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Homenagem

Edição 133 > Entrevista com Diógenes Arruda Câmara Centenário de um comunista “danado”

Entrevista com Diógenes Arruda Câmara Centenário de um comunista “danado”

Albino Castro e Iza Freaza
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p>Neste dezembro de 2014, quando Diógenes Arruda Câmara

completaria 100 anos, Princípios homenageia o líder comunista publicando, pela primeira vez em meio impresso, parte de uma extensa entrevista na qual Arruda faz um

relato detalhado de sua trajetória militante e fala da rica história de lutas dos comunistas no Brasil

Nascido em 23 de dezembro de 1914, em Afogados da Ingazeira (PE), Diógenes Arruda Câmara foi um dos principais ícones do Partido Comunista do Brasil. A entrevista a seguir chegou em minhas mãos como áudio límpido em sua maior parte por intermédio do jornalista Albino Castro. Ele e a também jornalista Iza Freaza (que em certa altura caracterizou o entrevistado como -danado-) entrevistaram Arruda na cidade de Roma, Itália, em junho de 1979, meses antes da sua morte repentina, já no Brasil, em 25 de novembro do mesmo ano. Os entrevistadores são os jornalistas Albino Castro (à época correspondente do jornal O Globo) e Iza Freaza (colaboradora do jornal Pasquim), com a participação de Rosenthal Calmon Alves (correspondente do Jornal do Brasil em Madri). Estava presente também a esposa de Arruda, a pintora pernambucana Teresa Costa Rego, que vive atualmente em Olinda (PE). (Osvaldo Bertolino)

Leia a seguir a primeira parte da entrevista

Iza Freaza - Diógenes Arruda: há quanto tempo você está fora do Brasil-

 

Arruda - Olha, eu saí do Brasil depois que fui posto em liberdade. Eu estive preso de 11 de novembro de 1969 a 22 de março de 1972.

Iza - Você saiu porque lá (no Brasil) a barra estava muito pesada-

Arruda - Não, eu saí porque estava muito doente. Eles me soltaram provavelmente por isso. Quando saí fui rapidamente ao médico, que chegou à conclusão de que eu estava tuberculoso dos dois pulmões e que eu tinha de me submeter a umas operações para me recuperar, e que eu estava doente do coração e tinha que fazer uma operação na vista. Então, eu sou um refugiado que não sou refugiado. Por quê- Porque eu tinha que fazer todo esse tratamento médico fora do Brasil. Fui à Argentina, da Argentina fui ao Chile, para conseguir documentos, vim a Paris e fui a um médico.

A operação custava muito caro, e eu fiz um cálculo: voltando ao Chile e fazendo a operação com os melhores especialistas de Santiago, o custo seria menor com a viagem de ida e volta e a operação lá do que se eu fizesse a operação em Paris. Eu fiz essas operações (em Santiago) e o último médico, que foi o oftalmologista, me deu alta numa sexta-feira, às 5 horas da tarde. Eu fui à Air France comprar passagem e me disseram que no sábado estava fechado. Eu vinha na terça-feira. E na terça-feira houve o golpe (militar) no Chile. Portanto, eu fui pego (pelo golpe) no Chile acidentalmente.

Iza - Você foi preso lá-

Arruda - Não. Então, passadas umas duas semanas, estávamos vendo que vários brasileiros estavam sendo presos. Tinha vindo uma equipe ou duas da repressão brasileira, e eu considerei que devia me refugiar numa embaixada e optei pela embaixada da Argentina. Passei mais ou menos um mês lá e fui à Argentina e aí fui procurado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas. E alguns amigos tinham providenciado minha vinda para a França e, então, vim para cá. Passei seis meses antes na Argentina e vim para a França, onde estou até hoje, mesmo tendo várias andanças por várias partes da Europa, Oriente. . .

Iza - Antes dessa prisão de 1969 você já tinha sido preso-

Arruda - Já. Eu já tinha sido preso em 1937 com o golpe do Estado Novo, passei em prisão três meses, depois fui preso em 1940. Nessa prisão de 1940 estive incomunicável, sendo torturado durante dois meses. Depois passei incomunicável durante oito meses. Depois de eu ter me negado por dois meses a prestar qualquer depoimento, fui solto com um ano e dois meses de prisão, por um habeas corpus e porque não conseguiram uma palavra de minha parte - apesar de eu ter sido seriamente delatado. Assim aconteceu. Fui preso também, quando era já suplente de deputado federal, em fins de 1945, em São Paulo, mas por um dia e uma noite. Através de um grande movimento de deputados na Câmara Federal etc., fui solto. Também aí havia me negado a prestar qualquer depoimento. A última foi essa de 1969. Foram quatro prisões.

