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Economia

Edição 137 > Andanças do Capital Fictício

Andanças do Capital Fictício

Luiz Gonzaga Belluzzo*
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A elasticidade financeira alterou as regras do jogo da "competitividade global" ao definir as novas normas de governança das empresas e impor o poder dos acionistas aos administradores das empresas. As corporações ampliaram expressivamente a posse dos ativos financeiros não como reserva de capital para efetuar futuros investimentos fixos, mas como forma de alterar a estratégia de administração dos lucros acumulados e do endividamento

As lições hauridas das instabilidades dos anos 1920 e da depressão dos anos 30 do século passado ensinaram que não era sábio nem prudente deixar os -mercados de riqueza fictícia- entregues a seus próprios desígnios. A partir da catastrófica experiência da Grande Depressão, o capitalismo regulado do pós-guerra cuidou de introduzir os cuidados da -repressão financeira-. Neste regime, a regulação da finança estava voltada sobretudo para a atenuação da instabilidade dos mercados de avaliação da riqueza fictícia. Nesses mercados são transacionados e avaliados títulos de dívida privada e pública e ações das empresas, isto é, direitos de apropriação sobre a riqueza e a renda. Aí são formados, portanto, os preços dos ativos financeiros (a taxas de juro de mercado) que determinam as condições em que os bancos e demais instituições financeiras estão dispostos a ofertar crédito para um novo período de produção e de formação de capital.

Na era da repressão financeira, as políticas monetárias e de crédito eram orientadas no sentido de garantir condições favoráveis ao financiamento do gasto produtivo, público ou privado, e atenuar os efeitos dos episódios de valorização/desvalorização do capital fictício sobre as decisões de gasto corrente e de investimento da classe capitalista. Tratava-se de evitar ciclos de valorização excessiva e desvalorizações catastróficas dos estoques de riqueza financeira com efeitos danosos dobre o gasto, a produção o emprego e a massa salarial.

Hyman Minsky foi preciso ao afirmar que -a estrutura financeira criada no pós-guerra cortou a conexão entre a queda nos preços dos ativos e o default das dívidas, protegendo os bancos e outras instituições financeiras, assim como o maior peso do gasto público evitou a queda potencial dos lucros agregados-. Esta organização da finança, baseada na predominância do crédito bancário, tinha três características importantes:

1) As políticas monetárias e de crédito tinham objetivos nacionais, ou seja, estavam relacionadas com o desempenho da economia e das empresas localizadas no país; as taxas fixas (mas ajustáveis) de câmbio e as limitações aos movimentos internacionais de capitais de curto prazo impediam a transmissão de choques causadores de instabilidade às taxas de juros domésticas.

2) O caráter insular dos sistemas nacionais de crédito permitia a adoção, pelas autoridades monetárias, de normas de operação que definiam: a) segmentação e especialização das instituições financeiras; b) severos requisitos prudenciais e regulamentação estrita das operações; c) fixação de tetos para as taxas de captação e empréstimo; d) criação de linhas especiais de fomento.

3) Em contrapartida, a relação próxima entre os Bancos Centrais e os bancos privados correspondia a uma capacidade de resposta mais elástica às necessidades de liquidez corrente do sistema bancário.

O final dos anos 1960 e o início dos 1970 presenciaram o aparecimento dos primeiros sintomas de desorganização do arranjo -virtuoso- entre a repressão financeira e o desempenho da economia -real-. No que respeita aos sistemas monetários e financeiros, os fenômenos mais importantes na etapa de dissolução do consenso keynesiano foram, sem dúvida: 1) a subida do patamar inflacionário; 2) a criação do euromercado e das praças off-shore, estimuladas pelo -excesso- de dólares produzido pelo déficit crescente do balanço de pagamentos dos Estados Unidos e, posteriormente, pela reciclagem dos petrodólares; 3) a substituição das taxas fixas de câmbio por um -regime- de taxas flutuantes, a partir de 1973.

Os defensores das taxas flutuantes proclamavam perseguir um duplo objetivo: permitir um realinhamento das taxas de câmbio e dar maior liberdade às políticas monetárias domésticas. A fragilidade do arranjo monetário internacional culminou com a decisão americana de 1971: o governo Nixon decretou unilateralmente a inconversibilidade da moeda americana, até então fixada à razão de 35 dólares por onça troy de ouro.

Muitas são as interpretações acerca das causas que determinaram o ocaso desse estilo de governança que orientou as economias da Europa e dos Estados Unidos durante as duas primeiras décadas do pós-guerra. Do nosso ponto de vista, as práticas que sustentaram o longo período de crescimento - através de taxas elevadas de crescimento do investimento privado, do gasto público, da produtividade e dos salários reais, numa situação de pleno-emprego - foram sendo minadas pelo acirramento da concorrência intercapitalista, pelo agravamento do conflito distributivo e pela deterioração da posição do balanço de pagamentos dos Estados Unidos.

O chamado -consenso keynesiano- arrastou seu declínio na companhia da estagflação da década de 1970. Encerrou seu predomínio depois do choque provocado pela subida das taxas de juros americanas em outubro de 1979.

