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Edição 139 > A dinâmica do capitalismo e as crises: entendendo o “ajuste fiscal e creditício“

A dinâmica do capitalismo e as crises: entendendo o “ajuste fiscal e creditício“

Lecio Morais
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Neste artigo, o economista Lecio Morais aborda o problema das crises cíclicas do capitalismo e os programas de ?ajuste fiscal? ou de ?estabilidade? que lhes são associados.

O autor frisa que a crise econômica é fenômeno sistêmico e cíclico do capitalismo e não de um governo.

No entendimento da crise cíclica enfrentam-se duas visões sobre a economia.

A primeira delas é a do senso comum.

Nesta, a economia é vista como deveria ser: um sistema voltado para produzir utilidades que atendam às necessidades da vida em sociedade, embora possa gerar desigualdades e injustiças.

A segunda visão rompe com este senso comum.

Ela vê a economia tal como é, uma economia capitalista.

Esta tem objetivos diferentes da -economia ideal- do senso comum.

Aí tudo muda.

O capitalismo tem leis próprias que a impelem a produzir uma riqueza crescente, mas que também a limitam.

A expansão e a crise se dão de forma espontânea, não são -comandadas-.

Para Karl Marx, o objetivo dessa economia é diferente.

A produção de riqueza feita pelo capital é para acumulá-la continuamente sob a forma de dinheiro (a -riqueza abstrata-), não para fornecer utilidades.

Produzir utilidades é apenas um meio de encontrar compradores, permitindo que o dinheiro retorne ao capital e à sua acumulação.

A visão de Marx consegue responder às questões que criam perplexidade ao senso comum.

O objetivo deste artigo é responder às questões que dizem respeito às crises espontâneas do capital, bem como aos programas de -ajuste- que passaram a acompanhar tais crises.

Vejamos algumas dessas perguntas.

Por que acontecem crises periódicas e espontâneas-Como se sabe, a expansão do capitalismo, acumulando cada vez mais riqueza, não se dá continuamente.

Fases de prosperidade são sempre interrompidas por crises que reduzem esta acumulação e, às vezes, até as diminuem.

Os trabalhadores são os mais prejudicados, seus salários caem e o desemprego cresce.

Uma estranheza da crise capitalista é que ela não acontece por escassez, pois sucede, normalmente, uma fase de prosperidade, o que gera perplexidade.

Como pode acontecer uma crise quando tudo parece ir melhor para os capitalistas e até para os trabalhadores- Sendo os trabalhadores os principais atingidos, estes entendem ser a crise provocada pelos capitalistas.

Os salários durante a fase de expansão crescem, logo, a crise teria o objetivo de reduzir seus salários, aumentando seus lucros, ampliando a apropriação privada da mais-valia.

Esse pode ser um motivo.

Porém, para que esse fosse o objetivo da crise seria necessário que a taxa de lucro estivesse em queda ou, pelo menos, crescendo menos.

Mas por que isso aconteceria em uma expansão- Lucros crescem quando há prosperidade e não o contrário.

E, também por que os salários cresceriam sempre mais rápido que a taxa de lucro-Já o capital, por sua vez, tem uma explicação bem diferente para essas indesejáveis crises periódicas.

As crises seriam causadas pelo próprio governo, por agir irresponsavelmente, gastando mais do que arrecada, tributando demais os ganhos do capital ou adotando políticas macroeconômicas erradas ou malconduzidas.

O sistema capitalista sempre tende ao equilíbrio.

Crises só poderiam ser causadas por ações -externas- a ele: ações do Estado.

Nesse caso, a explicação parece fazer alguma lógica.

Se o governo é o culpado, ele deve dar a solução, -purgando- seus erros e também a má escolha de seus eleitores, corrigindo o desequilíbrio.

Porém, se assim fosse, por que antes de haver intervenções estatais na economia, no laissez-faire, havia crises, não só periódicas como mais amiúde-E, por fim, como a crise traz queda na demanda e no investimento pode resultar em nova fase de expansão e não em uma de estagnação retroalimentada-Em resumo, por que a fase de expansão não pode manter a acumulação continuamente, infinitamente- Por que há crises-Por que programas de -ajuste- são soluções para a crise se imitam seus efeitos-A partir do início do século 20, os governos passaram a criar, nas fases de crise, programas de -ajuste- fiscal e creditício (ou programas de -estabilidade-).

