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Internacional

Edição 143 > Pequena história de um século da Grande Revolução de Outubro

Pequena história de um século da Grande Revolução de Outubro

Bernardo Joffily
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Nesta nona parte (de um total de 10) da série de artigos do jornalista Bernardo Joffily sobre a história da Revolução Russa, o autor descreve a agonia dos momentos finais da experiência socialista soviética. No período compreendido entre 1982 (quando Brejnev morreu) a dezembro de 1991 (quando foi formalmente extinta a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), a URSS assistiu ao desmoronamento de todos os pilares da Revolução de 1917, à debandada das repúblicas que compunham a URSS, ao encolhimento drástico de sua economia e influência geopolítica e empobrecimento generalizado de sua população, tudo sob a batuta entreguista de Mikhail Gorbachev e depois de Boris Iéltsin, amigos de ocasião do imperialismo estadunidense e coveiros da mais importante experiência socialista da história

9. Agonia e morte da experiência soviética


Leonid Brejnev morreu, no poder, em 1982. Foi sucedido por Iuri Andropov (1914-1984), que também morreu, apenas 15 meses mais tarde, e por Konstantin Chernenko (1911-1985), falecido no 12º mês de mandato. A chefia do Partido e do Estado foi então para Mikhail Gorbachev (n. 1931), a quem coube gerir os seis últimos anos da lenta agonia soviética, de março de 1985 a agosto de 1991. O final da era Gorbachev praticamente coincidiu com a pá de cal na experiência soviética, embora a extinção formal da URSS só tenha acontecido em dezembro daquele ano, já sob a batuta de Boris Iéltsin.

Gorbachev, a Perestroika e a Glasnost

Mikhail Gorbachev assumiu com promessas bombásticas, advogando a nova linha da Perestroika (Reestruturação), para a economia, e da Glasnost (Transparência) para a política. Escreveu um livro a respeito, Perestroika, novas ideias para o meu país e o mundo (publicado no Brasil pela editora Best Seller, 1987), asseverando que “talvez este seja o programa de reforma mais importante e radical que nosso país já teve desde que Lênin introduziu sua Nova Política Econômica, em 1921”.
Havia de fato radicalidade, mas era uma radicalização, extremada, da via iniciada por Nikita Kruschev em 1956. A Perestroika era, em essência, um vasto programa de privatizações. Representava, agora sem as meias tintas de três décadas antes, uma linha de restauração capitalista em toda linha. O próprio livro de Gorbachev explicita essa filiação, ao elogiar o 20º Congresso kruschevista como “um importante marco da nossa história” e uma grande tentativa de “girar o leme para o progresso do país, a fim de dar impulso para nos libertarmos dos aspectos da vida sócio-política engendrados pelo culto da personalidade de Stalin”.
Gorbachev foi o coveiro da experiência socialista e da própria União Soviética. 
Por isso mesmo o outro lado desde o início enalteceu aquele dirigente soviético que superava os mais afoitos sonhos dos inimigos do socialismo.  Gorbachev foi escolhido para “homem do ano” de 1987 pela revista norte-americana Time e frequentou as capas dos principais veículos da mídia ocidental, sempre com um viés francamente positivo, naquilo que foi chamado “gorbymania”. Foi recebido de braços abertos pelos principais comandantes e garotos propaganda da globalização neoliberal que entrava na moda na época – o presidente estadunidense Ronald Reagan e a primeira-ministra britânica Minister Margaret Thatcher. Reagan reservou para ele a primeira edição do “Prêmio da Liberdade Ronald Reagan”, em 1992. Enquanto a “Dama de Ferro” mimoseou-o com um esfuziante elogio: “Gosto de mister Gorbachev; podemos fazer negócios juntos”, disse ela. O mais alto galardão veio em 1990, quando Gorbachev foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz, jamais concedido a um cidadão soviético exceto o físico dissidente Anfdrei Sakharov, em 1975, como parte da Guerra Fria.
Bem distinta era a imagem do criador da Perestroika junto aos seus compatriotas. A opinião pública soviética julgava Gorbachev pelos resultados de sua política, e estes eram desastrosos. A produção permaneceu estagnada na segunda metade dos anos 1980 – para em seguida sofrer um dramático recuo de 11% apenas no ano de 1990. A dívida externa subiu de US$ 31 bilhões em 1985 para 70 bilhões em 1990, enquanto as reservas de ouro do país desabavam de 2.500 toneladas para 240 toneladas no mesmo período. Como se isso não bastasse, em 1986 eclodiu o desastre na usina nuclear de Chernobil, Ucrânia. Em 1989 as tropas soviéticas se retiraram do Afeganistão, derrotadas pelos mujahidins. E começaram os movimentos centrífugos na Armênia, Estônia, Letônia e Lituânia, que logo se espalharam por todas as Repúblicas Soviéticas. Do ponto de vista da qualidade de vida do povo, um dado eloquente é que a expectativa de vida da população passou a diminuir, um caso raro exceto em tempos de guerra.
Com esses resultados, Mikhail Gorbachev logo se tornou o mais impopular governante de toda a história da Rússia, em vivo contraste com as honrarias que recebia no mundo ocidental. Na ausência de pesquisas de opinião, pode-se usar como termômetro a única vez em que ele concorreu a um cargo eletivo pelo voto direto, ao se candidatar a presidente da Federação Russa, já em 1996: obteve 386 mil votos, 0,5% do total, talvez a mais baixa percentagem entre todos os ex-governantes do planeta já testados nas urnas.

