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Edição 153 > Encontro de Manuela com intelectuais pontua ideias para a retomada do desenvolvimento

Encontro de Manuela com intelectuais pontua ideias para a retomada do desenvolvimento

Cezar Xavier e Osvaldo Bertolino
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Ao longo da sexta-feira, 23 de março de 2018, a Fundação Maurício Grabois reuniu economistas, estudiosos e especialistas de áreas diversas do conhecimento e de regiões distintas do país, ouvidos pela pré-candidata à Presidência da República, Manuela D´Ávila, para apontar elementos para um programa de governo nas áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação. O seminário revelou o enorme potencial tecnológico e inovador brasileiro, assim como o processo de desmonte generalizado dessa potencialidade pelo governo golpista

No seminário “Desafios para a retomada do desenvolvimento nacional”, o presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, sintetizou o evento como um esforço para se debater candentes temas nacionais. 

Na abertura do seminário, Renato Rabelo salientou que a Fundação Maurício Grabois tem feito grande esforço, no âmbito das ideias, para buscar saídas e rumos para o Brasil. A superação da grave crise em curso exige propostas de alternativas ao modelo vigente, daí a importância da discussão de um projeto em novas bases para a reconstrução do país. “Esse é um objetivo que a nossa Fundação persegue”, destacou, acrescentando que nesse ciclo de debates sobre novos rumos para o Brasil, houve um debate acerca da questão de gênero, a situação da mulheres, tema que ele considerou fundamental para um grande avanço civilizacional, assim como sobre a realidade da Amazônia, que requer um projeto de desenvolvimento próprio, específico. 

Renato salienta que todos esses debates são questões inseridas na elaboração do Manifesto intitulado “Unidade para Reconstruir o Brasil”, com a participação das quatro fundações dos partidos de esquerda (PT, PDT, PCdoB e PSOL).  “Esse é também um passo muito importante no sentido de se criar as condições para que a gente possa ter base mínima de um programa que pode ser endossado pelos quatro partidos que compõe a esquerda em nosso país”, afirmou.

Manuela d’Ávila afirmou ser um momento “importante para ouvir vozes que contribuem com o pensamento mais avançado do Brasil”. “Temos feito esforços de ouvir amigos e alguns simpatizantes com o intuito de contribuirmos, da melhor forma possível, no debate político que vem sendo travado”, afirmou.

De acordo com a pré-candidata, o Brasil vive uma encruzilhada: ou aprofunda o caminho do projeto ultraliberal e antinacional, ou retoma a rota de construção de um projeto nacional de desenvolvimento. “Nosso esforço é fazer com que as eleições de 2018 consigam responder a dois temas centrais: o esforço que o PCdoB e um conjunto de partidos têm feito para que existam eleições, e que elas sejam livres; e, de outro lado, também compreendemos que as eleições de 2018 são o espaço privilegiado para apresentar projetos, enfrentar a crise em que o Brasil vive”, diagnosticou.

Segundo ela, é preciso escutar e dialogar com os que se levantam diante da desigualdade social, “mas não somos portadores de uma mensagem equivocada de que existem saídas para enfrentar o tema das mulheres e a questão racial, que são estruturantes da desigualdade social brasileira, sem termos um projeto de desenvolvimento para o Brasil e para o povo brasileiro”, ressaltou.

Para Manuela d’Ávila, o debate no Seminário é a forma de trilhar um caminho de unidade das forças democráticas, progressistas e de esquerda em torno de ideias comuns. “Nossa pré-candidatura busca contribuir para que as forças de esquerda, progressistas, democráticas e patrióticas estejam no segundo turno da disputa eleitoral, representadas por um programa avançado, materializado e orientado pelo novo projeto nacional de desenvolvimento. Essa é a missão da nossa candidatura”, destacou.

Luis Fernandes e o ciclo interrompido

O mediador da mesa, Luis Fernandes, cientista político da PUC do Rio de Janeiro, lembrou que a Fundação Maurício Grabois representa uma corrente política co-partícipe de uma experiência de governo singular na história do país, a dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, “que tem experiência de governo e aprendeu com essa experiência”. Esse também foi o perfil dos intelectuais convidados: um conjunto de pesquisadores que, para além de pesquisas sobre os temas do desenvolvimento nacional, em diferentes dimensões, assumiram a execução de políticas públicas vinculadas ao desenvolvimento nacional.

Segundo ele, essa era uma característica do Seminário. “Queremos aqui recolher subsídios que nos permitam retomar um caminho que foi interrompido e um projeto nacional de desenvolvimento que foi desmontado em curtíssimo tempo, depois de ter levado muito tempo e custado muito para ser estruturado. Seu desmonte está gerando um retrocesso na sociedade brasileira, inclusive implicando uma posição de subordinação e de dependência do nosso país diante de poderes que são decadentes no sistema internacional do século XXI”, afirmou.

Eliana Araújo e a reindustrialização

Eliana Araújo, professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e presidenta da Associação Keynesiana Brasileira, apoiou-se em gráficos para  mostrar a deterioração da renda per capita. Segundo ela, um dos problemas estruturais que precisam ser atacados para reverter a queda da renda média é a desindustrialização, que começou após o país viver o auge da colheita dos frutos do Programa Nacional de Desenvolvimento dos anos 1970.

Atualmente, a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) está menor do que em 1947.

Segundo ela, é normal que nas economias “maduras” que a participação da indústria caia. Conforme há crescimento, cresce o nível de renda e há uma demanda maior por serviços sofisticados. Não em países em desenvolvimento. “A indústria é importante porque ela tem impacto significativo sobre o PIB, sobre a produtividade, com encadeamentos que são gerados como a acumulação de capital e inovação”, afirmou.

De acordo com Eliana, no Brasil existe uma indústria concentrada em recursos naturais. Para ela, a reindustrialização é fundamental. “Os próprios países ricos estão preocupados com a desindustrialização”, afirma. Segundo a professora, o Parlamento Europeu fez um documento dizendo que a meta é que a participação da indústria no PIB chegue em 30% do PIB.

