de campanha, hoje majoritariamente privado, passando a ser parcial ou integralmente público. Ainda, a possibilidade da alteração na distribuição proporcional do voto, garantindo as vagas aos primeiros candidatos colocados individualmente e não na divisão de votos por chapa.
As propostas apresentadas têm como centro o debate sobre a qualidade da representação política, o funcionamento dos partidos políticos e o financiamento de campanha.
Os defensores da tese do voto distrital puro ou misto têm por fundamento a representatividade local como elemento de superar o que consideram distorções do processo eleitoral. A divisão por distritos com quantidades equivalentes de eleitores propiciaria uma capacidade maior de organização das legendas, sem a necessidade das alianças amplas ao mesmo em tempo que os eleitores estariam mais próximos do eleito. Também argumentam que esse processo diminui o custo de campanha. Argumentam ainda que esse modelo eleitoral existe na maioria dos países liberais com tradição democrática.
A diferença entre o distrital puro e misto explica-se pelo fato de que pelo primeiro sistema todas as cadeiras são distribuídas por distritos que representam números equivalentes de eleitores, e o segundo prevê uma divisão de cadeiras no parlamento e outra possível de ser preenchida pelo voto direto em uma lista partidária.
Há uma corrente política predominante que defende o voto distrital de modo geral, o PSDB. Essa tese estava acompanhada de outra, a implantação de um regime Parlamentarista, derrotada no Plebiscito de 1993. As principais lideranças políticas e intelectuais ligadas ao PSDB é formulam pela aprovação desse modelo eleitoral.
Mas os defensores do voto distrital não conseguem responder a três distorções possíveis. A primeira é de a distritalização do sistema eleitoral transformar o parlamentar nacional ou regional em um representante único do local, mais do que já existe, o chamado deputado-vereador, ou seja, um parlamentar com características tão locais que restringe sua atuação exclusivamente ao seu eleitorado. A segunda distorção é própria do sistema eleitoral que já ocorre em países que utilizam esse sistema: um determinado partido obter um número maior de votos gerais e obter uma quantidade menor de cadeiras, ou seja, perder em número de distritos, mesmo sendo reconhecido por parte significativa do eleitorado. Esse fenômeno foi muito questionado na Inglaterra quando os Conservadores obtinham maior número de cadeiras e os Trabalhistas o maior número de votos no geral. A terceira distorção possível é o fortalecimento do -voto de cabresto-, por coação física e moral ou pelo poder econômico. Esse fenômeno existe em qualquer sistema eleitoral, mas poderá ser facilitado em reduzidos sistemas de disputa política.
Uma das propostas que pode ganhar força é a radicalização do conceito -um homem um voto- arduamente defendido na democracia liberal. A proposta foi apresentada pelo jurista Michel Temer que define o processo eleitoral não mais através das coligações, alianças ou chapas eleitorais, mas a distribuição das cadeiras parlamentares para os primeiros colocados diretamente, ou seja, se no estado de São Paulo estão definidas 70 cadeiras para a Câmara Federal os 70 primeiros candidatos em número de votos preenchem a vaga e as suplências subsequentes. Essa proposta pode ser uma alternativa importante para os partidos com dificuldade em atingir quocientes se houver o fim das coligações.
Contraponto a esse argumento é justamente o esvaziamento do partido enquanto organização coletiva e o conceito que o grupo político elege, através do esforço geral, o maior número de cadeiras, pois a distribuição é exatamente o número de votos obtidos pelo conjunto dos candidatos. A radicalização do voto liberal também reforça o papel do líder isolado, aquele que não precisa do partido para se eleger.
A cláusula e o desempenho para a limitação dos partidos políticos, que já foi apresentada como a principal mudança na reforma de 1995, parecem ser a mais importante alteração defendida por setores da academia e da política. Tudo pelo combate à fragmentação das legendas. Alguns cientistas políticos acabam por defender o bipartidarismo como instrumento mais eficiente da democracia representativa. Na tese principal, os partidos teriam que alcançar 5% dos votos nacionais, distribuídos por nove estados com desempenho mínimo de 2% ou 3%. Sem essa votação os partidos seriam restringidos na participação parlamentar, diminuiria drasticamente a participação do fundo partidário e no tempo de TV.
O questionamento à tese da cláusula de barreiras começa pelo voto do ministro Marco Aurélio Mello sobre a inconstitucionalidade da mudança, não somente pelo caráter de lei ordinária e não por emenda parlamentar, mas porque se poderia criar uma -ditadura de uma maioria sobre a minoria-.
O Brasil já tem uma cláusula de barreira à participação dos partidos no Parlamento através do quociente eleitoral. O sistema de proporcionalidade na distribuição das cadeiras parlamentares através do desempenho eleitoral desconsidera o partido ou coligação que não atinge o número mínimo de votos para cada cadeira e despreza toda a votação dos candidatos, mesmo após a distribuição dos que atingiram o quociente. E a distribuição da chamada -sobra- - em que o total de votos de cada partido ou coligação é dividido pelo número de cadeiras que ele já recebeu mais um - é de claro favorecimento aos partidos com maior desempenho, sem considerar, novamente, os votos daqueles que não alcançaram o quociente e nem as maiores quantidades de votos da -sobra- daqueles que atingiram o quociente, mas com menor número de cadeiras.
