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Economia

Edição 133 > Economia no novo governo: ajustar é crescer

Economia no novo governo: ajustar é crescer

Renildo Souza*
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Com a alavanca política da vitória eleitoral, o crescimento econômico, retomado em vez de bloqueado, em conexão com o progresso social, como busca e afirmação do novo governo, é uma condição para a construção de um desenvolvimento econômico e social novo, avançado no Brasil

Terrorismo econômico é a denominação empregada, por analistas progressistas, para se referir à opinião insistente e dominante, repetida diariamente, nos meios de comunicação de que a economia brasileira encontra-se em estado catastrófico e de que o chamado intervencionismo estatal do governo Dilma é a origem de todos os supostos males. Nessas circunstâncias, para o novo período de governo da presidenta Dilma, debate-se sobre o diagnóstico da situação atual da economia brasileira, polemiza-se sobre o que, como e quando fazer em termos de decisões e medidas governamentais. A campanha eleitoral e a persistência de problemas econômicos em 2014 instalaram um confronto ainda mais exacerbado sobre a política econômica do governo e as perspectivas do Brasil. A vitória da presidenta Dilma e a derrota do candidato da retomada da orientação econômica neoliberal não arrefeceram a polarização e politização sobre os rumos econômicos. Ao contrário, aumentaram as pressões conservadoras a fim de impor ao novo governo um ajuste contracionista e recessivo na economia. Reeleita, a presidenta, em suas declarações, não desconheceu as importantes dificuldades econômicas e a necessidade de medidas, mas avisou que não haverá ajuste com desemprego. O objetivo deste artigo é apresentar alguns elementos sobre o diagnóstico dos problemas econômicos e a retomada do crescimento econômico, em contraste com as recomendações recessivas. A praça está cheia de conselhos, palpites e agouros!

Primeira parte: Diagnóstico

A situação econômica do país, no curto prazo, tornou-se precária, é verdade. Além do rescaldo recessivo internacional, alguns erros do governo contribuíram para isso. Podem ser destacadas, por exemplo, duas falhas, a saber: a política excessivamente recessiva nos primeiros meses do governo Dilma em 2011; e os impasses nas negociações, sobretudo acerca da taxa de retorno, para as concessões para a infraestrutura e, por conseguinte, o retardamento insuportável para os leilões e as contratações para os investimentos. Esses passos para o aumento dos investimentos só começaram a ser concretizados no final do governo, na segunda metade de 2013. O primeiro leilão do pré-sal ocorreu em outubro de 2013. A evolução do PIB entre 2011 e 2013 registrou a taxa média anual de crescimento de 2,0%. Com 2014, essa média vai baixar. O crescimento do consumo do governo, em média anual, no período da presidenta Dilma foi de 2,4%, ou seja, menor do que os 3,9% de 2007 a 2010 ou os 2,5% de 2003 a 2006, nos dois mandatos do presidente Lula. O investimento cresceu, em média ao ano, 10% entre 2007 e 2010 e caiu para inexpressivos 2,2% entre 2011 a 2013. As dificuldades concentraram-se especialmente no ano de 2014.

Mas a viragem para o enfraquecimento decisivo da atividade econômica ocorreu, dentre diversos fatores, pela sinalização da retomada da elevação da taxa de juros pelo Banco Central em abril de 2013. A despeito da chamada recessão técnica nos dois primeiros trimestres de 2014, a pressão inflacionária manteve-se. O próprio calendário eleitoral, com a dura polarização de projetos para o país, contribuiu com incertezas, levando os empresários a adiar suas decisões de gastos de investimento.

A opinião econômica no Brasil ainda é muito baseada nas teses neoliberais do Estado mínimo, na crença na desregulação econômica e no dogma da eficiência e equilíbrio do mercado. Para os conservadores, governo tanto causa inflação como não ajuda o crescimento. Repudiam a ideia de que gastos de governo podem estimular a economia, no enfrentamento das recessões. Exaltam, unilateralmente, o papel do mercado.

