Teoria
Edição 150 > Pós-modernismo e a atualidade da teoria Marxista
Pós-modernismo e a atualidade da teoria Marxista
O cruzamento entre a atualidade do marxismo e a pós-modernidade se dá não por outra razão, mas porque uma parte dessa corrente, assim como em outras épocas históricas, propugna o fim do marxismo e – nesse caso específico de uma corrente da pós-modernidade – de toda teoria totalizante

Neste ano de comemoração do centenário da Revolução Russa constrói-se mundialmente um intenso ambiente de debates e estudos, no qual, ao mesmo tempo que se comemora os 100 anos da Revolução Russa, como um marco histórico, elaboram-se reflexões sobre a atualidade do marxismo como método do estudo da sociedade, da natureza e do pensamento; como teoria de compreensão da economia política, do capitalismo e da construção do socialismo como teoria revolucionaria. Atualiza-se o debate acerca de novos fenômenos e da importância do método materialista dialético que, desde sua sistematização na modernidade, se transformou em conhecimento científico porque foi aplicado aos estudos de áreas de conhecimento as mais diversas.
Discutir a atualidade do marxismo é importante porque tem por trás a ideia – que é correta –, segundo a qual o marxismo não é um dogma, nem uma filosofia especulativa, como bem disse Marx em A Ideologia Alemã: “Não se trata mais de interpretar o mundo e sim de conhecê-lo para transformá-lo”. Para continuar sendo uma teoria que busca compreender a realidade para transformá-la, o marxismo tem que se atualizar constantemente, já que a realidade e o pensamento dialeticamente se transformam.
Esse cruzamento entre a atualidade do marxismo e a pós-modernidade se dá não por outra razão, mas porque uma parte dessa corrente, assim como em outras épocas históricas, propugna o fim do marxismo e – nesse caso específico de uma corrente da pós-modernidade – de toda teoria totalizante. (Como se fosse possível alguma teoria não ser totalizante.) Portanto, propugna a crise de toda teoria.
Dessa vez a crise do marxismo é acoplada à construção de um discurso maior e a uma crise de maior proporção, ou seja, a crise da modernidade.
A crise do marxismo foi tratada pelo próprio marxismo.
Hobsbawm, em O Marxismo hoje, um balanço aberto (1989), detecta que no século XX ocorreram três momentos de crise do marxismo. A primeira, nos anos 1950, decretada pela emergência do Estado do Bem-Estar social (era do ouro) que colocava no campo do liberalismo a possibilidade de uma sociedade de ampliação democrática de direitos universais com importante papel do Estado. Essa crise não foi decretada pelas dificuldades do socialismo, ao contrário, o socialismo mostrou-se potente e venceu a guerra, apesar das dificuldades que ocorreriam posteriormente. A segunda começa exatamente com a crise do próprio socialismo no início dos anos 1960. E a terceira com o colapso do Leste Europeu e o retrocesso da URSS. Uma derrota estratégica.
Assim também trabalharam Perry Anderson, em A Crise da Crise do Marxismo – Introdução a um debate contemporâneo (1990), e vários outros autores que se debruçaram sobre o tema como J. Chasin (1988); Ricardo Antunes (1988); István Mészáros (1985), Lucio Colletti (1983) e Florestan Fernandes (1988), entre outros. A década de 1980 foi uma década de intenso debate sobre a crise do Marxismo.
Lenin em 1913, analisando em sua época a trajetória do marxismo, produziu dois textos. Um menos conhecido, chamado A crise histórica do Marxismo (1976), no qual ele mostra que o marxismo se desenvolve e se fortalece nas crises; e outro mais conhecido, chamado Vicissitudes históricas da doutrina de Karl Marx (1988), no qual detectou que o marxismo entra em crise pela necessidade de sua atualização e também pelo seu caráter revolucionário porque sempre será colocado como referência pelos liberais que buscam deturpá-lo tornando-o o mais vulnerável possível.