O objetivo desses programas é dar solução à crise, assim que ela se inicia.

Essa intromissão do Estado na economia seria fácil de entender, caso esses programas não tivessem como objetivo provocar exatamente os resultados causados pela própria crise - queda de atividade, desemprego, desincentivo ao investimento e ao consumo.

O que torna este tipo de programa pouco compreensível ao senso comum.

Muitos pensam até ser o programa de -ajuste- causa da crise e não o contrário.

Como principais prejudicados, os trabalhadores se posicionam em defesa da continuidade do desenvolvimento e da prosperidade que as crises interrompem.

Também se opondo aos programas de -ajuste- cuja ação, claramente, pretende prejudicá-los tanto quanto as crises.

Até mesmo os empresários, que deveriam se beneficiar com a previsível queda dos salários e da redução da força resistência dos trabalhadores, parecem, em princípio, ter seus negócios prejudicados.

As vendas e os lucros se reduzem, bem como as chances de investimentos.

Muitos, em vez de ter mais lucro, vão à falência.

O que, outra vez, parece o contrário do que deveria ser.

No entanto, a contrário senso, em sua grande maioria os capitalistas, defende esses programas e até os exigem.

O entendimento dessas contradições do mecanismo da crise e do porquê do programa de -ajuste- é fundamental - inclusive porque só os entendendo se compreenderá o próprio capitalismo.

Este é um entendimento particularmente importante para instrumentar as lideranças da esquerda a enfrentarem a crise e a se posicionarem frente a programas de -ajuste- na defesa do interesse estratégico dos trabalhadores.

Mas, principalmente, para pensar também o futuro, aquilo que sucederá após a crise - que política governamental guiará a retomada do crescimento capitalista.

Sendo o objetivo do artigo bastante amplo, nos limitaremos aos aspectos mais essenciais do fenômeno, de forma esquemática, em especial na abordagem teórica, e omitiremos também a ação que exerce as relações externas e o papel do crédito bancário.

Estes componentes são parte fundamental do capitalismo, mas, para nosso objetivo, eles não alteram o sentido e a compreensão do sistema.

Lançaremos mão das ideias de Marx, expostas em O Capital (livros 2 e 3), sendo necessário, no entanto, nos basearmos em algumas interpretações de seus escritos.

Em especial, a abordagem que vê o capitalismo como um sistema, formado por seus componentes bem como pela interação entre eles.

1.

O capitalismo, sua dinâmica e a criseO capitalismo, segundo Marx, é um modo de produzir que tem como seu núcleo três características que o distinguem de outros que o antecederam.

Essas características se entrelaçam, emergindo espontaneamente do sistema pela interação entre as relações sociais que o constituem.

As três características do sistema capitalistaA primeira delas é o objetivo do capital, aquilo que o move na produção de riqueza.

O objetivo é a acumulação infinita de riqueza abstrata (representada pelo dinheiro).

Prover bens com valor de uso para a sociedade, seja para o consumo, seja para ampliar a produção, é apenas uma consequência que viabiliza a acumulação de riqueza para produzir mais riqueza.

É a riqueza pela riqueza como forma de poder.

A acumulação expansiva só é limitada pela expectativa de a taxa de lucro ser sobrepujada pela taxa de risco, o que possibilita perder o já acumulado.

Mesmo com a taxa de lucro declinante, o capitalista individual tende a continuar sua produção de valor, desde que sua percepção da taxa de risco se mantenha inferior à do lucro.

Mas com uma taxa de lucro em declínio, o capital é constantemente ameaçado de destruição, pela concorrência, a terceira característica do sistema.

A segunda característica é a produção de bens que, sob a forma de mercadorias, só podem ser adquiridos com dinheiro.

Esta característica é coerente com a primeira, permitindo ao capital acumular somente dinheiro.

A questão é que o dinheiro é o equivalente geral para todas as mercadorias, e ele pode adquirir qualquer tipo de mercadoria, não importa qual a que tenha sido vendida.

O dinheiro é, assim, a própria riqueza abstrata e a única que pode ser acumulada.

O capital é obrigado a vender o que produz, atendendo à demanda, mas também, se necessário, criar nova demanda com novos produtos que ampliam as necessidades da vida ou novas formas de produzir.

