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Edição 153 > Ascenção e estratégias chinesas no mercado futebolístico mundial
Ascenção e estratégias chinesas no mercado futebolístico mundial
Os investimentos chineses no futebol são diferenciados desde a compra de clubes, volumosas transferências de atletas, formação de escolas e academias de futebol, aprimoramento das categorias de base e patrocínios internacionais. Esse conjunto de fatores permitiu à China despontar, a partir de 2010, como uma potência investidora do futebol

O futebol, pertencente à indústria do entretenimento, é um produto com diversas possibilidades de exploração econômica. Historicamente, o mercado futebolístico europeu destaca-se pela concentração dos clubes e dos jogadores mais valiosos em atividade.
Contudo, após 2010, a China ascendeu como um investidor do futebol mundial através do aumento dos gastos com negociações de atletas, da aquisição de clubes estrangeiros por parte de empresas e conglomerados chineses, pela organização da Super Liga Chinesa e da Copa da China, bem como através do crescente interesse da população chinesa pelo esporte. Ressalta-se que a China ocupava, em 2013, o 20º lugar entre os principais países contratantes de futebolistas, e em 2016 passou a posição de 5° potência mundial nessa categoria de negócio.
As receitas com transferências nacionais e internacionais da Super League da China, principal competição do país, passou de € 3,1 milhões na temporada 2010/2011 para € 147 milhões no período entre 2016/2017. Ressalta-se ainda que, entre janeiro e fevereiro de 2017, os clubes da China investiram em transferências de jogadores cerca de € 388 milhões, 13% à mais que o mesmo período de 2016. Esses números representam um montante superior ao investido por clubes alemães, espanhóis e italianos juntos.
Além disso, destaca-se que os gastos realizados pela China com as transferências de jogadores são superiores às despesas totais dos outros clubes que representam a Asian Football Confederation (AFC) como é possível observar na figura 1.
Figura 1- Gastos (US$ em milhões) com transferências internacionais por clubes chineses e AFC (2011-2016)
Fonte: FIFA TMS. Global Transfer Market Report 2017. 2017. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2017.
De acordo com a FIFA (2017) as despesas chinesas com taxas de transferências de jogadores de futebol somaram em 2016 cerca de US$ 451,3 milhões, sendo que 96,2% destas taxas foi paga para clubes de outras confederações, principalmente da Union of European Football Associations (UEFA).
Outros dados importantes apontam para o aumento geral das despesas com a contratação de jogadores já que os gastos passaram de € 23.830.775 na temporada 2010/2011 para € 542.150.300 no período que compreende a temporada 2016/2017.
Contudo, os expressivos gastos chineses com a negociação de futebolistas motivaram a General Sport Administration (GSA), órgão estatal, a adotar medidas restritivas que visam regular e orientar o desenvolvimento do futebol nacional chinês. A partir de 2018 o número máximo de jogadores estrangeiros permitidos por partida é de três, sendo que a regra anterior permitia cinco futebolistas inscritos por jogo.
Outra medida regulatória importante foi determinada em junho de 2017 pela Football Association of the People’s Republic of China (CFA) que passou a estipular um teto máximo para os gastos com negociações de futebolistas. O máximo investido permitido por contratação de jogadores estrangeiros é de £ 5,2 milhões e para futebolistas chineses esse valor é de £ 2,3 milhões. Destaca-se, também, que a partir de 2017 a CFA passou à taxar em 100% todas as negociações de jogadores estrangeiros da Super League. (Lance, 2017)
Essas alterações da legislação desportiva chinesa já refletem no comportamento do mercado futebolístico. Segundo a FIFA (2018), registrou-se, no ano de 2017, a entrada de 143 futebolistas na China, cerca de -10,1% em relação ao ano de 2016. Já as transferências com saídas de atletas somaram 152 casos, o que representa -0,7% no que refere-se ao ano anterior.
Compreende-se que esse conjunto de políticas adotadas a partir de 2017 visa conter os crescentes investimentos chineses com o futebol e, sobretudo, objetiva incentivar o desenvolvimento do esporte nacional através das categorias de base e das escolas de futebol. O Ministério da Educação da China definiu 4.755 escolas como academias especializadas em futebol e escolheu 31 cidades e distritos para recepcionarem projetos relacionados ao esporte. (DIÁRIO DO POVO ONLINE, 2016). Também é necessário ressaltar a consolidação de escolas franquiadas de futebol na China, que visam por um lado qualificar as categorias de base chinesas e, por outro, abrem espaço aos interesses de clubes estrangeiros no país asiático.
Outra estratégia adotada pela China para consolidação do país entre os principais investidores mundiais do futebol refere-se à compra de clubes por empresas e conglomerados chineses.
