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Brasil

Edição 147 > Cem anos depois, Revolução Russa ensina e inspira a luta pelo socialismo no século 21

Cem anos depois, Revolução Russa ensina e inspira a luta pelo socialismo no século 21

Da redação
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Seminário reuniu acadêmicos e lideranças políticas para analisar as lições e legados da Revolução de Outubro, que completa cem anos, e os desafios da luta contemporânea pelo socialismo.

"Soviéticos e chineses guiados pelos partidos comunistas deram fim no mundo ao colonialismo, pelo menos em sua forma tradicional”. A frase, dita pelo professor de filosofia da Universidade de Urbino (Itália), Domenico Losurdo, aponta uma das muitas razões pelas quais a Revolução Russa de 1917 é considerada um marco civilizatório, um acontecimento que mudou os rumos da história. Na opinião de Losurdo, a derrota da Alemanha e da Itália fascista foi fundamental para o desenvolvimento da luta anticolonial no resto do mundo.

Losurdo falou sobre o tema durante o seminário 100 anos da Revolução Russa e 95 anos do PCdoB, realizado pela Fundação Maurício Grabois no último dia 30 de março, em São Paulo.

O cientista político e professor da UFRJ e da PUC-Rio, Luís Fernandes, também participou da mesma Mesa de debates no seminário e traçou as inúmeras e valiosas conquistas sociais universais que devem tributo à Revolução Russa e aos avanços soviéticos. A Mesa contou ainda com a participação do professor de filosofia da Unicamp, João Quartim de Moraes. Ele relatou sobre como o sofrimento da guerra preparou o terreno para as insurreições que levariam à configuração inédita da Revolução Soviética.

Todos apontaram para o cenário em que o neocolonialismo avança de forma devastadora sobre o mundo contemporâneo, tendo na Rússia de Putin e na China socialista dois Estados e economias de resistência à hegemonia imperialista norte-americana, refazendo de forma irregular um equilíbrio nas relações internacionais que a União Soviética promoveu por mais de setenta anos. A débâcle do regime soviético é vista como uma catástrofe que permitiu o desmonte do Estado de Bem-Estar Social que se construiu na Europa, além de ter favorecido as guerras neocoloniais que avançam devastando Estados inteiros, desde o Golfo Pérsico.

Losurdo mostrou como a luta colonial é precursora das revoluções socialistas que se impuseram no mundo. “Não é possível compreender a Revolução dos Cravos sem a agitação colonial de Portugal e a insatisfação do exército”, citou.

Ele mencionou que Lênin analisava a partir da observação não apenas da violência crescente que as trincheiras do Ocidente expunham, mas também da brutalidade que as guerras coloniais impunham sobre povos inteiros. Assim, a revolução anticolonial, que, antes de Outubro, já era presente no México, na China, na Pérsia e na Irlanda, tornava-se ponto central do programa comunista, convocando “povos oprimidos do mundo inteiro, unam-se”.

Mao Tse-tung dizia que há identidade entre luta nacional e luta de classes. “Os trotskistas não entendiam isso”, disse Losurdo, destacando que essa parcela da esquerda continua a não entender isso, quando apoia guerras como a da Síria e ataca a Rússia.

“Soviéticos e chineses guiados pelos partidos comunistas deram fim no mundo ao colonialismo, pelo menos em sua forma tradicional”, aponta ele, como um dos grandes legados daquelas revoluções. A derrota da Alemanha e da Itália fascista, em sua opinião, foi fundamental para o desenvolvimento da luta anticolonial no resto do mundo.

A aventura de construção do socialismo soviético

O professor Luís Fernandes complementou a avaliação de Losurdo sobre o legado da Revolução Russa e salientou que ele demanda uma observação mais acurada da experiência socialista. De cara, ela introduziu um protagonismo político aos operários e camponeses que não havia, diz Fernandes. Segundo ele, a fundação do Partido Comunista no Brasil, em 1922, também teve esse papel de introduzir os trabalhadores na vida política nacional com a fundação do seu partido como força autônoma, rompendo com a negação política dos anarquistas que dominavam a cena operária, até então.