“A dialética da história é tal que o triunfo teórico do marxismo obriga seus inimigos a se disfarçarem de marxistas. O liberalismo, interiormente apodrecido, intenta renascer nas formas de oportunismo socialista.”. Prega-se covardemente “a paz social e a renúncia à luta de classes etc.” (p. 117). E ainda: “decretar a sua falência e o discurso da incapacidade de conhecer a realidade também é parte dessa estratégia” (p. 118).
Essa conclusão de Lenin sobre o marxismo se atualizar nas crises indica que as crises pelas quais o marxismo passou, e passa, possuem bases históricas, não são inventadas pelos diferentes autores. Elas emergem das mudanças qualitativas da realidade, mudanças que precisam ser entendidas na sua essência.
Considero que a discussão em torno do marxismo é necessária, porque os ideais de liberdade e emancipação, defendidos por Marx, apesar da dispersão promovida por correntes pós-modernas, ainda mobilizam reflexões e práticas em todo o mundo.
No final do século XX e início do XXI, os marxistas são chamados a compreender a crise profunda do capitalismo que, apesar de manter o seu caráter imperialista com as características gerais detectadas por Lenin, assume complexidades e características novas que precisam ser entendidas. E nesse novo contexto estão sendo chamados também a elaborar, com novas caraterísticas e novo conteúdo, a luta de ideias.
Hoje é cada vez mais acirrada a luta teórica com o marxismo. Ela ocorre em um panorama histórico diferenciado e profundamente complexo, uma vez que a crise das experiências socialistas do Leste Europeu trazem um novo alento às concepções burguesas sobre a impossibilidade histórica de superação do capitalismo.
Além disso e por isso mesmo, o capitalismo revela em sua crise seu caráter mais excludente, e evidencia também, em seu desenvolvimento, novos fenômenos econômicos, políticos e sociais que precisam ser entendidos.
Faz parte do conteúdo desse debate a reflexão sobre o método materialista, histórico e dialético e seu papel na atualidade.
O materialismo histórico como método nos orienta a considerar que nenhuma teoria ou conjunto de ideias surge do nada – totalmente abstrata – e nem tampouco trabalha com elementos totalmente irreais.
Qualquer teoria ou conjunto de ideias possui base real e além disso trabalha, a seu modo, elementos advindos da realidade. Se não fosse assim não conseguiria se constituir em força material.
Como orienta a leitura de A Ideologia Alemã:
“É preciso considerar que na sociedade de classes as ideias da classe dominante são as ideias dominantes (...), as ideias de sua dominação. (...) E se, na concepção do decurso da história, separamos as ideias da classe dominante da própria classe dominante e se as concebermos como autônomas, se nos limitamos a dizer que em uma época essas ou aquelas ideias dominaram, sem nos preocuparmos com as condições de produção e com os produtores destas ideias, se, portanto, ignorarmos os indivíduos e as circunstâncias mundiais que são a base dessas ideias (...). Reforçaremos o fenômeno de que as ideias cada vez mais abstratas dominam, isto é, ideias que tomam cada vez mais a forma de universalidade.”.
Foi isso que a burguesia e seus ideólogos fizeram ao construírem os chamados princípios universais da modernidade; como o fazem também agora, denunciando a falsidade desses princípios.
A modernidade expressou a contradição entre o desenvolvimento das novas ideias e da nova sociedade que está sendo construída e ao mesmo tempo o período de hegemonização das ideias burguesas. O marxismo é produto da modernidade e ao mesmo tempo crítico da modernidade hegemonizada pela construção das ideias universais do liberalismo.
Foi na superação do empirismo e do racionalismo metafísicos, e da dialética racionalista de Hegel, e ainda da crítica ao liberalismo filosófico e político e da economia política burguesa, que se erigiu o método constituído por Marx e aplicado também ao estudo da economia política e do capital.