Só por essa razão, o capital produz utilidades para a sociedade e meios de produção para si próprio, ampliando a produção constantemente.

A fase de venda de utilidades sob a forma de mercadoria é fase necessária, mas intermediária do ciclo de produzir mais-valia e acumulá-la.

Do ponto de vista do capital, vender utilidades é visto apenas como um mal necessário.

O único capital que consegue passar sem essa obrigação, mas precisa que outros capitais o façam, é o capital bancário, que vende e compra o próprio dinheiro.

Esta é a forma pura do capital.

A terceira característica é a concorrência que, contrapondo capitalistas individuais entre si na disputa para se apropriarem de parcela proporcionalmente maior da massa da mais-valia total, aparece como taxa de lucro.

Caso contrário, tendem a ser destruídos.

Para tanto, estabelece duas condições de sobrevivência ao capital individual: manter-se acima de uma taxa média de lucro, que emerge de forma espontânea; e fazer com que sua taxa de lucro guarde a maior distância possível de sua taxa de risco, que é a possibilidade de não recuperar a mais-valia que captura na massa geral produzida.

As duas condições impostas pela concorrência fazem com que o capital, em sua busca de maximizar sua acumulação, corra atrás de uma taxa de lucro maior, mas se afaste de taxas de risco maiores, estabelecendo-se uma razão de troca entre lucros maiores para riscos maiores.

Estas duas condições são essenciais para entendermos o mecanismo inicial da crise, como veremos adiante.

A taxa média de lucro é também importante na regulação do ciclo, mantendo a estabilidade da economia, sendo o principal componente na determinação de preços das mercadorias (-preço de produção-).

O resultado da concorrência serve ao objetivo principal da primeira das características do capital e de seu sistema: a maximização da acumulação.

O entendimento, do senso comum, de que a concorrência baixa os preços é apenas um resultado secundário.

Dependerá de ela criar ou não uma produtividade maior.

Caso contrário, até pode elevá-los.

O capital em movimento: a fase expansiva e a gênese da criseEm razão dessas três características, a dinâmica do sistema em sua acumulação infinita faz com que na fase expansiva do ciclo o capital produza riqueza demais, acumulação demais (a -superprodução- e a -superacumulação- relativas).

Elas são ditas -relativas- porque sejam superiores à demanda de bens da sociedade e do próprio capital.

São relativas a um certo limiar atingido pela produção de riqueza que não mais permitirá a acumulação normal do capital - apesar de a acumulação infinita ser o objetivo do capital e de seu sistema.

Há um limite sistêmico, intrínseco, que frustra a finitude da acumulação.

Este limiar é o determinante principal da crise, o motivo de ela ser inevitável ao capitalismo, exceto se a primeira característica fundamental do sistema for violada, e não haja mais crescimento contínuo - o que é uma impossibilidade.

O mistério desse limiar será resolvido a seguir.

Sendo a demanda elástica, ela tende a absorver a produção extra.

A disponibilidade de dinheiro para a aquisição extra é explicada pelo crescimento das rendas do capital e do trabalho que acompanham a produção e, principalmente, pela expansão do dinheiro oriundo do crédito.

Esta última tende a resolver qualquer inadequação temporal entre a demanda e a disponibilidade desta renda - o que garante que a demanda (haver desejo de comprar) se torne também solvente (haja dinheiro para tanto).

Este é o momento final da fase da expansão e da prosperidade.

A crise emergeO problema sistêmico da superprodução e da superacumulação é que a elevação do constante do consumo faz com que a concorrência tenha sua força destrutiva amortecida.

Ocorre que a taxa de risco de não vender (a não -realização-) também se reduz permanentemente, dada a persistência da solvência da demanda, fazendo com que capitais com taxas de lucro inferiores à média sobrevivam e proliferem, sem violar a segunda condição de existência do capital estabelecida pela concorrência.

Por outro lado, os capitais com taxas de lucro mais altas perdem também o incentivo de os elevar, dada a maior zona de conforto.

Suas taxas de lucro, quando comparadas à taxa média em queda, podem até crescer, sem que haja qualquer dispêndio de força.

Desse modo, cada vez mais capitais se manterão, ou passarão a se concentrar, nos níveis inferiores de taxa de lucro sem que aqueles de taxa superior consigam neutralizar sua queda.