Alguns economistas e autoridades costumam comparar o governo a uma família, na gestão financeira. O ministro AntonioPallocci, em 2003, esgrimia rotineiramente tal retórica na TV. Essa argumentação falaciosa é usada para explorar a ingenuidade política e econômica de setores da população, sempre com o propósito de convencer as pessoas sobre a inevitabilidade de cortes de gastos ou aumento de impostos. O aperto fiscal é -amargo, mas é remédio-. É para curar o desperdício, a gastança, a imprevidência. Se é ajuste, é porque, diria o Conselheiro Acácio, há desajuste. Mas, diferentemente de uma família, as motivações e decisões financeiras do governo passam pelo debate e controle, através de eleições, leis e opinião pública. A maioria dos desembolsos do governo será parte da renda nacional, que será a fonte para a arrecadação tributária. Determinado déficit, por exemplo, para despesas em estradas e hidrelétricas, será traduzido em valor de magnitude maior no PIB, configurando ampliação da fonte de captação da receita governamental. Os atos do governo têm impacto no conjunto da economia, diferente do gasto ou poupança de uma família. Os membros de uma mesma família, no caso de uma dívida, não são credores e devedores entre si, simultaneamente. A dívida familiar é para com outros, para credores externos à família. A dívida do governo significa que, em última instância, os credores e devedores estão dentro da mesma coletividade sob a soberania estatal, transferindo-se e redistribuindo-se fundos entre uns e outros integrantes da população do país. As receitas para pagar as dívidas vêm de todos, os contribuintes, inclusive os credores, para o governo. Há segurança e credibilidade sobre o pagamento da dívida do governo, diferentemente da dívida de uma família. E há ainda o governo o poder soberano da emissão de moeda, além da influência sobre as taxas de juros e o crédito.

Se, para a ortodoxia, o mercado, na economia, é quase tudo e o Estado é quase nada, então todos os males econômicos do país decorrem da suposta falta de -diálogo- do governo com o assim chamado mercado. Contudo, há fatores que ultrapassam ou não são resolvidos pelo mercado, como as externalidades, a exemplo da poluição, e como os serviços públicos. O mercado, por si mesmo, incrementa as desigualdades sociais. O mercado, como é ainda mais patente no caso brasileiro, não garante a destinação de recursos suficientes para a inovação, nem orienta acertadamente os recursos para a geração de novos produtos e processos produtivos.

A estagnação econômica, a inflação, o déficit externo e as contas públicas são os quatro elementos principais, elencados para demonstrar a gravidade da situação do país, como é reiterado todos os dias na mídia. Os porta-vozes do pensamento econômico conservador, neoliberal, no Brasil, associam-se aos homens do mercado financeiro e da mídia para expressar dogmas e convicções sobre a eficiência e autoregulação dos mercados. Transtornam-se diante de qualquer ação estatal de sentido desenvolvimentista, e, por isso, formam a opinião de que tudo vai mal, expõem previsões catastrofistas sobre as perspectivas da economia. As consultorias econômicas influenciam seus clientes, os empresários, no sentido dos perigos e ameaças, afetando as decisões de investimentos. Qualquer avaliação ou proposição destoante do credo liberal não merece credibilidade.

Nessas condições, a piora econômica, como se expressou em 2014, teve a contribuição destacada do clima de desconfiança entre empresários (ou o dito mercado) e o governo Dilma. Isso teria desestimulado a ação empresarial, sobretudo os investimentos. A forte e permanente oposição da imprensa distorceu e amplificou a natureza das dificuldades de negociação, entre governo e empresas, nas concessões e nas parcerias público-privada, envolvendo marcos regulatórios, taxas de retorno e tarifas e condições dos leilões. A FIESP e os representantes da indústria sempre reclamaram dos custos elevados da energia elétrica, apontado como um dos fatores desfavoráveis à competitividade da produção manufatureira. Então, o governo, diante do vencimento dos prazos de contratos de empresas de energia elétrica, buscou a renovação das concessões com taxas de retorno menores, porque os velhos contratos foram estabelecidos em 1993, em condições de descontrole inflacionário, e, portanto, tinham sido fixadas, nos preços administrados da energia, elevada rentabilidade. Com inflação controlada, não havia mais justificativa para aquelas exageradas taxas de retorno, agora. Esse foi um dos casos em que o governo foi e continua sendo apontado como intransigente intervencionista, apesar da contemplação dos pedidos da FIESP.

O economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de política econômica do Governo Fernando Henrique, proclamou, após o resultado da eleição presidencial, que não há chances de recuperação econômica no Brasil, a não ser que o governo abandone o que ele chama de -modelo intervencionista-. Não são alguns temas isolados, alguns pontos específicos, o problema para Mendonça de Barros é o próprio modelo, imaginado por ele. Mas, como diz Joseph Stiglitz (2010, p. 361): -o pessimismo irracional leva às recessões-. Aponta-se o intervencionismo, o -microgerenciamento- e a distância perante o empresariado como fatores que deprimiram a economia.

Entretanto, a verdade é que, a depender apenas do mercado, a recessão teria se instalado profundamente. Se não fosse o esforço governamental com desonerações tributárias para a produção e exportação, incentivos fiscais para consumo e gastos de políticas públicas sociais e de investimentos em infraestrutura e habitação, além da ação dos bancos públicos, inclusive BNDES, a economia teria afundado. Nesse sentido, em 2014, a queda do superávit primário foi uma imposição do enfrentamento das pressões recessivas na economia, de um lado, e da queda do volume da arrecadação devido à estagnação econômica, de outro. Combinaram-se as ações anticíclicas e os estabilizadores automáticos para produzir impactos no resultado primário. As condições fiscais são sustentáveis, não há nenhum problema de insolvência. Em agosto de 2014, a dívida bruta do setor público passou de 57,2% do PIB na média de 2011 a 2013 para 58,5% do PIB em agosto de 2014. Essa piora reflete neste último ano a própria estagnação do PIB. A dívida líquida caiu de 35,8% do PIB, nos três primeiros anos do governo Dilma, para 34,9% do PIB em agosto de 2014. Hoje, a dívida pública bruta dos países desenvolvidos é, em média, 106% do PIB.

A ortodoxia econômica, como era de se esperar, concentra seus ataques sobre o governo Dilma com interpretações alarmistas sobre o quadro fiscal e a volta da inflação. Contudo, essa avaliação pessimista contrasta com a realidade do baixo desemprego e da continuidade de aumento dos rendimentos. O mercado interno, a despeito dos contrangimentos, continua como uma poderosa defesa da economia. Apesar do elevado compromentimento da renda das famílias com dívidas, não há bolha de crédito no país. As absurdas altas das taxas de juros no país bloqueiam a criação de bolhas de ativos financeiros, dados os contrastes entre rendimentos e preços dos ativos.

A razão das dificuldades atuais do Brasil é constituída por fatores domésticos e internacionais: (i) trajetória limitada dos investimentos, inclusive na infraestrutura; (ii) recuo sistemático da indústria, com perda de competitividade e contração das exportações de manufaturados; (iii) persistente recessão europeia e japonesa, débil recuperação dos Estados Unidos e desaceleração do crescimento chinês. É difícil avaliar o peso principal para os elementos internos ou externos, mas o problema brasileiro dos investimentos débeis já se arrasta há mais de três décadas, com ou sem a companhia de crises internacionais. Não é apenas o fraco estado de confiança dos empresários neste momento especial, por conta de suposta estratégia intervencionista do governo Dilma.

Poder financeiro

Além das questões imediatas e de curto prazo, é preciso ter em conta os problemas de longo prazo. Continua e prosseguirá em disputa o modelo econômico do país. Há forças importantes no país que insistem na imposição de um regime de acumulação com predominância da esfera financeira sobre a produtiva. Esta é uma disputa crucial, que vem de longe e está incrustada na década neoliberal brasileira nos anos 1990.