A modernidade em sua contradição libertou o homem do determinismo religioso e o colocou como ser capaz de conhecer o mundo e de atuar sobre ele de forma consciente.
Além dos elementos do caráter ideológico da dominação no campo das ideias, se coloca como fundamental também nesse debate sobre as correntes pós-modernas o entendimento da concepção de história e emancipação em Marx.
O Estudo da História e a concepção de história em Marx tem duas características básicas. A primeira é considerar que o conhecimento de qualquer coisa ou de qualquer fenômeno exige que se refira à história. Tudo o que existe é percebido do ponto de vista da história e é realmente história. Isso significa que nada pode ser compreendido fora da história. Hegel afirmava: “tudo é história”. Marx seguindo os seus passos vai afirmar que “só reconhece uma ciência, a ciência da história.”. (p.20).
A segunda característica é uma tendência para captar a natureza, a sociedade e o homem e o pensamento em constante movimento, nas suas mutações contínuas. A visão dinâmica da realidade constitui um dos seus fundamentos. Tudo o que existe é uma transformação, um processo.
A história, para Marx, explica-se cientificamente. Ele elaborou uma filosofia da história. A sua filosofia, entretanto, difere radicalmente daquela elaborada por Hegel, pois não se constitui numa compreensão intelectiva do mundo, mas em práxis.
Marx também submete a História a um tratamento filosófico. Busca o fio condutor que daria inteligibilidade às miríades de acontecimentos aparentemente desconexos, ou seja, identifica-se por trás das várias histórias particulares o elemento unificador, a regularidade; elabora-se uma explicação para a história e explicita-se o seu sentido.
O materialismo histórico, como todo o historicismo, é uma teoria da mudança histórica. No processo material histórico, o homem concretiza a sua liberdade que, para Marx, significa o fim das desigualdades e o livre desenvolvimento das potencialidades humanas, o livre desenvolvimento das forças humanas. Marx é descendente da ideia progressista construída nas revoluções burguesas e na modernidade, ele é herdeiro da ideia de que é possível o homem alterar a história, não através da vontade, mas do conhecimento das causas que impedem a sua liberdade. Desse modo, é um precursor também da concepção de que a sociedade e a história podem ser estudadas cientificamente.
A história é a realização dessa liberdade, dessa emancipação de tudo o que impede o homem de desenvolver-se livremente. Para Marx, a história não está dada de antemão, embora possamos antevê-la como possibilidade.
Marx compõe a modernidade, e ao mesmo é um crítico da modernidade burguesa: embora louve nesta época histórica o desenvolvimento, aponta os seus obstáculos para a realização humana.
No capitalismo, segundo ele, vivemos o máximo da contradição histórica entre desenvolvimento das forças produtivas e apropriação da riqueza produzida; portanto, o capitalismo é a sociedade mais complexa.
A sociedade burguesa é a chave para a compreensão das sociedades anteriores por um motivo: a sociedade capitalista é produto do desenvolvimento histórico, portanto de posse das categorias desenvolvidas pela economia moderna se torna possível explicar as diferenças e semelhanças que ela mantém com outras formações econômicas, uma vez que – como revela Marx n’O Capital – a sociedade burguesa atingiu níveis de totalização e integração de todas as atividades como partes ou momentos de si que nenhum modo de vida econômica anterior atingira. Ela subordinou a si mesma, como totalidade, todas as formas de produção anteriores.
A sociedade capitalista em seu desenvolvimento tem ficado cada vez mais sofisticada no campo da produção e universalização de suas ideias ou, como diz Gramsci, na construção da hegemonia e do domínio da sociedade civil, somente assim podemos entender o surgimento no final do século XX e início do XXI dessa ampla corrente chamada pós-moderna, que conseguiu adeptos na intelectualidade de vários lugares do planeta. Inicia-se com ela uma nova apologia do presente como se fosse a única coisa possível diante das modificações do capitalismo no século XX e a crise das experiências socialistas.