No limite, pode se antever uma tendência de a taxa de lucro se aproximar de zero.

O que demonstra que a queda da taxa de lucro e a ameaça da continuidade da acumulação ocorrem, ao final, não pelo esgotamento da capacidade de consumo, mas por uma limitação interna do sistema: a redução da força da concorrência, característica fundamental do modo de produção.

Esta é a gênese da crise.

Só o início imediato da destruição dos capitais mais fracos (permanente ou temporariamente) e o consequente rebaixamento da taxa de salário (1), garantem a volta do crescimento da taxa média de lucro.

Isso reativará a força da concorrência garantindo que a taxa média volte a se elevar continuamente, à medida que a destruição necessária avança (2).

A única maneira de suprimir os capitais mais fracos é atacar aquilo que os faz sobreviver: a expansão contínua do nível da demanda, tanto dos bens de produção como dos de consumo.

Embora a forma de descrever possa levar à ideia de haver uma personificação que assume o papel do -coletivo do capital-, planejando e agindo, não é assim que ocorre.

O caminho que leva à crise se origina em decisões de capitalistas individuais, pensando em seu próprio caso a partir daquilo que ele percebe do mundo dos negócios.

A decisão se baseia na percepção crescente de capitais individuais de que, a continuar o processo de queda nos ganhos, se dará uma catástrofe coletiva em que todo valor de troca, em forma de mercadoria, será destruído.

Por essa razão, cada vez mais capitalistas individuais passam a abandonar a produção, buscando proteger-se no entesouramento.

O entesouramento é feito mediante a conversão do capital sob formas que preservem seu valor (a moeda metálica ou, modernamente, a dívida pública) (3).

É o bastante para que se invertam bruscamente as expectativas e se desencadeie uma reação em cadeia de cortes de pessoal e paralisação de máquinas que destroem os fluxos de renda e tornam, por sua vez, as mercadorias de consumo dos trabalhadores invendáveis.

Desse modo, a redução da demanda antes de chegar aos bens de consumo é precedida pela queda no consumo do capital (bens de produção).

A crise está desencadeada e instalada.

Embora haja outras causas que o provoquem, desequilíbrio na proporcionalidade entre a produção de bens de capital versus a de bens correntes ou eventos contingentes, o problema da superprodução e da consequente superacumulação se constitui na única causa intrínseca que explica a crise cíclica (4).

O retorno da expansãoO reinício da expansão segue o mesmo processo, só que invertido.

Assim que a destruição de capitais permite que os capitais sobreviventes tenham uma taxa de lucro estabilizada ou em ascensão (que, como vimos, pode se dar apenas com o corte das taxas mais baixas), cria-se uma nova expectativa.

A demanda menor, resultante da destruição da produção, não será obstáculo à nova produção.

A ambição de crescer e acumular infinitamente volta a dominar os capitalistas.

Mesmo que a nova produção não gere a renda suficiente para sua absorção, logo o crédito (5), em especial o de investimento, recriará a demanda solvente, primeiro nos bens de capital, depois se generalizando.

A recuperação se inicia.

Isso responde como a taxa média de lucro tende a se elevar espontaneamente por fatores também internos ao ciclo de valorização do capital, no caso, o retorno da concorrência.

A recuperação pode assim ocorrer mesmo a partir de um nível de demanda estagnado ou mesmo mais reduzido do que o anterior à crise.

Da mesma forma como a crise se dá por contradições intrínsecas à acumulação, a retomada da expansão também ocorre por fatores intrínsecos a ela.

Este é o ciclo total do capitalismo, o porquê de as crises cíclicas acontecerem espontaneamente, de forma não planejada e sem obedecer a um comando central, e como se dá o retorno à expansão.

Em ambos os casos o atendimento às necessidades da sociedade permanece secundário.

O capital se basta.

Desta exposição podemos concluir que: .

Crises cíclicas resultam de distúrbios na taxa média de lucro que ameaçam a continuidade da acumulação; suas causas são criadas na própria fase de expansão.

A crise é provocada quando a expansão se constitui uma superprodução e uma superacumulação relativas que reduzem a força da concorrência, permitindo que capitais de baixa taxa de lucro proliferem, o que tende a reduzir a taxa média de lucro.

- A eliminação da superprodução e consequente superacumulação é o primeiro alvo da crise; o que é alcançado pela destruição do capital, redução de novos capitais e a retirada de capitais da produção pelo seu entesouramento.