Iza - Você pode falar de sua atividade política, quando você começou a militar no Partido Comunista- Você pode começar falando da sua infância, para depois chegar lá na sua opção política... Você é de onde-

Arruda - Eu sou sertanejo, pernambucano. Nasci num sítio chamado Coruja, no município de Afogados. No Vale do Pajeú.

Iza - Família grande... Você tinha quantos irmãos-

Arruda - Eu era o irmão mais velho e tinha duas irmãs. Posteriormente nasceu um irmão. Mamãe morreu dele, meu pai casou a segunda vez e tenho mais duas irmãs e dois irmãos. E tem uma menina também que nasceu lá em casa e foi criada por uma irmã. Então somos cinco mulheres e quatro homens.

Iza - Seu pai era o quê-

Arruda - Meu pai era uma pessoa muito pobre. Trabalhava, fazia de tudo no interior de Pernambuco. Só vim a conhecer Recife em 1930. Aí, assisti ao movimento de 1930 (a Revolução que levou Getúlio Vargas ao poder), participei de um movimento revolucionário de sargentos e cabos que se verificou em fins de 1931 em Recife. Eu tinha um primo estudante de medicina e que me iniciou no comunismo. Me recordo os primeiros livros que li sobre o comunismo. O primeiro foi um livro chamado A Educação Sexual na União Soviética (risos). O outro foi sobre a história das lutas sociais, que era de um escritor inglês chamado (ininteligível). Um outro de um engenheiro brasileiro na Rússia. . . Não me recordo o autor.

Bem, então eu fiquei, muito jovem, por volta de 1932, simpatizante do Partido, através desse primo meu. Posteriormente, em dezembro de 1934, ingressei no Partido. Eu entrei no Partido influenciado por vários fatores. Primeiro, por lutas que vinham se verificando no Brasil. Era a greve geral dos marítimos, a greve geral dos bancários, a greve geral dos funcionários dos correios e telégrafos, um movimento contra a guerra e o fascismo. E me influenciou muito a campanha que houve no Brasil contra a invasão da Itália na Abissínia. Fiquei profundamente impressionado e, nesse tempo, eu trabalhava no comércio e estudava. Era um estudante pobre. Posteriormente, me transferi para a Bahia. Ali também trabalhava e estudava.

Iza - Quanto tempo você ficou na Bahia, que é a sua segunda terra, como você costuma dizer-

Arruda - De fato, eu considero a Bahia a minha segunda terra. Ali eu cheguei muito jovem, com 19 anos de idade, e fiquei de dezembro 1934 a princípio de 1941. Participei ativamente do movimento sindical e também participei relativamente do movimento estudantil. Mas me interessava naquele tempo participar do movimento sindical. Muito jovem, ocupei postos de direção do Partido na Bahia. Com 22 anos de idade eu era o primeiro secretário do Comitê Regional e fiquei nessa função até quando saí da Bahia, no início de 1941, depois dessa prisão de que falei.

Iza - Eu queria que você falasse se era muito difícil a militância nessa época. Parece que era uma época de muito movimento e a guerra, como você dizia, mobilizava muita gente. Havia também a Coluna Prestes, que vai servir de catalizador para uma movimentação grande. Eu queria saber como era o militante daquela época.

Arruda - De fato, a -Coluna Invicta-, e eu era muito jovem, uma criança, 12, 10 ou 11 anos de idade... Meu pai se entusiasmou muito pela Coluna. Ela passou muito perto de onde nós morávamos. E aquilo impressionou muito os sertanejos. Posteriormente, meu pai participou do movimento de 1930. Foi voluntário e lutou não só em Recife, mas também em todo o Nordeste, até a Bahia. Isso também me impressionou profundamente.

Iza - As pessoas falam da Coluna hoje como se fosse uma lenda. A gente não consegue captar exatamente o que foi...

