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História

Edição 135 > Vietnã: guerra, revolução e desenvolvimento

Vietnã: guerra, revolução e desenvolvimento

Paulo Fagundes Visentini
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A Guerra do Vietnã representa um verdadeiro ícone da história contemporânea, independentemente da preferência política do observador. Ela é especial porque culminou com a derrota militar da maior superpotência por uma nação agrária de pequenas dimensões. Mas o país não foi apenas palco de uma guerra: o povo vietnamita foi protagonista de uma longa e árdua revolução social e de libertação nacional. Ao longo desse caminho, derrotou também outras potências, mas sofreu enorme destruição, um pesado embargo político-econômico internacional e perdeu seu maior aliado com o fim da Guerra Fria. E, ainda assim, hoje é um país soberano e em pleno desenvolvimento

Há exatos 40 anos, os tanques do então Vietnã do Norte e os guerrilheiros sul-vietnamitas irrompiam no palácio presidencial do general Van Thieu, em Saigon (atual Ho Chi Minh), derrubando os imensos portões gradeados. Os últimos americanos e a elite do regime neocolonial vencido embarcavam em helicópteros no telhado da Embaixada, desesperados, rumo aos porta-aviões. E o general-presidente deixava o país com dois aviões carregados: um com seus parentes e amigos mais próximos, outro repleto de reservas de ouro do Banco Central. Era o fim de uma longa e violenta guerra e a reunificação da nação vietnamita.

Nacionalismo, comunismo e antifascismo: a resistência

O Vietnã foi gradualmente dominado pela França na segunda metade do século XIX, juntamente com seus vizinhos - Laos e Camboja -, formando a colônia da Indochina. As revoltas tradicionais fracassaram e a terra dos revoltosos foi confiscada e entregue a grandes empresas agrícolas francesas, especialmente para a produção de borracha (seringais) e aos colaboracionistas que adotavam o catolicismo (inclusive o alfabeto latino foi introduzido). Assim, houve a formação de um proletariado rural e urbano (portos, transportes, indústrias de transformação, mineração e plantations). Uma pequena burguesia no setor de serviços também foi formada, mas a burguesia compradora era uma classe irrelevante devido às limitações impostas pelos franceses, que dominavam os grandes negócios.

A mobilização de trabalhadores na Primeira Guerra Mundial, a influência da Revolução Soviética, o impacto econômico da Grande Depressão e a queda da França frente aos alemães tiveram forte impacto político no Vietnã. A Primeira Guerra e a Depressão geraram mobilização social e política, reprimida pelos franceses, mas a Internacional Comunista contribuiu para formar quadros destacados, como Ho Chi Minh, que tratou de adaptar o marxismo às condições asiáticas, em particular vietnamitas. Assim, nacionalismo e socialismo se tornavam instrumentos de luta anticolonial.

Na década de 1930 houve diversos levantes camponeses, como os Sovietes de Nge Tinh, reprimidos com rigor pelas autoridades. Com a queda de Paris, em 1940, foi implantado na França o Regime fascista de Vichy, que controlava as colônias. Assim, o movimento anticolonial vietnamita se transformou, também, em movimento antifascista, sobretudo quando os franceses autorizaram que o Japão ocupasse militarmente o país, para dali atacar as colônias inglesas. Pequenos destacamentos guerrilheiros do Viet Minh (a frente liderada pelos comunistas) atacaram unidades isoladas e foram caçados pelas forças franco-nipônicas. Mas em março de 1945 o Japão desarmou os franceses e promoveu uma pseudoindependência com o imperador Bao Dai. Mas o tempo corria e o Viet Minh, aproveitando o vácuo criado com a iminente derrota do Japão, conseguiu implantar a República Democrática do Vietnã em agosto de 1945.

