Capa
Edição 137 > Entrevista com Jandira Feghali: “A luta contra a redução da maioridade se mantém viva”
Entrevista com Jandira Feghali: “A luta contra a redução da maioridade se mantém viva”
Deputada e líder do PCdoB, Jandira relata como tem sido a batalha contra a redução da maioridade no Congresso Nacional

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) vem sendo uma das mais importantes vozes do parlamento brasileiro na luta contra a redução da maioridade penal. Líder da bancada de deputados do Partido Comunista do Brasil, Jandira tem uma história política marcada pela defesa de pautas ligadas aos direitos humanos. Seus discursos e posicionamentos no debate da maioridade penal foram merecedores de aplausos e têm repercutido amplamente nas redes sociais. Em entrevista (por email) para Princípios, a deputada relata como tem sido a batalha contra a redução da maioridade penal no Congresso Nacional. O tema passou a ser assunto destacado entre os parlamentares desde que o atual presidente da Câ- mara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desenterrou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993.
De autoria do ex-deputado Benedito Domingos (PP-DF), essa PEC é a mais antiga a tramitar no parlamento para tratar da diminuição da maioridade penal no Brasil. Ela propõe a redução da maioridade de 18 para 16 anos de idade e, dentre os “fundamentos” da proposta, há trechos da Bíblia e frases baseadas no senso comum e na visão estreita de que a repressão é a melhor solução para se combater a violência juvenil. Não é à toa que a proposta tem amplo apoio da chamada bancada BBB (Boi, bíblia e bala). Como se trata de uma emenda constitucional, a proposta precisa ser aprovada por pelo menos 308 deputados em duas votações na Câmara, e depois em mais duas votações no Senado. No último dia 30 de junho, o projeto foi à votação pela primeira vez e não atingiu o número suficiente de votos. Em uma decisão apertada, 303 deputados votaram favoravelmente à proposta, 184 contra e 3 se abstiveram. Inconformado com a derrota, o presidente da Câmara,em menos de 24 horas, colocou o tema novamente em votação. Com enorme pressão e ameaças a vários deputados, essa segunda votação alcançou 323 votos favoráveis à PEC. Para a deputada Jandira Feghali, tratou-se de uma ilegalidade que feriu o regimento da Casa e a própria Constituição. Foi uma manobra “clara e cristalina, através de uma emenda aglutinativa sem base regimental. Também é preciso salientar que furaram a Constituição, no artigo 6º, parágrafo 5º, ao colocar em pauta matéria já apreciada. Resultado da promiscuidade no trato da política”, afirma a deputada. No dia da segunda votação, Jandira subiu à tribuna para protestar contra essa manobra. “Nós falamos muito a palavra crime. Em minha opinião, crime nós estamos cometendo contra a Constituição brasileira, contra a democracia neste Parlamento, nas relações de Maioria e Minoria, e contra o processo legislativo da Casa. Nós sabemos que este debate, construído da forma que foi, vai parar na barra dos tribunais. Nós sabemos também que uma grande parcela da juventude brasileira, tão falada em prosa e verso, está sendo assassinada à bala neste país. Nós sabemos que muitos dados que aqui foram divulgados não são verdadeiros”, criticou Jandira. Para Jandira, a saída para essa questão regimental e constitucional é o Supremo Tribunal Federal, “porque, primeiro, na análise de muitos juristas, inclusive de alguns ministros, essa decisão invadiu uma cláusula pétrea, e segundo porque houve a tal manobra. O STF aguarda a votação do segundo turno, em agosto, para avaliar o mérito desta matéria”. Apesar do revés desta primeira etapa de vota- ção do tema na Câmara, Jandira acredita que – com apoio das entidades estudantis, de movimentos sociais, igrejas, intelectualidade progressista, setores do Judiciário e vários outros segmentos organizados da sociedade – ainda é possível derrotar a proposta de redução nas próximas votações. “A sociedade tem papel decisivo na tentativa de recuperar os votos necessários para rejeitar a proposta” de redução da maioridade” (...) “O segundo turno na Câmara será em agosto, o que nos dá um tempo para ampliar os apoios. A luta se mantém viva aqui dentro”, diz.