A crise de hegemonia do dólar e a estagflação foram enfrentadas com os princípios da -regulação neoliberal-. A -economia da oferta-, inovação teórica do conservadorismo dos anos 1970 nos Estados Unidos, sustentava que a insistência no estímulo fiscal associada à ação dos sindicatos deu origem simultaneamente à estagnação e à inflação, matrizes do desemprego em longo prazo. Por essas e outras, a -reestruturação conservadora- preconizava a redução de impostos para os ricos -poupadores- e a flexibilização dos mercados de trabalho. A curva de Laffer acusava os sistemas de tributação progressiva de desestimular a poupança e debilitar o impulso privado ao investimento, enquanto os sindicatos teimavam em prejudicar os trabalhadores ao pretender fixar a taxa de salário fora do preço de equilíbrio. Nos mercados de bens, a palavra de ordem era submeter as empresas à concorrência global, eliminando os resquícios de protecionismo e quaisquer políticas deliberadas de fomento industrial.

Submetidos à disciplina dos mercados - tão flexíveis quanto vigilantes -, os trabalhadores livres, empresas enxutas e governos austeros receberiam a recompensa do -gotejamento-: lucros estáveis, empregos de alta produtividade, salários reais crescentes, orçamento equilibrado, aliados à descompressão dos mercados financeiros, agora aliviados das forças de -expulsão- da demanda de financiamento privado pela sanha do endividamento público. Para os mercados financeiros os conservadores acenavam, portanto, com as maravilhas da desregulamentação e a eliminação das barreiras à entrada e saída de capital-dinheiro de modo que as taxas de juros pudessem exprimir, sem distorções, a oferta e a demanda de -poupança- nos espaços integrados da finança mundial.

As reformas deveriam ser levadas a cabo num ambiente macroeconômico em que a política fiscal estivesse encaminhada para uma situação de equilíbrio intertemporal sustentável e a política monetária controlada por um banco central independente. Estas condições macroeconômicas significam que as duas dimensões públicas das economias de mercado - a moeda e as finanças do Estado - devem ser administradas de forma a não perturbarem o funcionamento das forças que sempre reconduzem a economia privada ao equilíbrio de longo prazo.

O lero-lero do gotejamento não entregou o prometido. A prodigalidade de isenções e favores fiscais para as camadas endinheiradas fez pouco ou quase nada para elevar a taxa de investimento no território americano, mas suscitou o ingurgitamento da esfera financeira, a multiplicação de paraísos fiscais, a migração da grande empresa para as regiões de baixos salários, os sucessivos déficits fiscais e a ampliação do déficit em conta corrente.

A Dinâmica Financeira da Era Neoliberal

A regulamentação financeira da era neoliberal permitiu que fossem apagadas as fronteiras demarcadas depois da crise dos anos 1930 entre bancos comerciais, bancos de investimento, seguradoras e instituições de poupança (as savings and loans). Transformados agora em supermercados financeiros, os bancos cuidaram de avançar na -securitização- de créditos e se envolver no financiamento de posições nos mercados de capitais e em operações -fora do balanço- que envolvem derivativos. Isto foi acompanhado por uma espiral de alavancagem e crescente interpenetração de relações de débito e crédito na -cadeia alimentar- da finança.

O avanço dessas inter-relações foi respaldado pela expansão do mercado interbancário global e pelo aperfeiçoamento dos sistemas de pagamentos. Os bancos de investimento e os demais bancos sombra aproximaram-se das funções monetárias dos bancos comerciais, abastecendo seus passivos nos -mercados atacadistas de dinheiro- (wholesale money markets), amparados nas aplicações de curto prazo de empresas e famílias. Nos anos 2000 o endividamento entre as instituições financeiras (bancos comerciais, bancos de investimento, seguradoras, fundo de mútuos, fundos de pensão e fundos de hedge) cresceu mais rapidamente do que o endividamento das famílias e das empresas. Às vésperas da crise essa dívida intrafinanceira atingiu 120% do PIB nos Estados Unidos.

A elasticidade financeira alterou as regras do jogo da -competitividade global- ao definir as novas normas de governança das empresas e impor o poder dos acionistas aos administradores das empresas. As corporações ampliaram expressivamente a posse dos ativos financeiros não como reserva de capital para efetuar futuros investimentos fixos, mas como forma de alterar a estratégia de administração dos lucros acumulados e do endividamento.

O objetivo de maximizar a geração de caixa determinou o encurtamento do horizonte empresarial. A expectativa de variação dos preços dos ativos financeiros passou a exercer um papel muito relevante nas decisões das empresas. Os lucros financeiros superaram com folga os lucros operacionais. A gestão empresarial foi, assim, submetida aos ditames dos ganhos patrimoniais de curto prazo e a acumulação financeira impôs suas razões às decisões de investimento, aquelas geradoras de emprego e renda para a patuleia.