É através do conceito de história em Marx que se explica as diferenças das abordagens da pós-modernidade, em pelo menos duas correntes: Uma que nega a modernidade e toda teoria totalizante, e nesse sentido nega tanto o liberalismo como o marxismo; e outra que entra no debate de outra forma buscando resgatar os princípios da ciência e da teoria marxista, mas levantando elementos novos tanto no campo do marxismo quanto em outros campos.
Quando nos deparamos com esse conjunto de ideias dessa primeira corrente, que começou a ser produzida nos anos 1980 – e no Brasil começa a sua penetração na década de 1990 –, somente temos duas saídas:
A primeira é aceitar de forma acrítica e penetrar dentro da concepção como um conjunto de abstrações; a segunda é desconfiar.
A desconfiança tem fundamento teórico. A chamada pós-modernidade, ao decretar o fim das teorias e dos métodos científicos de conhecimento, derruba, por conseguinte, a possibilidade de análise dela mesma como corrente.
É possível utilizar um método de análise para compreender essas ideias que propagandeiam o fim dos métodos e das teorias? Para os pós-modernos, qualquer conjunto de ideias nada mais é do que narrativas.
Essa corrente se apresenta como uma articulação lógica, segundo a qual desvenda que a produção das teorias e de conhecimento na modernidade nada mais foi do que a construção, sob a ilusão de ciência, de um conjunto de narrativas. No entanto, se autodefine como verdade, como aquela que desvenda a ilusão da modernidade e decreta no século XX o fim de quaisquer teorias, menos a pós-moderna.
Como uma narrativa – como qualquer outra, tendo a validade como qualquer outra –, a depender do gosto e inclinação, ela não cumpriria o seu papel de legitimidade.
A armadilha é esta: Ela espera – levantando elementos da realidade, que a tornam confiável para se transformar em força material – que nós a aceitemos como um conjunto revelador ou no mínimo como uma narrativa mais interessante para o momento. Dessa forma, estamos, portanto, não só referendando seus pressupostos como nos rendendo a suas conclusões.
Assim ela mobilizou também autores do campo marxista que, diante dessa armadilha, passaram a elaborar estudos que buscavam desvendar o conteúdo dessa primeira corrente através exatamente da aplicação do método materialista histórico para compreenderem o conteúdo da luta de ideias na atualidade.
No início a chamada pós-modernidade entrou nas universidades e nos círculos intelectuais no Brasil para dar campo a produções em diferentes áreas; e para com os seus pressupostos mais gerais se transformar em força material.
Dessa forma, com o tempo entrou no campo do senso comum, como um tipo de materialização, mas principalmente construiu uma nova formatação dos movimentos sociais e políticos.
Seus pressupostos orientaram a formatação de frentes e de movimentos em nível mundial – sempre com a prerrogativa de que a chamada pós-modernidade exigia um novo tipo de movimento social que se deslocasse do pressuposto de luta de classes e também dos partidos tradicionais e das formas tradicionais de fazer política.
Por trás dessa concepção se debatiam dois tipos de versões. A que entendia que a luta pela transformação da sociedade era algo ilusório, inventado pelas meganarrativas modernas e, portanto, entravam no campo da ampliação da democracia (chamada inclusive por Boa Ventura Souza Santos como a democracia sem fim). E a que – diante da mesma constatação de que a luta tradicional pela transformação social havia perdido o sentido – defendia, e ainda defende, a luta no campo cultural e econômico, principalmente na mudança de mentalidades e no incentivo ao avanço das tecnologias; a única capaz de acabar com as injustiças sociais.
Mapear essa chamada concepção pós-moderna não é tarefa fácil já que se trata de uma corrente ampla e desconexa, tendo como única condição a crítica a aspectos os mais variados da chamada modernidade.
A sistematização que levanto elege autores que trataram dentro desse campo das questões sociais, políticas e econômicas como foco da crítica à modernidade.