Desde o ano de 2015 empresas chinesas gastaram US$ 2 bilhões na compra de parte ou totalidade de clubes europeus de variados portes como os ingleses Manchester City Football Club, Wolverhampton Wanderers Football Club e Aston Villa Football Club, os espanhóis Club Atlético de Madrid, Lorca Fútbol Club e Fútbol Club Jumilla, os franceses Football Club Sochaux-Montbéliard e Association de la Jeunesse Auxerroise, o português Sport Clube União Torreense, o italiano Associazione Calcio Milan e o brasileiro Desportivo Brasil, dentre outros exemplos.
Destaca-se que são empresas de capital chinês, estatais e privadas, que investem no futebol mundial através da compra total ou parcial de clubes. Jabbour (2010) ressalta a reestruturação das empresas estatais chinesas que “jogam todo seu peso como expressão dos interesses do Estado chinês” (JABBOUR, 2010, p. 183), o que indica que o investimento no futebol é também manifestação do interesse do Estado chinês como já observado nas ações regulatórias da CFA.
Representantes de diversos setores da economia da China, privados e estatais, passaram à investir no futebol e adquiriram clubes de portes pequenos, médios e grandes. A Shandong Luneng do ramo de energia, o Dalian Wanda Group do setor de entretenimento, as estatais China Media Capital e Citic Capital, a Recon Group do ramo de transportes, infraestruturas, saúde e agricultura, a Huawei do ramo de telecomunicações e a estatal Hisense que produz eletrônicos, dentre outros exemplos, passaram à investir no futebol adquirindo clubes ou firmando parcerias de patrocínio e propaganda.
Identifica-se que algumas relações entre clubes internacionais e empresas chinesas começaram como parcerias para formação de jogadores. No ano de 2011, o espanhol Club Atlético de Madrid, o grupo chinês Dalian Wanda Group e a CFA estabeleceram um acordo para criação de um sistema de seleção de jovens jogadores para as categorias de base do clube madrileno. Essa parceria abriu precedentes para uma nova negociação que permitiu, em 2015, que o Dalian Wanda Group adquirisse 20% das ações do Club Atlético de Madrid por cerca de € 45 milhões.
Dentre outras negociações de porte entre empresas chinesas e clubes estrangeiros é preciso destacar a compra de 13% do City Football Group, a empresa que controla o inglês Manchester City FC. Em 2015 o grupo formado pelo fundo de investimentos estatal China Media Capital e Citic Capital pagou US$ 400 milhões pelo negócio.
Não apenas na aquisição total ou parcial de clubes de futebol é que os investimentos de empresas e conglomerados chineses se destacam. Estas tem investido no patrocínio de competições nacionais e internacionais como a Copa das Confederações, a Eurocopa e a Copa do Mundo, bem como passaram a injetar dinheiro em entidades como a FIFA. Nesse sentido, ressaltam-se após 2016 os casos da Hisense que passou a injetar dinheiro na Eurocopa, da empresa chinesa de lâmpadas Ledman que anunciou o patrocínio da Série B do futebol de Portugal e dos patrocínios da empresa de telefonia VIVO e da própria Hisense para a entidade máxima do futebol. A VIVO, como marca oficial de aparelhos smartphones, vai patrocinar as Copas das Confederações e as Copas do Mundo da Rússia e do Qatar, estas últimas entre 2018 e 2022 respectivamente.
Verificou-se que os investimentos chineses no futebol são diferenciados desde a compra de clubes, volumosas transferências de atletas, formação de escolas e academias de futebol, aprimoramento das categorias de base e patrocínios internacionais. Esse conjunto de fatores permitiu à China despontar, a partir de 2010, como uma potência investidora do futebol. Nesse sentido, o texto buscou identificar as principais estratégias utilizadas pelo país asiático no concorrido mercado internacional da bola.
Assim sendo, a identificação das estratégias chinesas no mercado futebolístico mundial demonstra como o país consolida-se rapidamente como um novo centro inovador e investidor do esporte. Compreende-se também que é preciso avaliar o caso chinês no futebol como um projeto de Estado para a formação de um país praticante da atividade, sendo que a trajetória asiática conta com as participações das iniciativas privada e estatal.
*Patrícia Volk Schatz é doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Dedica seus estudos ao futebol e suas diversas interseções com a cultura, a sociedade, a política e a economia. Atualmente desenvolve pesquisa sobre o processo de reestruturação dos clubes de futebol do sul do Brasil pós década de 1980.
Nota1 – 87% do City Football Group pertence à Abu Dhabi United Group e outros 13% à China Media Capital/CITIC Capital. O City Football Group também controla 100% do Melbourne City da Austrália, 80% do New York City dos Estados Unidos da América, 20% do Yokohama F. Marinos do Japão, 100% do Club Atlético Torque do Uruguai, 100% do Guayaquil City FC do Equador e 44,3% do Girona FC da Espanha, entre outros investimentos.
Referências
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