Samuel Pinheiro Guimarães e o Brasil para poucos

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães acredita que o país está diante de dois projetos de Brasil: De um lado, tem o projeto dos oprimidos e dos excluídos. De outro, o projeto representado por 1% a 2% da população mais rica, um total de 67 mil brasileiros. Daqueles que ganham mais de 160 salários mínimos por mês, dois terços do seu total de renda são lucros, juros e dividendos, isentos de IR. “Para começar a discutir a questão de déficits primário, secundário, terciário, não importa, é preciso verificar que juros, lucros e dividendos não pagam impostos”, alertou, conforme lembra ele, uma medida instituída por uma lei dos tempos dos governos FHC. 

Segundo Samuel Pinheiro Guimarães, há um projeto de governo para esse universo; o que está em curso com o golpe. “Esse projeto tem certas premissas. Por exemplo, que a inflação é a questão central brasileira. Emprego, industrialização, tudo isso é irrelevante. Porque a inflação afeta os ativos, os valores dos títulos públicos. Outra premissa é que o Estado é culpado pela inflação, como regulador e investidor. E a terceira premissa é que a iniciativa privada é capaz de resolver qualquer desafio brasileiro. E a quarta premissa é que a iniciativa privada estrangeira é melhor do que a brasileira”, listou.

Outro desafio é o desenvolvimento do capital. “Estou falando do capital industrial. Os grandes setores da economia mais dinâmicos são propriedades de estrangeiros. Toda a indústria automobilística. Praticamente toda a indústria farmacêutica. O que sobrou foi o varejo. Quando falamos que a indústria brasileira não tem competitividade, estamos falando que a indústria estrangeira no Brasil não tem competitividade internacional. Então, devemos enfrentar a questão da propriedade do capital. Se não é competitivo é porque eles não conhecem as novas tecnologias, as mais avanças do mundo? Conhecem, mas não estão instaladas aqui”, diagnosticou.

Segundo ele, aqui estão instalados equipamentos antigos. “Essa é uma questão central do ponto de vista do capital industrial”, destacou, acrescentando que o Estado permite e estimula esse capital, que vem para o Brasil sem nenhuma regulamentação. Pelo contrário. Se instalam com financiamentos do BNDES, sem nenhuma exigência tecnológica e de exportação. 

Para Samuel Pinheiro Guimarães, o projeto neoliberal quer acabar com os bancos públicos e o sistema financeiro brasileiro está sob forte ataque, lembrando que a taxa de juros cobrada pelos bancos privados não tem a ver com a Selic. “A taxa de juro para o capital empresarial era, algum tempo atrás, cerca de 35% a 45% ao ano. Não há nenhum rendimento produtivo que gere renda capaz de pagar isso. São as taxas de juros mais altas do mundo, na prática. Por isso o setor está sob ataque. É um dos poucos em que os grupos internacionais ainda não entraram fortemente”, afirmou.

Frederico Mazzucchelli e o “circuito do gasto”

Frederico Mazzucchelli, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), concorda que existam nitidamente dois projetos para o Brasil. “Quero salientar que vejo na pré-candidatura da Manuela d’Ávila um momento de frescor e de vida na quadra política nacional. É uma coisa muito importante, uma pessoa com seus atributos, com as suas qualidades, com a sua inteligência, com a sua vitalidade. Vejo com enorme simpatia e entusiasmo essa pré-candidatura”, declarou.

Para Frederico Mazzucchelli, o Brasil está submetido também ao consenso neoliberal, uma ideia decadente no mundo. Segundo ele, é preciso estabelecer alguns princípios essenciais, entre eles, o fortalecimento do Estado, das instâncias de planejamento e dos bancos públicos, que foram destruídos ao longo dos anos, começando no governo de Fernando Collor de Mello. “Sem isso não há desenvolvimento”, destacou. Além do estabelecimento de uma política industrial e de políticas sociais. “O problema é que o circuito do gasto foi atrofiado. Isso fez com que tivéssemos essa recessão horrorosa”, disse ele, lamentando a adesão da ex-presidenta Dilma Rousseff ao ajuste fiscal pedido pelo mercado.

Para ele, é necessário regenerar o circuito do gasto. “Para isso, é preciso crédito, investimento e renda mínima para que as pessoas gastem. Uma economia capitalista é movida pelo gasto. Existem questões subjacentes, que tem de ser tratada, a principal é o câmbio. O Brasil não pode mais sobreviver com câmbio valorizado. Grande parte desse processo de desindustrialização se deve a uma política cambial desastrosa”, resumiu.

Sérgio Rezende e o financiamento de CT&I

Na mesa seguinte, discutiu-se os desafios da reindustrialização, e da remontagem do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, a partir do pressuposto do desmonte da capacidade industrial, científica, tecnológica e inovativa do Brasil, promovido em tempo recorde pelo governo golpista.

O físico, ex-ministro de Ciência e Tecnologia, e professor emérito da UFPE, Sérgio Rezende, mostrou em gráficos a correlação entre financiamento da pesquisa em Ciência, Tecnologia e Inovação e o desenvolvimento econômico. Ele cita o caso da Coreia do Sul que planejou e incentivou com alta intervenção estatal o surgimento de um complexo de empresas de alta tecnologia que elevou aquele país entre os mais desenvolvidos do mundo. 

Segundo o professor, não houve necessariamente investimento direto nas empresas. Em países que se desenvolveram, as empresas sempre investiram recursos próprios em inovação, enquanto no Brasil esse cenário é incomum. A Coreia do Sul é o exemplo de um país com tradição agrícola que mudou totalmente sua vocação em poucas décadas. A estratégia envolveu a criação de centros de pesquisa, investimento pesado em educação da população, licenciamento de tecnologia estrangeira e parceria com suas “chaebols” com mais potencial: Samsung, Hyundai, Goldstar, LG.

Nos anos 1970, os governos apenas planejavam e implantavam políticas industriais comuns em outros países. Nos anos 1980, a continuidade dos governos permitiu que o país dominasse o ambiente industrial e comercial, se colocando à altura de outros gigantes. Nos anos 1990, a Coreia estava pronta para deixar sua marca tecnológica no mundo com práticas próprias e inovadoras. Atualmente, o país domina uma diversidade de áreas industriais, como engenharia e comunicações, automóveis, tecnologia aeroespacial, petroquímica, engenharia e construção, trens de alta velocidade, processamento de minérios, energia e recursos naturais.