Fernandes aproveita para ressaltar que a luta política dos trabalhadores não começou no final dos anos 1970 com o Partido dos Trabalhadores. “Há ainda uma corrente operária importante, que é o trabalhismo. A CLT é uma conquista comum dos comunistas e trabalhistas brasileiros. Este cenário de avanços no Brasil é resultado indireto da revolução que assombrava o mundo do outro lado do Atlântico”.

A revolução soviética tem como legado universal introduzir na agenda política mundial a questão social. Foi um processo mais profundo de redistribuição de renda porque afetou a estrutura da sociedade russa. “A ‘ameaça’ comunista presente no sistema internacional foi o que criou as condições políticas que permitiram a constituição do Estado de Bem-Estar Social com a profundidade alcançada. Foi a concessão maior das elites do Ocidente às reivindicações sociais dos trabalhadores”, destaca  Fernandes.

O mundo deve à União Soviética o desfecho da Segunda Guerra Mundial com a derrota do nazi-fascismo, do racismo extremado e da opressão nacional que se pretendia.

“Em que mundo estaríamos agora se a Operação Barbarossa tivesse triunfado?”.

Princípios que também se impuseram a partir da Segunda Guerra Mundial, devido à presença soviética, foram o da não intervenção e o da autodeterminação dos povos. Embora sejam princípios formais para as potências imperialistas, a política adotada no campo soviético na luta anticolonialista e anti-imperial, e a ajuda dada pela URSS às lutas anticoloniais ajudaram a mantê-los como princípios ativos.

O sistema internacional desconstituiu esses princípios conforme a guerra fria avançava. “Mesmo Rosa Luxemburgo considerava a luta pela autodeterminação dos povos uma bandeira burguesa”, lembra Fernandes.

A principal importância dessa revolução é a de ter inaugurado a primeira experiência histórica mais prolongada de estruturação de um sistema alternativo ao capitalismo. Para Fernandes, este aspecto é um legado fundamental e permanente. “Muitas vezes, a leitura dessa experiência, seja para criticar ou defender, é superficial. Estruturou-se o conceito de totalitarismo para defini-la, como se o socialismo soviético fosse um plano maquiavélico pré-determinado, com evolução linear, para consolidar uma sociedade totalitária com controle total do indivíduo.”.

As defesas apologéticas da revolução soviética, sobretudo as dogmáticas, salienta Fernandes, também são lineares. “Como se todas as etapas, sob a clarividência de Lênin e seus seguidores, tivessem levado ao socialismo soviético como modelo a ser implantado em todo o mundo como alternativa ao capitalismo”, ironiza ele.

Fernandes descreve um processo de constituição do socialismo soviético tumultuado, dialético e nada linear. Qual o dilema ao iniciar a revolução? As condições inadequadas da Rússia, conforme sugeria a teoria marxista. Quanto mais avançado o capitalismo, dizia a teoria, mais intensa a contradição entre capital e trabalho, e mais consolidadas as bases para a transição ao socialismo. Desta forma, a Rússia se apresentava no início do século XX como um país semiperiférico, com capitalismo tardio concentrado em algumas cidades, uma maioria de camponeses vivendo sob condições pré-capitalistas, um Estado pouco consolidado, sem experiência democrática liberal. “Não é à toa que, em 1917, ocorrem duas revoluções: uma anticzarista e uma soviética!”.
A Rússia tinha a segunda maior dívida externa do mundo com a França e a Inglaterra, o que explica as alianças da Primeira Guerra Mundial. Como lidar com essas condições, com derrotas de insurreições na Alemanha e na Hungria que poderiam ter servido de complemento à soviética? “Os caminhos não estavam pré-determinados nem claramente previstos”, ressalta Fernandes.

Acompanhando os debates na época, ele conta que havia duas concepções com dirigentes mudando de posição no debate, só para exemplificar as turbulências teóricas da revolução: o caminho do capitalismo de Estado e o do comunismo de guerra.