Arruda - Podemos dizer que a Coluna teve uma grande repercussão no Nordeste. Naquela parte onde se passa fome, onde existe retirante, flagelados, onde o povo era revoltado e naquele tempo só conhecia o governo por duas formas: ou para cobrar impostos ou em face da polícia, que chamava-se, naquele tempo, os macacos. Quer dizer: era a polícia militar de um lado e os impostos do outro. Então, o sertanejo era muito revoltado com os governos. E era sempre favorável às oposições. Principalmente aquele que pode se chamar de povo pobre, povo trabalhador.

Iza - Você é um pouco cangaceiro, não é-

Arruda - (Risos) Não sou um cangaceiro (risos), sou um comunista. Mas, de fato, você sabe que no sertão, no momento da minha infância e da minha juventude, havia uma grande ebulição. Muitas lutas. Eu tinha uma tia, irmã de papai, que era amiga da família Ferreira. E inclusive amiga do Virgulino, antes de Lampião entrar no cangaço. Nossa família era respeitada por Lampião. Também papai tinha um amigo que chamava-se, não sei por que, José -Chabordado- que, muito jovem, brigou com Lampião. E eu vivi na minha infância sabendo daquelas histórias de cangaceiros, daquelas lutas no sertão. E assim me criei como um elemento sem ter medo de polícia, sem ter medo de luta. E animado para a luta, inclusive para a luta armada (risos). E com ódio da polícia. Um ódio (ênfase) muito grande da polícia.

Você sabe qual foi o primeiro presente que meu pai me deu- Foi um revólver Schmidt-Wesson e um punhal (risos). Quer dizer: para eu me defender. Agora, na nossa família existia um preconceito de honra muito grande. Inclusive de fidelidade aos amigos. A primeira vez que eu fui preso, por exemplo, fui expulso da Bahia para Pernambuco e papai mandou um amigo dele saber qual tinha sido meu comportamento na prisão. Era para o amigo perguntar se eu tinha sido fiel aos meus amigos. Porque, se eu não tivesse sido fiel, ele nunca mais queria saber de ouvir falar de mim. E que eu não aparecesse mais lá em casa. Então, esse episódio é significativo porque fiquei muito aborrecido e tive que dizer a eles que eu era um comunista e que era, portanto, mais homem do que eles, e que eles deveriam me pedir perdão porque o meu comportamento não podia deixar de ser de fidelidade aos meus camaradas (ênfase e bate com a mão na mesa).

Iza - E o que ele respondeu-

Arruda - Claro que papai me pediu perdão! Isso era uma coisa significativa, sentimento de honra, de fidelidade ao amigo. Ele considerava que meus camaradas de Partido eram meus amigos. E um amigo não pode trair o outro amigo, tem que ser fiel. Assim eu me criei. Era o que se pode chamar a lei do sertão, da dignidade do homem, da lealdade para com os amigos.

Iza - Você já era muito danado nessa época, não é-

Arruda - Danado (risos)-

Iza - No movimento sindical...

Arruda - Sim, eu gostava. Era um homem prático. Eu gostava da luta. Gostava de participar do movimento sindical, participar de lutas. Na Bahia, por exemplo, participamos muito de lutas, de greves, de lutas operárias, mas também de choques com os integralistas. Porque houve, depois da derrota (do levante armado comandado pela ANL) em 1935, uma repressão tremenda no Brasil, mas o movimento se recuperou em 1937. Houve um ascenso democrático no país, houve uma anistia parcial e começou uma luta anti-integralista para impedir que eles ocupassem a praça pública. Então, operários e estudantes fizeram frente única em Salvador. E nós fizemos um compromisso de que os integralistas não ocupariam nem as ruas e nem as praças públicas em Salvador. Então, aí surgiram muitos choques e efetivamente o povo baiano não permitiu que os integralistas ocupassem a praça pública.

Iza - Teve algum caso curioso dessa época dos choques diretos com os integralistas-

Arruda - Sim. Tivemos choques sérios.

Iza - Quem eram os integralistas baianos dessa época-

Arruda - Me recordo de poucos. Renato de Azevedo e, se não me equivoco, Rômulo de Almeida. Depois, com o golpe do Estado Novo, veio o Landulfo Alves. Tinha o Isaias Alves, irmão do Landulfo Alves, que era um educador, mas um integralista ferrenho. Tem um episódio significativo de quando nós estávamos na prisão depois do golpe do Estado Novo, em 1937. Nós estávamos numa prisão, que era um forte na Bahia, e chegam o novo comandante do batalhão de caçadores, o chefe de polícia e o delegado de ordem política e social.