- A insuficiência de consumo de bens de consumo - o consumo dos trabalhadores - deriva da crise, não é sua causa; da mesma forma, a queda na demanda e no investimento tampouco impede o início de uma nova expansão; mas apenas pela inversão do processo que levou à crise.

- E, por fim, como corolário, a culpa da crise cíclica é do capitalismo, não do Estado (6).

A razão e objetivos de um programa de -ajuste- fiscal e creditício-: o papel do Estado na modulação do ciclo capitalistaVista a dinâmica do capitalismo, entendemos a razão da crise cíclica e o porquê de a destruição de capitais poder ser sua solução.

Veremos agora o porquê de políticas estatais terem sido -inventadas- para atuarem no ciclo de desenvolvimento do capital.

Tais iniciativas, porém, dependem da correlação de forças entre Estado e capital.

No princípio, assim como coetaneamente, as políticas, chamadas agora de -macroeconômicas-, tendem a ser sincrônicas com as fases cíclicas, ou seja, tendem a reproduzir de forma planejada os mecanismos e consequências das fases, substituindo sua forma espontânea, -selvagem-.

Introduz-se agora, na argumentação, os fatores subjetivos da superestrutura, com suas instituições estatais e correlação de forças políticas de poder.

As políticas macroeconômicas vêm se alterando com o correr do tempo histórico e da tecnologia.

O equilíbrio de força política entre capital e Estado determina em que medida as condições indesejáveis da crise capitalista são reduzidas (-moderadas-) em maior ou menor grau, de modo a preservar a estabilidade social (redução de riscos de ruptura) e a renda tributária.

O avanço do Estado: a função moderadora do ciclo e as políticas macroeconômicasAté o início do século 20 - de um ponto de vista eurocêntrico, no tempo histórico europeu - as crises se davam de forma -selvagem-.

As informações eram tão dispersas que era difícil se controlar o nível de destruição de capitais.

O que trazia não só prejuízos ao capital, mas também ao Estado, derrubando sua arrecadação de receitas e propiciando agitações do -populacho- às vezes em níveis bastante perigosos de ruptura.

O tamanho e a complexidade crescente do Estado têm várias razões.

Uma delas é o contínuo fortalecimento das relações capital/Estado.

É uma relação de mútuo benefício, apesar dos conflitos sempre presentes.

A forte ação do capitalismo sobre as relações sociais é corrosiva e até destrutiva, afetando a estabilidade política e social.

Por outro lado, é ele que, criando riqueza, fornece a base de tributação para financiar o Estado.

O Estado passou a ter interesse em agir para contrabalançar os efeitos mais nocivos do capitalismo, seja pela coerção mais organizada de suas ações, seja pelo atendimento de necessidades básicas do povo, em sua substituição (mercadoria versus bem público).

Ou seja, estabelecer regulamentações e participar em mercados de importância macroeconômica (financeiros, monopólios naturais etc.

) e socialmente sensíveis como de bens básico à sobrevivência.

Neste caminho o Estado transformou-se também em um grande agente econômico dentro do próprio sistema capitalista.

Na mesma medida, o capital passou a depender desta ação do Estado, tanto como mediador quanto como agente econômico.

Criaram-se assim as condições objetivas de o Estado tomar iniciativas organizadas sob a forma de políticas públicas, utilizando seu poder de tributar, de comprar mercadorias e de emitir dívida em troca de mais estabilidade política e social e de fortalecer sua própria posição frente ao capital.

Unindo o poder de regular ao seu papel de agente econômico instituíram-se as políticas macroeconômicas, a monetária e a fiscal.

Inicialmente na fase de crise, posteriormente nas outras fases.

Juntos agem fortemente na determinação das variáveis básicas da acumulação: a taxa de juro, a taxa cambial e a taxa de salário.

O problema é que o capital, frequentemente, não age em uma só direção, um problema que também acontece no Estado, em menor nível.

A função de -modular- passou a substituir as expansões e as crises -selvagens- por versões mais atenuadas, pretendendo agir em antecipação aos problemas cíclicos, encaminhando soluções que também sejam aceitas pelo capital.

Durante o século 20, a função -moduladora- passou a ser atribuição precípua do Estado, em especial no período sob a hegemonia americana.