Proposta oposta à radicalização liberal do voto é a chamada lista fechada, o eleitor vota na legenda partidária ou na frente política constituída para tal pleito. O voto passa a ser no partido e a distribuição proporcional do voto define o número de cadeiras, mas a posição dos candidatos na chapa é definida pelo partido. O contraponto a essa posição são quais os critérios definidos pelos partidos para a escolha das posições na lista. Isso fica a critério interno, em disputa dentro do partido, o que pode favorecer o -caciquismo político-.
A principal questão que se apresenta para uma possível reforma política diz respeito ao financiamento de campanhas eleitorais. Esse assunto, como a pauta em geral da reforma política, não é novo e não há uma alternativa próxima do consensual para ser apresentada. A única unanimidade até o momento é o reconhecimento do custo extremamente elevado das campanhas eleitorais.
As proibições de materiais e showmícios não diminuíram os custos de campanha, houve o oposto, uma ascendente ampliação dos gastos, principalmente na contratação dos chamados -cabos eleitorais- ou lideranças políticas populares que passaram a militar em troca de salários permanentes ou temporários. Nas campanhas eleitorais há uma verdadeira economia que gira em torno da profissionalização militante. Mesmo as lideranças conscientes e simpatizantes de tal ou qual projeto político passaram a impor a condição de profissionalização.
Outro item de gasto elevado, principalmente para os candidatos majoritários competitivos, são as equipes de comunicação e marketing que cada vez mais produzem programas de TV com alta qualidade e disputam entre si as melhores definições estratégicas dentro do processo eleitoral. São verdadeiros aparatos de pesquisa, estudos, produção de conteúdo e artísticas, com características cinematográficas para apresentarem candidatos e propostas. Essa tendência de valores elevados e investimentos em imagem e conteúdo parece irreversível na disputa política eleitoral e na propaganda partidária.
O financiamento público de campanha é uma das alternativas mais discutidas em setores organizados da sociedade. Através dessa proposta, o Estado passaria a financiar exclusivamente os partidos e as campanhas, através de um fundo de financiamento público semelhante às regras da distribuição de recursos do fundo partidário atual.
Entre os questionamentos a esse modelo está exatamente o funcionamento da distribuição desses recursos públicos e quem seria o responsável pela sua gestão, em primeira e talvez única instância, os partidos políticos. Outra dificuldade é o senso comum na sociedade que, inclusive por argumentos despolitizados, afirma não concordar em dispor de recursos públicos para o financiamento partidário e eleitoral.
É possível identificar os diversos questionamentos às propostas de mudanças serem levantados ao atual modelo eleitoral, como a personalização do voto, a redução do papel do parlamentar no âmbito nacional ou regional, distorções quanto a validade e representatividade do voto, o peso e a pressão local quanto a escolha do candidato, o paradoxo do voto individual e lista de partidos. A questão é que nenhum modelo proposto foi capaz de suplantar o atual, seja pelo modelo organizacional da política seja pela tradição cultural do voto personalizado no candidato e não no partido político.
O sistema político brasileiro é tradicionalmente representativo, presidencialista, multipartidário, com escolhas individuais, com financiamento majoritariamente privado e com força política regional.
Desde a formação da República, mas notadamente desde a redemocratização, o Brasil vem construindo sua democracia. Com os muitos defeitos apontados e diversas contradições sobre o melhor modelo político, é com essa legislação reconhecida e legitimada que se elegeram representantes de diversas matrizes políticas e que se possibilita experimentar experiências de alternância de poder. Inclusive a que possibilitou um bloco de esquerda vencer as eleições presidenciais.
Diante da situação política atual é possível deduzir que as possíveis mudanças que podem ocorrer na legislação partidária e eleitoral são de caráter conservador. Detidamente o fim das coligações partidárias nas eleições e possíveis restrições ao funcionamento dos partidos políticos, sob o argumento da -estabilidade- política. A política, de modo geral, está sendo questionada sob argumentos despolitizados.
Não há, tendo-se em vista da correlação de forças políticas atuais, condições de avançar para uma pauta progressista de reforma política que inclua a substituição do financiamento privado pelo público, a manutenção da liberdade da atuação dos partidos políticos, a maior participação popular sob as decisões estratégicas para o país, a democratização do sistema judiciário, e a consideração de todos os votos no cálculo da distribuição das representações proporcionais.
É fato que há dois grandes desafios a serem superados, maiores que os modelos de voto e representação política. A condução do país não pode ceder a interesses que não sejam os nacionais, portanto, não há democracia sem soberania. A imperiosa necessidade de se combater a imposição dos setores privados mais poderosos em detrimento da maioria da sociedade. Não há democracia sem avanço social e sem projeto de país.
* Rodrigo de Carvalho é doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP e autor do livro A era Collor - da eleição ao impeachment.
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www.camara.leg.br
www.tse.jus.br
www.vermelho.org.br