O Enfoque desses autores pode ser analisado dentro de três pressupostos. O primeiro é que as ideias da existência de uma chamada pós-modernidade são produzidas dentro de um panorama social, econômico e político típico do capitalismo em seu estágio atual. O segundo, que o capitalismo em seu estágio atual possui inúmeras manifestações subjetivas que podem ser agrupadas teoricamente de várias maneiras (pós-marxismo, pós-estruturalismo etc.) A chamada pós-modernidade é um desses agrupamentos que se apresentam complicados, uma vez que na análise dos autores que compõem essa corrente, e defendem a ideia da existência de uma concepção pós-moderna, aparecem importantes diferenças e discrepâncias, no tocante ao que que realmente significa tal condição; o mesmo acontecendo com as características apontadas por eles. O terceiro e último é que toda produção de ideias, sejam elas próprias da chamada pós-modernidade ou não, está profundamente impregnada de caráter ideológico, uma vez que foram produzidas em uma sociedade de classes. Trabalham com esse terceiro elemento e nos ajuda a entender as diferenças dentro dos pós-modernidade é Mészáros (poder da ideologia e a ordem da reprodução social metabólica do capital) e Ellen Wood (em defesa da História: o marxismo, a agenda pós-moderna).
Muitos autores produziram dentro desse campo da primeira corrente. Destaco aqui lotar e Baudrillard. O primeiro por ter sido o autor que dá início a esse conjunto de ideais na década de 1980 e o segundo pela penetração nos meios acadêmicos os mais variados. Os dois, cada qual a seu modo, irão compartilhar dos pressupostos que descrevo abaixo.
A negação da existência de estrutura e de conexos estruturais, impossibilitando assim qualquer análise causal da história.
Substituem as estruturas e causa por fragmentos e contingencias – para eles, apesar de usarem o termo capitalismo (como é o caso de Baudrillard), não existe uma coisa chamada sistema social, “uma unidade sistema e suas leis do movimento”.
Ao decretarem a falência das grandes narrativas, demonstram a falência de toda a ideia de progresso e causalidade – deixa de existir uma teoria da história. A história se torna um processo ininteligível, impossível de ser conhecido e entendido, e acoplado a esse pressuposto aparece um outro que é a impossibilidade total do fazer histórico.
Em substituição ao conceito de processo histórico, colocam a ideia do conjunto de heterogêneos, um conjunto anárquico, no qual se revelam as diferenças. Ao anunciarem a época pós-moderna dessa forma, anunciam a “época da negação da história”.
A crítica que alguns autores fazem do determinismo histórico – muitas vezes associado ao marxismo –, busca revelar que a história é constituída de tendências e possiblidades e que todo conjunto ou sistema social é também constituído pelo heterogêneo. O que parecer ser um alerta importante acaba por abstrair-se no exagero e negar o caráter processual da história. São defensores do inexplicável, do imponderável e do caos irrecuperável.
É dessa forma que, em nome do abandono da ideia iluminista de progresso, abandona-se também a ideia de causalidade na história e de suas conexões mais gerais – é o reforçamento sobre bases ainda mais radicais do micro-história.
Esses autores convergem na defesa, cada qual a seu modo, da impossibilidade, ou inviabilidade, na época atual, da permanência de projetos coletivos que busquem ultrapassar o atual estágio no qual se encontra a realidade, ou a chamada sociedade de consumo – como designa Baudrillard.
É por esse motivo que dão ênfase à linguagem, à cultura e aos discursos, negando a própria realidade, uma vez que ela se dissolve em signos, ou na heterogeneidade dos “jogos de linguagem”. O desenvolvimento da atual sociedade ocorrerá no âmbito da permanência dela mesma.
É por esse motivo que o marxismo como teoria crítica do capitalismo é, entre outros, também considerado falido, uma vez em que se constitui em uma metanarrativa, como teoria totalizante, universalizante.
