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Edição 134 > Recobrar a iniciativa política e retomar o crescimento econômico
Recobrar a iniciativa política e retomar o crescimento econômico
Diante da marcha golpista que podemos batizar como conspirata-conservadora-revanchista, cabe à esquerda e às forças políticas consequentes manterem o seu compromisso de sustentar o mandato da presidenta Dilma nesta conjuntura singular. Isso não é contraditório com a manutenção de uma postura propositiva crítica em questões caras como assegurar direitos conquistados e defender que os ricos é que devem arcar de forma mais pesada na superação da crise econômica

O início do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff apresenta uma situação de maiores dificuldades objetivas e intricadas contradições políticas, que se pode distinguir da seguinte forma: um cenário internacional de crise estrutural do capitalismo marcado pela estagnação econômica, declínio do crescimento, rápido aumento da desigualdade e - mais especificamente no caso do Brasil - provocando forte queda nos preços das commodities e agravando as dificuldades econômicas e políticas.
A escalada conservadora contra o segundo mandato da presidenta
Tal conjuntura leva a oligarquia financeira globalizada, para se salvar, a impor austeridade para a maioria da população mundial e pesados ajustes nas diversas economias nacionais. Tudo isso condiciona em grande medida o nosso país, que vive um quadro nacional de dificuldades econômicas premidas pelo baixo crescimento, inflação no limite da meta estabelecida, elevado déficit em conta corrente. Mais ainda, o país sofre de adversa condição climática, com seca generalizada, sobretudo na importante região Sudeste, provocando a escassez de água, elevando o preço dos alimentos e da energia elétrica.
A essa dura situação econômica e climática se acresce e se conjuga um curso político de agudos embates, desde a eleição presidencial de 2014 e seu acirrado desdobramento pós-eleitoral, provocando um ambiente de instabilidade, perigo e incerteza.
O quarto insucesso eleitoral consecutivo levou a oposição conservadora ao extremo de não aceitar a derrota, de tentar impedir a posse da presidenta e contestar ostensivamente a continuidade do governo empossado, assumindo uma orientação e prática antidemocrática e golpista.
No leito dessa intensa luta política, ganha projeção midiática a denominada Operação Lava Jato, que vai se tornando mais uma peça política com viés de oposição, do que um inquérito processual para julgamento isento de corruptores e corrompidos no caso da Petrobras. E, no plano político-econômico, se põe em funcionamento uma verdadeira operação que visa destruir a Petrobras, para -salvá-la-, e desta maneira liquidar as empresas nacionais da indústria pesada, abrindo caminho para entrada de empresas estrangeiras.
Em marcha, conspiração conservadora revanchista
É diante dessa realidade tão complexa, difícil e desafiadora que a presidenta Dilma dá curso ao seu segundo mandato. Para isso, se impõe imperativamente - como temos afirmado - a recomposição de uma coalizão partidária de apoio para sustentar o governo nos seus objetivos, nesta etapa, e o diálogo e vínculo crescente com ampla base social, principalmente a que garantiu sua reeleição.
O resultado das eleições das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal demonstra realmente fortes obstáculos para a presidenta reunir forças políticas que a apoiem no Congresso Nacional. No Senado o resultado lhe propicia relativa relação de confiança política. Ademais, na Câmara, a vitória de Eduardo Cunha é uma manifestação de deslocamento de poder no Planalto, confirmando que a reaglutinação de forças políticas governistas carece ainda de acordos e pactos.
A composição do novo governo, já consumada no primeiro escalão, não foi capaz de originar uma coalizão política que se comprometa com uma agenda comum com o governo, dando base a uma maioria na Câmara, sobretudo no sentido da mudança e das reformas democráticas. Portanto, o resultando acrescenta mais dificuldade e incerteza para o avanço dos objetivos do segundo mandato da presidenta Dilma.
Agora se sobrepõe um cenário no qual o governo Dilma é atingido por fogo cerrado e o PT é ostensivamente criminalizado pela mídia dominante. Assim, o consórcio oposicionista propaga uma situação de caos, vincando a crise política com a crise econômica, propalando sua justificativa de judicializar o golpe político.
Em verdade, estamos no Brasil no curso de uma conspirata-conservadora-revanchista que reúne a -casa grande-, a oligarquia financeira global, todas as forças de direita e extrema-direita, as camadas sociais endinheiradas e a mídia hegemônica, a fim de depor a presidenta Dilma, desmoralizar o PT, e a esquerda no Brasil, retomar o poder central a qualquer meio e custo. Sim, eles não admitem mais quatro anos de governo (somando 16 anos de governo) sem a sua plena condução e tutela, num mundo em crise do próprio sistema capitalista dominante, como já dissemos, no qual é grande o risco de surgir e crescer uma alternativa de esperança, de um novo mundo, de novas relações de produção econômica e social.