Rezende, então aponta para os avanços, desde a década de 1950, dos investimentos em CT&I no Brasil. Importantes mecanismos de financiamento e formação tecnológica foram criados durante a ditadura militar e seu desenvolvimentismo autoritário e concentrador. A partir do fim da ditadura, embora tenha sido criado um Ministério para o tema, houve um esvaziamento de fundos de financiamento, como o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

A partir de 2004, com o Governo Lula, foi criada a Lei da Inovação, uma articulação academia-indústria; com subvenção econômica para empresas. Dois anos depois, surge a Lei do Bem com incentivos fiscais para Pesquisa e Desenvolvimento nas empresas. Em 2007 é elaborado um plano de ação em CT&I. Com isso, houve uma expansão e consolidação do sistema, com apoio às empresas, aumento da pesquisa em áreas estratégicas, assim como na tecnologia para o desenvolvimento social.

“Neste período, foi promovido um grande aumento de recursos federais com expansão do sistema de CT&I, com substancial melhoria na produção científica, notável avanço no ambiente para inovação e surgimento de novas empresas tecnológicas”, pontua Rezende, citando ainda o resultado na academia com aumento contínuo do numero de mestres e doutores titulados. “Em 20 anos, multiplicou-se por dez o número de mestre e doutores, com impacto na quantidade de publicações científicas e na imagem do Brasil no exterior”, disse ele, mostrando reportagem das revistas Nature e Time, em 2010, em que a geração de start ups nacionais apontava para grandes esperanças da ciência brasileira. 

O gráfico de recursos do FNDCT apresentado pelo físico é escandaloso, pelo que mostra de estagnação antes do Governo Lula e como explode na constância de aumentos em bilhões a partir dos fundos setoriais. “Lula eliminou o contingenciamento constante que havia, até 2004, o que mudou drasticamente o cenário de recursos”, disse Rezende, salientando, contudo, que, a partir de 2010, recomeçam os contingenciamentos, com “queda dramática” no governo atual.

Em 2013, durante o Governo Dilma, os empenhos do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação são de R$ 8,4 bi, caindo em 2016 para R$ 4,3 em R$ 3,2 bi em 2017. Rezende defende que não se trata de falta de recursos, já que reportagem do Valor Econômico mostra que os gastos do governo golpista com juros praticamente dobraram em um ano. São R$ 600 bi em 2016, ou R$ 2 bi por dia útil. “A economia de R$ 4 bilhões na CT&I significa 2 dias de juros”, compara ele.

Rezende também mostra uma coincidência entre os oito países ( EUA, China, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Índia, Itália) que têm a maior proporção de seu PIB gerado na economia do conhecimento, cerca de 70% de tudo que produzem. São os mesmos oito países no ranking da maior produção de conhecimento, publicações de resultados científicos e registros de patentes do mundo.

Ele ainda destaca que, na área de engenharia, a China tem o dobro de papers publicados em relação aos EUA, área em que a Coreia do Sul também entra para o time. “Dois dias atrás, li na Nature que os chineses criaram um megaministério de ciência”, informou ele.

O cientista diz que o Brasil não vai se desenvolver se não tiver um sistema de C,T&I robusto e com forte apoio federal. Apesar do início tardio, nas últimas décadas o País construiu um sistema de C,T&I extenso e qualificado, que tem dado contribuições concretas para o nosso desenvolvimento. “Porém elas ainda não têm a dimensão necessária para uma Economia do Conhecimento. O Brasil precisa ter uma Política de Estado para C,T&I, articulada com uma Política Industrial, com continuidade, aperfeiçoamento e expansão de ações”, conclui ele. 

Eduardo Cassiolato e a desindustrialização no mundo 

O coordenador da RedeSist e professor de economia da UFRJ, Eduardo Cassiolato, acrescenta o fato de que as empresas brasileiras gastam cada vez menos de sua receita com pesquisa e desenvolvimento, mesmo com o aumento do faturamento. As multinacionais gastam menos ainda. Segundo ele, as exceções são a Embraer, a Petrobras e as farmacêuticas, estas estimuladas pelo mercado de vacinas criado pelo Governo Federal.

“A indústria de automóveis recebeu incentivos enormes para inovação, mas tudo que fizeram foi importar automóveis e exportar lucros de forma boçal”, critica ele. Houve aumento significativo do conteúdo estrangeiro na demanda final da indústria brasileira, conforme o avanço do Governo Lula, assim como houve um salto enorme nas remessas internacionais das empresas. Em sua opinião, é preciso abandonar uma visão de incentivo estritamente setorial, citando o caso da indústria farmacêutica.

Um dos efeitos dessa assimetria é a geração de empregos formais de até dois salários mínimos e a queda na geração de empregos na faixa acima de 15 salários mínimos, especialmente no Sudeste. “Não é à toa o nervosismo na classe média dessa região”, alerta ele.

Ou seja, segundo os gráficos demonstram, a indústria encolheu, inclusive no Governo Lula. Ele ressalta que trata-se de um fenômeno mundial.

“Aconteceu nos EUA e foi o motivo da eleição de Donald Trump, mas estamos falando de um país que tem as maiores empresas que dominam o mundo”, salientou. Outro dado revelador são os resultados pífios em registro de patentes da USP e da Unicamp.

Outros gráficos mostram a dimensão global da crise industrial, com grande parte do mundo sofrendo redução nos investimentos com inovação. “As taxas de crescimento econômico desde a globalização são inferiores”, demonstra Cassiolato.

No entanto, a China teve um impacto enorme, ao deixar de ser o lugar do mundo em que se faz montagem final de produtos de baixo valor agregado. Aquele país está fazendo agregação de valor em tudo que produz. “Das sete ou oito primeiras marcas globais, cinco já são chinesas”, afirmou o economista.

Outra medida fundamental para compreender o pós-crise de 2008 foi a explosão do protecionismo no âmbito do G20. “O Brasil é única exceção”, destaca.

Os EUA eram responsáveis por 15% e passam a 40% das proteções mundiais ao comércio, com Trump. “O mundo será mais fechado”, diz ele. “Qualquer estratégia a ser desenvolvida pelo Brasil deve levar em conta esse cenário”.

O impacto da financeirização das empresas é outro aspecto que afeta e reduz sua produtividade. As 43.060 maiores transnacionais têm 40% dos seus ativos controlados por 147 corporações, sendo a maioria absoluta destas (75%) instituições financeiras. A proporção da renda a partir de juros, dividendos e ganhos de capital-mercado-investimento na receita total das transnacionais cresceu de 20% em 1980 para 60% em 2001.

