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Cultura

Edição 137 > Duelo cultural no faroeste da Cracolândia

Duelo cultural no faroeste da Cracolândia

Cezar Xavier*
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O dramaturgo Paulo Faria explica as forças políticas e culturais em jogo na região da Luz, e mostra que é possível disputar com teatro, música e cinema a vitalidade de um dos bairros mais simbólicos de São Paulo

O comecinho de 2012 foi um doloroso parto de risco para a região da Luz, no centro de São Paulo. Mal haviam terminado os fogos do réveillon, e a polícia do governador Geraldo Alckmin (PSDB) já preparava mais uma -Operação Sufoco-, como eles chamam os ataques a usuários de drogas que se concentram naquela região. O objetivo, segundo os próprios agentes de segurança, é causar -dor e sofrimento- aos usuários para -impulsioná-los- a desocupar a região. E assim é.

Naquele início de janeiro, cerca de quinhentas pessoas nos limites de suas forças e dependência química são acordadas na madrugada com bombas, tiros de borracha, cavalaria e cassetetes, sem motivo aparente, senão espantá-los e obrigá-los a andar de um lado a outro sem rumo. Mais uma ação espetacular da polícia filmada para mostrar como se trata os -noias-. Não apenas os agentes de saúde que atendem à multidão, mas até os -crentes- da Cristolândia, ligados a um projeto evangélico de atenção aos usuários, são surpreendidos no meio das agressões e prisões generalizadas. Essa tem sido a rotina por ali, há sabe-se lá quanto tempo...

Passados os fogos de artifício, o contingente de usuários já está acampado em outra esquina do bairro, aquela da Rua do Triunfo com a Rua dos Gusmões. É nessa trincheira de feridos, ainda fedendo a gás lacrimogênio, que a trupe teatral Cia. Pessoal do Faroeste chega ao local para assumir sua nova sede, naquele canto abarrotado de gente tratando suas cicatrizes reabertas.

-Pra gente, foi assustador! Na nossa porta tinha 200 usuários com os quais a gente teve que dialogar. Durou um ano pra mudar a realidade da porta, porque envolvia a polícia, a milícia... Não eram só os usuários. A gente estava em cartaz com o espetáculo Cine Camaleão - A Boca do Lixo, que lotava. E, naturalmente, o fluxo foi voltando pra onde eles queriam ficar, de onde foram expulsos, a Alameda Glete-. Assim relata Paulo Faria, o dramaturgo e idealizador da trupe, aqueles momentos que engendraram como viria a se configurar a trajetória do Pessoal do Faroeste.

Descruzando os braços

Desde então, a companhia teatral se tornou uma -intervenção- na região da Luz, com ações diversas, que dialogam com a história do bairro Campos Elíseos. Num contraste flagrante com a falta de políticas públicas que vigora há décadas, ali eles buscam resgatar o humano e suas fragilidades, enquanto a marcha especulativa e devastadora dos empreendimentos imobiliários avança com tratores e patrolas sobre os moradores e suas casas.

Recentemente, uma lanterna se acendeu naquelas ruas desérticas e apinhadas de gente sem perspectiva. O programa Braços Abertos, do prefeito Fernando Haddad (PT), tenta firmar seus resultados na redução de danos, confrontando-se com as ações policiais do governo do estado, aplaudidas por grande parcela da população que não vislumbra esperança para aquela gente.

Cada cidadão que reduz o consumo de crack para poder trabalhar e recomeçar a vida fora da rua é comemorado pelos assistentes sociais do Braços Abertos, em sua atuação invisível de formiguinhas. Paradoxalmente, continuam as intermináveis operações policiais que movem o fluxo de usuários de um lado para outro, como quem seca gelo, ganhando as massas com sua aparência sanitarista e punitiva.

Além das ações policiais, as políticas públicas do governo do estado restringem-se a inaugurar equipamentos públicos de luxo, como a Sala São Paulo, uma das melhores salas de concertos do mundo, cercada de viaturas policiais, enquanto os assinantes da temporada da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo chegam com seus carros blindados, sem interagir com o entorno. Frequentemente, o belíssimo totem da antiga estação ferroviária também é alugado para eventos elitizados, como o aniversário do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Far West era o vasto e distante lado ocidental dos Estados Unidos da América, para onde iam os peregrinos mais corajosos enfrentar índios, e colonizar a terra. Rebatizadas de Cracolândia pela ocupação de dependentes de crack, grandes áreas dos Campos Elíseos são esse lugar -remoto- da cidade para onde ninguém deveria querer ir. Mesmo ficando no centro histórico da cidade e tendo sido uma imitação dos Champs Elyseés parisienses, no início do século XX, quando a elite paulistana morava em seus palacetes.

