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Resenha

Edição 153 > Novo livro de Gianni Fresu desvenda as faces do fascismo italiano

Novo livro de Gianni Fresu desvenda as faces do fascismo italiano

Marcos Del Roio
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Se o sono da razão desperta monstros, para se combater a monstruosidade do capital em crise é, sem dúvida, necessário conhecer a fundo esse capítulo essencial da barbárie fascista do período da guerra dos 30 anos do século XX e de como a resistência foi essencial para a sua derrota. O livro de Gianni Fresu é uma estupenda apresentação desse problema histórico e teórico de grande envergadura e importância

A editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR) acaba de brindar o público brasileiro com a obra Nas trincheiras do Ocidente: lições do fascismo e do antifascismo, escrita pelo professor italiano Gianni Fresu. O autor é formado em História do Pensamento Político e doutor em Filosofia pela Universidade Urbino, sob a orientação de Domenico Losurdo. Atualmente é professor de Filosofia Política da Universidade Federal de Uberlândia. Autor, entre outros, do livro Lênin leitor de Marx, publicado no Brasil pela Editora Anita Garibaldi e Fundação Maurício Grabois.

O livro atual é o resultado de um curso dado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Unesp cujo objetivo era esclarecer a origem e desenvolvimento daqueles dois fenômenos (fascismo e anti-fascismo) que marcaram a história da Itália e do mundo na primeira metade do século 20. No esforço para entendê-los, o autor utiliza-se amplamente das contribuições de Antônio Gramsci.  Nesta edição da revista Princípios publicamos o prefácio escrito pelo professor Marcos Del Roio.

 

 

 

 

Nas trincheiras do Ocidente: lições do fascismo e do antifascismo 

Autor: Gianni Fresu
Páginas: 256
Editora: Editora UEPG (PR)
ISBN: 978-85-7798-228-8
Ano de publicação: 2017
Preço: R$ 55,00
Disponível: goo.gl/Hr9FQL

De um fascismo a outro

Marcos Del Roio

A chamada Primeira Guerra Mundial estimulou o estreitamento do nexo entre Estado e produção, ampliando a concentração e centralização do capital e também do poder político. A revolução socialista internacional desencadeada na Rússia também serviu de impulso a esse processo, por conta da necessidade de as classes dominantes do capitalismo se defenderem do risco iminente da revolução proletária. Deste modo o liberalismo como forma de Estado e como concepção política e econômica entrou em crise profunda. Observe-se como toda a fase que podemos identificar como guerra dos 30 anos do século XX ou como guerra civil europeia ficou marcada pela centralização do poder dos Estados, com formas variadas de ditadura, ainda que Estados liberais com hegemonia burguesa sólida tenham sobrevivido, eles mesmos não se furtaram a essa tendência geral. O início desse processo de gestação de ditaduras oligárquicas, em geral respaldadas pela Igreja Católica, se deu com a ideia da criação de um “cordão sanitário” de Estados com o fito de isolar a União Soviética da Europa central e ocidental. 

O fascismo foi o fenômeno e a experiência mais notável do esforço da burguesia em fazer frente à crise do liberalismo e à ameaça da revolução proletária.  Como categoria explicativa do real, a identidade do fascismo talvez seja tão escorregadia e polêmica quanto aquela de democracia. São muitos os movimentos, partidos ou ideais que podem ganhar o epíteto de “fascistas” no calor da luta política e ideológica, mas é preciso que se saiba com clareza do que realmente se trata ou a luta poderá ser levada por um caminho desastroso. Enfim, para todos os envolvidos na luta política e ideológica é necessário identificar com clareza o inimigo contra o qual travam batalha. 

O fascismo ascendeu ao governo da Itália em 1922 e foi visto como um fenômeno especificamente italiano pelos anos seguintes. Em 1937, ano da morte de Gramsci, o fascismo era muito mais do que o Estado e o regime italiano. Havia sido composto um arco de alianças na arena internacional que englobava a Itália, a Alemanha, o Japão e ainda uma série de regimes políticos aliados, para não se contar também uma série de movimentos e partidos espalhados pelo mundo. Na Europa incluíam-se Portugal, Hungria e Polônia como regimes, mas igualmente movimentos mais ou menos expressivos na Espanha – onde logo assumiria o poder –, na França, na Inglaterra e em vários países da Europa oriental e balcânica. A Europa já vivenciava a guerra na Espanha; a Ásia já vivenciava a guerra na China, vítima do ataque japonês. Era apenas o início da conflagração que envolveria larga parte do planeta. 

