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Internacional

Edição 134 > A boa ideia dos “malucos” da Grécia

A boa ideia dos “malucos” da Grécia

Osvaldo Bertolino*
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O alvoroço criado com a vitória do Syriza na Grécia encerra importantes lições. A principal delas é que o projeto neoliberal, depois de deixar um rastro de destruição na América Latina, está sendo confrontado de maneira cada vez mais contundente também na Europa. No caso da Grécia, acirra-se o confronto entre a soberania do país e a prepotência totalitária do sistema financeiro

Em editorial intitulado -Os esquerdistas malucos da Grécia têm uma boa ideia-, a agência de informações econômicas Bloomberg abriu a série de manifestações a favor do alívio da dívida dos países mais atingidos pela crise na Europa. Editoriais do jornal The New York Times e da TV e rádio da Alemanha Deutsche Welle apontaram no mesmo sentido, embora com matizes diferentes. Para a Bloomberg, a Alemanha devia levar a sério a ideia do Syriza; a proposta do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras de realizar uma conferência europeia sobre a dívida "faz sentido".

A agência recorda precedentes que Berlim deveria levar em conta, como o perdão de 50% das dívidas da Alemanha Ocidental no pós-Segunda Guerra Mundial. A poderosa credora de hoje, ao insistir na severa -austeridade fiscal- esquece seus resultados desastrosos, prossegue o editorial. A Bloomberg diz que essa política tornou impossível a países como Grécia, Itália, Portugal, Espanha e mesmo França atingirem dívidas em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) inferiores a 60%.

O editorial do The New York Times, com o título -O grito agonizante da Grécia à Europa-, também apoiou a proposta grega. -Persistir no seu curso dogmático é não só errado para a Grécia, mas também perigoso para toda a União Europeia-, afirmou. O editorial da Deutsche Welle vai mais longe: se a troika - Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia - se recusar a negociar a dívida grega, -isso equivale a uma declaração de que a Comissão Europeia não reconhece a soberania da Grécia e não respeita o resultado de eleições democráticas-.

Na mesma linha, trezentos economistas e acadêmicos de todos os continentes pediram aos governos europeus e às instituições internacionais respeito à decisão do povo grego. -Iniciem negociações de boa-fé com o novo governo grego para resolver a questão da dívida-, diz o manifesto. -O governo grego está certo ao afirmar que é necessária uma profunda reorientação, porque as políticas aplicadas até agora são um fiasco completo-, afirma, acrescentando serem -políticas de ameaças, de ultimatos, de obstinação e de chantagens-.

O governo alemão, o Eurogrupo (países que usam a moeda única europeia) e o BCE ignoraram os apelos e optaram pelo caminho da chantagem, impondo restrições ao crédito a bancos gregos e exigindo a reversão de algumas medidas adotadas pelo governo de Alexis Tsipras. No mesmo dia do anúncio das medidas, uma convocatória nascida nas redes sociais reuniu milhares de pessoas em muitas cidades gregas sob os lemas: -Não à chantagem! Não capitulamos! Não temos medo! Não voltamos atrás! Venceremos!- -A Grécia não aceita ordens de ninguém-, reagiu o primeiro-ministro.

Segundo o ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, o país não vai concluir o programa da troika, que termina em fevereiro, e não vai solicitar sua extensão. Para ele, as vítimas da -austeridade- devem somar forças. -Desgraçadamente, na Europa predomina a estranhíssima ideia de que todas as cigarras vivem no Sul e todas as formigas no Norte, quando, na realidade, o que há são formigas e cigarras em todos os lados-, afirmou.

De 2010 à eleição do novo governo, a Grécia estava sob a intervenção da troika como condição para receber empréstimos de cerca de 240 bilhões de euros para salvar os bancos do país, em troca de cortes de gastos públicos e redução de direitos sociais e trabalhistas. Varoufakis anunciou que não negocia com a troika e o Ministério das Finanças disse que o sistema bancário grego -está adequadamente capitalizado e protegido com o acesso à Assistência de Emergência de Liquidez-.

O Ministério denunciou que o BCE está fazendo pressão sobre o Eurogrupo para que se realize um acordo rápido. O documento com as exigências da Alemanha à Grécia, contudo, é nada menos do que um pedido de capitulação. Entre elas está a manutenção da troika no país, o cumprimento de todos os pagamentos ao BCE e ao FMI, a manutenção dos superávits primários de 3% do PIB em 2015 e 4,5% em 2016 (Varoufakis tinha proposto 1%), a demissão de 150 mil funcionários públicos (o novo governo recontratou os que foram demitidos), a manutenção do salário mínimo (o governo grego aumentou-o) e a continuação das privatizações (Atenas suspendeu-as).

