Resenha
Edição 135 > Getúlio: biografia de um grande e polêmico presidente
Getúlio: biografia de um grande e polêmico presidente
Ler a biografia do presidente Vargas na atualidade é mergulhar na história do Brasil do século 20. É, também, acompanhar os meandros das disputas políticas que fizeram o Brasil se modernizar e avançar

São consolidados 922 artigos, em lei, que asseguram direitos do trabalho, protegendo o trabalhador e a trabalhadora. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi aprovada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas. As relações e os conflitos do mundo do trabalho, que antes eram tratados como -questão de polícia-, estavam então regulamentadas em normas e regras como legislação trabalhista. A entrada em vigor, no Brasil, da CLT ocorreu em um cenário internacional da Segunda Grande Guerra Mundial e sob o Estado Novo - uma ditadura que perseguiu democratas e comunistas -, sob a presidência de Getúlio Vargas.
A elaboração, discussão e aprovação da CLT é parte de surpreendente, polêmica e atualíssima biografia do presidente Getúlio Vargas, feita pelo biógrafo e jornalista Lira Neto. A obra é composta de três volumes: Dos anos de formação à conquista do poder: 1882-1930; Do governo Provisório à ditadura do Estado Novo: 1930-1945; e De volta pela consagração popular ao suicídio: 1945-1954
Cearense de Fortaleza, o autor Lira Neto já escreveu sobre outros personagens importantes da vida política nacional. São de sua autoria: O inimigo do rei: Uma biografia de José de Alencar; Castello: A marcha para a ditadura (do presidente Castello Branco); e Padre Cícero.
O primeiro dos três livros que integram a biografia de Getúlio relata desde o nascimento de Getúlio Dornelles Vargas, em 1882, até o ano de 1930; um espaço de 48 anos, mais da metade de seus 72 anos de vida. É filho de um general da guerra do Paraguai - Manoel do Nascimento Vargas - e de Cândida Dornelles Vargas, filha de próspero estancieiro da região. Forma-se em Direito na Faculdade de Direito de Ouro Preto (MG), à época, capital mineira. Serve o Exército no 6º Batalhão de Infantaria em São Borja, onde galga a patente de segundo-sargento. Era leitor assíduo do fundador do positivismo Auguste Comte.
Entra efetivamente na vida política através do Partido Republicano do Rio Grande do Sul (PRR). Torna-se herdeiro político de Júlio de Castilho e Borges de Medeiros, ambos sob a égide do positivismo comtiano. É eleito deputado estadual, em 1909. Casa-se com Darcy Sarmanho; ela com 15 anos e ele com 29.
Fato irônico e trágico para a política tradicional gaúcha, em 1923, é a eleição para a recondução para o quinto (sic) mandato consecutivo do presidente estadual (equivalente ao governador estadual de hoje) Borges de Medeiros. Em 1923, Getúlio Vargas faz parte da comissão de apuração de votos. A comissão fica constrangida em dar a má notícia, ao presidente estadual, de sua insuficiência de votos para a recondução. Antes da comissão se pronunciar, Borges de Medeiros surpreende a todos e antecipa festiva saudação: -Já sei, vieram me dar os parabéns pela nossa retumbante vitória-. A comissão não contraria o eminente líder e retorna à Assembleia para -refazer as contas-. Dia seguinte, lógico, Borges de Medeiros é reeleito com grande maioria.
A década de 1920 é marcada pela efervescência nos quartéis, com o tenentismo, e pela Coluna Prestes. Na época Getúlio Vargas é eleito deputado federal, em 1923; em seguida, torna-se ministro da Fazenda do presidente Washington Luís (1926-27), e presidente (governador) do Rio Grande do Sul, em 1928.
Em meio à crise que se agrava no país, no final da década de 1920, o governista Getúlio Vargas inicia contatos com os líderes tenentistas, como o capitão Siqueira Campos, sobrevivente do massacre do Forte de Copacabana, de 1922. A eleição presidencial de 1930 coloca Getúlio Vargas na oposição e, então, lança-se candidato à Presidência da República, tendo como candidato a vice o paraibano João Pessoa. As eleições, mais uma vez, são fraudadas. Julio Prestes, candidato governista, obteve 1,091 milhão de votos, enquanto o oposicionista Getúlio Vargas computa 742 mil votos. É sob esse ambiente político de crise que surge a revolução de 1930, tendo à frente Getúlio Vargas.
A ascensão de Vargas se dá com seus elevados instintos de habilidade, oportunidade e talento. Segundo o biógrafo, acrescente-se também a dissimulação, o estratagema e a prudência, que tornariam Getúlio Vargas líder da Revolução de 1930.
Assim encerra-se o primeiro volume da biografia.
No segundo volume, o presidente Vargas, como chefe do governo provisório, tinha sob seu comando um país economicamente arrasado, devido à crise mundial e a seus rebatimentos internos, como a queda brutal dos preços do café, reduzidas reservas cambiais e alta dívida externa. No campo social, o país estava muito atrasado. Havia pouco menos de 41 anos, havia saído do regime escravista e com um ex-presidente deposto que berrava que a -questão social era um caso de polícia-.