Uma atribuição nunca contestada em sua inteireza.

Ainda mais porque nessa intervenção moderadora, o principal inspirador e gestor é esta instituição mista privado-estatal denominada banco central.

Seu fórum de confabulação.

Os instrumentos da modulação: política monetária e política fiscalA política monetária atua sobre as variáveis taxa de juros e taxa cambial, que determinam entre outras coisas o movimento de mercados financeiro e de capital e também a oferta de crédito bancário.

Na verdade, a política monetária não atua sobre a moeda estatal, em seu poder de troca (o seu valor), como se autodefine simplificadamente.

Ela age sobre o valor de todo o capital que existe sob a forma monetária (dinheiro) e financeira (capital portador de juros e de títulos de propriedade de outros capitais).

Uma política que pode ser mais bem definida como uma política reguladora da acumulação capitalista.

Seu objetivo é difundir informações confiáveis sobre a situação econômico-financeira, adotando as medidas percebidas como adequadas a cada fase do ciclo do capital de modo a modulá-lo, evitando movimentos bruscos ou exagerados na expansão e na crise.

Como também manipula a dívida pública de modo a gerenciar o nível de entesouramento.

A política fiscal, que reúne as variações da tributação e do gasto público, age sobre a demanda agregada.

Na crise, as duas políticas coordenadas rapidamente podem reduzir a demanda agregada (privada e pública) com eficácia e rapidez para agir no mecanismo da crise, regulando na intensidade e no tempo seu objetivo: reduzir a parcela -excedente- do consumo agregado e, em consequência, eliminar a superacumulação.

É importante frisar que as políticas macroeconômicas que tentam realizar a -modulação- do ciclo capitalista se apoiam em fatores subjetivos, defrontando-se com uma realidade complexa de difícil previsão.

Por isso, erros de instrumentos e de operação dessas políticas macroeconômicas não são incomuns - o que faz com que políticas macroeconômicas funcionem muitas vezes, mas não todas as vezes.

Ademais, a modulação do ciclo capitalista não impede a ocorrência em longo prazo da superacumulação, nem tampouco elimina as crises.

A modulação apenas adia os -ajustes-, que desatam em crises mais espaçadas, porém, maiores e mais violentas.

Tais crises, que ocorrem em ciclos de mais longa duração, acontecem em um contexto de crises hegemônicas entre as potências centrais do sistema, seja pelo declínio do hegemônico e início de sua contestação, seja por uma fraqueza momentânea de seu controle sistêmico (7).

Em conclusão desta seção, podemos afirmar: - A entrada do Estado no manejo do ciclo marcou uma nova relação histórica, marcada por uma colaboração relativa, baseada em interesses mútuos e objetivos.

- Políticas monetária e fiscal devem agir conjuntamente para concretizar seus objetivos mútuos na relação entre Estado e capital; em situações de maior fraqueza do Estado, as políticas, para terem sucesso, devem estar em maior sincronia com o ciclo do capital.

- A liberdade de ação dessas políticas é limitada pelo interesse do capital em garantir as condições de retomada de sua acumulação crescente; e também pelo interesse do Estado em evitar disrupção na sociedade e manter o financiamento de sua máquina.

Críticas ao -ajuste- e a proposta de sua substituição pela continuidade de uma política de desenvolvimentoComo vimos, um programa de ajuste tem características próprias que o distinguem de uma política de desenvolvimento: é limitado no tempo; e tem objetivos que convergem para melhor viabilizar a solução sistêmica da destruição dos capitais mais fracos e reduzindo a taxa de salário, extinguindo a superacumulação - o que restabelece as condições necessárias ao reinício de um novo ciclo de expansão.

Espera-se que, comandado de forma mais centralizada, um programa de ajuste fiscal e creditício seja capaz de modular a crise, realizando uma destruição mais seletiva de capital e em um tempo mais curto.

Por essa razão, é impossível comparar um programa de -ajuste- com uma política de desenvolvimento cujos objetivos e metas são opostos.

Uma política de desenvolvimento (ou mesmo simplesmente de crescimento) tem sua correspondência objetiva com a fase de expansão, não com a de crise (8).

As críticas da esquerdaNa polêmica existente sobre o programa de ajuste, um argumento frequente é a incongruência do programa com a solução da crise.