Mandaram todos os presos políticos formarem e, um deles, não me recordo se era o comandante do batalhão de caçadores, fez uma pregação e disse que por baixo daquela farda tinha o que mais orgulhava ele, que era uma camisa verde. E disse: Bem, todos os que são comunistas dêem um passo à frente, porque alguns vão para um campo de concentração no Mato Grosso e outros vão ser fuzilados. Então, tinha eu, um gaúcho que tinha participado da Coluna, chamava-se Sibélio, e um professor da escola de agronomia chamado Wagner Cabral. E uns líderes sindicais. Então, nós nos olhamos, e resolvemos, quando ele disse dê um passo à frente, todos darmos um passo à frente. E respondemos: Pior é na guerra. O homem ficou tão desmoralizado que deu meia-volta volver e desapareceu (risos).

Iza - Foi nessa prisão de 1937-

Arruda - Foi na prisão de 1937.

Iza - Você ficou na Bahia nessa prisão-

Arruda - Sim. Eu, o meu amigo Rui Facó, que era um jornalista brilhante...

Iza - Quem mais-

Arruda - Também estavam Nestor Duarte, o Aliomar Baleeiro...

Iza - Todo mundo preso...

Arruda - Todo mundo preso. Foi uma razia na Bahia.

Iza - Aí depois de solto você continuou sua trajetória no Partido...

Arruda - Ah, continuei...

Iza - Quero que você conte.

Albino Castro - Quando você foi solto-

Arruda - Eu fui solto dois ou três meses depois. Não me recordo agora. (interrupção da gravação) Pois eu vou te contar um fato que aconteceu na minha juventude. Na minha juventude, ser comunista era ser contra a família, ser inimigo mortal da religião, não respeitar a crença dos outros, ser, inclusive, inimigo da pátria. Isso tudo na versão dos inimigos. E ao ser solto e deportado para a minha terra, cheguei e tinha uma mulher que havia se criado junto com mamãe. Quando mamãe casou, ela foi morar com mamãe. Chamada Joaquina. E eu a chamava de mamãe Joaquina. Então, ao chegar lá, ela disse: Meu filho, você foi solto pelas minhas promessas à Nossa Senhora dos Remédios. E você vai pagar as promessas comigo- Você não sendo crente, você sendo ateu- Digo: Vou. Vou porque respeito sua crença. Se você acredita que eu fui solto pelas suas promessas, nós vamos juntos às igrejas pagar essa promessa.

E fui com ela. Entrei na igreja, o padre não queria me receber porque eu era comunista. Ela pagou as promessas, eu, claro que não me ajoelhei, fiquei ali ao lado dela. Ela não pagou as promessas porque não tinha dinheiro. Eu paguei as promessas por ela, comprando as ervas, dando o dinheiro lá na sacristia. O padre havia anunciado que eu não entraria na igreja. Ele não queria que eu entrasse. Fui com ela, porque respeitava a crença dela. Isso teve uma grande repercussão, porque ninguém acreditava. Só ela dizia: Não, eu conheço meu filho. Eu tenho certeza de que ele vai comigo pagar as promessas. Ele não tem crença, é ateu, mas ele respeita a minha religião. Sempre respeitou. Eu quase que era um filho de criação dela. Eu fui e isso, primeiro, desmascarou o padre e, depois, teve uma grande repercussão. Isso era muito importante naquela época, na minha juventude. Porque isso mostraria que nós, comunistas, somos efetivamente homens que temos amor à família, temos amor à pátria e respeitamos as crenças de quem quer que seja - católicos, protestantes, judeus etc., etc.

Iza - Uma vez a gente estava num restaurante e você falou: essa pizza está igualzinha a uma hóstia. Vai me dizer (risos): como você sabe- Então já comeu hóstia...

Arruda - (Risos) Não, não. Não, porque aconteceu um fato interessante. Meu pai era assim um ateu primitivo. Ele tinha um irmão que era padre.

Iza - Que era até grande amigo de Pio XII...

