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Internacional

Edição 134 > Entrevista com Salem Nasser

Entrevista com Salem Nasser

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“A visão ocidental sobre o Islã é pouco informada e está carregada de preconceitos”

A violência do atentado contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo em 7 de janeiro de 2015, em Paris, comoveu o mundo ocidental e provocou enorme mobilização popular na França. A mensagem mais difundida nos protestos era em defesa da -liberdade de expressão-. Com ajuda da mídia hegemônica, que sempre se escandaliza diante de qualquer fato que eles julgam ser um ataque à liberdade de imprensa, formou-se praticamente um discurso único de defesa do jornal francês. Mas algumas vozes mais ponderadas vêm se manifestando para dizer que há outros pontos de vista sobre esta questão, entre eles, o debate sobre os limites da liberdade de expressão e o respeito e a tolerância às diferenças culturais, crenças e religiões.

No Brasil, o professor e diretor do Centro de Estudos de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas, Salem Nasser, tem sido uma destas vozes ponderadas que examinam as múltiplas facetas de um problema que vai muito além da justa condenação ao terrorismo. Em breve entrevista para Princípios, respondida por e-mail, o professor Salem Nasser diz que -somos confrontados com a difícil questão dos limites da liberdade de expressão e da necessidade de respeito às sensibilidades alheias e ao sagrado dos outros. E somos confrontados também com a fronteira entre a sátira e a propaganda racista ou discriminatória-. Para ele, -as conclusões preliminares em relação a estes pontos são de que ainda não se conhece o equilíbrio ideal (se é que existe um) e de que sobram hipocrisia e diferentes pesos e medidas no tratamento que damos no Ocidente a esses temas-. Na entrevista, Nasser, que residiu quatro anos em Paris, onde estudou na Sorbonne, critica a forma deturpada como boa parte do mundo ocidental ainda enxerga o Islã. Segundo ele, -nossa visão do Islã é pouco informada e está carregada de preconceitos-.

Salem Nasser também é presidente do Instituto de Cultura Árabe, em São Paulo, um centro nascido sob inspiração das ideias de Edward Said, o professor palestino que ensinou a humanidade a compreender a distância entre o Oriente real e aquela construção ideológica nascida como parte de um esforço de dominação. Sobre a questão palestina, objeto de vários de seus estudos, Nasser afirma que as ações de Israel contra o povo palestino também podem ser qualificadas como ações terroristas, no caso, terrorismo de Estado. Segundo ele, -em mais de uma ocasião Israel fez uso de violência ilegítima com o intuito claro de provocar o terror a fim de fazer avançar o seu projeto político de domínio total sobre toda a Palestina.-

Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:

Princípios - Qual a sua opinião sobre os recentes atentados terroristas na França, entre eles o ataque à publicação francesa Charlie Hebdo-

Salem Nasser - Há vários aspectos dos ataques e de seu entorno que chamam a atenção e que poderiam merecer algum comentário.

Começa-se com os pequenos elementos de estranheza que cercam os fatos e a autoria dos ataques. A cada instância de violência desse tipo, especialmente quando se dá no Ocidente e quando a ação é imputada a militantes islâmicos, sobram as dúvidas ou as razões para a dúvida. Assim, estamos sempre diante de um leque de possibilidades que vão desde a tese oficial até as teorias mais elaboradas apontando para alguma conspiração. Fica, por isso, difícil analisar as causas e também as consequências dos fatos, enfrenta-se uma espécie de obscuridade.

Mas, para além da dúvida, somos levados a pensar a condição vivida pelas comunidades de imigrantes e seus descendentes, especialmente os de religião muçulmana, nas sociedades ocidentais, mais particularmente na Europa. Independentemente da efetiva autoria de atos de violência terrorista, a segregação econômica e social vivida por essas comunidades se impõe como tema de preocupação. Entre outras coisas, a preocupação se coloca em termos de haver ali um terreno fértil à proliferação de um pensamento radical predisposto à violência.

E conectado a essa proliferação possível de uma filosofia de violência está o fluxo de pessoas que saíram dos vários países ocidentais para lutar ao lado de Al Qaeda, Estado Islâmico e outros, na Síria e em tantos outros lugares, e que voltam ou voltarão um dia para casa.

Finalmente, o tema da liberdade de expressão e aquele do papel que desempenha o Charlie Hebdo demandam a nossa consideração. Somos confrontados com a difícil questão dos limites da liberdade de expressão e da necessidade de respeito às sensibilidades alheias e ao sagrado dos outros. E somos confrontados também com a fronteira entre a sátira e a propaganda racista ou discriminatória. As conclusões preliminares em relação a estes pontos são de que ainda não se conhece o equilíbrio ideal (se é que existe um) e de que sobram hipocrisia e diferentes pesos e medidas no tratamento que damos no Ocidente a esses temas, especialmente quando está envolvido o Islã.