O programa não seria capaz de provocar a retomada do desenvolvimento.

Como vimos, observando-se o ciclo objetivo da dinâmica capitalista, este argumento não procede.

O programa de -ajuste- é uma forma consciente de ação que replica as condições da crise em sincronia com a solução necessária ao capitalismo para retomar sua expansão.

Uma crítica deste tipo, exceto se ela servir ao objetivo radical de abolir o capitalismo, tem como pressuposto ser o objetivo da economia capitalista suprir as necessidades sociais de crescimento e estabilidade, revelando a crença de o capitalismo poder ter um -desenvolvimentismo contínuo-.

O que é, aliás, a crença dos próprios capitalistas.

As crises passam a ser culpa do governo ou, em alguns casos, de -especuladores malvados-.

Outra crítica, vinculada à primeira, é que programas de ajuste não dão certo.

Esta crítica é claramente inconsistente com a experiência histórica.

Desde as -crises selvagens- europeias e americanas até as crises moduladas por recessões, todas, mais cedo ou mais tarde, espontaneamente ou por meio de programas de ajuste, sempre foram sucedidas por fases de expansão.

Desde as nacionais, até as maiores como a dos anos 1970 que moldaram uma face nova para o capitalismo mundial.

O mesmo se pode observar na experiência brasileira.

Depois do período de estagnação e instabilidade de 1960-1964, ao -ajuste- da ditadura, 1964-1967, se sucedeu a expansão do -milagre-.

Quando da crise de 1979-1982, após sucessivos fracassos de vários planos de -estabilização- (o de Delfim Netto, o do Cruzado, o do Plano Verão e o Collor), foi o Plano Real que devolveu a estabilidade ao capital.

Essa experiência mostra que, quando -ajustes- fracassaram, não se sucede ao fracasso um período de prosperidade, mas sim de estagnação e instabilidade.

Não por serem os programas de -ajuste- bons para o povo, mas por estarem em consonância com a dinâmica capitalista.

Exceto, é claro, quando uma instabilidade duradoura for interrompida por uma revolução que suprima o próprio capital.

Não é à toa que os exemplos citados para ilustrar o argumento do fracasso inevitável do -ajuste- são todos de programas que estão em curso, ou seja, quando estão a causar mazelas e sofrimentos, muitas vezes terríveis para os povos.

Seus efeitos maléficos são suas armas, mas elas nada antecipam quanto a seu resultado final.

A necessidade e a oportunidade de se discutir uma nova política de desenvolvimentoTrazer a discussão de uma política de desenvolvimento neste momento de crise é oportuno.

Não para fazer com que esta política substitua o programa de ajuste.

Vimos como isto é inviável e inconsistente.

Mas é uma discussão inteiramente cabível quando se pensa no futuro.

E quando se constata que uma política para uma provável fase expansiva pós-crise ainda está em aberto.

Os erros da política anterior dos governos Lula e Dilma já são examinados e suas lições estão sendo tiradas.

E também porque a direita conservadora já adianta suas posições programáticas.

Este é um momento crítico para o futuro.

Desta seção podemos tirar as seguintes conclusões finais:- Pretender que um programa de ajuste seja substituído por uma política de crescimento é uma posição difícil, tanto do ponto de vista da economia capitalista, como politicamente.

Em especial, quando a correlação de forças é desfavorável.

- Nenhuma crise dura para sempre e, salvo grave e imediata deflagração de uma disputa hegemônica, a crise será sucedida por uma nova fase de expansão, mesmo que ela, dada as restrições da crise internacional, tenha um ritmo menor de crescimento.

- Para uma provável fase de expansão, que possa suceder, não há uma definição da política de desenvolvimento que moldará uma retomada, dando-lhe direção; esta política ainda está em disputa e a direita conservadora já vem adiantando sua proposta.

Conclusão: as consequências políticas da análiseDe tudo exposto, não se pode concluir ser o programa de -ajuste- bom e que sua execução beneficiará os trabalhadores e o povo.

Tampouco se pode concluir que os trabalhadores devem se manter inermes frente às perdas impostas pela crise e por seu programa de estabilização.

O que pretendemos é destacar a necessidade de considerar a natureza do capitalismo em sua dinâmica cíclica para elevar a eficiência de suas intervenções.

O programa de ajuste deve ser denunciado não como um meio de consertar erros do populismo ou da irresponsabilidade de governos passados ou presente.

