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Edição 139 > UNA LGBT quer conquistar consciências, não apenas direitos
UNA LGBT quer conquistar consciências, não apenas direitos
Diante de um cenário de recrudescimento conservador, a fundação da entidade nacional de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais soma-se aos atos de resistência, ressaltando ainda a defesa da democracia e do mandato legítimo da presidenta Dilma

Muita luta e frustração já foram enfrentadas pelo movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) brasileiro, desde suas primeiras atividades no final dos anos 1970. Quando o movimento parecia amadurecer para conquistas significativas, veio a aids e converteu os poucos militantes que atuavam em ativistas contra o avanço da doença. Nos anos 1990, o movimento retomou suas bandeiras lutando pela visibilidade desta população, e o tema da união civil foi se tornando um catalisador das atenções da sociedade no Congresso Nacional.
Em 1997, quando a Parada do Orgulho LGBT tomou uma faixa da Avenida Paulista, pela primeira vez, transformando-se em poucos anos na maior manifestação do tipo no mundo, reunindo milhões de pessoas, houve um divisor de águas que definiu a cara do movimento contemporâneo. Conforme as paradas se tornaram parte da paisagem nacional, a visibilidade deixou de ser uma questão, e a reação conservadora se construiu e apontou a militância LGBT como principal alvo de ataques.
Depois de 20 anos de paradas por todo o país, se, por um lado, o movimento amadureceu e conquistou espaços institucionais importantes, aquele frescor dos anos 1990 arrefeceu, e não faz frente à virulência dos setores religiosos que tentam impedir os avanços em relação a seus direitos, bem como o combate às chamadas LGBT fobias, ao ódio sistemático e irracional contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Surge agora uma luta por corações e mentes, que precisa fazer eclodir as bolhas corporativistas de ambos os lados para que seja conquistada a consciência nacional em favor da laicidade do Estado, um valor constitucional que protege a todos em suas crenças e valores morais. Uma luta desigual, em que o segmento que ameaça a laicidade com um arremedo teocrático de legislação conta com amplos recursos de comunicação e organicidade para difundir suas ideias.
É nesse contexto desanimador e apático que surge a União Nacional LGBT (UNA), uma novidade que movimenta e entusiasma a militância tradicional ao agregar e direcionar setores da juventude que esperam um foco distinto, mais mobilizador e com contornos socialistas e progressistas mais claros. Conforme o movimento crescia com paradas nas cidades mais remotas do país, a direita se apropriava de suas bandeiras, transformando a causa em eventos, formação de mercado consumidor e despolitizando a militância. Hoje, os mesmos partidos que abraçam personalidades notoriamente reconhecidas pelo conteúdo homofóbico, machista e racista de sua atuação política, são também os partidos que dizem ter um setorial -da diversidade-, de mulheres ou de negros. Muitos dos militantes desses partidos conservadores atuam em fóruns LGBT legítimos, criando contradições que reduzem a força da militância, cooptando quadros com cargos e verbas.
Para além dos vínculos partidários, a UNA pretende agregar um amplo espectro de militantes progressistas e de esquerda, em torno de uma luta que não se restrinja apenas ao âmbito das especificidades, mas que conscientize a população LGBT, principalmente para a defesa de bandeiras caras como a luta por direitos humanos, a defesa da democracia plena e o ideal de uma sociedade mais justa para todos, derrotando os preconceitos fundados na divisão de classes da sociedade capitalista.
A partir dessas premissas que nortearam o anúncio da fundação da entidade, cerca de 400 militantes de 20 estados, representando diversas entidades do movimento LGBT, se reuniram para eleger sua diretoria e defender bandeiras prioritárias, com foco na mobilização de rua. A noite de fundação, em 16 de outubro, na Assembleia Legislativa de São Paulo, conquistou uma conotação histórica quando jovens militantes socialistas e as lideranças mais experientes estiveram juntos com membros do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, lideranças comunistas das mais diversas entidades nacionais, como também por lideranças LGBT do mais diverso espectro partidário e ideológico para prestigiar a nova entidade do movimento social.
Os discursos enfatizaram o caráter amplo da entidade, inclusive no aspecto ideológico, quando pretende lutar pelas bandeiras específicas, sempre mostrando a importância da transformação estrutural para superação das discriminações estratificadas na sociedade capitalista. Também houve ênfase no modo como o consórcio golpista que tenta derrubar os governos populares à força usa a luta LGBT para atingir a presidenta Dilma e conquistar os setores mais conservadores da sociedade.