A remontagem do sistema nacional de CT&I nos EUA se dá por meio das áreas da defesa, saúde e energia. “Obama tentou incentivar fontes renováveis mas foi dizimado pela indústria automobilística”, revelou Cassiolato. “Tudo ali é definido na Cia; Trump não deixa vender empresas estratégicas; os EUA são um país livre da boca pra fora.”

A China, por sua vez, investe em defesa, mercado interno, novas fontes de energia, a partir de uma paradigma curiosamente baseado em Celso Furtado e Inácio Rangel, dois economistas brasileiros fundamentais para o pensamento desenvolvimentista.

E o Brasil? Segundo Cassiolato, temos as vantagens do paradigma social e ambientalmente sustentável. O enfrentamento das necessidades fundamentais da sociedade brasileira, como saúde, educação, acesso à agua, saneamento e mobilidade urbana, tornam o país pleno de possibilidades de investimento e inovação. Outro aspecto a ser explorado é o amplo potencial do mercado interno e seu território. Um cenário parecido com aquele que a China explorou.

“No entanto, jogamos um bilhão de reais no lixo para o Movimento Empresas Inovadoras, até 2014, que não representou nada em tecnologia avançada. Na Olimpíada, o Rio perdeu a oportunidade histórica de usá-la como instrumento inovador, como a China fez”, ataca ele. Ele conta que o Rio implementou um Veículo Leve sobre Trilhos importado da China, enquanto a cidade do Crato tem um VLT inovador que vence concorrências.
Apesar desses desperdícios, o economista considera que o Governo Lula ampliou e aprofundou o ensino técnico e inovador, o que contribui para o sistema de CT&I de forma significativa. “Mas faltou criar um regime macroeconômico favorável. A formulação de um projeto nacional precisa ser participativa e coesa.”

Helena Lastres e a economia marginal e invisível

Especialista em Arranjos Produtivos Locais, a professora de economia da UFRJ, Helena Lastres, defende a necessidade de uma estratégia de ciência, tecnologia e inovação estar atenta às potencialidades regionais, e não apenas ao eixo comum de industrialização. Ela observa que o cenário econômico de crise desfavorece esse tipo de produção e inovação, por priorizar setores produtivos que não oferecem risco.

“A subordinação à lógica financeira e curtoprazista, que visa a redução de riscos e maximização do retornos rápido do investimento, favorece mercados já consolidados em detrimento dos objetivos do desenvolvimento”, disse ela. Além disso, na opinião dela, esta lógica acirra competitividades espúrias; desintegração e dessolidarização. O desafio aqui é orientar, monitorar e avaliar a sustentabilidade financeira dos empreendimentos.

Helena acusa os atuais marcos regulatórios, condições e regras para financiamento ao desenvolvimento de operar pela exclusão e desigualdade de condições. De forma técnica e implícita, essas condições impõem uma política excludente de agentes, empreendimentos e territórios carentes que não encontram outra forma de fomento senão aquela oferecida pelo estado.

“É preciso haver uma urgência em alterar os ‘regimes malignos’ e a ‘criminalização do apoio ao desenvolvimento’, que restringem a própria possibilidade de implementar qualquer projeto soberano de desenvolvimento”, disse a economista, referindo-se a episódios de inquéritos abertos contra servidores ou agentes públicos que atuaram na análise, avaliação e aprovação de incentivos a empreendedores estratégicos para o desenvolvimento local.

Mas Helena pondera sobre a necessidade de “jogar ao mercado” as empresas, após um tempo de incentivo. Ela citou o caso da empresa de alta tecnologia pernambucana vendida no auge, antes do prazo estabelecido pelo contrato de incentivo, com alta remuneração. “A empresa foi fechada para não competir com aquela que a comprou e o empresário foi cooptado para atuar em outro país”, relatou.

Para ela, é primordial a superação da lógica financeira neoliberal, ou “paleoliberal”, como ela prefere se referir, que funciona como uma ameaça à coesão federativa. Outra ameaça ao desenvolvimento local é a “colonialidade do saber”, ou seja, a imitação de procedimentos, conceitos e modelos desenvolvimentistas de outros países, que se revelam obsoletos ou inadequados, justamente porque colocam “fora do radar” (ou excluem) importantes agentes, territórios, conhecimentos e atividades produtivas e inovativas.

Helena acredita que estes procedimentos colonizantes adotados por consenso entre especialistas acabam por criar novas e mais complexas formas de dependência, distância e desigualdade. Em sua opinião, matrizes de pensamento, teorias, indicadores e metodologias não são neutros, por isso não podem ser copiados, embora ela acredite que eles possam servir de referência desde que contextualizados e ancorados nos objetivos estratégicos de desenvolvimento das diferentes situações a que se destinam. “Somos obrigados a falar a língua dos outros e usar os óculos dos outros”, comparou ela, mencionando a ortodoxia “paleoliberal” como uma dessas lentes estrangeiras.

Países menos comprometidos com o padrão hegemônico são os que podem contribuir e liderar novos modos de desenvolvimento, justamente porque não veem as práticas de países ricos como modelares. Enquanto isso, no Brasil, as vergonhosas exclusões e desigualdades sociais e regionais continuam a ameaçar o nosso rico patrimônio natural e cultural.

O setor público precisa apoiar arranjos produtivos locais por meio de encomendas de pequenos produtores (alimentos, uniformes, equipamentos, móveis) ou também de redes de empresas que produzem soluções inovadoras, ao menos no início de sua consolidação.

A garantia de demanda, defende Helena, é o mais efetivo mecanismo de apoio a arranjos produtivos locais. “Você pode dar incentivo para uma empresa surgir, mas depois ela não consegue vender”, explicou. Através da utilização do poder de compra, é possível mobilizar capacitações produtivas e inovativas em todo o país. Com isso, resolve-se algumas das mais graves e prementes ameaças: a desindustrialização e a escalada das importações de tecnologias, bens e serviços de alto conteúdo tecnológico.

Maryse Farhi e a inteligência artificial

A economista da Unicamp, Maryse Farhi, comentou da urgência de “sairmos desse quadro de excelentes produtores de matéria-prima por meio do surgimento de um produto de alta tecnologia”. Mas ela não vê passos dados nesse sentido.