A luta de libertação nacional antifrancesa (1945-1954)

Os franceses, que não reconheceram a independência, decidiram reocupar o país em 1946, quando já tinham força para passar à ofensiva. Depois de combates desiguais, o Viet Minh se retirou das cidades e passou à guerrilha. Comandos, hospitais, depósitos, escolas, pequenas fábricas de armas e gráficas foram criados em santuários nas montanhas. Os combatentes agrupados em três categorias: tropas de combate nacionais permanentes (os -capacetes duros-), guerrilheiros regionais (que se transformaram em camponeses quando necessário) e as milícias de autodefesa das aldeias, compostas por camponeses.

A destruição permanente de vias de comunicação e ataques a pequenas guarnições forçaram os franceses a deslocar continuamente suas tropas, deixando outras áreas desguarnecidas, que eram atacadas. Logo, a guerrilha controlava grande parte do país, obrigando os franceses a mobilizar mais recursos e a trocar de tática, situação que se agravaria com a vitória da Revolução Chinesa em 1949 (constituindo uma base de apoio ao Viet Minh).

A tática francesa foi entrincheirar-se e atrair os vietnamitas para um combate aberto. Mas como as grandes cidades não foram atacadas, resolveram então criar um ponto fortificado na distante fronteira montanhosa com o Laos, em Dien Bien Phu. Mas ali o general Vo Nguyen Giap, o grande estrategista militar do Viet Minh, resolveu enfrentar o adversário e, ao cabo de algum tempo, os franceses foram cercados e espetacularmente derrotados. A França não tinha como continuar a guerra e aceitou negociações em Genebra, em 1954, num pacto firmado por todos os representados, menos pelos Estados Unidos. O país ficaria temporariamente dividido na altura do paralelo 17, com o Viet Minh concentrando suas forças ao norte e os elementos católicos, pró- -franceses e do imperador Bao Dai ao sul, até a realização de eleições, prevista para dois anos depois.

A divisão: socialismo no norte e Guerra Civil no sul (1954-65)

Os EUA (recém--empatados- na Coreia), que já apoiavam os franceses, decidiram tomar a questão em suas mãos e criaram a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (OTASE, um pacto militar) e apoiaram a tomada do poder no sul por Diem (católico), derrubando o imperador Bao Dai e proclamando a República do Vietnã. Ao mesmo tempo, lançaram o projeto Vietnã Livre, um plano de ajuda em dinheiro, armas e assessores militares. Quando chegou a época da eleição, em 1956, Diem se negou, argumentando que seu regime não havia participado da Conferência de Paz e os EUA, cinicamente, alegaram não ter firmado o acordo.

Como o Viet Minh era uma força no sul, Diem passou à repressão em massa, se apoiando num regime corrupto em que sua família ocupava quase todos os cargos relevantes, e os católicos (10% da população) os demais. Inclusive no exército, fundamentalmente budista, quase todos os oficiais eram católicos. Logo Diem enfrentava também budistas, estudantes, minorias e outras forças que protestavam contra a violência e a corrupção do regime.

No norte, a República Democrática do Vietnã implantava o socialismo com a reforma agrária, socialização dos meios de produção, início da industrialização (com apoio dos países socialistas) e projetos de educação e saúde. Todavia, logo eles teriam que se envolver na crescente guerra civil do sul, o que permitiu aos guerrilheiros (agora organizados como Viet Cong) lograr avanços. O regime de Diem começava a sofrer derrotas no campo e violentas manifestações nas cidades, levando os americanos a se preocuparem com a cegueira do seu aliado.

Em 1963, Washington, cada vez mais envolvida no Vietnã, orquestrou sua derrubada pela CIA e alguns generais. Seguem-se dois anos de turbulência até que o general Nguyen Van Thieu assumiu e os americanos partiram para a escalada: em 1965 havia 25 mil soldados e em 1968, 600 mil. Em 1965 os americanos iniciaram os bombardeios sistemáticos ao Vietnã do Norte e os marines desembarcaram em Da Nang, escoltados por tanques e sobrevoados por centenas de helicópteros, com holofotes iluminando e ruídos amplificados, como num filme para aterrorizar os vietnamitas.