A queda do Muro de Berlim

Os fatores que corroíam a experiência socialista soviética agiam com força e rapidez ainda maiores nos países do Leste Europeu. Ali o socialismo chegara bem mais tarde, graças ao cenário criado pela derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, e tinha raízes mais débeis. 
Após a Polônia e a Hungria, a Tchecoslováquia (logo dividida em República Tcheca e Eslováquia), a Bulgária, a Romênia, a Alemanha Oriental (em seguida anexada à Alemanha Ocidental) e, por fim, a Albânia viveram movimentos de massas de contestação do socialismo. Os regimes de Democracia Popular, socializantes, foram caindo um a um, em uma espécie de “teoria do dominó às avessas”. Processos ora mais e ora menos caóticos, atabalhoados e manipulados por máfias locais, em pouco tempo completaram a restauração capitalista. Avassaladores, não enfrentaram resistências de maior monta, com exceção da Romênia, onde ocorreram escaramuças armadas, culminando com a execução de Nicolau Ceaucescu e sua mulher Helena.
O episódio-ícone dessa onda restauradora foi a Queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. Construído na época de Kruschev (1961), ele havia se tornado o símbolo de uma era e sua derrubada foi vista como o marco da vitória dos Estados Unidos e do Ocidente na Guerra Fria.
Mikhail Gorbachev acompanhou o desmanche do ex-campo socialista do Leste Europeu com uma passividade complacente. Não queria desapontar seus bons amigos do Ocidente, Ronald Reagan-George Bush, Margaret Thatcher e companhia. Um mês após a derrubada do Muro, num encontro em Malta, ele e Bush anunciam com solenidade pomposa o fim da Guerra Fria. Para a União Soviética, foi um anúncio de rendição. Para a superpotência estadunidense, o triunfo da “Nova Ordem Mundial” – conceito programático cunhado por Reagan para descrever um mundo pós-soviético, gerenciado a partir de Washington e finalmente livre do fantasma do comunismo.