A conspiração dessa santa aliança conservadora e antidemocrática, diante da lenha seca que vem se juntando, procurou incendiar os ânimos, o ódio, a luta antigoverno Dilma, anti-PT, com uma faísca detonadora na véspera da comemoração do 35º Aniversário de fundação do PT. O cenário preparado se abriu: telejornais, rádios, manchetes dos jornalões - de forma orquestrada - anunciaram exaustivamente que o PT teria recebido 200 milhões de dólares em propinas. O delator, ex-gerente da Petrobras, sem apresentar nenhuma prova para tanto, foi posto em liberdade. O seu trabalho estava feito. Completa esse cenário preparado por eles a condução coercitiva de João Vaccari Neto, tesoureiro nacional do PT - em notícia preparada por um jornalista de plantão do Estadão - que foi -arrastado- para depor.
Esse recente episódio comprova que a conjuração reacionária atinge assim um patamar mais ofensivo e carregado de grandes ameaças. Tenta seguidamente consumar uma forma de ultimato de rendição ao PT, adensando o clima propício a uma justificativa golpista na forma de impedimento da presidenta da República.
Ostensivo sentido político da Operação Lava Jato
Os meandros da Operação Lava Jato, conduzida pelo Juiz federal Sergio Moro, vão se notabilizando pelo desprezo às normas jurídicas e à Constituição. Permitem o vazamento seletivo de informações em delação premiada, que corre em segredo de justiça, em parceria com a mídia. Primeiramente prende-se o suspeito para depois apurar, com o intuito, na prática, de coagi-lo, levando-o ao constrangimento de aceitar o regime da delação premiada. Inaugura-se no Brasil uma situação na qual o processo penal só tem acusação, inclusive por parte do próprio réu. Deve-se combater rigorosamente a corrupção, mas não se pode admitir a violação do princípio universal do Estado de Direito. Essa Operação investigativa vai se tornando incrivelmente uma forma de conduta de uma republiqueta autoritária, dentro do Estado, com poder paralelo tendo finalidade mais política do que jurídica.
Já vem acontecendo em nosso país a ação política superposta ao processo judicial. Os fins já são anunciados antes da execução da sentença, como aconteceu com a AP 470 - sendo que agora, numa dimensão e consequência muito maiores. Como disse Lula no 35º Aniversario do PT: -Pessoas são acusadas, por meio da imprensa, com base em vazamentos seletivos de uma investigação à qual somente alguns têm acesso-. -"Não há contraditório, não há direito de defesa". "E quando o caso chegar às instâncias finais da Justiça, o pré-julgamento já foi feito pela imprensa, os condenados já foram escolhidos e bastará apenas executar a sentença".
No terreno econômico, as investigações em andamento da Lava Jato - além de forçar o caminho para privatizar a Petrobras, mudar o sistema de partilha na exploração do pré-sal e liquidar a política de conteúdo nacional - podem levar à destruição de grandes empresas nacionais e da engenharia nacional. Concluir que essas empresas são inidôneas, ou, como pretende o juiz Moro, cancelar ou suspender todos os contratos em andamento com a Petrobras, vai causar grande impacto econômico e social.
O efeito objetivo disso é a quebra da cadeia de pagamentos de uma empresa que é o centro de articulação de todo o setor petróleo, ou mais de 10% da economia, atingindo um número imenso de grandes, médias e pequenas empresas, e cujas relações indiretas se estendem por fronteiras econômicas ainda mais amplas. Isso se reflete obviamente em consequências devastadoras para o emprego, como já começa a acontecer.
Essa sobreposição política e econômica é potencializada diuturnamente pela conspiração conservadora. Esse é o seu caminho com o objetivo de forçar a desestabilização do governo Dilma e da própria ordem institucional, abrindo o espaço para uma saída de exceção, para o impeachment da presidenta da República. A cobra venenosa não muda sua natureza de inocular seu veneno na vítima. Também a direita no Brasil não altera sua natureza reacionária, golpista contra governos democráticos e progressistas.Assim tem sido seu DNA, cujo emblema maior na recente história política brasileira surgiu com o lacerdismo, no segundo período getulista. Hoje o lacerdismo tem a marca do bico tucano.
Resistência e luta para retomada da contraofensiva
Para as forças democráticas, progressistas, para o movimento popular e a esquerda - diante desse avanço conspirativo - só existe o caminho da resistência, da luta para retomada da contraofensiva.
Em face da distinta situação de acumulação de um feixe de contradições, num clima envenenado exaustivamente pela mídia hegemônica, que leva ao esgarçamento da credibilidade do governo Dilma, a sociedade se encontra inquieta, vivendo o dilema de sustentar as conquistas alcançadas e, sobretudo, vive a ansiedade por almejar maiores conquistas, ainda distantes.
Diante disso tudo, o diálogo constante com as lideranças políticas, com o povo e a mobilização popular mais ampla é o aríete para reverter a situação atual, principalmente considerando o papel da presidenta da República. Em primeiro lugar é exigido dela sua comunicação constante com a população em pronunciamentos à Nação, esclarecendo seus planos e perspectivas, como exemplo maior do que ela própria tem afirmado: -É preciso reagir aos boatos e travar a batalha da comunicação-. Isso extensivo a todo o governo. Cabe à presidenta apresentar uma nova agenda positiva do novo governo, mas não somente, é imprescindível mobilizar e concentrar esforços nessa agenda, para a sua divulgação persistente e execução resoluta.