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista com a deputada Jandira Feghali. Princípios: Quais fatores a senhora avalia terem sido decisivos para que 323 deputados aderissem à PEC 171 que propõe a redução da maioridade- Jandira Feghali: É preciso analisar profundamente a relação do Parlamento com a sociedade, onde ocorre atualmente uma alta desinformação sobre o que é punir criança e adolescente no Brasil, principalmente no que tange à responsabilidade penal, que se inicia aos 12 anos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Estatuto já define privação de liberdade em suas penas, através da internação. São formas previstas em lei de se garantir a ressocializa- ção do jovem de forma harmoniosa e civilizada. Há que se dizer que o mundo inteiro já tentou fazer essa “virada” na diminuição da idade penal e não deu certo. A maioria dos países mantém 18 anos, alguns até 21, e aqueles que reduziram hoje tentam reverter a legislação. Esses países perceberam que a redução não resolveu e, em alguns casos, até gerou mais violência social. Também há uma imensa desconexão da realidade concreta pela população, basta ver as pesquisas de opinião onde a vontade de reduzir a idade penal é altíssima. Nossa opinião pública vem sendo influenciada diariamente pela Grande Mídia que, em busca de audiência e lucro, noticia à exaustão casos chocantes, criando uma sensação de insegurança e impunidade no país. E pior: como se todos os crimes fossem praticados apenas por jovens, pobres e negros. Por que tantos partidos da base do governo votaram em peso a favor da PEC- E mesmo os de oposição, como o PSDB, por que decidiram aderir de forma inflamada a uma bandeira tão retrógrada- Desinformação, como disse anteriormente, e interesse eleitoral. Muitos parlamentares até possuíam um conjunto de dados bastante significativos, mas decidiram não rejeitar a pauta porque possuem projetos futuros, até como prefeitos, em 2016. Eu vi deputados muito importantes, que são pré-candidatos majoritá- rios, votarem a favor porque não queriam perder votos em suas cidades. Ou seja, mudam a Constituição brasileira, mudam a Carta Magna, impactam gerações e outras legislações com medo de perder voto. Isso é uma irresponsabilidade para com o país porque puseram alguns eleitores de sua cidade acima de milhões de brasileiros. Por receio, eles não enfrentam a opinião pública, mesmo que ela esteja errada. É nosso papel político, como democratas, ter responsabilidade no que se vota. Se ponho interesses eleitorais acima de qualquer coisa, não estarei cumprindo meu papel corretamente como parlamentar federal. A segunda votação, feita menos de 24 horas após a derrota anterior, atropelou o regimento interno da Câmara e feriu a Constituição. A senhora acha que cabe ao STF se pronunciar sobre isso- Na primeira votação, apesar dos favoráveis estarem em maioria, pesou a participação ativa dos movimentos sociais. Foram os movimentos de juventude,estudantil, o “Amanhecer pela redução”, que jogaram papel lá dentro. Além disso, havia dados técnicos de especialistas e do governo sendo trabalhados com o Parlamento, mostrando o que uma redução desta poderia causar no futuro. Após a primeira e legítima derrota da pauta, veio a revolta para a chamada “Bancada da Bala”, como também ao presidente da Casa, que possui posição a favor. Em 24 horas decidiram realizar uma manobra regimental clara e cristalina, através de uma emenda aglutinativa sem base regimental. Também é preciso salientar que furaram a Constituição, no artigo 6º, parágrafo 5º, ao colocarem em pauta matéria já apreciada. Resultado da promiscuidade no trato da política. A saída para essa questão regimental e constitucional é o Supremo, porque, primeiro, na análise de muitos juristas, inclusive de alguns ministros, essa decisão invadiu uma cláusula pétrea, e segundo porque houve a tal manobra. O STF aguarda a votação do segundo turno, em agosto, para avaliar o mérito desta matéria. Por que os partidos contrários à redução anunciaram obstrução e depois mudaram e decidiram participar da votação optando pelo voto “não”- A votação estava em andamento da mesma forma. Se não votássemos contra, o placar surgiria com esmagadora votação do “sim”, sem o “não” dos comunistas. Também era preciso mostrar à sociedade que houve resistência e votar de forma unificada, sem isolar parlamentares de outras bancadas. Após a repercussão negativa do modo como se deu a segunda votação, a senhora crê em algum recuo de Eduardo Cunha- Não, a posição do presidente é clara. Neste contexto, mais do que nunca a sociedade tem papel decisivo na tentativa de recuperar os votos necessários para rejeitar a proposta. Depende da mobilização dos movimentos sociais, dos parlamentares progressistas e das entidades nacionais especializadas no assunto. Existe algum movimento, por parte do governo e das forças que rejeitam a diminuição da maioridade, para tentar conseguir um resultado diferente no segundo turno de votação da matéria na Câmara- Acho que houve um importante movimento no Senado Federal, porque publicamente ele apostou numa saída pelo ECA. Lá há um posicionamento razoavelmente visível de senadores que são contra a mudança na Constituição Federal, e que preferem apostar num maior rigor pelo ECA. A gente também aposta aqui no segundo turno, assim como paralelamente o mandado de seguran- ça via STF. O governo federal, na minha opinião, também pode ajudar muito, porque detém uma série de estatísticas sobre o sistema prisional. Para se dar um exemplo, um estudo aprofundado sobre nossas cadeias foi divulgado no dia da primeira votação, mostrando uma série de atrasos e avanços. Uma delas é contra a impunidade, revelando que 23 mil jovens hoje cumprem pena pelo ECA, muitos por crimes de furto e ligação com o tráfico, o chamado “aviãozinho” – ao contrário dos que acreditam que não existe punição para o menor. Também há uma realidade dramática no sistema prisional que exige máxima atenção, como a superpopulação carcerária. Hoje há uma quantidade enorme de presos temporários, sem julgamento, onde o crime organizado vem se estruturando. Se o Estado brasileiro arremessa o jovem em desenvolvimento neurológico para esse sistema, o resultado é devastador: você praticamente obriga que o jovem se alinhe com essas facções (se não ele morre) e fortalece o exército desses grupos criminosos. Além disso, a contaminação por doenças, como HIV, é seis vezes maior dentro dos presí- dios. Ou seja, também há uma questão de saúde pública. A senhora acredita que é possível reverter o resultado em algum momento do longo percurso que a PEC ainda tem que percorrer até eventualmente virar lei- O que seria importante fazer que não está sendo feito para conseguir barrar este retrocesso- Já tivemos êxito na primeira votação, o que mostra que é possível. Mesmo que a Câmara confirme a votação em segundo turno, ainda há o debate no Senado, onde a PEC também precisa ser aprovada em dois turnos. O segundo turno na Câmara será em agosto, o que nos dá um tempo para ampliar os apoios. A luta se mantém viva aqui dentro.