O Plano Real, a partir de 1994, favoreceu sobremaneira a emergência desse modelo. Esse Plano esteve associado a, ou ancorado em: 1. elevadíssimas taxas de juros e aumento vertiginoso da dívida pública; 2. valorização cambial, abertura comercial e favorecimento das importações, dependência de capitais externos em face da vulnerabilidade do balanço de pagamentos; 3. desmonte do aparato produtivo e econômico estatal, esvaziamento do BNDES, bloqueio de políticas industriais e comerciais, ataque à competitividade das exportações da indústria, flexibilização trabalhista e desemprego. Assim, o modelo, surgido do Plano Real, expressou-se, concretamente, na seguinte sequência de desastres e heranças encadeados: financeirização, queda dos investimentos, perda de competitividade, precarização do trabalho. A partir da crise de 1999, a sustentação do modelo exigiu adaptações na política macroeconômica, com a adoção do tripé do câmbio flutuante, sistema de metas para a inflação e superávit primário.

Portanto, na economia brasileira há, estruturalmente, uma espécie de anomalia pela exorbitância dos ganhos de curto prazo do mercado financeiro, beneficiando-se de taxas de juros elevadíssimas, nas comparações internacionais, inclusive com forte parasitismo sobre a dívida pública. Os elevadíssimos rendimentos financeiros são uma rivalidade deletéria à alocação de recursos para investimentos produtivos. A tentativa inédita de redução das taxas de juros, pelo governo Dilma a partir de agosto de 2011, acentuou a oposição dos bancos privados e dos rentistas, com seus interesses contrariados, parcial e momentaneamente. Em 2013, o Banco Central voltou a elevar a taxa Selic, diante da elevação dos preços.

Segundo os critérios do Banco Central, apareceu um sinal de alerta pela absurda concentração bancária, alcançada no Brasil, porque apenas quatro bancos, ou seja, Banco do Brasil, Caixa, Itaú e Bradesco passaram a deter o recorde de 75,69% do volume total de empréstimos em junho de 2014. Em 2006, os quatro bancos detinham cerca de 53% do crédito no país. Hoje, nas novas circunstâncias, cada vez mais, são o Banco do Brasil e a Caixa, instituições públicas, que assumem a responsabilidade de ampliar a liquidez e diversificar as linhas de crédito, além dos suportes a políticas públicas diversas, como os recursos para a agricultura, habitação e mobilidade urbana. Os bancos privados beneficiam-se do poder oligopolista do setor para impor condições mais restritivas no crédito para as empresas, auferindo rentabilidade bancária extremada, mesmo em conjunturas de fraco crescimento econômico do país. Nesse processo, os bancos públicos ampliam seu peso e, por isso, o mercado financeiro e a mídia conservadora multiplicam as pressões contra o governo, exigindo a redução do papel do Banco do Brasil e Caixa, além do BNDES, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia.

Inflação

Para a ortodoxia econômica, as políticas do governo são, sempre, associadas, em maior ou menor grau, à criação de pressões inflacionárias. Mas, para Joseph Stiglitz (2010, p. 372) não é verdade que inflação corta crescimento. Com inflação moderada (em contraste com a deflação), as empresas mantêm suas atividades, pagam suas dívidas e não há falências e os trabalhadores não perdem o emprego.

No Brasil, na atual conjuntura não houve aceleração da inflação e no encerramento de 2014, concretamente, a inflação sinaliza lenta trajetória declinante. Há impacto defasado temporalmente, como se sabe, do ciclo anterior de elevação da taxa de juros, entre 2013 e primeiro semestre de 2014, com queda do nível da atividade econômica no país, além do recuo de preços de commodities, como alimentos e petróleo, e também queda dos aluguéis. Mas, neste fim de 2014, o Banco Central retomou, injustificadamente, a elevação da taxa básica de juros para 11,25% ao ano. O mercado financeiro já cobra novas rodadas de elevação dessa taxa até o começo do segundo semestre de 2015.