Lênin formulou o capitalismo de Estado como o caminho da transição, não estatizou o grosso de sua economia, mantendo o controle sobre a propriedade privada. Esta orientação é interrompida pela guerra civil e pela intervenção estrangeira (França e Inglaterra). Houve então o comunismo de guerra com centralização e requisição forçada, com alocação focada e administrativa de recursos para enfrentar a guerra civil e a intervenção estrangeira.
Setores bolcheviques acharam que dali seria uma linha reta rumo ao comunismo.

Então, Lênin formula a NEP, a nova política econômica, que retoma o capitalismo de Estado com transição gradual. Nem tudo seguiu como mandava o figurino, devido às poucas concessões do capitalismo estrangeiro, embora tenha triunfado nos anos 1920.

A NEP começa a enfrentar a deterioração internacional com o cerco à URSS. O gradualismo representaria o agravamento da situação internacional, uma grande vulnerabilidade ao cerco hostil e a previsão de que, em uma década, a URSS seria invadida. Era preciso montar uma base industrial espalhada por todo o território russo para servir de base para uma indústria de defesa. “A NEP é abandonada a favor de uma industrialização acelerada e da coletivização acelerada e forçada.

Era preciso gerar excedentes para serem rapidamente investidos em economia de mobilização para a defesa. Esse esforço gigantesco e acelerado de uma base industrial de defesa foi o legado universal responsável pela derrota do nazi-fascismo”, analisou o cientista político.

A afirmação de que a URSS foi a responsável pela derrota da máquina de guerra alemã se explica pelo grosso do armamento produzido pelos soviéticos, mesmo entre os aliados. “O Exército Vermelho se torna a força hegemônica na Europa do leste.”.

A orientação primeira não era avançar para o socialismo naqueles países, mas retomar a NEP, a transição, embora alguns países estivessem indo rápido demais. A ruptura com a política do pós-guerra e a guerra fria levam a uma aceleração do socialismo, devido ao cerco crescentemente hostil.

“O modelo de socialismo de estatização integral, direção planificada, altamente centralizada, planificação detalhada, fusão do partido com o poder, teve êxitos importantes na etapa de desenvolvimento da URSS e demais países, na etapa de enfrentamento do atraso herdado pelas condições semiperiféricas dessas experiências”, afirma Fernandes.

Ele conta que houve elevação rápida da produtividade do trabalho, o que mediria de forma mais precisa a superioridade de um sistema sobre o outro. Não seria a medida do PIB em moeda forte, mas a medida do poder de paridade de compra.

Neste sentido, o PIB era de 7,8% da soma mundial durante o Império Russo, medido em paridade de compra, saltando para 9,7% com ápice, em 1961, de 10,2% do PIB mundial, medido por poder de paridade de compra. “Este período coincide com a dianteira na tecnologia aeroespacial, um clima de euforia e triunfalismo. O Congresso do Partido, em 1961, já com Kruschev, previa que nos anos 1970, a URSS superaria os EUA e avançaria para o comunismo”, relata.

Vencida a etapa de industrialização extensiva e modernização e enfrentamento do atraso herdado, esse modelo de economia de guerra, ou modelo soviético, que passou a ser apresentado como modelo único, foi incapaz de manter uma dinâmica de progresso técnico. “A encruzilhada de inovação e índice de produtividade superior aos países do capitalismo nos anos 1970 começou a perder dinamismo econômico. A URSS foi incapaz de acompanhar a velocidade da revolução tecnológica pela planificação econômica. A indução de tecnologia na indústria era pequena e o cumprimento de metas não estimulava a inovação mais profunda. A URSS não entrou em crise, mas em desaceleração e perda de dinamismo. Nenhuma reforma mudou os pilares do sistema, embora tenham desorganizado o sistema”, pontua Fernandes.

Mas, em sua análise, este não foi o fator central para entender a dinâmica e deterioração do socialismo soviético. “O principal fator foi a capitulação dos dirigentes do Estado soviético”, declara.

Gorbachev é o principal agente desta capitulação, abandonando a orientação anti-imperialista em nome da política de predomínio de direitos humanos universais sobre interesses de classe. “A URSS votou a favor da primeira guerra do Golfo, permitindo que a Otan operasse contra aliados da URSS”, lamenta ele.