A URSS agoniza

Na União Soviética o desmoronamento foi um pouco mais demorado. E mais conflituoso. 
A Lituânia – a mais ocidental das Repúblicas Soviéticas – foi a primeira a separar-se da URSS, em março de 1990. Seguiram-se a Estônia, a Letônia, a Armênia e assim por diante. A onda de nacionalismos e localismos, com fundas raízes na história, iria reverberar para além do século 20, desdobrando-se em confrontos, crises, desagregações e secessões no interior da Geórgia (2005, 2008), Armênia (1993), Ucrânia (2014) e dentro da própria Rússia, com o conflito na Chechênia (1991-1997 e 1999-2004). 
Ao mesmo tempo, o fracasso da política de privatizações da Perestroika de Gorbachev, sobretudo na sua fase final, provocou uma brusca piora das condições de vida da população. A escassez de um sem-número de produtos essenciais provocava intermináveis filas nas lojas. A inflação explodiu. E essa degradação despertou em amplos setores da sociedade soviética uma ânsia difusa por mudança, renovação, espertamente aproveitada e direcionada pelos adeptos da restauração capitalista assumida e cabal.
Gorbachev não defendia uma extinção formal da União Soviética. E, ainda em 17 de março de 1991, num referendo realizado em nove das 15 Repúblicas Soviéticas (as outras seis já tinham rompido com a URSS, e se recusaram a participar da consulta às urnas), 76% dos eleitores se pronunciaram pela preservação da URSS. Porém a política gorbacheviana impelia a crise no sentido do desmoronamento. E a diplomacia estadunidense já punha os olhos gulosos nas possibilidades de expansão de sua área de influência para os territórios desagregados.

O “Golpe de Agosto

Em 19 de agosto de 1991, uma parte dos dirigentes soviéticos formou um Comitê Estatal para o Estado de Emergência e anunciou que Mikhail Gorbachev, por motivos de saúde, deixara o poder e fora substituído por seu vice, Gennady Yanaiev (1937-2010). Era uma tentativa, desesperada, de deter o processo de desagregação. Porém era uma tentativa que padecia do mesmo vezo cupulista-burocrático da fugaz deposição de Kruschev em junho de 1957: distante das ruas e das massas trabalhadoras, tentava reverter “por cima” um processo degenerativo que àquela altura contaminara o conjunto do Partido e do Estado soviéticos.
O “Golpe de Agosto”, como a imprensa ocidental não tardou em apelidar, foi esmagado em três dias. Gorbachev, em férias na Crimeia durante a crise, voltou a Moscou. Mas os engenheiros da implosão da URSS já não viam um papel para o homem da Perestroika. Na nova fase, queriam alguém mais resoluto, mais assumidamente hostil ao socialismo e ao comunismo... e menos impopular. 
Esse personagem foi encarnado por Boris Iéltsin (1931-2007). Em junho, Iéltsin se elegera presidente da República Soviética da Rússia. E em julho abandonara do PCUS (após três décadas como filiado), em pleno 28º Congresso do Partido. Quando irrompeu a crise de agosto, foi Iéltsin que se pôs à frente da resistência aos “golpistas” e forneceu a foto-ícone do evento, onde aparece discursando em cima de um tanque de guerra (tal como, quem diria!, Lênin no célebre carro blindado em 1917).

A dissolução da URSS

Assim que retornou a Moscou, Gorbachev renunciou ao posto de secretário-geral do PCUS. Dias mais tarde, Iéltsin – suprema infâmia! – proibiu as atividades do Partido de Lênin em todo o território russo e mandou fechar sua sede na Praça Staraya. Enquanto isso, as Repúblicas Soviéticas remanescentes debandaram de vez da URSS. Em 8 de dezembro, no Pacto de Belajeva, Iéltsin e os presidentes da Ucrânia e de Belarus declararam que a União Soviética deixaria de existir. Na noite de Natal do mesmo ano, Gorbachev, em discurso na televisão, anunciou oficialmente que estava formalmente extinta a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Gorbachev, seguindo os passos dos ex-presidentes norte-americanos, criou uma fundação que leva seu nome e passou a viver de palestras no exterior. Também apareceu em um anúncio da Pizza Hut na TV estadunidense, em 1997. Quanto ao prestígio em seu próprio país, o desempenho eleitoral em 1996 é um testemunho eloquente.
Os países desagregados da ex-URSS prosseguiram nos anos 1990 a sua trajetória descendente: o PIB somado de todos, em 1999, foi 42% menor que o da União Soviética dez anos antes. No ranking mundial dos PIBs, a Rússia ocupava em 2015 a 12ª colocação, atrás do Brasil, Canadá e Coreia do Sul.