Na marcha do curso político - tendo em vista o resultado da eleição da presidência da Câmara dos Deputados - assoma maior encargo para a presidenta e seu núcleo político a recomposição da base de apoio do governo no Congresso Nacional, por meio do diálogo sistêmico com as lideranças políticas no Congresso, com os governadores e prefeitos das grandes cidades.
Nas condições atuais é muito relevante o papel de Luis Inácio Lula da Silva, hoje, o maior líder político do povo brasileiro. Ele tem sido o fiador da continuação do novo ciclo político aberto desde 2003. O seu contínuo apoio à presidenta Dilma, desde a apresentação como sua sucessora até hoje, em última instância, é uma retaguarda significativa para sustentação do atual governo. Lula encarna dentro e fora do país, a esperança pela perspectiva de um Brasil democrático, soberano e desenvolvido, de justiça social, solidário com nossos vizinhos e os povos do mundo.
Bandeiras da resistência e da retomada da contraofensiva
Imbuídas da imensa responsabilidade da hora presente, as forças políticas mais consequentes e comprometidas com a continuação das mudanças vão se reunindo progressivamente em torno das questões mais candentes, que ganham forte apelo: a retomada do crescimento com progresso social - questão central - a garantia dos direitos trabalhistas, tributação das grandes rendas e grandes fortunas para contribuir no financiamento do crescimento, a defesa da integridade da Petrobras, do regime de partilha na exploração do pré-sal e a defesa da economia nacional e da concretização das reformas estruturais.
Tendo como base essas questões candentes e de apelo crescente é que a esquerda deve se encontrar em torno de uma agenda comum, para formação de uma ampla Frente de Esquerda, política e social, que reúna partidos, organizações, entidades, lideranças de vários setores da sociedade, para fazer vicejar a ação comum que possa levar a uma massiva mobilização social e popular.
Dentre as reformas estruturais democráticas já compreendidas como mais urgentes - a reforma política e regulamentação da mídia - adquire emergência a reforma do atual sistema tributário, regressivo e desigual.
Em relação à reforma política, o PCdoB tem proposto, há tempos, a unificação das propostas democráticas pela reforma política, visando alcançar uma opinião majoritária na sociedade. Nesse sentido, torna-se tangível para compreensão massiva, o financiamento empresarial de campanhas eleitorais, que deve ser abolido, sendo a causa principal da corrupção tão alardeada pela mídia hegemônica no caso presente acerca das investigações dos ilícitos na Petrobras. Ao mesmo tempo ganha amplitude o apoio à posição predominante de inconstitucionalidade do financiamento empresarial em curso no Supremo Tribunal Federal. Também merece o nosso repúdio a tentativa de prevalecer na Câmara dos Deputados a PEC 352 - precisamente uma PEC antirreforma, que se aprovada seria um grande retrocesso no processo eleitoral do país.
Golpismo Não! Presidenta Dilma FICA!
Hoje há uma premissa na luta das forças realmente comprometidas com o prosseguimento do avanço civilizacional em nosso país, contra o retrocesso: defender o mandato da presidenta da República. Em face da desenvoltura da conspirata-conservadora-revanchista, jogar na instabilidade política, direta ou indiretamente, é reforçar objetivamente a investida golpista. A tucanada e a elite conservadora não têm autoridade moral e política para falar de impeachment e sequer têm o direito de acusar a presidenta de estelionato eleitoral. Ao cenário montado por eles, composto pela mobilização de camadas médias urbanas - claramente antipetistas e anti-Dilma, à moda das marchas de rua comandadas por figuras burlescas no pré-golpe de 1964 - devem ser respondidas veementemente: Golpismo não! A presidenta Dilma FICA!
Pensamos que a esquerda e as forças políticas consequentes devem manter o seu compromisso de sustentar a presidenta nesta conjuntura singular, estar neste campo de luta, manter uma relação de confiança mútua com a presidenta Dilma. Isso não é contraditório com a manutenção de uma postura propositiva crítica em questões caras como assegurar direitos sociais e trabalhistas conquistados e a proposta de que devem arcar de forma mais pesada na superação da crise os donos de grandes rendas e fortunas e não os mais pobres.
Ademais, compreendemos ser essa a maneira mais justa da presidenta fazer prosperar o diálogo com a base social que a elegeu, buscando a alternativa consensual neste momento: o ajuste econômico deve visar a retomada do crescimento mais rapidamente, garantido emprego e renda do trabalho, afirmando direitos históricos. Devemos estar juntos nas duas tarefas centrais para resistir e enfrentar a investida golpista, elitista, conservadora, revertendo a situação: recobrar a iniciativa política e retomar o crescimento econômico.
* Renato Rabelo é presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)