Na base da capitulação estava a crescente dificuldade de promover a política de paridade estratégica bélica com os EUA. A estratégia americana era estrangular na corrida armamentista a URSS com alto custo de sustentação. “O determinante nesse quadro de dificuldades foram a capitulação e o abandono do sistema”, defende ele, considerando este um desfecho trágico para toda a humanidade. Fernandes cita uma série de indicadores básicos de qualidade de vida na URSS, que se desmantelaram rapidamente na transição ao capitalismo, como a expectativa de vida, que só voltou aos padrões soviéticos em 2009. “A URSS investia mais de 3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. Com o capitalismo e a forma dependente assumida, o sistema foi desmantelado e caíram para menos de 1%. Um retrocesso brutal que começa a ser reconstituído pela orientação dada por Putin.”;

Para não encerrar com uma nota pessimista, Fernandes conta que, nesse mesmo período em que a URSS sofreu essa perda de dinamismo econômico, uma outra experiência socialista tomou caminho inverso, a China. “A China realizou, em 2014, o sonho anunciado para a URSS nos anos 1970”. Houve um processo de modernizações em 1979, com recuperação da NEP, múltiplas formas de propriedade, expansão das formas de mercado, planejamento estatal do desenvolvimento e metas focadas. “O retorno à NEP produziu uma alternativa socialista viável ao dilema tecnológico da URSS. Em 2014, a China ultrapassa os EUA em poder de paridade de compra, com o enfrentamento ao dilema da inovação tecnológica”, defende ele.
Fernandes encerra afirmando que alternativas há, e “cabe-nos aprender não apenas com a lições do fracasso, mas também com as de sucesso da experiência socialista em curso no século XXI.”.

Prenúncio de Revolução

Encerrando as exposições da primeira Mesa de debates do Seminário sobre os 100 anos da Revolução Russa, o professor Quartim de Moraes abordou Gramsci, ao comentar a Revolução de 1917, como “a revolução contra O Capital”. Para ele, o pensador italiano percebeu algo original nas agitações de outubro. “Havia algo naquela revolução que o materialismo histórico não dava conta; era contra O Capital. Os fatos superaram as ideologias, o fato sendo a guerra”, afirma Quartim. Em sua opinião, Marx não poderia prever que a guerra geraria a vontade coletiva popular que suscitou. “As massas coesas em torno desse objetivo, normalmente exigem longa experiência de capilarização. A anormalidade foi o dilúvio de chumbo, aço e fogo sobre o continente europeu acelerando sua história social”, explicou.

Na Rússia, a guerra serviu para cristalizar essa vontade em três anos de sofrimento. “A carestia, a fome e a morte juntavam todo mundo. As vontades em uníssono, primeiro mecanicamente ativada, depois espiritualmente ativada”, diz o filósofo. Para ele, Outubro de 1917 inscreveu que algo não estava na lógica de O Manifesto (do Partido Comunista). “Gramsci teria sido mais preciso se chamasse seu artigo de A revolução contra O Manifesto”, conclui.
Em que consiste a originalidade de Outubro em relação ao Manifesto? Na análise de Quartim, eram dois elementos. A aliança operário-camponesa, primeiro elemento-chave da vitória de Outubro. “No Manifesto, o camponês é maltratado”. A complexidade do problema se revela quando Marx capitula diante de Vera Zassulitch. “Sim, o camponês pode ser a base da regeneração social da Rússia”, admitiu Marx.

Diante do modo como o Ocidente promove o revisionismo da Segunda Guerra para omitir a vitória soviética, Quartim também reafirma o papel do Exército Vermelho naquele conflito. “Quando anglo-americanos desembarcaram na Normandia, o Exército Vermelho já tinha estraçalhado os alemães em Kursky. A guerra já estava decidida”, afirmou, ironizando os filmes de Hollywood que defendem a tese da libertação anglo-americana. Ele exaltou a manobra genial comandada por Stalin, ao cercar os cercadores. “A URSS fabricava mais canhões, aviões e mais munição que todos os aliados juntos. Este foi um ganho com a industrialização acelerada ao custo da guerra civil entre operários e camponeses”, ponderou.