O marxismo, segundo os pós-modernos, como teoria econômica, política e da história, diante das revelações da pós-modernidade, perde totalmente o sentido. Por esse motivo Ellen Wood (1996) identifica muitas das teses defendidas pelos –pós-marxistas com as teses pós-modernas. Segundo ela, a pós-modernidade acaba servindo como referência aos pós-marxistas.
Suas ideias são produto de uma concepção do real que, apesar de ter conexão com a realidade em alguns de seus aspectos, só existe na abstração.
Uma concepção de cunho idealista, à medida que constrói as suas explicações, indicando a emergência de uma tal condição pós-moderna, passando, em seguida, a trabalhar com tal condição e suas implicações, sem a mínima vinculação entre a realidade objetiva e suas ideias. Aliás, declaram abertamente o fim de toda objetividade (BAUDRILLARD).
É em certa medida a volta, sob novas bases, por meio de novos elementos, do subjetivismo e do agnosticismo relativista produzido também na modernidade.
Essas correntes da pós-modernidade declaram a falência do conhecimento, da razão e, ao mesmo tempo, indicam que as únicas explicações possíveis e permanentes são aquelas contidas na concepção pós-moderna – que se caracteriza como uma teoria da ruína universal do conhecimento, tão teórica e tão universalizante como todas as outras declaradas como suspeitas.
Mas, como já nos referimos aqui, existe um campo pós-moderno progressista, e no campo do marxismo. Por exemplo, autores como Frederic Jameson e David Harvey contribuem com esse campo.
Jameson (1996), desvendando o discurso do fim das narrativas construídas pela primeira corrente pós-moderna aqui já tratada, assinala que “Esse retorno imprevisível da narrativa como a narrativa sobre o fim das narrativas , esse retorno à história em meio aos prognósticos do desaparecimento do Télos histórico, sugere uma segunda característica relevante da teoria do pós-modernismo: o modo pelo qual qualquer observação virtual sobre o presente pode ser modificada para se investigar o próprio presente, e pode ser utilizada como sintoma e índice da lógica mais profunda do pós-moderno, torna-se, assim, imperceptivelmente sua própria teoria, a teoria de si mesmo. E como poderia ser diferente num tempo em que não existe nenhuma “lógica mais profunda” para se manifestar na superfície, num tempo em que o sintoma se transformou na própria doença?
Porém, o delírio de apelar para qualquer elemento virtual do presente com o intuito de provar que esse é um tempo singular, radicalmente distinto de todos os momentos anteriores do tempo humano, parece-nos, por vezes, abrigar uma patologia distintamente autorreferencial, como se nosso completo esquecimento do passado se exaurisse na contemplação vazia, mas hipnótica, de um presente esquizofrênico, incomparável por definição.
Assim, Jameson e Harvey entram no debate pós-moderno de duas formas: Na crítica à corrente do fim da teoria e da história e, ao mesmo tempo, no levantamento da existência de uma condição pós-moderna que revela aspectos novos da sociedade capitalista atual. Aspectos típicos de uma condição social pós-moderna.
Para esses autores, a corrente do fim da história se caracteriza como lógica cultural no âmbito do processo do sistema capitalista. Para eles, modificações econômicas e materiais, que ocorreram a partir da década de 70 do século passado, alteraram substancialmente o processo de desenvolvimento do capital. E essas modificações determinam, em última instância, aquelas a que assistimos no campo político, cultural e ideológico.
O termo capitalismo tardio utilizado por Jameson, por exemplo, busca atualizar o conceito de imperialismo produzido por Lenin, levantando aspectos novos que, segundo ele, não inviabilizam as conclusões gerais de Lenin; mas, ao mesmo tempo, não foram estudados por Lenin porque trata-se de fenômenos novos engendrados pelo imperialismo nessa fase.