Movimentos de Capitais e Balanços de Pagamentos

O desenvolvimento e a configuração do ciclo de expansão que culminou na crise de 2008 foram amparados por um formidável rearranjo dos portfólios globais. O fluxo bruto de capitais privados moveu-se continuadamente da Europa e da Periferia para os Estados Unidos. A já mencionada interpenetração financeira suscitou a diversificação dos ativos à escala global e, assim, impôs a -internacionalização- das carteiras dos administradores da riqueza.

Os Estados Unidos, beneficiados pela capacidade de atração de seu mercado financeiro amplo e profundo, absorveram desde meados dos anos 1980 um volume de capitais externos que superou com sobras os déficits em conta corrente. Em tais condições, os Estados Unidos combinaram um crescente déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, um substancial superávit na conta de capitais e a tendência permanente à valorização do dólar. A elevada liquidez e a alta -elasticidade- dos mercados financeiros globais patrocinaram, assim, a exuberante expansão do crédito doméstico americano, a valorização exuberante dos imóveis e das bolsas de valores, o endividamento das famílias viciadas no hiperconsumo e a expansão do gasto privado acima do potencial produtivo da economia.

A enxurrada de capitais forâneos foi intermediada, sobretudo pelos bancos europeus que se entupiram de securities lastreadas em empréstimos hipotecários. O movimento vai dos fluxos brutos de capitais para a expansão do crédito aos consumidores americanos, cujo gasto gera o déficit em conta corrente. Isso significa que as mudanças nas relações de débito e crédito, e, portanto, nos patrimônios de bancos, empresas e famílias, foram muito mais intensas do que as refletidas no déficit em conta corrente.

No âmbito das novas relações -sino-americanas-, o circuito gasto-produção-renda-consumo pode ser apresentado da seguinte forma estilizada: fluxo bruto de capitais - expansão do crédito doméstico nos Estados Unidos - aceleração do gasto dos consumidores americanos - geração adicional de emprego e renda na China emergente - superávit comercial chinês amparado na exportação de manufaturas - acumulação de reservas (poupança financeira chinesa) - daí para o -financiamento final- do déficit americano em conta corrente.

A integração internacional das instituições de crédito foi decisiva para a crescente -apropriação- das decisões e da circulação de informações pelos senhores da finança global. Os mercados de capitais tornaram-se, ao mesmo tempo, mais poderosos na formação das decisões e, contrariamente ao que esperavam os apologetas, menos -eficientes- na definição dos critérios de avaliação do risco.

O movimento de capitais irrigou o mercado financeiro americano e permitiu a manutenção de baixas taxas de juros nos títulos de longo prazo. A oferta de fundos baratos foi importante para financiar a metástase produtiva da grande empresa americana, europeia e japonesa para o Pacífico dos pequenos tigres e novos dragões. As novas manufaturas são produzidas no espaço econômico construído pelos asiáticos em torno da -grande montadora chinesa-. A enorme reserva de mão de obra, o câmbio desvalorizado e abundância de investimento direto estrangeiro permitem à China estabelecer uma divisão do trabalho virtuosa com seus vizinhos.

Ao mesmo tempo, o deslocamento das filiais americanas, europeias e japonesas em busca do global-sourcing obriga a economia nacional americana a ampliar o seu grau de abertura comercial e a gerar um déficit comercial crescente. Torna-se incontornável acomodar a expansão manufatureira e comercial dos novos parceiros, produzida em grande parte, mas não exclusivamente, pelo deslocamento do grande capital americano na busca de maior competitividade. O desequilíbrio crônico dos saldos em conta corrente entre a China e os Estados Unidos não é, portanto, uma -anomalia- do modelo sino-americano, mas um fator constitutivo do dinamismo da economia global do Terceiro Milênio.

Epílogo

Sete anos depois do crash de 2008, os -mercados- se dedicam, mais uma vez, ao esporte radical de formação de novas bolhas. Na maré montante da liquidez abastecida pelo Federal Reserve e pelo Banco Central Europeu, as bolsas e os rendimentos nanicos dos bônus dos Tesouros dos Estados Unidos e da Alemanha fumegam os vapores que sopram às alturas os preços dos ativos. Nas horas vagas (nas outras também), as corporações financeiras e não financeiras se entregam à bulha da recompra das próprias ações e mandam bala na distribuição de dividendos com a grana do Federal Reserve.

Analistas do Office of Financial Research, órgão criado pela lei Dodd-Frank para soar o alarme dos desarranjos financeiros, já antecipam -correções- dos preços inflados. Diz o relatório apelidado Mercados Mercuriais (Quicksilver Markets): quem aposta na elevação do juro da senhora Janet Yellen deveria levar em conta os efeitos do Quantitative Easing sobre os mercados secundários de ações e títulos de dívida, os soberanos e os privados. O FMI e o BIS alertam para os riscos embutidos nas avaliações -altistas- dos bônus públicos e privados e, portanto, remunerados com rendimentos -anormalmente- reduzidos. Medida adequadamente, a relação preço/rendimento das ações e dos bônus tem cheiro de crash. A elevação brusca da taxa dos Federal Funds desataria um forte desvalorização do monumental estoque de ativos financeiros existentes.

Belluzzo é economista, professor aposentado da Unicamp e sócio-diretor da Facamp (Faculdades de Campinas).

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