O tempo do deboche pela hostilidade entre URSS e China já passou, declarou Quartim, mencionando as ironias ocidentais capitalistas diante das divergências abertas entre o socialismo soviético e a revolução chinesa. O encontro entre a NEP de Lênin e o capitalismo de Estado da China, com o país asiático realizando aquilo em que a União Soviética falhou, mostra que não há motivos para deboches no imperialismo ocidental.

Caminhos do socialismo no século 21

A última mesa do Seminário abordou como se dará a “nova luta pelo socialismo no século 21”. Participaram desta mesa Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois; Luis Paulino, economista e professor da Unesp; Manuela Bernardino, membro da Comissão Central de Controle do Partido Comunista Português, e Raphael Hidalgo, representante do Partido Comunista de Cuba. 

Sob mediação de Nádia Campeão, do Comitê Central do PCdoB, os quatro debatedores frisaram marcos e sentidos de experiências socialistas que servem de ensinamentos para as lutas revolucionárias – tanto as contemporâneas (em Cuba e na China, por exemplo) quanto as futuras. Em comum, os expositores citaram pontos como a indispensável centralidade da questão nacional e descartaram a proposta de construção de um sistema socialista internacional com modelo único, como o de tipo soviético.

A despeito das ponderações, os debatedores destacaram o legado da trajetória da União Soviética. Uma trajetória singular no pioneirismo e nas conquistas – mas também no colapso final, praticamente sem precedentes.

“A União Soviética foi a primeira experiência continuada de construção do socialismo. Teve êxito rápido no projeto de industrialização extensiva, na modernização econômica. Não perdeu uma única batalha, venceu a 2ª Guerra Mundial e, em certo momento, chegou mesmo a superar os Estados Unidos no campo científico-tecnológico”, alinhavou Renato Rabelo. “A pergunta é inevitável: como essa extraordinária potência pode ter desmoronado?”.

Para o presidente da Fundação Maurício Grabois, trata-se de um caso raro de potência que entrou em colapso “por dentro”. Um dos erros do Partido Comunista da União Soviética foi ter transformado o marxismo em doutrina de Estado, impondo um modelo rígido, que levou ao congelamento da teoria. “Mas é simplista dizer que os soviéticos caíram apenas porque houve traição à teoria marxista ou capitulação”.

Karl Marx – lembrou Renato – já tratava o socialismo como um “extenso período histórico de transição entre o capitalismo e o comunismo, num processo a ser desenvolvido por etapas, em que o novo sistema terá rescaldo da velha sociedade”. Em contrapartida, as revoluções mais bem-sucedidas do século 20 evidenciaram que essa transição pode se dar de duas maneiras: 1) via “capitalismo de Estado”, numa transição mais gradual e equilibrada, como o exemplo chinês a partir da década de 1970; ou 2) por meio do “comunismo de guerra”, com uma socialização acelerada e plena estatização, tal qual a União Soviética.

Segundo ele, a nova luta pelo socialismo se dá, nos dias hoje, em contexto de defensiva estratégica. “Mas esse caminho requer, como ponto de partida, um projeto nacional de desenvolvimento e a centralidade da questão nacional na luta estratégica pela conquista do poder político. É o que o próprio PCdoB aponta no Programa Socialista que apresentamos em 2009”.

O paradigma chinês 

Economista de formação, o professor Luis Paulino classificou a ascensão da China como “o maior feito da virada do século”. E emendou: “A China é, sim, um país socialista – e é dessa perspectiva que devemos trabalhar”.

De acordo com Luis, a Revolução Chinesa fez, de início, uma clara opção pelo “comunismo de guerra”, com priorização da industrialização pesada e da coletivização do campo. Mas o insucesso de dois projetos estratégicos – o Grande Salto para Frente e a Revolução Cultural – deixou o país “à beira do caos, na iminência de uma guerra civil”. Chegou ao ponto de haver, segundo Luis Paulino, “uma valorização equivocada da pobreza e da estagnação”. 
Esse período – segunda metade da década de 1970 – coincide com a perda do dinamismo econômico da União Soviética. Depois de um longo – e, às vezes, tumultuado – debate no interior do Partido Comunista, o líder chinês Deng Xiaoping anuncia, em 1979, o processo de reforma e abertura. Sua base é o Programa das Quatro Modernizações (Indústria, Agricultura, Ciência & Tecnologia e Forças Armadas).