Esse conjunto de regimes, partidos e movimentos ganhou o qualificativo geral de fascista. O antifascismo, por sua vez, passou pela mesma evolução: de um problema das forças sociais e políticas opostas ao fascismo na Itália para uma questão de caráter quase universal, por volta de 1943, quando, no decorrer da Segunda Grande Guerra, foi selada a coalizão entre a União Soviética e as potências liberais imperialistas (Estados Unidos, Inglaterra e França) contra o imperialismo fascista (em particular a Alemanha). Em 1943 a oposição entre fascismo e antifascismo se colocava de modo ao antifascismo se identificar com a democracia. Mas qual democracia, já que havia entendimentos diferentes de qual seria o significado dessa palavra? O certo é que houve também uma ampliação significativa das bases sociais do antifascismo. No início eram operários e camponeses que se opunham ao fascismo e ao capitalismo. No fim da guerra, o antifascismo não significava exatamente anticapitalismo.  

Assim é que as interpretações do fenômeno fascista, nesse processo mesmo de surgimento e derrota político-militar, oscilaram entre a singularidade italiana e uma generalidade diluidora da categoria teórica e analítica. De início, o fascismo foi olhado com um fenômeno próprio de um capitalismo atrasado e que preservava um setor agrário muito significativo. Nessa lógica, a situação da Espanha de Primo de Rivera poderia ser confrontada com a Itália, mas não com países mais avançados do ponto de vista industrial. Esse entendimento foi superado quando o fascismo assumiu o poder na Alemanha e da forma mais radical possível. Mesmo que a Alemanha fosse um país avançado do ponto de vista industrial, era um capitalismo de implantação tardia e que preservava vários aspectos da velha ordem feudal, como já indicara conhecida análise de Lênin. 

Com a instauração da ditadura nazista na Alemanha, a compreensão desse fenômeno como ditadura terrorista do grande capital encontrou uma formulação sintética, que contribuiu para distinguir o fascismo das ditaduras oligárquicas que se instauraram na Europa oriental e na Península Ibérica. A própria evolução do fascismo italiano mostrou que esse regime, logo Estado, não era tão somente um regime reacionário voltado contra o proletariado, mas era também uma forma específica de passagem brusca de um capitalismo atrasado e tardio para o domínio do capital financeiro. Mais ainda, o fascismo era expressão de um movimento reacionário de massas da pequena burguesia organizado num partido militarizado e fortemente antioperário.
Característica importante do fascismo é a concepção de Estado corporativo. O corporativismo seria a forma mais adequada de se combater as mazelas do liberalismo, o qual permite a intensificação da luta de classes e possibilita a vitória do bolchevismo. Com o corporativismo seria possível, pelo contrário, atenuar muito a luta de classes e estabelecer uma relação harmônica entre capital e trabalho. Nos fatos, esse projeto visava submeter a classe operária ao Estado, cuja organização perdia a autonomia e passava a ser questão de direito público, de forma que o Estado pudesse regular o mercado de trabalho. O fascismo pensava o corporativismo como forma de organização industrial, como forma plausível de incorporação do taylorismo nos processos de trabalho. 

No entanto, havia também e ao mesmo tempo a concepção católica de corporativismo, esse sim fundado numa noção profundamente reacionária e agrarista. Tal tipo de corporativismo predominou nos países de ditadura oligárquica com forte presença da Igreja, como Portugal e Espanha, por exemplo. Esses regimes, com a linguagem dos anos 30, poderiam ser chamados de clerical-fascistas.  Mas tampouco se pode esquecer da possibilidade de um fascismo liberal, tal qual vigorou na Itália entre 1922 e 1926, quando as instituições liberais ainda existiam e uma política econômica liberal foi implantada. 

O debate sobre corporativismo e fascismo se apresentou também no Brasil dos anos 30, e com os mesmos problemas conceituais. O projeto corporativo estava presente entre os comandantes militares rebeldes que se opunham ao Estado liberal, que acabou sendo derrubado em 1930. Essa perspectiva de organização social e política tinha embasamento no positivismo que alimentava a educação militar e que também predominava na classe dirigente do Rio Grande do Sul. É certo, porém, que a Itália, em alguns aspectos, era vista como exemplo. Esse projeto só conseguiu se impor em 1937, com o golpe que instaurou o chamado Estado Novo, com a ditadura de Getúlio Vargas. O Estado Novo foi identificado por alguns opositores como fascista por conta de algumas características superficiais de identificação, mas também pelo fato de o Brasil ter se aproximado do eixo fascista entre 1935 e 1941. 