Arruda - Foi amigo de Pio XII. E ele dizia que não havia diferença entre um homem que vestia calça e outro que vestia batina. E que os filhos homens não deviam, de maneira nenhuma, ir à igreja, não deviam rezar, se confessar, porque, ele dizia: Os filhos homens eu crio - as mulheres, sua mãe cria. Então, desde jovem me criei dessa maneira. Graças a meu pai, que era um homem assim meio esquisito em relação à religião.

Iza - Nem na hora do maior aperto você nunca pediu: meu Deus, ou qualquer coisa aí, me ajuda aqui- (risos)

Arruda - Não pedi. Me socorri às minhas forças interiores (risos). Contando essas histórias... (rindo). Eu quero ver essa entrevista!

Iza - Voltando ao negócio sério...

Albino Castro - Vocês estão em que ano aí na entrevista-

Iza - Nós estamos em 1937, ele está contando como era a movimentação na Bahia... de 1937 até 1940...

Albino Castro - O Arruda foi que organizou... quer dizer: o Partido em 1935 ou foi para a cadeia ou foi para o exílio. Uma parte, os militares, aquela coisa.

Arruda - Sim.

Albino - Quem reorganizou o Partido praticamente foi o Arruda na Bahia.

Arruda - Olha aqui: o Partido na Bahia se organizou um pouco depois da sua fundação. Assim por 1924, 1925. Mas sempre foi muito fraco. Apesar de ser um Partido que tinha muitos operários, o Partido que organizou o movimento sindical na Bahia, muitos deles (sindicalistas) foram anarquistas ou anarco-sindicalistas. Mas o Partido era bastante fraco. Existiam também os estudantes, os intelectuais - mas muito fraco. Tanto que na Bahia quase não teve movimento. Houve um grande movimento por ocasião da Aliança Nacional Libertadora, em 1935. Mas não houve luta armada. No movimento da Aliança Nacional Libertadora, cujo presidente chamava-se Edgard Matta, houve grandes comícios, grandes manifestações.

Eu me recordo que foi feita uma manifestação no Teatro Jandaia, na Baixa do Sapateiro, quando passava a caravana da ANL para o Nordeste e Norte do país. E o Teatro Jandaia superlotou - toda a Baixa do Sapateiro ficou cheia de gente. Operários (pronuncia pausadamente), muitos estivadores, operários do fumo, operários das docas, operários têxteis etc. Mas o Partido foi seriamente golpeado. Aí, um dos dirigentes principais do Partido, que era (Carlos) Marighella, foi embora, em 1936. Então, o Partido ficou muito fraco. Eu era um jovem membro do Partido, e me pareceu correto nós, depois da derrota de 1935, com as prisões cheias etc., levantarmos o Partido. E começamos seguindo duas linhas de conduta: reorganizar o Partido no movimento operário, ganhar os sindicatos, e organizar o Partido no movimento estudantil.

Também organizar o Partido, através do movimento sindical, na zona do cacau e no Recôncavo, na zona de cana-de-açúcar. Eu fui o organizador de sindicatos de assalariados agrícolas da cana-de-açúcar e também organizador dos sindicatos dos assalariados agrícolas do cacau. O nosso trabalho, a princípio, não era fácil. Havia muito sectarismo por parte dos camaradas operários do movimento sindical. Porque na Bahia havia Nosso Senhor do Bonfim e às vezes nossos dirigentes sindicais diziam assim: Graças ao Nosso Senhor do Bonfim, nós ganhamos a greve por aumento de salários etc. E nós tivemos que romper esse sectarismo também falando a linguagem do povo (bate na mesa). Indo a candomblé (ênfase), bebendo sangue de galo!

>Iza Freaza - Você ia a candomblé mesmo- Não baixava nada... (risos)

 

Arruda - Ia a candomblé. Fui amigo do Joãozinho da Goméia.(1) Frequentei muito o candomblé da (ininteligível). Era uma mãe de santo que havia feito a anunciação na África. Fui muito amigo, porque um filho dela era pescador e membro do Partido.

Bem, o nosso trabalho parece que rendeu bastante, porque nós levantamos o movimento sindical, organizamos uma união sindical de Salvador que agrupava naquele momento 64 sindicatos e fizemos lutas significativas. Me recordo que, no dia 1º de maio de 1940, fizemos uma passeata, em frente única de operários e estudantes, que foi da Praça Castro Alves até a Praça da Sé, ocupando toda a rua. Foi uma passeata por aumento de salários, por levantamento do movimento estudantil e contra o aumento da carne - chamado a luta contra o aumento da carne verde. Que era um monopólio da firma Magalhães.