Em boa medida, pode-se comparar essa iniciativa à NEP (Nova Política Econômica) implantada por Lênin na Rússia em 1921. Há quem defina o empreendimento chinês como uma “grande NEP”, com concessões à iniciativa privada, mas direção estatal. É a “economia socialista de mercado”, calcada num projeto nacional de desenvolvimento e com forte impulso à inovação. 

A fenomenal ascensão chinesa teve premissas fundamentais para os dirigentes: para crescer e se desenvolver, a China – dizem eles – não esqueceu que era um país socialista em desenvolvimento, uma potência regional (e não mundial), além de uma nação pacífica, embora dividida (devido aos conflitos com Taiwan).

“Os chineses concluíram que desafios como a corrupção e o aumento da desigualdade não são consequências exclusivas da economia de mercado – mas de uma atenção insuficiente do Partido a esses problemas. Eles têm enfrentado esses problemas, mas sempre mantendo erguida a bandeira do socialismo com características chinesas”, afirma Luis Paulino.

O professor enfatizou que a experiência chinesa tem uma série de peculiaridades interessantes, como a “liderança política do Partido Comunista no processo de reforma, com a definição de um rumo claro a seguir; a unidade política nacional em torno do desenvolvimento; a criação de uma burocracia pública competente e comprometida; e a formação de uma grande quantidade de quadros técnicos, a partir de investimentos maciços em políticas educacionais.

PCP 

Manuela Bernardino ressaltou que a missão do movimento comunista atual é “combater a ofensiva ideológica contra o socialismo”. A história, particularmente no caso europeu, deixou pistas inequívocas. “O que o fim da União Soviética e a contrarrevolução no Leste Europeu acarretaram? A expansão da pobreza, do desemprego, de chagas sociais e da criminalidade, além da formação de oligarquias mafiosas”, relatou a dirigente portuguesa. “Hoje, a Otan e os Estados Unidos continuam a avançar pela Europa.” 

Para Manuela, a confusão no campo das ideias aumenta. “Falsas teses passam a aflorar, como a ideia de que a Revolução de Outubro foi um ato voluntarista de Lênin”. Apagam-se as contribuições desse grande dirigente, como o papel das alianças e a questão nacional. Ao mesmo tempo, insistem em teses como a morte definitiva do socialismo e o “fim da história”.

“Mas não se podem apagar as grandes conquistas de uma Revolução que promoveu o desenvolvimento da agricultura, da ciência e da tecnologia, avanços sociais, direitos para as mulheres”, enumera Manuela. “Sem contar a vitória na luta contra o nazi-facismo!”

A conjuntura atual é marcada, na opinião do PCP, por crises (econômicas, energéticas, ambientais), especulação financeira, redução do papel do Estado , aprofundamento das desigualdades, ataques à soberania nacional e cerceamento de liberdades e direitos.

“Nossa resposta a esse quadro em Portugal é buscar o socialismo sob a ótica da realidade portuguesa, com um programa que propõe a luta pela democracia avançada, a independência e a soberania nacionais, o envolvimento consciente e crítico das massas, o aprofundamento das formas de participação popular e a transformação da cultura em patrimônio e instrumento do povo”, discursou Manuela.

Cuba pós-Fidel

Já Raphael Hidalgo declarou que defender o socialismo como opção histórica, em momento de avanço capitalista, “não é pouca coisa”. E defendeu o legado da Revolução Cubana não apenas para a América Latina – mas como um paradigma único de construção do socialismo.

“Nossa revolução foi um misto de processo de libertação nacional e revolução social, com ênfase nos valores humanistas”, explicou Hidalgo. “Foi uma revolução armada, com tanques nas ruas e a participação de trabalhadores, camponeses, estudantes, membros da pequena burguesia e outros segmentos. Havia um componente patriótico, nacionalista e anti-imperialista.”

