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Brasil

Edição 139 > Tragédia de Mariana: quando o lucro se sobrepõe à vida

Tragédia de Mariana: quando o lucro se sobrepõe à vida

Wadson Ribeiro*
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A tragédia que se abateu sobre a cidade de Mariana, na região central de Minas Gerais, no último dia 5 de novembro, expôs algumas das mais devastadoras chagas ambientais, sociais e econômicas da atividade mineradora em nosso país

O rompimento da barragem de Fundão - de propriedade da empresa Samarco controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton - provocou uma enxurrada de lama sem precedentes que se alastrou por dezenas de municípios mineiros, passando pelo estado do Espírito Santo até alcançar o Atlântico. Ao contrário do que foi divulgado inicialmente, investigações do caso apontaram que a devastação foi resultado do rompimento de apenas uma barragem.

Os 62 milhões de metros cúbicos de lama que vazaram correspondem a uma quantidade duas vezes e meia maior que o segundo pior acidente do gênero, ocorrido em 4 de agosto de 2014, na mina canadense de Mount Polley, na Colúmbia Britânica.

Desastres ambientais têm vida longa. Os impactos da poluição colossal, que abarca uma região de mais de 700 quilômetros de comprimento, poderão ser percebidos durante anos. O tempo previsto para a recuperação da bacia do Rio Doce, onde vivem aproximadamente três milhões de pessoas, deve durar algumas décadas.

Pesquisadores afirmam que tam­­bém é cedo para fazer uma previsão dos custos para a recuperação das estruturas urbanas e dos ecossistemas destruídos. No entanto, os valores devem ultrapassar a casa dos bilhões de reais.

Irreparáveis são as perdas humanas advindas do desastre. Dados oficiais falam em 11 mortos e 12 desaparecidos. Mais de 600 pessoas que moravam em Bento Rodrigues e outros distritos da região de Mariana ficaram desabrigadas.

Ao mesmo tempo em que prestamos solidariedade às vítimas da tragédia e buscamos alternativas que amenizem seus impactos imediatos, devemos refletir sobre a persistência no capitalismo pela exploração das riquezas naturais de forma desenfreada, sem pensar no ser humano e nos impactos ao meio ambiente.

As cinco multas preliminares aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à companhia totalizam cerca de R$ 250 milhões. A Justiça de Minas também bloqueou R$ 300 milhões da conta da mineradora, exclusivamente para a reparação dos danos às vítimas.

Um Termo de Compromisso Preliminar - entre a empresa e os ministérios públicos estadual e federal - garantiu R$ 1 bilhão para reparar os danos ambientais causados pela tragédia. Os recursos serão aplicados em -medidas preventivas emergenciais, mitigatórias, reparadoras ou compensatórias mínimas decorrentes do rompimento da barragem de rejeitos-. O acordo não impede ações futuras contra a companhia.

No último dia 18 de novembro, a Samarco foi novamente multada, desta vez pela Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais em mais de R$ 112,6 milhões pelos danos ambientais. Em 2014, a empresa obteve R$ 7,5 bilhões de faturamento e lucro líquido de R$ 2,8 bilhões.

Defendi no plenário da Câmara Federal, e reafirmo minha posição enquanto membro da Comissão Externa que acompanha os desdobramentos do desastre ambiental em Mariana, que todos os prejuízos dessa tragédia são de responsabilidade da empresa Samarco. É necessário apurar com clareza e exatidão os valores para reparar tanto os danos materiais, como os ambientais.

Em julho deste ano, a companhia petroleira britânica BP (British Petroleum) assinou um acordo com a justiça americana - que envolveu cinco estados e 400 governos locais - para pagar US$ 18,7 bilhões em indenizações pela maré negra que provocou no Golfo do México em 2010. O acordo foi considerado a maior indenização com uma empresa nos Estados Unidos.

Tragédias como a de Mariana evidenciam a opção das empresas mineradoras por projetos de barragens que privilegiam custos mais baixos em detrimento da segurança. Dados alarmantes divulgados pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) apontam que o estado de Minas Gerais possui atualmente 450 barragens de rejeitos, de mineração e de acúmulo de água. Deste total, 48 não têm estabilidade garantida pelo órgão.

Para especialistas, algumas mudanças técnicas podem garantir mais estabilidade aos projetos. Durante minha pesquisa, consultei geólogos e geotécnicos que sugerem o aumento do fator de segurança - relação entre as forças que dão resistência à barragem e as forças que tendem a rompê-la.

Atualmente, segundo norma técnica da ABNT, este coeficiente é de 1,5. A proposta de geólogos e geotécnicos é de que esse índice seja elevado para 2. Durante coletiva de imprensa realizada no último dia 17 de novembro, a Samarco admitiu o risco de novos rompimentos. Técnicos da empresa declararam que o fator de segurança na barragem de Santarém - parcialmente afetada durante o desastre - era de 1,37. Na terceira barragem da empresa, a de Germano, o dique Selinha apresentava índice de 1,22. Em ambos os casos o fator de segurança encontrava-se abaixo do mínimo previsto - o que é um sinal claro de perigo.

Mas a tragédia de Mariana não é um fato isolado. Nas últimas décadas foram registrados incidentes no Piauí (2009), na Paraíba (2004), em Rondônia (2008), no Pará (2009) e no Rio Grande do Sul (2010).

Minas é o estado com maior número de ocorrências nos últimos anos. Antes da tragédia do dia 5 de novembro, o último incidente havia ocorrido em setembro de 2014, com o rompimento da barragem de uma mina em Itabirito, no qual três operários morreram e cinco ficaram feridos.