Iza e Albino - Juracy Magalhães-

Arruda - Não. Os Magalhães que eram ligados a Clemente Mariani.(2) Das Casas Magalhães na Bahia, na Cidade Baixa. Que eram também usineiros, importadores e exportadores - eram magnatas na Bahia. Tinham bancos etc. Fizemos essa passeata no dia 1º e no dia 8 eu fui preso. Aí fui bastante torturado, em 1940. Bem, é preciso dizer que o nosso trabalho no movimento estudantil era de tal maneira significativo que nós tínhamos cinco professores e 96 estudantes na faculdade de medicina membros do Partido - o que era bastante significativo.

Albino - Entre eles Milton Caires de Brito...

Arruda - Entre eles Milton Caires de Brito, que era muito meu amigo e era o dirigente do Partido na faculdade de medicina.

Albino - Depois foi deputado por São Paulo...

Arruda - Depois foi primeiro-secretário do Partido em São Paulo, e deputado (federal) em São Paulo. Foi membro da Comissão Executiva do Partido, eleito na Conferência da Mantiqueira em agosto de 1943.(3)

Albino - Quer dizer: o Partido renasceu praticamente na Bahia. Depois da derrota de 1935, do levante armado... quando ele voltou à legalidade... por exemplo, Prestes tinha passado dez anos na cadeia.

Arruda: O papel da Bahia foi grande no Partido da seguinte maneira: nós tínhamos, entre 1937 e 1940, o melhor trabalho sindical. Nós também consideramos correto participar de eleições municipais. E foi da Bahia que surgiu o movimento para a organização da União Nacional dos Estudantes. Me recordo que foi organizada a UEB (União de Estudantes da Bahia), tendo o Edison Carneiro à frente, o Aydano do Couto Ferraz, o Milton Caires de Brito etc. Eram estudantes pobres, que viviam nas chamadas repúblicas. Aí a UEB tirou um jornal, chamado Unidade.

Esse jornal pôde articular um movimento no Nordeste, o movimento estudantil, e foi a partir daí que se organizou a União Nacional dos Estudantes - depois do golpe do Estado Novo. O seu primeiro presidente chamava-se Antônio Franca. Era um estudante de direito, pernambucano - que depois desistiu da luta. Nesse tempo ele era membro do Partido. A Bahia deu uma contribuição significativa. Um jornalista muito conhecido, que trabalhou na Última Hora, por exemplo, chamado Medeiros Lima, foi um dos dirigentes da UNE nesse período. Era alagoano e dirigente da União dos Estudantes de Alagoas.

Albino - Eu reforcei essa pergunta pelo seguinte: em 4195, quando o Partido volta à legalidade, você emerge praticamente como o segundo homem do Partido. Você desce da Bahia, trazendo um caminhão de quadros...

Arruda - (Risos)

Albino - E passa a dirigir, como secretário nacional do Partido, a organização. Quer dizer: o seu trabalho na Bahia foi tão importante, embora você seja pernambucano, que foi esse trabalho que te conduziu à direção do Partido. Porque você era um garoto...

Arruda - Eu me considero baiano de coração. Porque passei os melhores anos de minha juventude na Bahia etc. O caso foi o seguinte: depois que eu fui solto, em 1941, eu fui chamado... Em 1940, havia sido preso todo o Comitê Central do Partido, menos um elemento, que era um operário têxtil chamado Domingos Brás. Através do movimento estudantil e, posso dizer, através de um contato de João da Costa Falcão, que era um baiano, com o Edgar Carone, que é um historiador - nesse tempo era um líder estudantil em São Paulo -, o Domingos Brás me manda chamar para São Paulo. Porque, no período de 1940 a 1941, eu havia me destacado um pouco como dirigente na Bahia e vinha trabalhando junto à direção central do Partido. Bem, é preciso dizer que conheci Joaquim Câmara Ferreira em 1936, na Bahia - 1936, 1937.

Albino - Ele estava fugindo- Porque ele é paulista.