A crise econômica é fenômeno sistêmico e cíclico do capitalismo e não de um governo.

Em coerência com sua base social, sempre fará diferença enfrentá-lo na defesa dos direitos conquistados pelos trabalhadores ou, no limite, minimizar tais perdas.

Deve-se pôr em xeque o programa de -ajuste- não pela negação de sua necessidade, mas, sim, porque ele deriva da crise do capital.

Pode ser uma forma de propagandear o socialismo.

Em especial, em curto prazo, questionar a política de desenvolvimento que os executores do programa defendem e que pretendem implementar no pós-crise e defender uma proposta programática para se opor à direita.

Esta é uma questão estratégica para os trabalhadores e o Estado nacional.

No caso brasileiro, a política para o futuro já está em disputa, devendo ser ela um dos principais alvos da política.

Forças políticas da centro-direita já anteciparam suas propostas, aproveitando a maré montante de seu campo político-ideológico.

Parece-nos também óbvio que, na participação na disputa do futuro, o campo da esquerda estará mais bem posicionado com a continuidade do governo Dilma.

* Lecio Morais é economista, mestre em ciência política, atua como assessor técnico na Câmara dos DeputadosNotas(1) A queda de salário contribui para elevar a taxa média, porém, a taxa de salário é relativa à taxa de mais-valia, não significando, forçosamente, ser necessária uma queda no salário real.

O aumento da taxa de salário refere-se, portanto, à elevação da taxa de exploração relativa, não necessariamente da absoluta.

(2) Não é possível haver certeza quanto ao momento em que o -necessário- é atingido.

A melhor avaliação do estado do sistema é feita pelo capital financeiro, que detém mais informações sistêmicas, que reage mediante a redução ou ampliação da oferta de crédito e de seu custo.

A avaliação é sempre um processo subjetivo e imperfeito, sujeito a falhas de dissintonias.

(3) Nesse caso, estamos excluindo a possibilidade clássica de fuga para o exterior, pois analisamos o sistema em um todo homogêneo, não havendo fronteiras que permitam a fuga.

(4) Podem ser outras as causas da crise.

Há as decorrentes de inadequações como o desequilíbrio entre as produções e demandas entre bens de produção e bens de consumo (entre os chamados departamento 1 e departamento 2).

Outro desequilíbrio se dá quanto ao volume de crédito ofertado pelo capital financeiro ou erros significativos quanto à solvência futura dos capitais.

Essas causas também geralmente são parte da crise cíclica.

(5) O crédito, forma como os bancos de depósito emitem dinheiro -do nada- (ex nihil), pode ser entendido como um adiantamento tomado sobre uma mais-valia futura.

O que o torna virtualmente infinito, o que se adequa bem à solvência da demanda, mas a elevação proporcional da taxa de risco de realização da mais-valia futura - necessária para quitar o empréstimo.

Crises de crédito, desse modo, fazem parte também da superprodução, e a frustração da mais-valia - frustrada pela crise - ajuda a destruir capitais cuja demanda seria viabilizada pela renovação ampliada de financiamento, que não mais haverá.

A análise do capital bancário está fora da argumentação por não ser necessária ao argumento principal.

(6) A afirmação está restrita à ação do Estado dentro da dinâmica do sistema capitalista - o que não impede que a ação do Estado possa, de fato, desencadear crises.

Mas estes episódios estão classificados por mim como -eventos contingentes-, não são uma necessidade sistêmica.

(7) A situação da disputa hegemônica, que pode ocorrer independentemente da ação intencional de um ou mais -candidatos-, pode levar diferentes Estados a terem políticas divergentes no tratamento da crise capitalista, no sentido de preservar seus próprios capitais de destruição e pressionando para que os estados concorrentes aceitem destruir os seus.

Tais divergências podem tornar o sistema capitalista inconsistente ou mesmo incoerente.

Por outro lado, sendo a crise universal, não há como o capital simplesmente se evadir - o que pode levar o sistema internacional a grandes estagnações ou mesmo a situações caóticas, que aguçam e retroalimentam a violência interestatal.

(8) Embora uma política de desenvolvimento, que deve abranger um período futuro de longo prazo, tenha que prever, a meu ver, também as fases de crise cíclica, reconhecendo a natureza do capitalismo.

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