Nem tudo são trevas

Ao contrário do que previu o filósofo conservador nipo-americano Francis Fukuyama, no título de um badalado livro de 1992, o ocaso da primeira experiência socialista não representou “o fim da história”, mas o início de um novo capítulo.
A proibição do PC decretada por Iéltsin teve vida curta e o Partido Comunista da Federação Russa (PCFR), fundado em 1993 como herdeiro histórico do PCUS, desde então aparece como o segundo maior do país, contestando o Rússia Unida, partido do presidente Vladimir Putin. O Programa do PCFR aprovado em 2008 coloca como objetivo estratégico construir na Rússia “um socialismo renovado, o socialismo do século 21”. Seu dirigente, Guennadi Ziuganov, é um entusiasta do legado do chinês Deng Xiaoping e em recente visita a Pequim declarou que, “se tivéssemos aprendido mais cedo com a exitosa experiência dos chineses, a União Soviética não teria sido dissolvida”.

A título de epitáfio 

Uma geração mais tarde, o colapso da União Soviética pode ser enxergado hoje com contornos históricos mais precisos. Revisitá-lo é uma experiência talvez dolorosa, para quem prossegue um século mais tarde a caminhada dos insurretos de 1917, mas sempre instrutiva e necessária.
A URSS não morreu em virtude de um ataque nuclear estadunidense, uma reedição ampliada da bomba de Hiroshima, como se temia no decorrer da Guerra Fria. Nem sucumbiu face a uma invasão de tropas estrangeiras, como foi tentado durante a Guerra Civil de 1918 e, com redobrado furor, durante a invasão nazi-fascista de 1941. Sem menosprezar o papel do cerco hostil capitalista, diplomático, econômico, ideológico e militar, que muitos não sem razão equiparam a uma “Terceira Guerra Mundial”, é fato que a experiência soviética se findou em razão de causas internas. Numa palavra, ela foi vítima dos seus próprios erros, insuficiências e limitações.
Também provoca reflexão e, cabe agregar, amargura, constatar que foi um final melancólico para uma experiência que prometera um mundo novo e despertara imensas esperanças nas massas trabalhadoras do mundo. 
Mais de um século antes, em 1871, a Comuna de Paris também sucumbira, afogada em sangue durante a “Semana Sangrenta”, após apenas 72 dias de existência enquanto primeiro ensaio de poder político dos trabalhadores, voltado para a construção da sociedade socialista. No entanto, os comunardos morreram lutando. E por isso, no caso da Comuna, ainda não se dissipara a fumaceira dos últimos combates no Cemitério de Père-Lachaise e todo o mundo do trabalho honrava como heróis os trabalhadores de Paris que, nas palavras de Karl Marx, haviam “ousado tomar o céu de assalto”. Findava o episódio, nascia a lenda.
Ora, a experiência soviética contou não 72 dias, mas 74 anos. Venceu inimigos muitas vezes maiores e piores, realizou prodígios, marcou, na leitura arguta do historiador inglês Eric Hobsbawm, o início e o fim do século 20, despertou na humanidade o sonho inimaginável de um mundo sem explorados ou exploradores, nem guerras ou fronteiras. E eis que se deixou matar sem maior resistência, sem o sadio estrebuchar que se haveria de esperar, em uma morte acabrunhada perto de sua pujança em vida.
Influi aqui a trajetória concreta que essa experiência percorreu. Nos 74 anos entre a Revolução de 1917 e a dissolução de 1991, pode-se distinguir dois períodos: de 1917 ao 20º Congresso, de 1956, são 38 anos, onde, a grosso modo e, portanto, simplificadamente, predominaram os êxitos e vitórias, mas também germinaram as sementes do período seguinte, 36 anos de crise e recuos, em princípio lentos e disfarçados, mas no final galopantes e abertos. Os protagonistas de 1991 pensaram e agiram à luz do que vinham de viver, a fase derradeira e crítica. Já o observador do século 21 tem o privilégio de poder enxergar o percurso inteiro, e aprender, com os erros e os acertos, pois, como disse o poeta brasileiro, “o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir”.
    
 *Bernardo Joffily é jornalista, tradutor, colaborador de Princípios e autor do Atlas Histórico IstoÉ Brasil 500 anos

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