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Edição 137 > A coragem de lutar pela nossa juventude

A coragem de lutar pela nossa juventude

Vanessa Grazziotin
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O debate que temos enfrentado no Congresso acerca da redução da maioridade penal é eivado de emoção. Assistimos a depoimentos de vítimas da violência urbana e de seus familiares que contribuem para dar-lhe emoção. Há uma tentativa de nublar o real combate à violência com a fórmula simplista da redução da maioridade

A construção de argumentos contaminados pela emoção e que fujam do centro do debate pode gerar soluções jurídicas incompletas, falhas e muitas vezes inconstitucionais. E mais do que isso, medidas que não trazem mais segurança ou outros avanços para nossa sociedade. Longe disso, podem sim produzir mais injustiça. Temos clara a necessidade de que o combate à impunidade é essencial. Estudos internacionais mostram que a violência é fruto de vários fatores e que a certeza da punição é mais eficaz no seu combate do que apenas a intensidade das penas. Mas em uma questão desta magnitude e complexidade, não são suficientes apenas argumentos retóricos. É necessário se debruçar e se aprofundar neste debate. A argumentação de que a atual formatação jurídica sobre a maioridade produz impunidade não se sustenta. Hoje, a partir dos 12 anos, todos os adolescentes são responsabilizados por atos cometidos contra a lei.

Essa responsabilização está amparada no Estatuto da Criança e do Adolescente e é sustentada na concepção de que é necessário ajudar o menor infrator a se recuperar e recomeçar a vida adulta longe da situação de vulnerabilidade. Nosso sistema penal se baseia, pelo menos em tese, na busca da recuperação. A transformação da punição em vingança não encontra amparo em nosso escopo jurídico. A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro às crianças e adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal doutrina exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediante a operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa. A imposição de medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente. Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentado em sua maturidade psíquica. Hoje, o ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Evidente que nossa legislação tem que ser permanentemente adequada às novas situações que surgem trazidas pelas mudanças sociais. Foi dentro deste espírito que avançamos no combate aos crimes na internet. Mas o debate levado a cabo pelos setores mais conservadores sobre a atualidade do ECA e a sua eficácia no combate à criminalidade não busca “adaptá-lo” à realidade. Busca pura e simplesmente alterar nossa legislação para satisfazer anseios de vingança. Estudos recentes demonstram que não há rela- ção direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência. O que se observa é que as políticas e ações de natureza social desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade. Um estudo do UNICEF acerca da experiência dos EUA é impactante. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciá- rias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência. Ficou comprovado que a aposta na teoria da vingança piora ainda mais os índices de violência. No Brasil, onde nosso sistema penitenciário não oferta quase nenhuma chance de ressocialização, os números também nos permitem chegar a esta conclusão. Temos a 4ª maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só ficamos atrás em número de presos aos Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil), sem que isso reflita diretamente nos índices de violência. Isso nos permite questionar se o ingresso de nossos jovens na população carcerária ajuda a combater a violência. O ingresso antecipado no sistema penal brasileiro irá expor nossos jovens a mecanismos e comportamentos reprodutores da violência, aumentando muito as estatísticas de reincidência, que atualmente giram abaixo de 20%. Outro argumento corrente é de que estamos na contramão da tendência mundial. Nada mais distante da realidade: são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto. Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos. Segundo a ONU, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar.

Essa fixação majoritária decorre das recomenda- ções internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Estamos na contramão, isso sim, da proteção aos nossos jovens. Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram absurdamente nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. Neste período, mais de 176 mil foram mortos e, só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinados, uma impressionante média de 24 homicídios por dia. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil ocupa a 4ª posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes – número de 50 a 150 vezes maior que paí- ses como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e Egito. Se compararmos estes números com o de infratores o quadro fica mais claro: Até junho de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O nú- mero, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos. Ou seja, nossos jovens são as principais vítimas e não os principais autores da violência. As políticas vingancistas pregadas pelos setores mais atrasados do país podem sim amplificar o quadro de violência e exclusão. Alguns militantes dos movimentos sociais defendem que a defesa do “vingancismo” não é ingênua. Ela se retroalimenta da violência que patrocina, pois parte do medo para construir uma situação onde ele cresça ainda mais. Esta não é uma novidade histórica. Períodos plúmbeos da história humana como o nazismo e o fascismo também se alimentaram do medo, do preconceito e da insegurança. O combate efetivo à violência passa pela supera- ção da desigualdade. As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de se romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência. A redução da maioridade é a solução para os que não querem enfrentar a desigualdade, a impunidade, a ineficiência e o desaparelhamento das polícias, a falta de políticas reais de reinserção. A redução da maioridade vai contra a Constituição Federal Brasileira que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes; vai contra a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro que exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada às políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa; vai contra parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas, abaixo dos dezoito anos, autoras de infrações penais; vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Crian- ça compromissos assinados pelo Brasil. Em suma, representa a covardia em um debate com esta importância. É fácil e cômodo trancafiar cada vez mais gente em campos de concentração travestidos de presídios. É fácil vociferar em tribunas e em programas policialescos. Difícil é enfrentar a realidade em toda a sua plenitude e complexidade, esta é a opção dos que têm responsabilidade com a juventude e com o país. Esta é a nossa opção. * Vanessa Grazziotin é farmacêutica, senadora, Procuradora da Mulher do Senado e líder do PCdoB no Senado.

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