Motivado economicamente pela falência do mercado cafeeiro, pela crise mundial, o empresariado paulista reage ao governo provisório de Getúlio Vargas. Sob a égide do conservador jornal O Estado de S. Paulo, de propriedade de Júlio Mesquita Filho, a sociedade paulista contesta a legitimidade do governo Vargas. O propalado movimento constitucionalista de 9 de julho de 1932 representa verdadeiramente uma desforra das velhas oligarquias cafeeiras apeadas do poder em 1930.
Em meio à Constituinte de 1934 e à eleição indireta do presidente Vargas, surge, em janeiro de 1935, a Aliança Nacional Libertadora (ALN). Um movimento popular de resistência à Lei de Segurança Nacional. A ALN teve notória participação de militares simpatizantes do Tenentismo. Em novembro de 1935, é deflagrada a insurreição comunista; levante com base apenas nos setores militares, tem os estados de Pernambuco e Rio de Janeiro como focos. Mas é o Rio Grande do Norte que registra mais adesão popular. A repressão getulista foi forte, contra os insurgentes. O governo Vargas caminha para um regime fascista e, em 1937, instaura a ditadura do Estado Novo, em que persegue, oprime, tortura e assassina milhares de democratas e comunistas. Apesar de vários intelectuais, jornalistas e artistas serem presos, na verdade, foi uma verdadeira caça aos comunistas. Os membros do Partido Comunista foram as maiores vítimas da insanidade facista que norteou Getúlio Vargas no período.
Nesse período, estoura a Segunda Guerra Mundial e o governo Vargas é favorável aos países nazifascistas. Esse movimento ideológico também se processa no governo estadonovista de Vargas. O presidente soube barganhar ora com um ora com outro país envolvido na guerra, para trazer investimentos ao Brasil. Ao fim, sai um acordo com os norte-americanos que prevê, entre várias cláusulas, expressivo aporte financeiro para a construção de uma usina siderúrgica brasileira.
O fim do Estado Novo estava chegando. Vem a vitória das forças aliadas tendo como lideranças vitoriosas a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA). O presidente Vargas inclina-se às aspirações trabalhistas e se distancia de setores ultraconservadores que já não apoiavam mais o Estado Novo. Como tentativa de permanecer no poder, Getúlio Vargas incentiva e participa de manifestações populares e trabalhistas. Essas manifestações tinham apoio popular devido à legislação de proteção ao trabalho: a CLT. O movimento é batizado como -queremos Getúlio-, ou queremismo.
O ambiente internacional de democracia, com o fim da Segunda Guerra Mundial, atinge o governo Vargas. Dois grandes partidos são inicialmente formados: o Partido Social Democrático (PSD), que congrega os principais interventores do período do Estado Novo; e a União Democrática Nacional (UDN), uma frente antigetulista. Em seguida, o próprio Getúlio Vargas incentiva a criação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado por lideranças sindicais.
A deposição de Getúlio Vargas em 1945, é, na verdade, um golpe branco. Todo o ministério de Vargas, sob pressão dos militares, pressiona o presidente à renúncia, o que ocorre de fato.
O terceiro volume vai desde sua reclusão, após a renúncia, em 1945, até seu suicídio, já como presidente, em 1954.
Em São Borja (RS), Getúlio acompanha o cenário político nacional. Acompanha e influencia, pois os 15 anos de poder máximo no Brasil não são menosprezados. Há o temor de que a possível vitória da UDN, nas eleições de 1945, resulte na retirada do conjunto de leis aprovadas no período Vargas. A aliança PSD e PTB, construída para impedir tal retrocesso, principalmente para preservar a legislação trabalhista conquistada, se consolida. O acordo é fechado e o PSD e PTB lançam o general Eurico Gaspar Dutra para presidente, que ganha a eleição com 3,2 milhões de votos, contra 2 milhões de votos do udenista Eduardo Gomes e 569 mil votos dados ao comunista Iedo Fiúza. Já para a eleição da bancada constituinte, o PSD fica com 185 cadeiras; a UDN, com 89; o PTB, com 23; e o PCB, com 16, entre os maiores partidos. Getúlio se elege como senador pelo Rio Grande do Sul.
Nota de importante valor no arquivo pessoal de Getúlio Vargas diz respeito à sua preocupação, e do PTB, com a crescente influência do PCB nas organizações operárias, disputando hegemonia com o PTB na área sindical.
O governo Dutra não vai bem. Implanta uma política desastrosa de abertura de mercado às importações e elevação das taxas de câmbio. Concomitantemente, o PCB é cassado, em 1947. A recém--fundada Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), sob direção dos comunistas, sofre intervenção federal.
Nesse momento, entra em cena um personagem lúgubre que perseguirá Getúlio Vargas até sua morte: Carlos Lacerda. Conservador, opositor ferrenho de Getúlio Vargas e jornalista, é dele a frase de ataque a Getúlio: -O Sr. Getúlio Vargas senador não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar-. Dono do jornal carioca Tribuna da Imprensa, faz desse órgão de comunicação seu palanque de oposição a Getúlio Vargas.