O próprio Banco Central já explicou que, em parte, a inflação, atualmente, está associada com um extenso processo de mudanças no mercado de trabalho, com baixo desemprego, forte queda da informalidade (histórico e gravíssimo problema) e melhoria salarial, favorecendo grandes parcelas da população, tanto com empregos principalmente em setores de serviços, quanto com acesso ao maior consumo. Essa transformação em curso, com dezenas de milhões como novos consumidores, tem pressionado especialmente os preços dos não comercializáveis, ou seja, os serviços.

Assim, a inflação dos serviços tem sido muito maior do que a dos bens manufaturados. Trata-se, portanto, de uma transição em que aos poucos a estrutura dos serviços será transformada, ampliando seus recursos e ofertas, bem como a concorrência, diante da novidade do mercado de consumo de massas.

Contas externas

No setor externo, o patamar de déficit de 3,7% nas transações correntes no balanço de pagamentos é elevado. Todavia, o país continua como um dos principais polos de atração de investimento externo direto (IED), com a entrada de US$ 66,5 bilhões em 2014, colocando o Brasil em 5º lugar como destino desse tipo de recursos. O financiamento do déficit externo, portanto, tem sido assegurado. Não há vulnerabilidade externa, com fuga de capitais. O país conta com baixo endividamento externo. Ademais, o país dispõe hoje de elevadas reservas de US$ 375 bilhões. A desvalorização gradual do real, nos últimos anos, apesar dos seus efeitos possíveis efeitos inflacionários, deverá começar a repercutir, aos poucos, em estímulos para melhoria das exportações, mas ainda no ambiente de debilidades significativas do comércio internacional. No ano de 2014, queda dos preços de commodities no mercado internacional e a desaceleração chinesa prejudicaram a balança comercial brasileira.

De outro lado, não há no horizonte uma desvalorização abrupta e radical do real. No quadro internacional, é inconsistente a apreensão exagerada com as repercussões no Brasil com o fim do afrouxamento monetário (quantitativeeasing) e a perspectivas de começo da elevação das taxas de juros nos Estados no segundo semestre de 2015. Em outra direção, o Banco Central do Japão tem implementado a sua política de expansão monetária. Na verdade, há um ambiente internacional de muita liquidez e, além disso, os absurdos diferenciais de taxas de juros continuam muito atrativos para os fluxos de recursos para o Brasil. Se o dólar está se valorizando perante todas as moedas, na atual conjuntura, então os preços relativos das diversas moedas persistem, embora possa surgir alguma proporção de desalinhamento ente elas.

Recuo da indústria deprime toda a economia

A indústria de transformação sofreu uma queda de 0,1%, em média, ao ano, de 2011 a 2013 (IEDI, 2014, p. 1). Como lembra o professor Luiz Belluzzo, a indústria brasileira, primeiro, afetada pela crise da dívida externa nos anos 1980 e pela longa permanência do descalabro inflacionário e, depois, constrangida pela abertura comercial e pela valorização cambial, perdeu parte importante do seu lugar e de suas perspectivas no novo cenário produtivo mundial. Não conseguiu acompanhar suficientemente a nova revolução industrial. Não se internacionalizou, restando à margem das cadeias de valor global, assistindo, em paralelo, à quebra das próprias cadeias produtivas domésticas e a penetração excessiva dos produtos importados no mercado interno. O longo período de apreciação do real, em face do dólar, teve um impacto extremamente prejudicial às exportações de produtos manufaturados. A tentativa do governo Dilma de desvalorização mais forte do câmbio foi frustrada pela irrupção do processo inflacionário e a volta da elevação de juros. Como se vê, as raízes de alguns problemas correntes veem de longe.