Que consequências nocivas à sociedade a aprovação desta PEC poderia causar- A classe média vem acreditando piamente em que a redução da maioridade não é problema com o filho dela, apenas um problema da periferia. Talvez até enxergue que é um problema para “aqueles” que amea- çam seus filhos. É como se dissesse: “Já que a punição não tem nada a ver comigo, que se puna”, como se a cada esquina deste país houvesse um jovem da periferia pronto para assaltar, roubar e matar. Uma sensação moldada através da Grande Mídia e uma visão de classe, preconceituosa, onde preto e pobre podem ser criminalizados e “meu filho não”. Essa sociedade desconhece totalmente as repercussões da redução da maioridade. Quando há redução da idade penal, ela automaticamente vira parâmetro para outras legislações, abre precedentes, porque está sendo feita uma mudança na Constituição do país. Por exemplo, a carteira de motorista. Ao reduzir a imputabilidade para 16 anos, você está autorizando que o jovem dessa idade, que ainda está em formação psicológica, possa dirigir. A redução remonta o parâ- metro para todas as leis: a da violência sexual, a dos crimes sexuais, a da bebida alcoólica etc. Na questão do trabalho insalubre, proibido para menores de 18 anos, haverá prática livre pelos mais jovens. O Parlamento ainda pode favorecer os que já são condenados pela violação de menores, de forma que eles se beneficiem com a mudança da idade penal. Vale lembrar que a lei não pode retroagir para prejudicar, mas pode retroagir para beneficiar. A senhora, junto com outros parlamentares, tem defendido mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa proposta fica inviabilizada se a PEC 171 for aprovada- Ou uma coisa não depende da outra- A questão do ECA é polêmica, de fato. Há um consenso de que a via de resposta para a sociedade seja pela mudança no Estatuto. Acho, por exemplo, que 10 anos de privação de liberdade, como tem se discutido, é demais. Não faz sentido fixar uma década para o jovem se no sistema prisional há progressão penal. O casal Nardoni, condenado por jogar a pró- pria filha pela janela do prédio, teve progressão por bom comportamento. É preciso ter uma proporcionalidade de pena de acordo com a idade. Tempo máximo de internação precisa de mediação. Acho três anos pouco, mas uma década é demais. As soluções pelo ECA são corretas, mas precisam ser bem balizadas para que não cometemos novo erro. Quais as propostas do PCdoB para ajudar a buscar soluções para diminuição da violência- Olhando para a juventude, acho que medidas essencialmente preventivas. É bom dizer que o jovem é muito mais vítima no país do que autor do crime. Ele morre muito mais pela bala da polícia e do crime organizado do que comete infrações, provado pelas estatísticas da Segurança Pública. É preciso que esse jovem tenha alternativas e oportunidades educacionais, culturais, esportivas, de emprego e trabalho, onde ele possa se desenvolver com cidadania e integrado com a família sem carências. Muitos jovens são levados a práticas ilícitas por conta da fome da família na periferia, então, precisa ser levada em conta a situação em que ele vive, evitando essas faltas sociais. Por último, o adolescente precisa estar certo de que há punição no país, e o Estado precisa mudar sua forma de repressão, onde o despreparo da polícia ainda mata muito. Veja os dados dos autos de resistência... É grave! Pela ideologia da Segurança Nacional, herança de nossos tempos de Ditadura, o povo é visto como inimigo de Estado e não como parte dele. É preciso encarar a pauta da desmilitarização das polícias de forma urgente. Da redação, Cláudio Gonzalez Colaborou: Bruno Trezena