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Resenhas

Edição 133 > O livro das trevas reeditado

O livro das trevas reeditado

Marcelo Ridenti*
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A reedição do Livro negro da ditadura militar é muito bem-vinda neste cinquentenário do golpe de 1964. Trata-se de um documento histórico pioneiro nas denúncias de repressão e tortura promovidas pela ditadura contra seus opositores, do golpe a julho de 1972, quando a obra foi editada pela primeira vez na gráfica clandestina da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), com 200 páginas e 500 exemplares que foram distribuídos no Brasil e no exterior. Ela resulta do esforço coletivo de militantes que arriscavam a pele ao divulgar as atrocidades do regime. Estiveram diretamente envolvidos: Carlos Azevedo, Bernardo Joffily e Jô Moraes (principais responsáveis pela redação), José Ricardo Junqueira, Divo e Raquel Guisoni (encarregados da impressão), Márcio Bueno Ferreira (digitação), Renato Rabelo e Duarte Pereira (supervisão). Este último coordenou o projeto da APML, que envolveu ainda a participação de outros militantes, como Aldo Arantes, Narciso Kalili e Elifas Anderato, autor da capa com a imagem do crânio de uma caveira com um quepe do exército.
O livro traz informações sobre a luta contra a ditadura promovida por estudantes, intelectuais, religiosos, operários e camponeses, abordando episódios como a “sexta-feira sangrenta”, greves operárias e manifestações no campo, destacando a repressão aos opositores do regime e denunciando vários casos de tortura e assassinato por parte de agentes do Estado, muitos deles citados nominalmente, com elementos de prova para incriminá-los. A obra apresentou uma primeira lista, assumidamente ainda incompleta, dos “principais assassinos e torturadores de presos políticos” (p.179-184). Trechos de depoimentos contundentes de punidos pelo regime foram reproduzidos, assim como de outros documentos de rara divulgação, caso do poema de um cantador do vale do Pindaré, no Maranhão, dedicado às lutas do líder camponês Manoel da Conceição. 
É certo que os temas tratados com pioneirismo e audácia pelo livro, no calor dos acontecimentos, foram desvendados com mais detalhes posteriormente por pesquisas que contaram com condições muito melhores de realização, mas isso não tira o interesse na síntese pioneira, que destacou por exemplo a existência de centros de tortura e repressão clandestinos dentro da própria legalidade precária do regime, muitas vezes localizados em chácaras, algo que hoje vem à luz cada vez com mais detalhes nos trabalhos da Comissão da Verdade, que descobre novos casos de imóveis secretamente dedicados à repressão e extermínio de opositores. 
A principal contribuição da reedição da obra está em divulgar esse documento histórico. Por isso foi acertada a opção da editora Anita Garibaldi e da Fundação Maurício Grabois de publicar o livro em edição fac-símile, tal qual circulou de mão em mão num tempo de “combate nas trevas”. As letras espremidas que saíram de máquina de escrever, alguns errinhos e irregularidades de datilografia, o formato da capa e outros detalhes dão ao leitor a sensação de voltar no tempo e compartilhar com os autores as dificuldades e o capricho do seu trabalho artesanal, bem como a atmosfera de indignação contra a ditadura e seu aparelho repressivo. Também foi feliz a decisão de anexar um encarte que explica como o livro foi produzido em 1972, no período mais pesado de repressão, trazendo breves depoimentos dos principais envolvidos na versão original. 
A nova edição dá o que pensar sobre o que eram as esquerdas na época e o que são atualmente. Um bom exemplo está no título, Livro negro da ditadura militar. O adjetivo “negro” não soa bem aos ouvidos de hoje, nem no título nem em outros trechos da obra, que fala por exemplo em “papel negro da ditadura militar” (p.8), “anos negros da história de nossa pátria” (p.25), “um dos períodos mais negros da história” (p.27). Não por acaso, o encarte da nova edição abre-se com a seguinte observação, que ocupa uma página inteira:
“O título Livro Negro em nossos dias geraria compreensível repúdio. O movimento antirracista, que emergiu com força na fase final da ditadura, conseguiu banir esse tipo de associação da palavra ‘negro’ com ‘cruel’ ou ‘tenebroso’. Que o leitor do século 21 julgue o título de 1972 com tolerância, recordando que naqueles tempos esse debate nem existia, era sufocado, como tantos, pelo tacão ditatorial”.
    Seria, de fato, um anacronismo condenar o título original com base em uma cultura política do presente, quando não só o movimento negro se expandiu, como também certa difusão do chamado “politicamente correto”. Ora, o título do livro usa o adjetivo “negro” sem qualquer conotação racial, no sentido de falta de luz, trevas, escuridão, remetendo ao que é funesto, à tonalidade do luto, não por acaso assumida pelos camisas negras fascistas e nos uniformes da SS nazista e seu culto da morte (no extremo oposto e por outras razões, os anarquistas usam símbolos negros desde o fim do século XIX, negando assim o colorido das bandeiras dos estados nacionais e suas estruturas opressivas, atestando que a referência ao negro pode ter significados muito distintos e distantes da questão racial). É no sentido de trevas que o adjetivo negro foi utilizado numa outra importante obra coletiva de denúncia, O livro negro da USP: o controle ideológico na universidade, publicada em 1978, já no contexto da abertura política, pela Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo. 
Provavelmente, historiadores do futuro – quando, esperemos, não haverá mais racismo – estudarão as razões pelas quais na sociedade brasileira de hoje se tende a dar um sentido racial para qualquer uso do termo “negro”. Fato é que, em nossos dias, dificilmente o título de uma obra como essa seria o mesmo, já que foi banida nos meios de esquerda qualquer associação da cor negra com aspectos negativos. Pelo menos no Brasil, já que tiveram sucesso internacional obras recentes em diferentes polos do debate ideológico, uma intitulada O livro negro do comunismo, organizada na França em 1997 por Stéphane Courtois para relembrar “crimes, terror e repressão” dos comunistas; e outra que veio em seguida como resposta coletiva, o Livro negro do capitalismo, coletânea organizada por Gilles Perrault em 1998 no mesmo país. Ambas estão traduzidas para o português e são conhecidas entre nós. O período mais tenebroso da História recente do Brasil, entretanto, está registrado no Livro negro da ditadura militar. ª

*Marcelo Ridenti  é professor de Sociologia no IFCH/Unicamp 


Livro Negro da Ditadura Militar

Organizador: Divo Guisoni
ISBN: 978-85-7277-148-1
Formato: 16.00x0.8x22.00 cm
Páginas: 204. Acompanha encarte
Edição: 2ª reedição
Ano: 2014
Editora Anita Garibaldi, Fundação Maurício Grabois

Disponível na loja virtual da Editora Anita Garibaldi – http://www.anitagaribaldi.com.br

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