Ao final do sábado (17), depois de debates profundos foi eleita a nova diretoria, composta por gays, lésbicas, travestis, transexuais masculinos e femininos, e um estatuto foi aprovado. O militante LGBT, há 17 anos, Andrey Lemos foi conduzido à presidência da entidade. Na tarde do domingo (18), ocorreu o 1º encontro nacional LGBT da União da Juventude Socialista (UJS), em que foi encaminhado um calendário de lutas para 2016.
Andrey Lemos ressaltou que a entidade é um instrumento que nasce do desejo de socialistas, compreendendo que -opressões a LGBT não surgem de pessoas ou grupos, mas da estrutura social, assim como o racismo, o machismo e a misoginia-. -A UNA vem para se somar a outras redes, para enfrentar essa conjuntura de avanço gravíssimo do conservadorismo, o debate sobre gênero, a discussão da família e o reconhecimento das pessoas LGBT. Precisamos de um grande acúmulo de forças e instrumentos de mobilização popular para fazer esse enfrentamento da onda de ódio que persegue pessoas, invade terreiros religiosos, mata travestis e transexuais. Não basta garantir a legislação, mas a transformação e emancipação social-, discursou Lemos durante a abertura do seminário de lançamento da UNA.
Um dos idealizadores da UNA, Lemos considera que o momento atual requer cuidado e unidade das forças progressistas. -Estamos vivendo um momento do obscurantismo, onde há forças conservadoras, machistas e racistas, que se organizam para reagir contrariamente a uma série de avanços e conquistas no campo da democracia e dos direitos civis da população LGBT. Há um clima de ódio presente na sociedade; para cada conquista LGBT temos várias ações homofóbicas. Estamos vivendo um momento histórico e oportuno para ser lançado um novo instrumento de luta, para fortalecer a unidade de ação. A UNA tem o objetivo de unificar diferentes forças políticas, movimentos sociais, em uma só trincheira, onde tenhamos condições de combater as ameaças de retrocesso e opressões-.
Segundo Andrey, a luta emancipacionista e o direito à liberdade das diferentes identidades de gênero são o cerne da questão. -Temos muitas legislações, precisamos analisar de que forma as normativas se tornam realidade nos municípios. No interior do Brasil as travestis, transexuais, gays e lésbicas são assassinadas, violentadas e excluídas da sociedade-, afirma.
O militante Leonardo Lima, coordenador LGBT da UJS (União da Juventude Socialista), também ressaltou que a luta da UNA -deve alcançar voos maiores do que aquele pela conquista de direitos-. -Queremos conquistar a consciência da sociedade. Não são apenas os LGBT que têm que ter consciência de sua opressão, mas existe um arranjo amplo de mecanismos opressivos machistas, homofóbicos e racistas. Precisamos ter consciência desse modelo e lutar por uma nova sociedade. Essa união da vanguarda será muito vitoriosa, pois a juventude tem uma energia represada e propomos colocar o bloco na rua-, resumiu ele.
Toni Reis, secretário da ABGLT, associação brasileira que reúne 308 entidades filiadas, atento às movimentações obscurantistas no Congresso Nacional, convocou a resistência contra os retrocessos e -nenhum direito a menos-. -Não podemos permitir, como a presidenta Dilma disse, que moralistas sem moral venham dizer qual o tipo de família que pode ser reconhecida-, parafraseou. Após amplos avanços de direitos para a população LGBT, desde o governo Lula, lembrou ele, Reis disse que vivemos um momento de LGBTfobia sem precedentes no Congresso Nacional.
Reis considera um imenso retrocesso a retirada do termo -identidade de gênero- dos Planos Municipais de Educação. -Foi um Tsunami reacionário e fundamentalista em todo o país, transformaram a palavra gênero em um monstro que pega criancinhas-.
Luciana Santos, presidenta do PCdoB, destacou o modo como as campanhas eleitorais expressaram preconceitos de todos os tipos, contra a experiência dos últimos governos conquistados pelo povo brasileiro. -Estamos testemunhando o surgimento de uma agenda retrógrada que quer impor um modelo de amor e relação afetiva. Este é um país plural de grandes conquistas históricas com a construção de sua nacionalidade a ferro e fogo. Não vamos aceitar. Vamos reagir criando entidades como essa para lutar contra qualquer tipo de discriminação e lutar para criminalizar a homofobia, barrar o Estatuto da Família e defender a democracia e os votos depositados na urna pelo mandato de quatro anos de uma mulher. Não é à toa que está aqui boa parte do Comitê Central-, disse a dirigente comunista.