É para esse far west simbólico que foi a companhia teatral de Paulo Faria. É nesse lugar marcado por transformações violentas que se confrontam, em duelo, políticas públicas progressistas e reacionárias para lidar com a população local. Em meio a essa dualidade de projetos governamentais, o Pessoal do Faroeste se alia às práticas inclusivas, que buscam entender a presença humana na Luz, e não mandá-la para debaixo do tapete.

Drama familiar e a saga de Santo Cristo

Paulo Faria veio de Belém, no início dos anos 1990, onde estudava Letras na UFPA. Seu interesse por São Paulo já existia desde criança, quando acompanhava o trabalho do irmão, Lúcio Flávio Pinto, correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, na Amazônia. Mas a trajetória de perseguições políticas à sua família também marca sua carreira teatral. -Sou filho de um pai cassado, em 1968, prefeito de Santarém. Meu irmão vive sob ameaça com mais de 20 processos judiciais em retaliação por artigos que ele não deveria publicar-. Fazer teatro e mudar-se para São Paulo teria sido um ponto de fuga do jornalismo e da política, o caminho natural em sua família.

-Jamais imaginei que ia fazer teatro, hoje, nesta região da Luz. Com uma companhia que faz 18 anos, trabalhando com questões vistas como mazelas-. Antes disso, ele fez teatro comercial, trabalhou com produção de elenco em TV e cinema, produziu para o Oficina e o Teatro da Vertigem, dentre outras funções que o moldaram para comandar uma companhia.

Em meados dos anos 1990, a montagem e estreia de Um Certo Faroeste Caboclo, baseada na música da Legião Urbana, coincide com a morte de Renato Russo e a cobrança de multa para o espólio familiar, que o proibia de encenar a peça. Isso tudo contribuiu para uma mídia espontânea que alavancou a peça. Assessorados pelo advogado em vida de Renato Russo, o José Carlos, especialista em direitos autorais, a companhia ganhou o processo e ganhou inúmeros prêmios. -Isso fez a gente ganhar o nome de Pessoal do Faroeste, que era como as pessoas se referiam a nós.-

Colapso programado de uma geografia

O Pessoal do Faroeste militou contra os projetos para a região, em especial o Nova Luz, que vinha implodindo e apagando o passado do bairro. A proposta do projeto era expulsar a população local, por meio de indenizações, e atrair investimentos de grandes empresas. Com isso, o bairro viraria um deserto de terrenos para a construção de edifícios envidraçados.

Quase a sua frente fica a Secretaria Estadual de Cultura que, na opinião de Faria, não propõe nenhum diálogo com a história e a população local. Ao contrário, não reconhece a cultura popular local, nem a Boca do Lixo, polo cinematográfico surgido no início do século XX, que produziu até os anos 1970.

-Era para ela dialogar com toda a diversidade desse lugar, seja com os bolivianos, os nigerianos, toda essa diversidade migratória que chega-. Em vez disso, foca apenas em grandes equipamentos como o Museu da Língua Portuguesa e a Cinemateca, que cumprem um papel importante para a cidade, mas não dialogam com o público local. Faria questiona o fato de o Memorial da Resistência ter vedado todas as janelas do prédio impedindo a vista do entorno como um contrassenso.

-Nós testemunhamos a derrubada da antiga rodoviária, para construção de uma escola de dança, em que se investiu R$ 200 milhões-, lamenta Faria. Depois da destruição e alarde do projeto luxuoso, com contratação de arquiteto estrangeiro, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) veio a público dizer que não ia continuar o projeto, -porque aquilo não era a cara do povo-.

-Não é verdade! Ele não continuou porque foi superfaturado, não continuou porque o Ministério Público fechou, e também não era a cara do povo da região-, afirma ele, lamentando a destruição da rodoviária, considerada um exemplo de arquitetura pop art em catálogos internacionais. -Fora que ela trazia um imaginário nordestino muito forte, porque todos os imigrantes chegaram por essa rodoviária-.