O que precisamos sobretudo perceber é que o Islã nos é essencialmente desconhecido, apesar dos séculos de convivência, e que agimos em relação a ele carregados de preconceitos que nos fazem, inclusive, emprestar cores diversas a princípios que temos por sagrados, entre eles a liberdade.

Princípios - A mídia monopolista mundial associa os atentados terroristas ao islamismo, e teóricos conservadores como Samuel Huntintong falam de -choque de civilizações- e de um inevitável confronto entre a civilização ocidental e a civilização árabe-islâmica. Qual a sua crítica a essa visão-

Salem Nasser - Como dizia acima, nossa visão do Islã é pouco informada e está carregada de preconceitos. Assim, quando alguém comete um crime, um ato de violência absurda e injustificada, dizendo-se portador da verdade do Islã - ou alguém a quem é imputada essa pretensão - tendemos a ver o desvio mais no Islã do que na leitura equivocada que faz dele o criminoso e nos desvios da personalidade desse indivíduo, ou nas circunstâncias em que está inserido. Isto é inútil para quem quer alocar responsabilidades e também para quem quer prevenir a recorrência de atos violentos.

A tese do choque de civilizações, apesar de ter poucos méritos acadêmicos ou teóricos, acabou ocupando um lugar central na representação do jogo de forças mundial e nos cenários do futuro. E talvez nisso tenha justamente cumprido o seu papel, que foi o de prover o Ocidente, e especialmente os Estados Unidos, com um inimigo imaginário que pudesse servir a justificar uma postura belicosa que mantivesse em marcha a máquina de guerra e a economia de guerra. O outro nome dado a isto, de maior curso, é guerra ao terror. E daí a associação quase automática entre Islã e terrorismo.

Princípios - Qual a relação entre os EUA e as potências ocidentais, entre elas a França, e as organizações terroristas, como os grupos ligados à Al Qaeda, que atuaram e continuam atuando no Oriente Médio e na Ásia Central nas últimas décadas-

Salem Nasser - A relação é antiga e complexa, mas podemos tomar apenas alguns elementos que já servem a nos instruir.

Quando se tratava de lutar contra a ocupação soviética no Afeganistão, os Estados Unidos investiram pesadamente nos mujahedin e nos precursores do talibã atual. Bin Laden era então merecedor de pagamentos periódicos da CIA e mesmo o cinema de Hollywood rendeu sua homenagem a esses lutadores da liberdade em filmes com Rambo III. A França também tinha escolhido seus heróis entre os senhores da guerra afegãos.

E então um dia Bin Laden idealizou a Al Qaeda e chegou o momento de o Ocidente lidar com o extremismo islâmico como um inimigo, quando não lhe servia de instrumento.

É a esse balanço entre instrumentalizar os grupos extremistas e conter o seu progresso que assistimos até hoje.

Quando o grupo chamado de Al Qaeda no Iraque - cujo fortalecimento foi consequência direta da ocupação americana - resolveu se envolver na crise síria e adotar o novo nome de ISIS e depois simplesmente EI, as potências ocidentais lhe deixaram livre curso, o apoiaram, armaram, treinaram, na esperança de que viesse a derrubar o regime sírio. E agora, ainda que talvez apenas como fazdeconta, estamos assistindo à tentativa de contenção.

Princípios - Você considera a atuação do governo e das forças armadas de Israel na Palestina ocupada uma espécie de -terrorismo de Estado-. Por quê-

Salem Nasser - Tendo a evitar o uso do termo terrorista para qualificar pessoas, grupos ou Estados. Faço isso porque, especialmente quando direcionado a indivíduos, o qualificativo serve para despir a pessoa de todo direito e de toda garantia. E além disso, há muita incerteza sobre o que seria o conceito e quais seriam os elementos do terrorismo.

É possível, no entanto, aceitar que basicamente o terrorismo é o uso ilegítimo da violência e que um dos objetivos dessa violência é fazer avançar agendas políticas provocando, justamente, o terror. Nesse sentido, acho que em mais de uma ocasião Israel fez uso de violência ilegítima com o intuito claro de provocar o terror a fim de fazer avançar o seu projeto político de domínio total sobre toda a Palestina.

Mas, para além disso, não resta dúvida de que Israel faz outras coisas tão graves quanto ou mais do que o terrorismo. Muitos israelenses, durante as várias campanhas militares, cometeram crimes de guerra e crimes contra a humanidade. E o país viola cotidianamente inúmeras normas do direito internacional.

Princípios - Em sua opinião, o que é necessário para uma ordem mundial de paz e livre do terrorismo e da intolerância religiosa-

Salem Nasser - Me parece que há elementos simples dessa fórmula que é muito difícil de implementar. Os elementos são: primeiro, a luta contra a ignorância, a ignorância genérica, pela educação, mas, para nossos propósitos, penso sobretudo na ignorância a respeito do outro, do diferente que é igualmente humano; em seguida, a luta sem trégua contra a pobreza e as demais formas de exclusão; finalmente, a luta contra todas as formas de injustiça, inclusive nas relações entre as várias sociedades, povos e civilizações.

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