Para a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP), a militância comunista e a juventude da UJS tornam-se referência a partir da criação da UNA LGBT, num momento em que setores da sociedade lutam para impedir o avanço de direitos da população LGBT.
A vice-prefeita da cidade de São Paulo, Nádia Campeão, destacou a importância da Parada do Orgulho LGBT para a cidade de São Paulo, -por ter ensinado muito sobre diversidade, especialmente a seus governantes-. Ela lembrou que o trabalho da Prefeitura com essa população é um enfrentamento constante do conservadorismo da cidade. Também ressaltou que a UNA LGBT é importante neste momento para o debate, -não apenas pela luta específica, como pela atenção à conjuntura política em que o avanço conservador ataca os direitos LGBT, tanto quanto as conquistas de amplos setores da sociedade-.
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) chegou apressado para garantir em sua história a presença no surgimento de mais esta importante entidade da luta social, como quando esteve na fundação da Unegro, em Salvador. -A luta pelos direitos civis e contra todas as formas de LGBTfobia é parte da construção de uma nação plenamente livre-, enfatizou.
A deputada federal Ângela Albino, atual coordenadora nacional LGBT do PCdoB, afirmou que -não abrimos mão de fazer política com amor-. -Para nós revolucionários, não nos serve reivindicar direitos para LGBT, mulheres, negros, mas revolucionar o mundo. A UNA não é um gueto para entocar os LGBT socialistas, mas um espaço para dizermos que queremos um Brasil melhor, também na perspectiva LGBT, com desenvolvimento econômico e plena democracia para todos-, destacou ela.
A presidenta da UNE (União Nacional dos Estudantes), Karina Vitral, considerou aquele um dia simbólico para a luta LGBT no país. -Impossível não perceber que há muita ternura no movimento LGBT, pois se move na luta em defesa de todas as formas de amor, o que é muito forte e poderoso. A pauta das opressões também é parte da tentativa de golpe em andamento no Congresso Nacional, por isso é tão importante unificar todos os democratas que são contra o golpe, para combater esses retrocessos conservadores-, declarou.
A presidenta da UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), Barbara Melo, por sua vez, considera a data histórica para todo o movimento social brasileiro. -Esse espaço será fundamental para que possamos disputar opinião e virar a chave desse conservadorismo que tanto nos ataca-.
A cerimônia de fundação da UNA contou ainda com a presença do editor do Portal Vermelho, José Reinaldo de Carvalho; do presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro; do vice-presidente do PCdoB, Walter Sorrentino; da presidenta do PCdoB-RJ, Ana Rocha; do ex-coordenador de Políticas LGBT da Prefeitura de São Paulo, Julian Rodrigues; e do atual coordenador Alessandro Melquior; de Laércio Baluarte (PSB-LGBT); Kátia Souto (diretora de Gestão Participativa do Ministério da Saúde); ex-presidente da UNE, Virginia Barros; Claudia Viana (do grupo Movê-los-CE); Deco Ribeiro (Ejovens Campinas); Angela Meyer (UPES); Fábio de Jesus (Articulação Brasileira de Gays, Artgay); Gil Santos (Conselho Nacional de Combate à Discriminação de LGBT); Luciano Palhano (Instituto Brasileiro de Transmasculinidade); deputada federal, Jô Moraes (PCdoB-MG); Milena Passos, presidenta da Atras; Silvana Conti, da Liga Brasileira de Lésbicas; André Tokarski (secretário de Movimentos Sociais do PCdoB); Edson França (Unegro); Marcos Freire (Setorial LGBT do PT); Bárbara Melo (UBES); Rarikam Heven (UNE); Renan Alencar (UJS); Fernando Quaresma (presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo (APOGLBT); Liège Rocha (Secretária de Mulheres do PCdoB); Nivaldo Santana (vice-presidente da CTB e secretário Sindical do PCdoB); e André Pomba, do PV Diversidade.
Leia abaixo a íntegra da Carta de princípios da entidade:
O jornalista Cezar Xavier acompanhou a fundação da entidade na Assembleia Legislativa de São Paulo e seu encontro no auditório da Unip Vergueiro, entre 16 e 18 de outubro de 2015. Xavier também foi coordenador de comunicação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, entre 2006 e 2010, assim como pesquisou a história do Movimento LGBT e seus veículos de comunicação, desde o jornal Lampião da Esquina, surgido em abril de 1978.