A Guerra Revolucionária contra os EUA e o Regime neocolonial (1965-1975)

O objetivo americano era uma guerra clássica geograficamente limitada. Para Giap, a questão era como enfrentar um gigantesco poder de fogo sobre um território estreito, sem a profundidade estratégica com que contaram soviéticos e chineses. A resposta foi a tática da Guerra Popular, com ataques à retaguarda do inimigo, fazendo com que a frente de combate estivesse em qualquer lugar. Além disso, técnicas de guerra psicológica foram empregadas com sucesso contra os invasores.

O poder de foco americano não tinha onde focar e se perdia, as baixas eram numerosas, a lógica vietnamita não era compreendida e logo a moral do exército decaiu perigosamente, com uso de drogas e insubordinação. O regime sul-vietnamita consumia cada vez mais recursos. Num esforço derradeiro, os americanos jogavam napalm nas aldeias, o desfolhante agente laranja (uma arma química) nas florestas e aumentavam os bombardeios e massacres. Mas no Ano Novo Lunar de 1968, o Viet Cong lançou ataques simultâneos contra todos os objetivos inimigos no Vietnã do Sul (a Ofensiva do Tet). Ficou claro para todo o mundo: a guerra não poderia ser vencida e os americanos buscaram se retirar.

Para tanto, tentaram se aproximar da China e a retirar parte de suas tropas, mas aumentando a ajuda. Segundo um general americano, -um marine custa o mesmo que 18 soldados sul-vietnamitas, cujos cadáveres não geram problemas políticos-. Estava se referindo ao gigantesco movimento antiguerra que sacudia as cidades americanas. Em 1973, a maior parte se retirou do Vietnã, mas assessores permaneciam e o poder de fogo do sul foi reforçado. Mas no início de 1975 o Viet Cong e os norte-vietnamitas iniciaram uma série de ações que, em semanas, levaram ao completo colapso do Regime de Saigon.

Unificação: um socialismo cercado (1975-1991)

O sul foi libertado e, formalmente em 1976, foi unificado com o norte, originando a República Socialista do Vietnã. Enfim a paz- Não. O norte era socialista e iniciou a reconstrução, mas o sul, além de arrasado, estava desestruturado. Os campos foram esvaziados pela guerra e Saigon era uma favela gigante, com prostitutas, traficantes e criminosos, especuladores, ex-soldados do sul, órfãos, viúvas e inválidos. Era necessário realizar a Revolução Nacional Democrática e Popular antes de implantar o socialismo.

Quando o governo nacionalizou o comércio especulativo, dominado pelos Hoa (chineses), eles saíram em dezenas de barcos para Hong Kong, servindo de pretexto para sanções da China e dos Estados Unidos. Em 1977, o Vietnã entrou na ONU, mas passou a sofrer forte embargo econômico e político. No Camboja (Kampuchea), a Revolução caiu nas mãos de um grupo de influência maoísta que, instigado pela China e pelos EUA, promovia choques armados na fronteira vietnamita. A bizarra experiência de -ruralização- dos retrógrados Khmers Vermelhos gerou mortandade na população e refugiados, que foram organizados pelo Vietnã e, em dezembro de 1978, junto com eles, entrou no Camboja e expulsou Pol Pot para a fronteira da Tailândia (onde era apoiado pelo Ocidente).

Tal ação, plenamente justificada por razões humanitárias, diplomáticas e estratégicas, gerou duas consequências terríveis. Primeiro, o Vietnã teve de proteger o novo governo cambojano com 120 mil soldados por uma década - o que teve um custo político e econômico terrível. Em segundo lugar, Deng Xiao Ping disse ao presidente Carter que iria -dar uma lição ao Vietnã- e, em fevereiro de 1979, invadiu o vizinho, numa guerra inter-socialista. Seiscentos mil soldados chineses lutaram por um mês e tiveram de se retirar com 60 mil baixas (números idênticos aos dos americanos). O Vietnã derrotava a terceira grande potência, mas ao preço de um estrangulamento econômico nos anos 1980.