Tendo atuado como “trader” no mercado financeiro, a professora afirmou que  sua categoria está perdendo emprego, substituídos por algoritmos. 70% das ações e 85% da variação do cambio são feitas por algoritmos. “O tempo tecnológico está acelerando muito e vamos dar tchauzinho bem de longe”, considerou.

 

Luiz Martins e a especulação financeira 

O economista da Finep, Luiz Martins, comentou como a especulação financeira neoliberal prejudica toda a sociedade para beneficiar alguns. A manifestação mais danosa disso seriam as bolhas especulativas, em que um beneficiário da riqueza prometida por títulos passa de um pra outro, até alguém ficar com o mico, quando a bolha explode. A mentalidade perversa em torno disso é: “deixa quebrar, que o estado intervém para salvar todo mundo”. “Houve a estatização do sistema financeiro norte-americano”, resumiu.

Martins também considera que, na década de 1970, o Brasil estava muito mais próximo da fronteira tecnológica do que hoje, mais de 40 anos depois. Em sua opinião, a política industrial não pode ser feita no gabinete dos grandes pensadores. Também analisa que não vamos repetir a Coreia. Pelas características daquele país, não houve investimento direto, e as condições de importação e inovação tecnológica eram diferentes.
Ele afirma que é preciso considerar que os detentores de estoque não produtivo do Brasil são não-residentes. Para ele, os problemas do Brasil não são de capacidade tecnológica, como demonstrou ser capaz de resolver problemas complexos de tecnologia social, mas política. “Temer aprofundou o problema político. Como governar se a Manuela ganhar a eleição?”, indagou ele, apontando os limites impostos desde o golpe.

 

Guilherme Calheiros e o otimismo com o brasileiro

Já o diretor do Porto Digital, Guilherme Calheiros, é otimista e desconfia das visões catastrofistas. Para ele, a sociedade exige qualidade de serviço, em geral, não apenas público. “A sociedade não quer carro, mas se transportar com qualidade. É preciso pensar no serviço embutido no produto, não apenas no produto”, aponta ele. Ou seja, a tecnologia precisa resolver demandas sociais.

Ele duvida de um cenário de fim dos empregos ou do atraso tecnológico do Brasil. “O uso de tecnologia pode provocar um salto de qualidade industrial, e não apenas afastar da indústria”, diz ele, defendendo a capacidade do brasileiro aprender e inovar como usuário reconhecidamente qualificado de tecnologias que chegam do mundo todo.

Elias Jabbour e o gargalo da infraestrutura

O debate que encerrou o seminário tematizou os desafios da infraestrutura, da energia e da cadeia de petróleo e gás para retomada do desenvolvimento nacional. O potencial gigantesco e inexplorado de energia no território nacional tem sido tratado de forma leviana e imprópria pelo governo golpista, além do andamento do golpe estar aprofundando uma etapa extremamente danosa para o desenvolvimento da nação.

O economista Elias Jabbour introduziu o tema lembrando que, na inauguração do primeiro metrô do país, em São Paulo, em 1975, o mais moderno à época, foi construído com trilhos, vagões e escadas rolantes brasileiros, entre outras tecnologias. No mesmo ciclo político, foram construídas as usinas hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, além da ponte Rio-Niterói, com o Brasil dando mostras ao final da década de 1970, de que estava se tornando uma grande potência. “Apesar disso, estamos sempre ouvindo que o gargalo do Brasil é a infraestrutura, que, com o andar da carruagem, devem ter seus investimentos rareados”, afirmou.

Eliane Petersohn e o potencial geológico latente do Brasil

A geóloga e superintendente de Definição de Blocos da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), Eliane Petersohn, fez uma exposição simples e contundente ao apenas apresentar o potencial petrolífero brasileiro. Apesar disso, o que mais repetiu foi o baixíssimo investimento em exploração e produção de bacias sedimentares, por todo o país. Ainda sem autonomia plena na geração de seu próprio gás natural, o país tem enormes possibilidades de encontrá-lo em seu território, assim como áreas de dimensões continentais com altíssimas possibilidades de encontrar óleo, em que outros países, como a Guiana, já investem, mas o Brasil não. Áreas de exploração que já foram forte elemento de desenvolvimento local, estão em decadência por falta de investimento em revitalização dos poços.

Dos 339 blocos exploratórios, cerca de 100 são operados pela Petrobras, e dos 431 campos de petróleo, 330 também são operados pela Petrobras. Dos 105 grupos de empresas explorando petróleo no Brasil, metade são nacionais.

Eliane diz que o pré-sal já é uma realidade no Brasil e representa metade dos 2,6 milhões de barris por dia. Em cerca de cinco anos, o pré-sal deve dobrar essa produção com a incorporação de novas áreas de exploração. O Brasil já é considerado o décimo maior produtor de petróleo do mundo, o maior da América Latina.

Um gráfico histórico demonstra o salto gigantesco dado na exploração de petróleo em apenas vinte anos. Somente durante os Governos de Lula e Dilma, as exportações subiram de 19 barris por dia para um milhão de barris por dia. Apesar de ter praticamente quadruplicado a exploração de gás natural, o Brasil ainda não é autossuficiente.

Ela mostra que a dimensão da área sedimentar brasileira é tal que pode atrair diferentes empresas para operar no território. O pré-sal é o que mais exige tecnologia e capacidade de investimento, além das bacias marítimas convencionais (offshore) e as bacias terrestres (onshore).

Mais que isso, Eliane mostra como o Brasil ignora seu potencial energético, por não explorar sua gigantesca bacia sedimentar. A atual área contratada para exploração, segundo ela, é de menos de 4% da área sedimentar total. Duas bacias nunca foram sequer perfuradas, que são Madre de Dios (AC) e Pernambuco-Paraíba. “Nunca furamos um poço para saber o substrato geológico dessas áreas. Temos 29 bacias com interesse para petróleo e apenas dez produzem, hoje”, diz ela.

Desde 1939, quando foi furado o primeiro poço de petróleo no Brasil, foram  perfurados apenas 30 mil poços. “Os EUA furam 25 mil poços por ano, e já dispõem de 700 milhões de poços perfurados. Isso revela o desconhecimento do nosso substrato geológico e nossas bacias sedimentares”, lamenta ela.