Degradar para destruir, expulsar para -revitalizar-

Faria diz que foi o governo de São Paulo que forjou o nome Cracolândia, para sair em manchetes de jornal. -Para que não houvesse sentimento de pertencimento entre os moradores e a região, e para alavancar o projeto Nova Luz. Ninguém se identifica com uma região que é chamada de Cracolândia. Então, se ninguém se identifica, derruba!-

O dramaturgo conta que o governo conseguiu derrubar todos os prédios, até chegar à Rua Santa Efigênia, que reagiu. Ali, onde as multidões acorrem para comprar produtos eletrônicos, o sentimento de pertencimento ao bairro foi testado.

-É um erro falar em revitalização dessa área-. A definição para revitalização é trazer vida onde não tem, ou trazer uma outra vida. -Vida sempre existiu ali. Mas são vidas que o governo não quer que tenha aqui: pobres, negros, usuários de drogas, prostitutas-. Faria lembra que é dentro dessa lógica autoritária e excludente que surge a proposta de internação compulsória dos usuários, que também sofreu forte resistência de organizações de saúde mental.

-É a primeira vez que uma gestão, como a do Haddad, vem dialogar com a região como ela é, ao criar o Braços Abertos, do qual a companhia se tornou curadora lá no fluxo de usuários-, diz ele, sobre o projeto de redução de danos que visa a oferecer trabalho para afastar os usuários do fluxo e possibilitar um recomeço com moradia subsidiada.

Intervenção do estado e da prefeitura

A única ação concreta do governo estadual, segundo Faria, é a polícia na rua. Uma polícia que não protege o morador, apenas o turista, massacrando usuários de drogas, prostitutas e pobres. Faria afirma que o público que vai assistir aos espetáculos nunca sofreu ato de violência. -Pode parar na rua que é tranquilo e os carros nunca sequer foram riscados. Já aconteceu de a gente ir buscar público que estava com medo na saída do metrô-, conta ele.

Enquanto a Secretaria Estadual de Cultura, sediada ali na região da Luz, finge-se de morta, a Secretaria Municipal atendeu a um pleito do Pessoal do Faroeste, segundo informa Faria, de instalar a SP Cine na Rua do Triunfo, para trazer de volta a produção de cinema.

Com isso, a gestão Haddad tenta construir uma política pública para a região. Instalou um palco da Virada Cultural em pleno fluxo da Cracolândia incluindo os usuários como protagonistas; implementou o Corredor Cultural que vai da Paulista até a região da Luz; requalifica praças com brinquedos, decks, e bancos que incluem o morador de rua para dormir à noite; ou ainda as ciclovias que possibilitaram ao público chegar de bicicleta ao teatro.

-Essa região é magnífica e a Prefeitura entende essa vocação, olha nos olhos desse patrimônio imaterial que evoca e desperta na gente, como artista, querer trabalhar com ele. Não consigo entender por que o governo estadual não compreende essa dimensão-.

A vida está nas pequenas intervenções

Faria lembra que, raramente, a classe média paulistana elege governos progressistas, como ocorre com o estado, há vinte anos sob o mesmo comando político. -A gente acredita que essa classe média tem que vir aqui para ter acesso a esse tipo de informação-, afirma. -A gente tem que humanizar essa população para que ela faça parte dessa construção. O espetáculo quer revelar uma cidade, quer criar um sentimento de pertencimento-.

Faria levanta a hipótese de uma prefeitura conservadora, imaginando o beco sem saída em que estaria a Companhia diante do projeto Nova Luz, atualmente engavetado. -Se esta região estava doente, sem um destino político de ações e políticas públicas, ela hoje se encontra fora da UTI, mas ainda fragilizada, como a cidade-.

Além do teatro, e da requalificação do Largo General Ozório, a rua se completa com a Residência Cultural Amarelinho da Luz, colada ao Pessoal do Faroeste. O dono do prédio da esquina viu a ação da companhia e fez um combinado, ocupando o prédio com sete coletivos de teatro, cinema e artes plásticas.

O samba também tem sua história na Rua do Triunfo, mostrada no musical Luz Negra. Por isso, existe uma animada roda de samba aos sábados, no Amarelinho, que atrai público de toda a cidade. -A gente recuperou essa história do samba nessa esquina, que tem um valor imaterial, onde está o encontro do samba com o cinema-.