Segundo Jameson, mesmo hoje certas características desse capitalismo ainda nos parecem de forma desarticulada e fragmentária. Nesse momento histórico, para ele, a cultura se transforma em mercadoria transformando a realidade em uma realidade “representada” que aparece sem, necessariamente, corresponder à realidade objetiva.
A modificação na teoria também ocorre formando o que ele chama por exemplo de “um novo gênero discursivo”. Esse novo gênero discursivo que iguala diferentes tipos de abordagem tem sua marca principal na total perda de historicidade; e são articulados entre si pela negação total da história. É dessa forma que ele explica a existência da outra corrente pós-moderna representada nesse texto por Lyotard e Baudrillard.
A pós-modernidade nessa etapa atual do capitalismo precisa cunhar-se no fragmento e no indivíduo como sujeito de uma história fragmentária, desarticulada e individual.
Os sujeitos passam a ser concebidos na sua experiência, mais direta. É desmontada a concepção de sujeito na sua relação mais coletiva, articulada, que possui como base concepções de caráter articulador e totalizante, de fundamento histórico e político coletivo.
Isso ocorre contraditoriamente no momento em que o fordismo dá lugar ao chamado taylorismo que se apresenta como uma forma de trabalho e produção coletiva – mas que nada mais é do que a revelação do individualismo mais absoluto, dá a forma como os círculos de produção são concebidos.
Segundo Jameson e Harvey, essa concepção do fragmentário precisa se converter em comportamento e no autoentendimento do próprio sujeito.
A mídia se estrutura e se compõe por meio de suas várias especialidades, instrumentalizando-se cada vez mais para construir a imagem desse tal sujeito. A publicidade e a mídia representam para Harvey os instrumentos pelos quais a lógica do capital penetra na vida das pessoas, produzindo uma cultura fragmentada e volátil.
Essa nova concepção de sujeito tem por detrás de si uma nova concepção de social que é entendido como um conjunto de particularidades desarticuladas.
O problema, segundo eles, não se encontra em evidenciar que existem no tecido social esferas diferenciadas daquelas determinadas pelas classes sociais. Isso seria negar que existem as particularidades que, principalmente hoje, as lutas sociais evidenciam com força.
No entanto, o que o pensamento pós-moderno da primeira corrente procura esconder é que esses particularismos são articulados e não são autodeterminantes, são produtos da sociedade em questão e da lógica atual do capital.
Os autores pós-modernos que supervalorizam o local, o diferente, a identidade, o heterogêneo – o que está na construção de ideias adaptando as características próprias do capital nessa fase atual a uma concepção de social e de sujeito à imagem e semelhança desse capital.
Na ideologia de mercado, igualdade e liberdade, princípios da modernidade, assumem contornos particulares. O mercado produz a sua própria ideologia.
Essa ideologia que é gerada pelo próprio mercado não se apresenta como um apêndice direto da questão econômica. Nesse momento histórico o mercado e a ideologia são uma coisa única, que pode ser verdadeira e falsa, objetiva e ilusória.
Jameson, retomando a concepção de ideologia em Marx, conclui que o mercado cria à sua imagem e semelhança as ideias de igualdade e liberdade, sem as quais não pode ser entendido. Igualdade do mercado é a luta pela constituição da heterotopia e das identidades, e a liberdade do mercado se dá no campo da luta entre os diferentes dentro da manutenção do capitalismo como presente perpétuo. A liberdade e a igualdade se dão pela emergência e a atuação dos novos movimentos sociais. E da emergência das micropolíticas.
É uma batalha ideológica de legitimação e ilegitimação ideológicas. A ideia de que o mercado está na natureza humana é uma ideia que foi criada pelo liberalismo e continua se atualizando até hoje, modificando para a época atual esses dois princípios.
Jameson enfatiza que o aparecimento de novos sujeitos políticos não retira na atualidade a importância das classes sociais, como procura nos fazer acreditar essa primeira corrente pós-moderna.