Há enormes bacias sedimentares espalhadas de norte a sul com propensão à exploração de gás natural, de acordo com ela.

A bacia do Parnaíba, conforme explica Eliane, desenvolveu tecnologia eficiente para converter gás em eletricidade, que pode ser distribuído pelo Brasil todo. “Se a gente aplicar esse modelo de monetização de gás nas outras bacias, podemos gerar muito mais recursos para todo o país”, sugeriu. Em sua opinião, é possível replicar o modelo de exploração bem sucedida das bacias de Solimões e de Parnaíba nas demais bacias, mas é preciso investimento em aquisição de dados, de geologia e geofísica e precisa da perfuração de poços para o conhecimento do tipo de rocha, suas características, e saber se pode haver acumulação de gás ou óleo.

A preciosa explanação de Eliane aponta o que pode ser feito, também em bacias maduras, muito perfuradas, onde a exploração está em declínio. Potiguar, Sergipe-Alagoas, Recôncavo e Espírito Santo são ideais para pequenas e médias empresas, importantes para geração de emprego e distribuição renda. “Como elas já passaram pelo pico da produção é preciso fomentar a atividade exploratória nessas áreas por seu papel socioeconômico para o país”, observa. Mas o que tem ocorrido nestas bacias é uma redução quase total na perfuração de poços, nos últimos cinco anos, o que significa menos emprego e geração de renda. Neste caso, ela considera que é preciso revitalizar as atividades terrestres, fomentar a pequena e média empresa que operam nestas bacias maduras.

Na margem equatorial, as bacias marítimas são pouco conhecidas e pouco exploradas. A bacia do Ceará e Potiguar produz em aguas rasas, mas não tem exploração em águas profundas. “A margem equatorial brasileira tem uma evolução geológica parecida com a do oeste africano, onde foram feitas várias descobertas de óleo”, diz ela, defendendo o potencial de descobertas em águas profundas.

A geóloga mostra que a Guiana colocou algumas áreas em concessão depois do Brasil e já foram feitas sete descobertas de mais de três bilhões de barris de petróleo recuperável. “E não conseguimos testar este mesmo modelo na bacia da foz do Amazonas, ainda, que é o modelo do oeste africano e que está dando certo na Guiana”, criticou. Completando o quadro da baixa exploração do potencial energético, ela mostra que, com exceção de Campos e Santos, todas as bacias da margem leste, desde Pernambuco até o Rio Grande do Sul, são pouquíssimo exploradas e conhecidas por falta de perfuração. Campos, que já foi a grande bacia produtora do país, teve seu auge em 2012 e vem caindo gradualmente, demandando revitalização da exploração.

Entrando no Pré-Sal, que é uma situação diferenciada de potencial petrolífero no país, ela explica que ele ocorre nas bacias de Campos e Santos, com grandes descobertas de óleo leve, de elevado valor comercial, com alta produtividade dos poços. “Isso faz do pré-sal algo muito singular. É uma das maiores descobertas petrolíferas do mundo que pode ser usada em benefício do povo brasileiro”, afirmou. Dos 2,6 milhões de barris/dia, só o pré-sal já produz 1,4 milhão, com meta de chegar a 5 milhões no curto prazo, já que a maior parte das jazidas não foram exploradas.

A ANP tem aberto licitações para que as empresas façam as atividades exploratórias e de produção. A 15a. Rodada, em 29 de março, visa atrair empresas para exploração em Parnaíba e Paraná, em terra, Ceará, Potiguar, Sergipe-Alagoas, Campos e Santos, em mar, fora do polígono do pré-sal.

Também vai haver licitação exclusiva do pré-sal, restrita ao polígono, com vislumbre de potencial de descoberta de até 17 bilhões de barris.

Outra medida para revitalizar e fomentar a atividade exploratória de petróleo no Brasil é a oferta permanente de áreas, já devolvidas à ANP. Elas demandam grande quantidade de investimentos para aquisição de dados.

O Brasil possui potencial petrolífero altamente promissor com expectativa de descobertas de óleo em todas as bacias, desde que haja investimento na aquisição de dados geológicos e geofísicos. As bacias terrestres de Nova Fronteira possuem potencial para descobertas de gás natural, em que o Brasil não tem capacidade de suprir sua demanda total. Portanto, qualquer descoberta no Paraná, por exemplo, onde há forte demanda de energia para a indústria, será benéfico.

Também é preciso revitalizar as atividades nas bacias maduras para aumentar a produção e o fator de recuperação e para fomentar as pequenas e médias empresas. “As rodadas de licitações e a oferta permanente representam um dos mecanismos para a retomada do setor petrolífero brasileiro”, concluiu ela.

Thiago Mitidieri e a criminalização do financiamento

O presidente da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES), Thiago Mitidieri, fez uma apresentação alarmante sobre a situação dramática e ameaçada do banco de financiamento da infraestrutura nacional. Dirigindo a Associação desde a implantação do golpe, ele é testemunha do “massacre” sistemático que o Banco vem sofrendo pela mídia, e por ações de governo que cumprem o papel de desconstruí-lo em seu papel de desenvolvimento, ao eliminar os instrumentos.

Ele relatou o episódio de uma pesquisa encomendada pela gestão de Luciano Coutinho, feita pela universidade de Columbia (EUA), e entregue na gestão golpista. Conforme seu relato, a pesquisa não foi divulgado ou discutida, apresentada em evento fechado e sem acesso dos funcionários. “O resultado da pesquisa é um tiro no coração desse grupo de economistas e neoliberais que entendem que o mercado é que vai resolver e realizar os investimentos”, diz ele.

“Se antes tínhamos a Al Qaeda, agora temos o Estado Islâmico. Um grupo mais fanático e com ideologia muito mais forte, muito menos razoável quando se trata de discutir desenvolvimento”, compara ele.

Mitidieri apresenta dados da ABDIB, que apontam que o déficit de infraestrutura nacional é de R$ 3 trilhões, o equivalente a 50% do PIB; o principal gargalo na economia. O gráfico histórico revela uma redução dos investimentos da ordem de 5% para menos de 2%, do período do regime militar para cá.

Outro gráfico comparativo mostra um ranking de qualidade da infraestrutura de 144 países, em que o Brasil está na 120a. colocação, embora seja a décima economia do mundo.