Em outubro de 1950, Getúlio Vargas é eleito presidente do Brasil, com 3.849.040 votos. Eduardo Gomes, da UDN, obtém 2.342.384 votos; e Cristiano Machado, candidato oficial do governo, pelo PSD, obtém 1.697.193 votos, entre os principais candidatos. Vale ressaltar que a maioria dos órgãos de imprensa apoia o udenista Eduardo Gomes.
Após a vitória, o presidente Vargas compõe um ministério eclético, composto por representantes dos três maiores partidos da época: PSD, UDN e PTB. Vargas nomeia um grupo de assessores econômicos ligados à Presidência com o objetivo de elaborar estudos e projetos de infraestrutura nas áreas de energia, transporte e industrialização. Esse grupo fica conhecido como os -boêmios cívicos-, pois mantinham as luzes acesas até altas horas da madrugada, trabalhando. O presidente Vargas queria um documento programático e nacionalista com industrialização planejada e intervenção governamental.
No governo do presidente Vargas é criada a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), em 3 de outubro de 1953. De difícil aprovação, as negociações no Congresso Nacional para a criação duram dois anos e meio.
O presidente Vargas avança também na área trabalhista. Concede aumento ao salário-mínimo, com índice de 300%, para o ano de 1952. Não obstante essa correção salarial, o movimento sindical brasileiro faz lutas importantes. Nessa época, a histórica Greve dos 300 mil é realizada por diversas categorias, em São Paulo, em 1953.
Sob a presidência de Getúlio Vargas, é criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) (mais tarde transformado em Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES), com a função de elaborar de grandes projetos estratégicos e ser indutor da política de industrialização.
Estava cada vez mais difícil para o presidente Vargas, nos últimos dois anos de seu governo, obter boa articulação parlamentar. Aos poucos, o governo encontrava-se no isolamento político. Em 1953, o presidente faz nova composição ministerial; agrega a maioria das pastas para a UDN e o PSD. No PTB, seu partido, o presidente Vargas abriga o Ministério do Trabalho. Nomeia o jovem João Goulart presidente da sigla.
Concomitantemente à mudança ministerial, o presidente Vargas sofre violentos e brutais ataques da imprensa. Eram diuturnos os ataques dos jornais Diários Associados, de Assis Chateaubriand; do rádio e jornal O Globo, de Roberto Marinho; da Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda; dentre outros. Mesmo sob ataques da mídia conservadora o presidente Vargas avança nas realizações desenvolvimentistas no Brasil. Sob sua gestão são criadas a Usina de Paulo Afonso; a Refinaria de Cubatão; a segunda Usina Siderúrgica de Volta Redonda; ampliada a Vale do Rio Doce; e fundado o Banco do Nordeste do Brasil (BNB).
A Petrobras é a empresa que mais sofre ataque conservador. O Diário da Noite publica que o monopólio é um capricho caro. O Correio da Manhã classifica a iniciativa da Petrobras como uma -aventura de nacionalistas rasteiros-, e de que é uma -experiência sujeita a fracassar-. E preveem o fracasso dentro de um ano, no máximo.
Outra frente conservadora contra o presidente Vargas vem do setor militar. As críticas de parte da oficialidade, principalmente o autocomando, falam desde um cenário político de -perigoso ambiente de intranquilidade-, até de um -comunismo solerte sempre à espreita-.
Diante das pressões, o presidente Vargas muda os Ministérios da Guerra e do Trabalho. Em vão, pois continua sob ataque ferrenho de opositores. Em 1º de maio de 1954, eleva o valor do salário mínimo em 100%. Mais uma vez recebe adjetivos e epítetos demolidores da imprensa reacionária: -protetor de ladrões-, -desonrado inepto-, -corruptor e abjeto-, são os mais pronunciados contra o presidente.
Acontecimento curioso ocorre quando o presidente Vargas faz uma aparição pública no Hipódromo da Gávea, para assistir ao Grande Prêmio Brasil de turfe, em 1º de agosto de 1954, evento que, na época do Estado Novo, frequentava com assiduidade. Mas, naquele dia, porém, recebe uma estrondeante vaia.
Em agosto, ocorrem lances mais extraordinários, e o lance fatal. O mais importante é o assassinato do major Rubens Florentino Vaz, que era escolta do jornalista Carlos Lacerda. O crime teria sido a mando de Gregório Fortunato, guarda-costas do presidente Vargas. Os indícios trazem provas a respeito da hipótese. Esse episódio deflagra uma crise fatal no governo Vargas. Setores militares pressionam o presidente a renunciar ao mandato. A imprensa conservadora liga diretamente o crime do major à responsabilidade presidencial.
Em 24 de agosto de 1954, poucas horas depois de última reunião ministerial, o presidente Vargas suicida-se.
Carlos Rogério de Carvalho Nunes é assistente Social, mestre em Serviço Social e pesquisador do núcleo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais - NEMOS/PUC-SP. Secretário de Políticas Sociais da CTB Nacional