Foi entre 1930 e 1937, precisamente, que a discussão política sobre o fascismo ficou bem acirrada, em particular em torno da natureza da Ação Integralista Brasileira. Os comunistas entendiam que não era possível o fascismo no Brasil por considerarem, assim como a Internacional Comunista, que o fascismo era uma ditadura do grande capital e, deste modo, um fenômeno próprio de países imperialistas. Os trotskistas, por sua vez, entendiam sim ser o integralismo um movimento fascista. A leitura que faziam era que na época imperialista e depois da Revolução Russa toda revolução já deveria se endereçar ao socialismo, por conta da impossibilidade de se estabilizar uma democracia burguesa ou mesmo o fascismo, que era um esforço da burguesia para conter a revolução proletária internacional.

Os próprios integralistas, todavia, não se identificavam como fascistas. Para esse movimento o objetivo era fundar um Estado que fosse expressão da verdadeira nacionalidade. Havia o projeto corporativo certamente, mas inspirado muito mais no corporativismo católico, em particular o português, do que no fascismo propriamente dito. Inegável o fenótipo do fascismo, com símbolos, bandeiras, uniformes, saudações, assim como inegável o financiamento recebido de Alemanha e Itália, mas também isso era explicável com o entendimento de que esses regimes fascistas eram expressão das respectivas nacionalidades. 

A questão do fascismo voltou à pauta política nos anos 60/70, quando um quadro de ditaduras militares, estimuladas pelos Estados Unidos, se estendeu sobre a América do Sul, quase ao mesmo tempo em que as últimas ditaduras de Europa se enfraqueciam até o fim (Portugal, Espanha, Grécia). Na América do Sul foi aventada a hipótese de uma versão colonial do fascismo, condição mesma para que a situação de colonialidade se estendesse e se evitasse uma eventual revolução nacional popular. Os comunistas brasileiros, por exemplo, entendiam que o Brasil passava, depois de 1968, por um processo de fascistização e de transição para a fase monopolista do capitalismo. Nunca houve, no entanto, uma força organizada de massas pequeno-burguesas. No Brasil, a ditadura militar foi alimentada muito mais pela filosofia positivista do que pelas raízes ativistas e irracionais do fascismo clássico.

Não foi também alimentado pelo reacionarismo católico, ainda que esse tivesse dado larga sustentação ao golpe de Estado de 1964. 

Ainda que em geral colocados no mesmo leque, outras ditaduras militares tinham referências teóricas diferentes. Na Argentina predominou o reacionarismo católico; no Chile, uma variante de prussianismo de cariz liberal; no Peru, uma forma do nacionalismo militar. Assim, é muito difícil qualificar esses regimes políticos como fascistas, sendo útil apenas para o uso na luta pela democracia, que envolvia setores sociais diversos. 
A não ser na Itália, onde a cultura política do fascismo sobreviveu, e nos países europeus submetidos às ditaduras, o antifascismo não sobreviveu ao fim da guerra. Nos países citados, o antifascismo, como referência política, se esgotou ao fim dos anos 80 aproximadamente.  

Acontece que o fim das experiências de socialismo de Estado na União Soviética e na Europa oriental e com a forte ofensiva ideológica do grande capital, em torno do chamado globalismo neoliberal, materializado em inovações tecnocientíficas de grande monta e mudanças no gerenciamento do processo de trabalho, tendo em vista o resgate das taxas de acumulação, conseguiu-se o desmantelamento das organizações políticas e sindicais da classe operária, assim como de sua cultura política, fosse reformista ou revolucionária.  

Ao agravamento da crise capitalista, já com a resistência dos trabalhadores seriamente fragilizada e com massivos deslocamentos populacionais, a reação mais uma vez se manifesta em formas que resgatam o fascismo. Certo que não mais com o discurso de controlar a luta de classes em nome da noção de harmonia entre capital e trabalho, mas sim com a exacerbação do liberalismo nas relações sociais competitivas sob um Estado policial. O fascismo do século XXI é assim um fascismo ultraliberal no qual o individualismo extremado e a razão do “homem lobo do homem” predominam como norma. 

Se o sono da razão desperta monstros, para se combater a monstruosidade do capital em crise é, sem dúvida, necessário conhecer a fundo esse capítulo essencial da barbárie fascista do período da guerra dos 30 anos do século XX e de como a resistência foi essencial para a sua derrota. O livro de Gianni Fresu é uma estupenda apresentação desse problema histórico e teórico de grande envergadura e importância. Ver-se-á as origens do fascismo, sua consolidação e características, a sua difusão e a resistência antifascista. As discussões políticas e historiográficas também fazem parte desse pequeno e rico volume, que não nos deixa esquecer que hoje é dia de lutar de novo.

Marcos Del Roio é Professor Titular em Ciências Políticas na Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP.

 

 

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