No entanto, o economista considera que esse gargalo é um campo de oportunidades e novos investimentos, podendo funcionar como motor para saída da crise. “O investimento é uma variável fundamental para isso, especialmente o investimento em infraestrutura”, afirmou. Ele falou da importância de estar participando desse processo de debate com a candidatura de Manuela D´Ávila, especialmente para demonstrar como o BNDES está ameaçado em sua existência, mesmo sendo uma instituição tão estratégica para o desenvolvimento nacional.

A principal conclusão do estudo é que o setor privado não tem apetite para investir/financiar infraestrutura, não só no Brasil, mas no mundo todo. Novos investimentos (greenfield) são vistos como de alto risco, longo prazo de maturação e retornos modestos, preferindo assim, investimentos com infraestrutura já pronta (brownfield).

Além disso, o sistema financeiro privado tem o problema do curtoprazismo, que não tem interesse de investimento em infraestrutura, em que o capital tem retorno num período muito longo. Este setor ganha muitas vezes mais em investimentos de curto prazo, bolsa de valores, mercados derivativos, crédito a pessoas físicas...

O papel do BNDES no Brasil é o de ser o principal financiador de infraestrutura do país e está sendo desmontado em seus instrumentos, de acordo com Mitidieri. Ele operava com um arranjo de funding estável de longo prazo dado pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e a TJLP (taxa de juro de longo prazo), taxa de referência do BNDES.

O economista lembra que a TJLP foi criada por Ciro Gomes, quando ministro da Fazenda em 1994, como uma compensação ao fato de que a Selic teria que ser muito alta para segurar a inflação no contexto do Plano Real. Os economistas “moderados” da época perceberam que, se não houvesse uma válvula de escape, os investimentos de longo prazo iriam por água abaixo. “A TJLP era financiada pelo governo, mas era uma taxa compatível com um banco de desenvolvimento, ao ter uma condição diferenciada para atuar. Ela sinaliza algo para o setor privado. Se você for praticar uma taxa de mercado, o setor privado pode ocupar esse lugar”, explica ele.

Por outro lado, o funding do banco está sendo desidratado, lamenta ele, e o Banco está ficando “nanico”. Ele conta que o FAT já demonstrava em 2008 que não seria suficiente e vieram os empréstimos do Tesouro Nacional, por retração de liquidez do setor privado.
Em outra etapa da crise mundial, houve excesso de liquidez e os juros negativaram em todo mundo, ao contrário do Brasil. Com isso, havia o risco do empresariado brasileiro trocar dívida cara em reais, por dívida barata em dólar, gerando uma dolarização do balanço das empresas. “Num pequeno espirro do mercado internacional, em que houvesse uma pancada no câmbio, essas empresas entrariam em grande dificuldade, criando um problema macroeconômico muito sério”, analisa ele.

Mitidieri explica que o BNDES cumpriu um papel estratégico neste momento, mesmo não sendo sua função clássica, já que o Banco Central é hostil a qualquer política desenvolvimentista, e não fez o movimento que outros bancos centrais fizeram em todo o mundo. “Sem esse papel fundamental do BNDES, hoje poderíamos estar numa situação muito pior do que nós estamos”, observou.

Com o fim da TJLP, foi criada a TLP baseada na NTN-B, com forte oscilação, totalmente incompatível com investimentos de longo prazo. “Taxas que são um tiro no coração do Banco”, declarou, mostrando o gráfico dos baixos desembolsos do Banco.

O representante dos funcionários contou do dia da condução coercitiva pela Polícia Federal, na Operação Bullish, de 37 funcionários. O espetáculo de mídia tinha o único objetivo de perguntar se alguém conhecia o ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci. “Tudo isso são estratégias de minar o banco, pois os funcionários estão com medo de assinar papeis, afinal, um funcionário qualquer do TCU que não sabe nada sobre o funcionamento do Banco pode aparecer e dizer que está tudo errado, congelar conta de funcionário e conduzir coercitivamente”, lamentou.

Ele ainda relatou que o funcionário contratado pela atual gestora do BNDES para encontrar mal-feitos e punir, saiu do Banco dizendo que os funcionários estão vivendo uma ditadura dos órgãos de controle. Após comissões sobre JBS, Frigorífico Independência e Odebrecht, ele não encontrou nenhuma irregularidade cometida por funcionário do Banco. Da mesma forma, a terceira CPI instalada pra investigar o BNDES também não encontrou nada, nem indiciou nenhum funcionário. “Isso revela que o BNDES é uma instituição que não se corrompeu”, afirma.

Mitidieri defendeu que as empresas de engenharia nacional precisam ser recuperadas, pois outros países demonstram que casos de corrupção não precisam destruir empresas estratégicas para a economia nacional. “A gente não pode cair nessa história de achar que, por questões morais, vamos destruir nosso sistema produtivo, porque isso não interessa aos brasileiros, só interessa a quem não gosta do Brasil”, concluiu.

André Araújo e as privatizações estratégicas

O advogado André Araújo discutiu a situação da Petrobras e da Eletrobras, que ele considera instrumentos fundamentais para qualquer projeto de desenvolvimento nacional, ambas sob ataque privatista. Ele ressalta que a mídia nacional vende uma ideia totalmente distorcida sobre empresas petrolíferas. Das 20 maiores empresas de petróleo do mundo, as quatro maiores são estatais, três chinesas e uma árabe. Treze dessas 20 são estatais e nenhuma está a venda, pois são consideradas empresas cruciais para seus países.

Araújo conta que, a partir dos anos 1970, com a criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), a geopolítica do petróleo mudou completamente, com as estatais e seus governos controlando o preço do barril, equivalente a 80% da produção mundial (apenas Rússia e México não participam do organismo, ambos com forte controle estatal, também). Segundo a Cambridge Energy Research, 92% das reservas de petróleo do mundo pertence a petrolíferas estatais. “Não há nenhuma tendência a privatização do petróleo no mundo. O controle do petróleo no mundo é estatal, produção e cada vez mais o refino”, afirmou, ressaltando que as majors Exon, Shell e Chevron são apenas prestadoras de serviço, com pouquíssimos ativos em reservas petrolíferas.

“A ideia de que a Petrobras deve ser privatizada é esdrúxula e estúpida”, diz ele, argumentando que a Petrobras é uma das 20 maiores empresas de petróleo do mundo, com mais 12 estatais nesse clube iguais a ela.