Em janeiro de 2007, a barragem de rejeitos da mineradora Rio Pomba Cataguases rompeu e inundou as cidades de Miraí e Muriaé com mais de dois milhões de litros de lama de bauxita.

O rompimento de uma barragem de rejeitos industriais em Cataguases, em 29 de março de 2003, despejou cerca de 1,4 bilhão de litros de lixívia negra, resíduo da produção de celulose, contaminando o rio Paraíba do Sul e córregos próximos por 200 quilômetros, atingindo também o interior do Rio de Janeiro e deixando 600 mil pessoas sem água.

Em 2001, cinco operários morreram após rompimento de parte de uma barragem de contenção de minério em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte.

Segundo o jornal Estado de Minas, a cidade de Itabirito possui o registro mais antigo de incidentes. No ano de 1986, sete pessoas morreram no rompimento da barragem de rejeitos da Mina de Fernandinho, do grupo Itaminas.

Por uma legislação firme e rigorosa

Tragédias como essas apontam para a necessidade urgente de uma Legislação firme e rigorosa que redefina e indique parâmetros seguros para a atividade mineradora no Brasil. Infelizmente, o trabalho da comissão especial que analisa o Novo Código da Mineração, na Câmara Federal, tem sofrido forte influência e pressão de empresas nacionais e multinacionais.

Financiadoras de campanhas eleitorais em todo o país, tais empresas utilizam dezenas de parlamentares como porta-vozes e defensores de seus próprios interesses. Propostas como alterações nos percentuais cobrados de empresas que exploram minerais no país por meio da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) - que passaria de 2% para 4% -; a criação de uma agência reguladora para o setor, que teria como função fiscalizar o cumprimento das normas estabelecidas; a redefinição dos prazos máximos para as atividades de lavra e mudanças para que o valor das cobranças pela exploração passe a incidir sobre o faturamento bruto das empresas e não mais sobre o faturamento líquido, como ocorre na regra atual, estão sendo debatidas desde 2011 pelos membros da comissão.

Devemos lembrar que a Companhia Vale do Rio Doce, privatizada em 1997, pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso era um dos nossos maiores patrimônios públicos nacionais. A era FHC executou as maiores privatizações da história do Brasil.

Ao negociar o patrimônio público nacional, o governo tucano não apenas alienou os nossos inestimáveis recursos minerais. Mas também sobrepôs os interesses do capital internacional aos do Estado brasileiro, causando uma mácula em nossa soberania territorial e econômica.

Outra questão que inspira discussões é a cobrança dos -royalties do minério- - compensação financeira que as empresas devem pagar aos cofres públicos pela exploração de bens naturais. Assim como aconteceu com os royalties do petróleo, movimentos sociais e estudantis defendem a aplicação dos recursos advindos dos royalties da mineração na educação e na saúde.

Cerca de dois mil municípios brasileiros, entre os 5.565, desenvolvem atividades econômicas relacionadas à mineração. Levantamento do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) indica que, em 2013, o recolhimento de royalties na atividade de mineração atingiu o total de R$ 2,376 bilhões - valor 29,5% maior do que o arrecadado em 2012, R$ 1,834 bilhão.

A exploração de minério de ferro respondeu por 76% do montante arrecadado (1,815 bilhão), seguida pela exploração de cobre (R$ 96,2 milhões) e de ouro (R$ 55,1 milhões). Os estados com a maior arrecadação da Cfem foram Minas Gerais, com R$ 1,204 bilhão, e Pará, com R$ 804,2 milhões.

Enquanto nos deparamos com números que comprovam a importância econômica do setor na arrecadação de estados e municípios, nos confrontamos com a falência dos órgãos fiscalizadores em sustentar uma política preventiva que evite as tragédias. De acordo com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, o estado de Minas Gerais precisa dobrar o número de fiscais para vistoriar barragens. Em média, nos últimos quatro anos, cada barragem brasileira recebeu apenas uma única visita de fiscais federais, segundo dados do Ministério das Minas e Energia.

Apesar de serem, via de regra, resultantes de erros técnicos de projeto, execução ou de deficiências de manutenção, em geral os efeitos devastadores dos rompimentos de barragens acabam sendo arcados pela parte mais fraca, que é a população atingida e o meio ambiente.

Por todas as razões acima levantadas e para assegurar reparações financeiras, apenas cinco dias após a tragédia de Mariana apresentei, na Câmara Federal, o Projeto de Lei 3561/15, que propõe a obrigatoriedade da contratação de seguro contra o rompimento ou vazamento de barragens para cobertura de danos físicos, inclusive morte, e de prejuízos ao patrimônio público e privado e ao meio ambiente, das áreas urbanas e rurais.

O projeto também prevê a criação de comitês de manutenção, inspeção e segurança das barragens ou de comissões técnicas compatíveis com a complexidade de cada estrutura - responsável pela execução, elaboração de diretrizes, fiscalização e registro de todas as etapas de seu desenvolvimento.

Episódios catastróficos como o que vivenciamos em Mariana nos deixam lições importantes para o futuro. Devemos neste momento aproveitar a grande mobilização da sociedade civil organizada para realizar um debate profundo sobre a necessidade de novo marco regulatório da atividade mineradora no Brasil.

Precisamos enfrentar os interesses meramente eco­nô­micos que regem as grandes multinacionais que atuam em nosso território e assegurar para as futuras gerações de brasileiros um Novo Código da Mineração que, preserve esta importante atividade, mas que também garanta direitos, assegure royalties adequados e que, principalmente, traga segurança à nossa população, ao patrimônio público e privado e ao meio ambiente.

* Wadson Ribeiro é deputado federal e presidente estadual do PCdoB-Minas. Também integra a Comissão Externa que acompanha e monitora os desdobramentos do desastre ambiental ocorrido na região de Mariana

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