Para acelerar a escalada de pressões, o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, convocou um encontro emergencial para o dia 11 de fevereiro, um dia antes da Cúpula Europeia, que reuniu os chefes de governo dos 28 países da União Europeia. A intenção era isolar Varoufakis, afinando o conjunto de ministros das Finanças do Euro com a voz do ministro alemão Wolfgang Schaüble. A reunião resultou em um ultimato ao governo de Alexis Tsipras para que ele pedisse a extensão do programa da troika.

Dijsselbloem já havia protagonizado um encontro tenso com o ministro das Finanças da Grécia e se mostrou irredutível em relação à continuidade da -austeridade-. Em resposta à ideia do governo grego de realizar uma mega conferência europeia, semelhante à que em 1953 aliviou a dívida da Alemanha, Dijsselbloem disse que ela já existe: é o Eurogrupo.

O tom elevado se manteve também em declarações do ministro alemão Wolfgang Schäuble, chamando o governo grego de -irresponsável-. Em resposta, Tsipras reafirmou que a Grécia não capitulará. Varoufakis também respondeu no mesmo tom: -A grande diferença entre este governo e os anteriores é que estamos decididos a confrontar interesses poderosos para renovar a Grécia e ganhar a confiança dos nossos parceiros. Estamos também determinados a não ser tratados como uma colônia devedora que deve sofrer o que for preciso.-

Um dia antes de expirar o ultimato, na quinta- -feira (19), a Grécia entregou o pedido do -programa ponte- ao Eurogrupo. A Alemanha, de pronto, rejeitou a proposta. -A carta de Atenas não é uma proposta que leva a uma solução substancial-, disse o porta-voz do Ministério das Finanças, Martin Jaeger. -Na verdade, vai na direção de um financiamento ponte, sem atender às exigências do programa (da troika). A carta não atende aos critérios acertados pelo Eurogrupo na segunda-feira-, comentou.

No último dia do ultimato (sexta-feira, 20, quando esta Princípios entrou na gráfica), o Eurogrupo e o FMI anunciaram que chegaram a um acordo com a Grécia, prorrogando o programa da troika por quatro meses. As contrapartidas do governo grego seriam anunciadas na segunda-feira (23). Com todo o histórico das negociações, no entanto, não dá para prever os próximos passos da contenda. São forças assimétricas e o governo grego negocia com uma arma apontada na cabeça.

Em entrevista à revista alemã Stern, Tsipras disse que entre as exigências do Eurogrupo e o apoio de 80% da população ao seu governo, fica com a segunda opção. -Ninguém nos pode vir mandar que prossigamos o trabalho do governo (do ex- - primeiro-ministro Antonis) Samaras, como se não tivesse havido eleições-, declarou. -Se ignorássemos essa realidade, a frustração colocaria as pessoas nas mãos dos fascistas da Aurora Dourada-, acrescentou.

Reagindo à oferta do ministro alemão Schäuble de mandar quinhentos cobradores de impostos para ajudar o governo grego, Tsipras disse que até aceitaria cinco mil, mas, -já que o governo alemão se oferece, pode começar por ajudar-nos a fazer alguma luz sobre o escândalo de corrupção da Siemens-, que pagou subornos a políticos e funcionários gregos para ganhar concorrências nas últimas décadas, tendo parte do dinheiro sido entregue a testas de ferro da empresa e regressado à Alemanha.

Sobre a possibilidade de obter financiamento da Rússia e da China, Tsipras afirmou que está empenhado -apenas em uma solução europeia, enquanto país da Zona Euro, já que seria incorreto pôr em perigo esta união política-. Mas acrescentou que está consciente do papel geopolítico da Grécia no mundo, prometendo continuar a ser uma âncora estável -numa área frágil entre três regiões-. Rússia e China se pronunciaram a favor da Grécia, que cogita empréstimos até dos Estados Unidos caso as negociações na Europa não evoluam.

A posição firme do governo grego foi elogiada até pelo presidente da Comissão Europeia e ex-presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker. Segundo ele, -falta legitimidade democrática- à troika, acrescentando que a Europa atentou -contra a dignidade- dos países mais afetados pela -austeridade-. -Pecamos contra a dignidade dos povos, especialmente na Grécia, em Portugal e também na Irlanda. Eu era presidente do Eurogrupo e pareço estúpido em dizer isto, mas há que retirar lições da história e não repetir os erros-, afirmou.