Arruda - Sim. O Comitê Central do Partido, com as perseguições que se verificaram no Rio e em São Paulo, se transferiu para a Bahia em 1936 e parte de 1937. As últimas delegações que foram a Moscou informar sobre a insurreição de 1935, partiram da Bahia. Uma delegação em 1937 e outra em 38. Então, fui chamado por Domingos Brás. Eu tive que fazer essa viagem pelo interior da Bahia, por Minas, e quando tomo o trem que vem de Minas, em Barra do Pairai, e vou chegando a São Paulo, próximo de Mogi das Cruzes, abro o jornal e tem: Prisão do Comitê Regional da Bahia. Domingos Brás etc. Aí, o que é que eu vou fazer- Vou voltar para a Bahia, para assumir novamente a primeira secretaria do Partido- Ou devo ficar em São Paulo- Eu vinha me integrar ao Comitê Regional de São Paulo. Então, eu resolvi ir para São Paulo.

Eu era um pau-de-arara, vinha com uma roupazinha de brim, no mês de abril, um frio que até as minhas rótulas tremiam. E resolvi reconstruir o Partido, junto com outros camaradas, em São Paulo. Me acompanhava Armênio Guedes. Então, o que fazer- Observei que os comunistas da colônia judaica, e os comunistas da colônia lituana, que eram operários metalúrgicos, não haviam sido presos. Procurei estabelecer contato com a prisão. Domingos Brás me informava que nem todo mundo tinha sido preso. Mas tinha se dado um fenômeno singular em São Paulo. Depois de 1935, todo ano o Comitê Regional caía. Parece que o inimigo cortava a cabeça do Partido, prendia o Comitê Regional, e deixava algumas pontas para ele acompanhar e golpear o Comitê Regional. E assim todo ano - 36, 37, 38, 39, 40, 41. Que fazer- Eu tracei um plano: botar de lado o velho Partido que a polícia tinha indicações e fazer um Partido novo. Não tinha outra maneira. Então, tive que me apoiar nos baianos. Fui chamando baianos para São Paulo.

Albino - Armênio já estava contigo...

Arruda - Já estava comigo. Chamei um companheiro que era o responsável pelo trabalho israelita na Bahia, ele veio. Aí entramos na colônia israelita - isso era muito importante porque nós éramos um Partido pobre, de andar de bonde de segunda, de segunda no trem, e passando uma miséria desgraçada. Me recordo que em São Paulo nós comíamos chuchu de manhã, chuchu à noite, chuchu a semana inteira, chuchu o mês inteiro porque não tínhamos outra coisa para comer senão chuchu com arroz e sal. E às vezes tomar uma xícara de café por dia - não tinha outra forma. Então fomos chamando... Na Bahia, nesse tempo, os estudantes de medicina se formavam e não tinham o que fazer. Então, como nós tínhamos muitos estudantes de medicina... mandam os médicos baianos para cá (ênfase). E nós fomos localizando nos bairros operários de São Paulo os jovens médicos baianos. O Milton Caires, me recordo, foi para o Tatuapé e aí estabeleceu contato com os operários metalúrgicos da (ininteligível). E fomos mandando também para o interior de São Paulo e para o Norte do Paraná. Para Londrina, que se abria naquele tempo, Jacarezinho etc.

E assim fomos levantando o Partido. Pouco tempo depois, estabelecemos contato com os ferroviários da sorocabana e com o Partido em Sorocaba, que não havia sido golpeado. Então, apoiados em alguns operários metalúrgicos... Me recordo de um chamado Antônio Vanucci, um velho operário metalúrgico da Atlas, dos elevadores Atlas, que era italiano - havia esquecido o italiano e não havia aprendido o português (risos). Mas era um homem de grande prestígio. Me apoiei também em dois operários metalúrgicos espanhóis. E num operário têxtil, não me recordo mais o nome dele. Esses quatro homens me ajudaram muito na formação. Meu segundo batismo de fogo foi com esses quatro operários - que ajudaram na minha formação como comunista. Eram operários de vanguarda, eram comunistas de muito valor. Posteriormente, nos operários de Sorocaba, da sorocabana etc. Foi assim que nós fomos reconstruindo o Partido.

Iza - E a polícia não conseguia mais pôr a mão em vocês...