O dirigente cubano esclarece a questão dos “valores humanistas”. Segundo ele, “um elemento que pouco aparece na teoria marxista é a subjetividade revolucionária, tão presente na Revolução Cubana. Uma de nossas singularidades é a preocupação central com a ética. Quando perde a moral, um dirigente também perde a capacidade para liderar”. 

Evocando a memória de Fidel Castro, líder cubano falecido em novembro passado, Hidalgo declarou que “é preciso, sempre, dizer a verdade, fazer autocrítica e assumir responsabilidades por erros”. Ao mesmo tempo – afirma ele –, é necessário ser realista, sem perder a utopia nem sacrificar princípios. “Na política, não há modelos – mas, sim, experiências. Fidel dizia que, ao nos fixarmos no modelo soviético, ‘copiamos mal as coisas boas e copiamos bem apenas o que não funcionava.”

Um dos reflexos foi a profunda crise que sobreveio com o colapso soviético e a decretação do “período especial” no início dos anos 1990. “O pior ano foi o de 1994. Os Estados Unidos mudaram a lei migratória e criaram uma nova base crítica de oposição ao regime socialista em Cuba. Não tínhamos a sociedade mais perfeita do mundo – mas tínhamos a mais justa. Ainda assim, tivemos de avaliar tanto os erros soviéticos quanto os nossos. Sem essa reflexão, não teríamos resistido ao período especial”, diz Raphael Hidalgo.

Cerca de 70% da população cubana nasceram e cresceram já sob a égide revolucionária. Quando a economia entrou em colapso, no período especial, a contrapropaganda surtiu certo efeito. Mas os cubanos, mais do que autocrítica, passaram a corrigir problema e a enfrentar a crise de pé. “Tínhamos carências, bolsões de pobreza. Mas tínhamos princípios, acima de tudo. No período especial, a ordem era, ainda mais, não violar direitos humanos ou regredir em conquistas sociais.” 

Cuba defende o socialismo como “a humanização das relações sociais”. A manutenção das conquistas está garantida mesmo ante a retomada de relações, ainda incipiente, com os Estados Unidos. “Sob Obama, a Casa Branca flexibilizou o bloqueio, mas apostou numa guerra mais cultural. Eles querem mudar a imagem de adversário de Cuba perante a população e se apresentar como merecedores de uma relação de novo tipo.”

Desde 2011, Cuba experimenta uma abertura da economia. O Estado não é mais o único produtor, e o dinheiro passa a ser um problema. A despeito dos riscos, o regime abriu mais diálogo. “Nosso plano estratégico até 2030, sob a novo cenário produtivo, recebeu mais de 400 mil opiniões da população. As proposta de restauração do capitalismo ali são mínimas. O elemento central continua a ser o papel do Partido Comunista. O melhor serviço internacionalista que Cuba pode oferecer ao mundo é ter sucesso nas reformas.”

Luciana Santos:  “O tempo futuro é do socialismo”

O Seminário 100 anos da Revolução Russa e 95 do PCdoB também contou com uma intervenção da presidenta nacional do PCdoB, a deputada federal Luciana Santos (PE). 

Luciana destacou que os ideais da Revolução de Outubro de 1917 continuam a influenciar a luta de emancipação dos povos e que, inspirado nesses ideais, o PCdoB construiu um programa tangível e factível, apontando o rumo à transição ao socialismo, tendo como centro a questão nacional com um projeto de desenvolvimento. “Ao colocarmos nossas lentes sobre o centenário da Revolução Russa, buscamos retirar lições desta gigantesca experiência histórica. A epopeia da Revolução Russa produziu um impacto que equivale a muitos momentos de virada histórica, como foi a Revolução Francesa. Se a primeira colocou na ordem do dia a importância da Igualdade, da Fraternidade e da Liberdade, a segunda comprovou que tais ideais só podem efetivar-se em um regime de justiça social, igualdade de oportunidades e respeito à autodeterminação dos povos”, disse Luciana.

 *Da redação,
 

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