A peça Homem Não Entra foi um estudo sobre a prostituição, que acabou aproximando-os de Gabriela Leite, liderança nacional, que faleceu um ano depois do projeto. Hoje, a Daspu, Ong de defesa dos direitos das prostitutas fundada por Gabriela, também ocupa o Amarelinho da Luz. O Pessoal do Faroeste participou da realização do Puta Day, que ocorre em várias cidades do país. -É uma forma de discutir a regulamentação, criar uma liderança e discutir saúde-.

O Cordão do Triunfo é outra iniciativa do Pessoal do Faroeste, há três anos. Um bloco de carnaval como forma de ir para a rua num contato imediato com a população local. Tem dependentes químicos tocando na bateria, com a participação oficial de estudantes de universidades, como a Escola de Comunicação da Universidade Metodista de São Bernardo do Campo ou a Faculdade de Medicina da USP. -Os parceiros aumentam a cada ano, aumentando o bloco com receptividade total do bairro-.

Carta de amor à Luz

Numa aproximação com o SESC, o Pessoal do Faroeste realizou um projeto de intervenção, no final de 2013, a partir de cartas de amor da cidade para aquela região. Seu primeiro trabalho com contemporaneidade gerou oficinas de gastronomia e de figurinos, ciclo de palestras e um espetáculo em videomapping, teatro e música, em frente ao Memorial da Resistência, para descomemorar os 50 anos da ditadura. O projeto discutia imigração, usuários de drogas, prostitutas.

-Foi muito bacana, porque a gente criou um nicho para os usuários assistirem, onde eles poderiam fumar se quisessem, com presença da Defensoria Pública, exatamente para não entrar no meio da população e evitar conflitos-, conta ele. Os moradores de ocupações desceram para assistir ao espetáculo e se reconhecer. -Foi bem no início em que a gente veio pra cá, então, isso nos deu muita força-.

De acordo com Faria, o espetáculo ocupou o Memorial da Resistência de outra forma, como se tivesse lavado sua fachada hermética com arte, para demonstrar ao governo que é possível atuar do lado de fora. -Não precisam ficar fechados nesses grandes equipamentos. Podem atuar do lado de fora que a população vai se reconhecer, vai participar e vai cuidar-.

AS MONTAGENS

Um infeliz que vendia jornal para os Mesquita

A chegada à Luz, em 2002, começou por Re-Bentos, um dia na vida de um cortiço. -Queríamos entender por que pretos e pobres ocupavam os casarões de brancos e ricos do início do século XX-. Depois, essa trilogia virou um estudo sobre a eugenia na administração pública, principalmente do governo de São Paulo. A eugenia seleciona o que considera fatores raciais positivos para a hereditariedade.

Os crimes do Preto Amaral foi o resultado mais bem acabado desses estudos. O personagem é real e está no Museu do Crime de São Paulo como -o primeiro serial killer do Brasil-. Em 1927, ele foi acusado, baseado em estudos de eugenia. -Não podemos esquecer de quem estava à frente disso: a família Oscar Freire, o Doutor Arnaldo, os Mesquita-, ressalta Faria. Augusto Amaral é acusado de matar cinco jovens para necrofilia, ou seja, morte seguida de sexo. O suspeito morre sob tortura, as provas são todas manipuladas, o jornal vende como nunca antes, e não houve julgamento.

A partir disso, o Pessoal do Faroeste constrói o julgamento do Preto Amaral no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, em parceria com a Defensoria Pública, Ouvidoria e Escola de Defensores. Um julgamento real envolvendo os alunos, considerado por Faria um dos momentos mais emocionantes de sua carreira. No julgamento simbólico, ele foi absolvido por 250 contra 70 votos. -É a primeira vez que a ficção muda a história-, entusiasma-se.

Para fechar a trilogia, Labirinto Reencarnado estuda a eugenia na Segunda Guerra Mundial, em 1942, na época em que São Paulo está erguendo todos os seus prédios, e começam a chegar os nordestinos.

Da Cracolândia à Cinelândia

Assim, as peças vão se sucedendo, contando a história de São Paulo, mas sem perder o senso de entretenimento. Depois da Trilogia Degenerada, veio a Trilogia Boca do Lixo, com Cine Camaleão, sobre a pornochanchada em 1978; ou Homem Não Entra, único faroeste teatral.

-A gente está na rua que a gente conta. O público entra aqui com medo pela região e sai sabedor e conhecedor de toda uma história que ele desconhecia-, explica. Para Faria, parcerias como a que mantém com a atriz Mel Lisboa e o ingresso -Pague Quanto Puder- ajudam a formar um público muito heterogêneo.