Arruda - Aí, nunca mais a polícia de São Paulo meteu a mão num comunista. Até quando nós conseguimos conquistar a legalidade. Havia um judeu que trabalhava nas lojas -Quatro e Quatrocentos-, no Rio de Janeiro(4) , e nós transferimos o Armênio Guedes para trabalhar, não me recordo se na United Press ou na Associated Press, no Rio de Janeiro. Mas era uma agência de notícias. Por intermédio desse judeu, nós tivemos notícias de Maurício Grabois, que era membro do Comitê Regional do Rio de Janeiro. Maurício havia estado, por ocasião do movimento de 1935, em Minas Gerais, no Triângulo Mineiro etc. Maurício era um baiano, não sei se vocês sabem.

Albino - Baiano judeu.

Arruda - Judeu baiano. Ele foi amigo do Marighella desde o Ginásio da Bahia. Mas Maurício quis estudar na escola militar. Foi estudar na escola militar, em 1931, e aí entrou no Partido. Trabalho para cá, trabalho para lá, ele perdeu o ano. E na escola militar, quando se perdia o ano, ia para a tropa como soldado. Ele foi para a tropa. Aí, na tropa foi indisciplinado porque pegou umas cadeias e já era conhecido como comunista. Ficou mais um outro ano e ficou tuberculoso etc. Maurício foi um daqueles elementos que ajudaram a construir o Partido nas Forças Armadas. Mas eu conhecia já o Maurício de nome, através de alguns amigos comunistas - alguns camaradas que éramos amigos comunistas. No início de 1942, eu comecei a viajar para o Rio para ver se conseguia contato. Era muito delicado, porque as prisões que tinham se verificado em 1940 tinham como epicentro o Rio de Janeiro - porque houve fracassos, houve delações e traições. Inclusive de um secretário do Partido e alguns membros do Comitê Central.

Iza - Comitê Central ou Regional-

Arruda - Do Comitê Central. Alguns tinham se portado admiravelmente bem, mas outros tinham fracassado, barbaramente torturados. Maçarico nos pés, na bunda...

Iza - Maçarico-

Arruda - Maçarico elétrico (ênfase). Barbaramente torturados. Aí, se agigantam duas figuras. Mulheres. Que eram as estafetas entre o Comitê Central e o Comitê Regional de São Paulo. Uma eu não me recordo, eu sei que é uma personagem muito conhecida no livro de Jorge Amado Subterrâneos da Liberdade, e outra chamava-se Ireda (ininteligível). Ambas eram operárias têxteis. A que eu não recordo o nome era mulher de Domingos Marques, um operário têxtil de origem portuguesa. O Domingos estava tuberculoso e eles queriam que a mulher entregasse ele. Essas mulheres foram barbaramente torturadas - nunca disseram uma palavra. Ireda (ininteligível) ficou inutilizada e depois morreu em consequência das torturas. Bem, então nossa preocupação era reconstruir a direção do Partido. Nós todos éramos dirigentes do Partido muito jovens.

Iza - Que idade você tinha na época-

Arruda - Eu nasci em dezembro de 1914, era fins de 1941 princípio de 1942, estava com 26 anos - 25 para 26 anos.

NOTAS

(1) Nascido João Alves Torres, homossexual assumido, ele desafiava os conservadores ao dançar na noite em cabarés ou desfilar vestido de mulher, como fez no carnaval de 1956. Ganhou a mídia e, até a sua morte prematura, em 1971, virou referência para o culto afro, especialmente no Sudeste do Brasil (nota de Osvaldo Bertolino).

(2) Advogado, jornalista e banqueiro, participou da formação do Partido Social Democrático - PSD - da Bahia, em 1945 elegeu-se constituinte pela União Democrática Nacional - UDN - e afastou-se da Câmara em dezembro de 1946 para assumir a pasta da Educação e Saúde Pública do governo Dutra (nota de Osvaldo Bertolino).

(3) Na verdade, ele foi eleito na 3ª Conferência de 1946 (nota de Osvaldo Bertolino).

(4) Leôncio Basbaum, antigo militante e dirigente do Partido (nota de Osvaldo Bertolino).

A segunda parte desta entrevista será publicada na próxima edição de Princípios (jan/fev/2015). O texto na íntegra, assim como os aúdios da entrevista original, estão disponíveis através de links no site da revista, no seguinte endereço:

http://www.revistaprincipios.com.br/Arruda100anos

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