Doi Moi: um socialismo reformado (1991-2015)

No final da década, com a Perestroika de Gorbachev, o Vietnã retirou seus soldados do Camboja em 1989 e procurou reformar sua economia, pois a ajuda soviética era cada vez menor. E, logo, a URSS desintegrou-se e até a China foi ameaçada pela contrarrevolução. Hanói e Pequim normalizaram as relações em 1992 e em 1995 o Vietnã passou a integrar a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e restabeleceu relações com os EUA. E ainda era o único país asiático a não ter recebido indenizações de guerra do Japão.

Experiências de reforma, para a implantação de um socialismo de mercado ao estilo chinês, já vinham ocorrendo desde os anos 1980. Agora, elas amadureciam e recebiam a denominação de Doi Moi, com o Estado controlando as áreas estratégicas, apoio ao camponês e zonas econômicas para atrair investimento estrangeiro. A estratégia comporta riscos, mas os negócios de mercado ficaram em Ho Chi Minh (ex-Saigon), enquanto o poder político e a indústria pesada permaneceram em Hanói.

A carência de arroz deu lugar à sua exportação, bem como de manufaturados. O Tigre de terceira geração cresce como a China, mas busca manter sua autonomia em relação a ela. Rivalidades geopolíticas históricas no Mar da China Meridional são apontadas pela mídia ocidental como tensões militares - um exagero de quem quer criar discórdia, enquanto os problemas são resolvidos do -jeito asiático-.

O Vietnã, o Estado pivô da Indochina - nove décadas após sua força política dirigente ter iniciado a resistência ao fascismo, oito após triunfar sobre os japoneses, sete depois de expulsar os franceses e quatro após derrotar os EUA e ter impedido uma invasão chinesa, quase três depois de perder o apoio e ver desaparecer a potência protetora soviética -, enfrenta satisfatoriamente os desafios da globalização e mantém seu regime socialista (de mercado).

A independência e a soberania nacional foram atingidas, o país mantém um regime de sua escolha e segue como uma nação com uma forte cultura e identidade própria. Se o desenvolvimento e a prosperidade ainda não foram plenamente atingidos, é forçoso reconhecer que a nação logrou avanços, sobreviveu a terríveis experiências e se localiza no centro da região de maior crescimento econômico mundial no início do século XXI, plenamente nela inserida. Sua história nacional se tornou uma importante referência para a ascensão da região e para o avanço da humanidade.

O povo do pequeno Vietnã realizou uma grande e difícil revolução, que teve impacto mundial, ao derrotar e enfraquecer os Estados Unidos, ao motivar dezenas de povos que, na mesma época, lutavam pela emancipação nacional e pela revolução social. Numa época onde até a esquerda evitava a palavra Socialismo, o Vietnã assim se definiu até em sua denominação oficial, sob a direção do Partido Comunista. Nenhum detrator teve coragem de atacar a figura do líder Ho Chi Minh, um homem calmo e terno, firme e inspirador, mesmo em meio à tempestade da guerra.

Mas aos que não gostam de política, o povo vietnamita os brinda com a imagem de camponeses simples, armados com a vontade, brutalizados e despedaçados, lutando de forma desigual contra a maior máquina militar que o planeta já conheceu, e vencendo. No museu da guerra de Ho Chi Minh, em Saigon, duas coisas impressionam: as fotos e objetos (que falam por si) e os visitantes estrangeiros (que calam por si). Turistas americanos são recebidos com cordialidade e entram sorridentes e excitados. Ao longo das salas eles observam a guerra que travaram e desconhecem, e vão diminuindo os ruídos. Na saída estão silenciosos, sérios e cabisbaixos. Chocados consigo mesmos e envergonhados.

* Paulo Fagundes Visentini é historiador e professor titular de Relações Internacionais na UFRGS. Autor do livro A Revolução Vietnamita (Editora da UNESP) paulovi@ufrgs.br

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