Mikis Theodorakis, o mais famoso compositor grego, autor de óperas, cantatas e oratórios, hinos, trilhas sonoras de filmes como Zorba o Grego, Z, Estado de Sítio, entre outros, afirmou que os -nãos- ditos por Tsipras e Varoufakis ao -holandês de óculos- (Dijsselbloem) provocaram -um milagre-. -Dois representantes desse povo de segunda classe, Tsipras e Varoufakis, com uma rara calma e frieza, disseram-lhe dois -nãos- que o enraiveceram ao ponto de esquecer o seu papel de -nobre europeu-, levando-o a levantar-se abruptamente, à procura da saída mais próxima.-

O economista Paul Krugman disse, em sua coluna no The New York Times, que as propostas do Syriza são perfeitamente razoáveis e chamou de -louca- a posição alemã de que a dívida grega deve ser paga na totalidade. -Todos sabem que a dívida grega não pode ser paga a totalidade-, avaliou. Para ele, a posição grega é de longe mais realista do que a que os líderes europeus querem impor. -O resto da Europa devia dar-lhe a oportunidade de pôr fim ao pesadelo no seu país-, defendeu.

Segundo ele, os ministros do Eurogrupo enlouqueceram. -De uma forma ou de outra, a falta de sabedoria é espantosa e esmagadora-, afirmou. -Em vez de darem algum espaço, preferem ver a Grécia forçada ao default e provavelmente a sair do Euro, com os previsíveis estragos econômicos a servirem de lição a qualquer outro que esteja pensando em pedir um alívio. Quer dizer: estão preparando-se para o equivalente econômico da -Paz Cartaginesa-, que a França pensou impor à Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial.-

Para o linguista norte-americano Noam Chomsky, -a Europa é hoje uma das maiores vítimas- das políticas neoliberais que começaram a ser aplicadas no final dos anos 1970 com Ronald Reagan (Estados Unidos) e Margaret Thatcher (Inglaterra). Segundo ele, a -austeridade- na região está desmantelando o Estado de bem-estar social e debilitando os trabalhadores para aumentar o poder dos ricos e dos privilegiados. -É delirante a forma como a troika está tomando decisões na Europa-, enfatizou.

No domingo, 15 de fevereiro, em muitas cidades europeias houve manifestações em apoio à Grécia. -Menos de três semanas depois da decisão do povo grego de votar pela esperança e pela mudança, de denunciar as medidas de extrema austeridade implementadas pelas elites gregas e europeias, é tempo de levantar a voz ao lado do povo grego e do governo recém-eleito. O medo mudou de lado, nós escolhemos a dignidade-, diz o manifesto que convocou a manifestação de Londres.

Em Carta Aberta aos cidadãos da Alemanha publicada dia 13 de janeiro no jornal econômico Handelsblatt, Alexis Tsipras disse que a atual tática de -adiar e fingir- aplicada pela Europa será muito onerosa para o contribuinte alemão e condenará uma orgulhosa nação europeia à indignidade permanente. -A Europa adotou a tática dos banqueiros com pior reputação, que não reconhecem maus empréstimos, preferindo conceder novos à entidade insolvente, tentando fingir que o empréstimo original está obtendo bons resultados, adiando a bancarrota-, afirmou.

Luiz Gonzaga Belluzzo, em artigo na revista CartaCapital, comentou a lógica desses empréstimos: os investidores da Grécia sacam os euros dos bancos locais e transferem o dinheiro para outras paragens. -Na maioria dos casos, a grana corre para a Alemanha. Aí, as fortunas dos gregos ricos que não pagam impostos dão impulso à valorização dos títulos alemães, osbunds, e engorda os depósitos dos bancos da Germânia-, escreveu.

Em meio ao alvoroço dos debates, a Eurostat - espécie de IBGE europeu - divulgou dados que mostram a persistência da crise na Zona do Euro. A inflação ficou negativa em 0,6% em janeiro, após também ter fechado em -0,2%, em dezembro. A situação levou o BCE a adotar medidas heterodoxas, como juros quase zero e uma ajuda de 1,1 trilhão de euros para limpar o balanço dos bancos, repetindo a receita adotada pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos) - para Varoufakis uma medida equivalente a usar pistola de água em incêndio florestal.

A Grécia é vítima da onda neoliberal, bem conhecida aqui na América Latina, que espalhou a tendência de estagnação econômica dos países centrais - sobretudo dos Estados Unidos -, gerando graves crises financeiras. A causa fundamental, na Europa, é o Tratado de Maastricht, que estabeleceu os critérios do -Pacto de Estabilidade e Crescimento- e as condições gerais para os países integrarem o bloco econômico da União Europeia. Maastricht foi um compromisso com a recessão. E os povos europeus estão pagando o preço da política econômica entregue a burocratas monitorados por banqueiros.

* Osvaldo Bertolino é jornalista, escritor, editor do Portal Grabois e colaborador da revista Princípios

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