Mas Araújo diz que a situação está bem complicada, pois a gestão atual está vendendo pedaços críticos da Petrobras. A BR Distribuidora, à venda, é simplesmente “o caixa”, o capital de giro da Petrobras, já que a maior parte dos projetos da empresa tem retorno a longo prazo. “Há uma preparação nítida para desbastar a Petrobras e deixá-la pronta para ser privatizada”, contou ele, mencionando entrevistas de presidenciáveis, cujo assunto principal é a privatização da Petrobras, como se o principal projeto do candidato para o país fosse a entrega da empresa ao setor privado. O tema faz parte dos programas de governo dos candidatos como algo perfeitamente lógico.

A Petrobras não é “apenas” uma produtora de petróleo, mas é uma grande compradora “de tudo” no Brasil, bens de capital e tecnologia. “Com a eventual venda da empresa, o crescimento do Brasil entra num buraco negro”, comparou. Segundo ele, o Brasil perde um ativo criado no país, com esforço, conhecimento e dinheiro do povo brasileiro.

Para Araújo, a Eletrobras é ainda mais estratégica, por ter o controle de todo o sistema integrado de energia elétrica brasileira. Para efeito de comparação, os EUA não têm um sistema integrado de produção de energia, com cada cidade produzindo sua própria eletricidade em usinas locais. “O nosso sistema é integrado e nacional, pois a energia de Belo Monte chega a São Paulo, a de Itaipu chega a Recife”, conta ele.

Araújo considera absurdo a venda de 176 usinas por R$ 12 bilhões, quando numa comparação simples com a produção de quilowatts por empresas europeias, a Eletrobras deveria valer, pelo menos, R$ 380 bilhões. “Para construir as usinas de novo custaria bem mais que R$ 12 bilhões, pois só Belo Monte custou mais que o dobro disso”, contou. Outra informação que demonstra a bandidagem em torno desta negociação é que, só a concessão da Cemig (o direito de explorar uma única usina, São Simão, sem sua posse) custou R$ 12 bilhões. Como o valor da concessão destas 176 usinas da Eletrobras não estão incluídos no balanço, o valor dela é maior que R$ 380 bilhões.

Ele aponta o ridículo que é dizer que o governo precisa de R$ 12 bilhões, portanto vai vender a empresa por R$ 12 bilhões. Ele lamenta a ausência da mídia neste debate, em que ninguém critica estes elementos, sem contraponto e se posicionando a favor disso. “Provavelmente, o comprador da Eletrobras será uma estatal, talvez chinesa. Não faz o menor sentido”, afirmou.

Outro elemento assustador deste período golpista é que a Petrobras está sendo processada pelo Departamento de Estado dos EUA, podendo gerar um prejuízo de bilhões à empresa. “Nenhuma empresa de petróleo do mundo está sendo processada nos EUA, só a Petrobras”, salienta ele. O processo começou no Brasil e foi levado “como um presente” para o Departamento de Justiça dos EUA. O procurador-geral da República,  Rodrigo Janot, esteve em fevereiro de 2015 no Departamento de Justiça dos EUA para uma missão não revelada, que coincide com o início do processo lá fora.

Embora haja acordo prevendo a possibilidade do Brasil invocar cláusula de interesse nacional interrompendo este processo, o governo brasileiro nunca se defendeu desse processo, “que anda sozinho”. A embaixada brasileira nunca fez um telefonema ou enviou alguém para acompanhar esse processo. A estatal brasileira está sendo defendida por advogados americanos, embora seja uma empresa estratégica para o interesse nacional. “Está sendo processada como se fosse uma empresa privada como parte de um jogo de interesses para mostrar que a empresa é ineficiente e precisa ser privatizada”, afirmou o ex-empresário e renomado advogado brasileiro de empresas e fundos de investimento americanos.

A multa de R$ 10 bilhões foi gerada e paga aos acionistas americanos, antes de chegar ao juiz, como parte de um acordo que gerou prejuízo de balanço para a Petrobras. “A Petrobras está sob uma gestão temerária. Estamos há quatro anos com prejuízo na empresa”, criticou, lembrando que a empresa perdeu a capacidade de agir internacionalmente ao vender todos os seus ativos no exterior. “Vendendo essa empresa, pode dar adeus ao crescimento. Não tem para onde crescer.”

Para concluir, o pesquisador mencionou ainda o caso do BNDES, já discutido, e a diminuição do maior banco público do Brasil, o Banco do Brasil, abrindo espaço para bancos privados, além da provável privatização da Caixa Econômica Federal, todos considerados estratégicos para financiar o crescimento do país. “Não teremos instrumentos para crescer. Quem vai encomendar os bens para a industrial nacional? Se a China comprar a Eletrobras, ela compra as turbinas na China. Além de tudo, vamos transferir produção para fora”, encerrou. 

Sérgio Amadeu e a infraestrutura digital

O professor e ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Sergio Amadeu, falou da infraestrutura de redes digitais para mostrar a dimensão da ordem de problemas que atinge o país nesta área. Ele aproveitou para mencionar que o mensageiro instantâneo Whatsapp foi vendido para o Facebook por um valor quatro vezes maior do que o governo brasileiro quer vender a Eletrobras.

Apenas quatro tubarões brancos (white sharks) do mundo informacional faturaram em 2016 o equivalente a um quarto do PIB brasileiro (US$ 1,7 tri): Apple (US$ 215 bi), Amazon (US$ 135 bi), Google (US$ 90,2 bi) e Facebook (US$ 27,6), num total de US$ 484,4 bilhões. Sem mencionar os gigantes chineses que começam a chegar ao Ocidente: Baidu, Ali Baba, Haiwei e Tencent. Do Brasil, no entanto, não se sabe de nenhuma empresa informacional relevante mundialmente.

O sociólogo citou Nicks Meyer Kijek, que define o capitalismo atual cono sendo “de plataforma”, em que uma única empresa internacional domina o fluxo de informações e serviços de transporte local de vários países. “O Uber faz isso, tragando dinheiro e precarizando o trabalho em várias cidades do mundo”, disse. “Discutir desenvolvimento com tecnologia da informação é difícil pois nossa inserção é muito ruim, pois somos ausentes dessa pauta, ou temos uma pequena inserção, ou pior, somos um conjunto de empresas compradoras de ‘caneta’. A tecnologia

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