A peça Cine Camaleão é mais um divertido estudo teatral sobre a contribuição daquela região para a cultura nacional. A Rua do Triunfo, Rua do Lixo ou Boca do Lixo, como ficou conhecida internacionalmente, tinha como uma de suas qualidades de produção a diversidade, diz Faria. -Era uma rua de gêneros, como na Índia, a Bollywood; com o kung fu, o drama histórico, o faroeste, e a pornochanchada que acabou engolindo todos os gêneros-.

Como dramaturgo, Faria afirma se interessar pelo estudo dos gêneros. -A gente começou com o melodrama, o Faroeste Caboclo-, define ele, lembrando que havia inúmeros subgêneros produzidos na Boca do Lixo, como o faroeste feijoada, que produziu filmes por 30 anos, em paralelo ao western spaghetti que se fazia na Itália.

Essa preocupação tem aproximado a companhia do público, de acordo com ele. Como as peças carregam temas históricos e políticos, uma forma de criar empatia é trazer principalmente a novela para dentro da dramaturgia. -A companhia sempre trabalhou contra essa corrente do teatro atual, em São Paulo, que trabalha com o pós--dramático. O gênero é fundamental para que a história tenha começo, meio e fim, interesse ao público, para que saia daqui contando a historinha que ele viu. No centro da nossa historinha está a cidade de São Paulo-.

Faroeste feminino, negritude e samba

O faroeste Homem Não Entra é um estudo sobre o dia 30 de dezembro de 1953, quando Jânio Quadros se articula ao governo do estado para a expulsão das prostitutas da Zona de Confinamento. As prostitutas vinham avançando em políticas de saúde, de regulamentação da prostituição, porque estavam próximas e conseguiam se articular, até sua dispersão e expulsão para a Rua do Triunfo. O título da peça remete às placas que o governo colocou em todos os estabelecimentos de sexo para impedir que as prostitutas pudessem trabalhar.

O trabalho mais recente, o musical Luz Negra resgata o surgimento da Frente Negra na década de 1930 e a vinda das distribuidoras americanas de cinema para a rua. A atuação da Frente Negra, entre 1931 e 1937, foi uma associação que depois virou partido.

-A Frente Negra era formada por uma elite que tinha rádio e jornal, que discutia a presença do negro na vida pública e na cidade de São Paulo-. Com a ditadura do Estado Novo, extingue-se esta experiência política que envolvia personagens como Luís Gama e Abdias do Nascimento.

Boca do Lixo way of life

Além de teatro, o Pessoal do Faroeste é uma produtora de cinema com quatro documentários. Luz Negra, além de uma peça de teatro, também é um filme que se prepara para estrear. Segundo ele, o modelo de produção da Boca do Lixo era rápido e barato, garantindo um padrão de qualidade que eles estão adotando.

-Aqui, a gente tem uma forma única de fazer cinema, que é referência no mundo todo-, ressalta ele, citando o interesse dos cineastas Pedro Almodóvar e Quentin Tarantino pelo trabalho da Companhia. -Por que esses caras sabem da Boca, e o Brasil e São Paulo não conhecem a importância dessa rua para o cinema--

A Boca do Lixo é uma marca, defende ele, lembrando que houve uma época em que queriam mudar para Boca do Cinema Paulistano. -Não é! Ainda mais se a gente pensar o lixo, hoje. É como a gente pensar o Brasil miscigenado, quando queríamos ser brancos, e hoje entender que a miscigenação é a melhor coisa que temos-.

Até a distribuição do produto era uma experiência da Boca, pois existiam as grandes salas da São João, que eram alugadas para exibição. -Em um mês estava tudo pago, investindo em outro filme sem nenhum dinheiro público-, explica ele, acrescentando que os intelectuais do Cinema Novo, e suas verbas da Embrafilme, sempre desqualificaram a produção da Boca. A crítica sempre rejeitou esses filmes, por isso, hoje, de 30 anos de produção de faroestes, são conhecidos menos de 20 filmes.

O dramaturgo Paulo Faria foi entrevistado pelo editor-executivo do Portal Grabois e colaborador de Princípios, o jornalista Cezar Xavier, no dia 27 de abril de 2015, na sede da Cia. Pessoal do Faroeste

 

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