“Nunca fui capaz de entender como se pode esperar que as classes desapareçam – o capitalismo arranca trabalhadores das velhas fábricas e de seus empregos, deslocou novos tipos de indústria para lugares inesperados do mundo e recrutou uma força de trabalho diferente das tradicionais em muitos aspectos, do gênero à habilidade de nacionalidade. Desse modo, tanto os novos movimentos sociais como o novo proletariado global emergente resultam da expansão prodigiosa do capitalismo em seu estágio atual da terceira ou quarta revolução industrial como se queiram” (1996, p.138).
As mudanças na produção trouxeram novas características na formação da classe operária e dos trabalhadores, no entanto, nada que viesse a diminuir a sua importância enquanto sujeito histórico.
O capitalismo se utiliza dessa micropolítica a seu favor, pois, para ele, a celebração do pluralismo nada mais é do que o sistema se rejubilando por produzir quantidades cada vez maiores de sujeitos que lutam em sua heterotopia, por uma inclusão dentro do capitalismo naquilo que for possível de direitos – são sujeitos “estruturalmente não empregáveis”.
O pluralismo, tão exacerbado pela primeira corrente pós-moderna, revela um ambiente de total fragmentação, que se reverte ideologicamente nas concepções do pluralismo absoluto e possui ao mesmo tempo um outro componente, a necessidade de retirar do âmbito do debate a centralidade do trabalho. Assim revela as características atuais do capitalismo, que é, por um lado, desenvolvido e universalizado e, por outro, extremamente excludente.
O trabalho deixa de ser a categoria principal e entram em seu lugar as características de homens e mulheres, de sexo e etnia.
A ideologia de mercado traz a ideia de democracia baseada na hipótese de que os grupos são organizados ou potencialmente organizáveis, assim sendo, a ação desses grupos, movidos por suas reivindicações, representa o panorama no qual se trava a luta democrática. Enfatizando que as lutas universalizantes são impossíveis. Mistificando o político.
A micropolítica é a exarcebação das diferenças e dos grupos. É a luta contra a totalidade, e da construção da subjetividade, da impossibilidade de articulação maior das lutas, exprime a total invisibilidade do econômico, do social e do político no sentido mais amplo.
Decretar o fim da política e a emergência da micropolítica e do individual sobre o coletivo é o abandono na pós-modernidade da luta política pelas modificações revolucionárias da realidade – as revoluções não são mais possíveis, somente pequenas reformas, restringindo a luta democrática ao âmbito da manifestação de lobbies, que ocorre nos limites do mercado.
As micropolíticas são a negação da política e as múltiplas identidades a negação do social, assim toda disputa ocorre nos limites do mercado como única realidade possível.
Segundo Harvey e Jameson, o fim da política, do conceito de nação e do local é uma ideia produzida pelo mercado globalizado que, de fato, quanto mais globalizado e centralizado fica mais altera a realidade política, nacional e local.
Por fim, essa corrente pós-moderna de negação das teorias, da totalidade, da história e da impossibilidade de transformação da realidade mostra que a luta de ideias assume sem dúvida novas características – a luta de ideias com ênfase no cultural adquire uma grande importância.
Essa corrente pós-moderna que nega o local e o nacional revela a importância que esses dois elementos possuem na atualidade, porém, devem ser entendidos sob novas características que adquiriram com o desenvolvimento do capitalismo nessa fase atual. Revela ainda a atualidade do debate do caráter e da essência dos movimentos sociais que deixaram sob influência da corrente pós-moderna o fragmentário de se colocar pelo fim das desigualdades, e se constituíram na revelação real das diferenças.
A construção das ideias universais do capital necessita se alimentar do real. É dessa forma que aparentemente os movimentos sociais na fragmentação absoluta são o reflexo daquilo que o capital necessita para manter a sua unidade e sobrevivência.
Madalena Guasco Peixoto é professora titular do departamento de Fundamentos da Educação da PUC-SP
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