O desempenho da balança comercial da indústria de transformação registrou elevado déficit de US$ 49,2 bilhões em 2014, até o mês de setembro, com queda de 4,2% nas exportações, enquanto no mesmo período de 2013 o déficit foi de US$ 49,5 bilhões, com queda de 0,8% nas vendas externas. O resultado em 2014 foi levemente melhor, porque neste ano a forte contração econômica interna reduziu ainda mais as importações. Essa balança teve saldos positivos a partir de 2002 até 2007, mas desde a crise de 2008 registram-se sempre déficits crescentes a cada ano.

A economia brasileira, em conjunto, está com produtividade do trabalho muito baixa na comparação internacional, pelos dados de 2013 empregados no Gráfico 1, acima, (CNI, 2014, p. 18). O fraco investimento, o medíocre crescimento econômico em 2013, sobretudo da indústria, a tradicional incipiência dos gastos das empresas em pesquisa, desenvolvimento e inovação no Brasil, as debilidades de formação da mão de obra e o rebaixamento tecnológico e comercial brasileiro na economia internacional ajudam a esclarecer a posição do país na hierarquia da produtividade entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.

Conforme Squeff (2012), o crescimento da produtividade do trabalho foi de 1%, ao ano, entre 2000 e 2009, mas na desagregação setorial os resultados, as taxas médias anuais, são muito distintos, a saber: agropecuária, 3,8%; indústria extrativa, 2,0%; indústria de transformação, 0,8%; serviços, 0,6%. Como se sabe, a indústria de transformação é o setor que, potencialmente, tem mais dinamismo para desenvolver avanços tecnológicos e promover inovação e ao mesmo tempo transbordar, nas cadeias produtivas, os ganhos de aumento da produtividade e eficiência. Porém, no Brasil, esse setor estratégico, dínamo do crescimento da produtividade e da produção, tem retrocedido perigosamente. A Tabela 1, abaixo, mostra o recuo da indústria desde 2011.

Tabela 1: Taxa de crescimento da indústria no Brasil, de 2003 a 213

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

-0,19 8,53 2,72 2,57 6,03 3,06 -7,30 10,30 0,26 -2,60 1,49

Fonte: IBGE

Investimento incipiente

No período Lula, o investimento (FBCF) experimentou uma trajetória de ascensão, teve uma queda em 2009 com a crise global, e registrou o seu maior registro em 2010. No governo Dilma, a taxa de investimento (FBCF/PIB, em percentual) recuou moderadamente até 2013, como mostra o Gráfico 2, abaixo. Na Tabela 2, abaixo, verifica-se que o Brasil encontra-se com sua taxa de investimento localizada em patamar similar a países centrais, em crise, enquanto a China e a Índia têm um desempenho muito elevado, completamente distinto. Mas o Japão, em recessão, e os -emergentes- México e Rússia ultrapassam os 20% do PIB em investimentos, percentual que tem sido uma barreira histórica inexpugnável para o Brasil nas últimas décadas.

Tabela 2: FBCF de países selecionados, ao ano

(em % do PIB)

2010 2011 2012 2013

Brasil 19 19 18 18

China 46 46 47 47

Índia 31 32 30 28

Rússia 22 21 22 21

África do Sul 19 19 19 19

México 21 22 22 21

Estados Unidos 18 18 19

Alemanha 17 18 18 17

França 19 20 20 19

Japão 20 21 21

Fonte: Banco Mundial (http://data.worldbank.org/indicator/NE.GDI.FTOT.ZS)

Sequelas, nuvens de tempestades e incertezas

O Fundo Monetário Internacional, a partir do segundo semestre de 2014, resolveu cunhar e empregar largamente uma expressão emblemática: -era do crescimento medíocre-. É uma forma de designar as dificuldades da economia internacional em promover a sua recuperação da crise. Sequelas, nuvens de tempestades e incertezas nas perspectivas da economia mundial, este é o título do relatório do FMI, divulgado em outubro de 2014. Ficam patentes neste documento dois aspectos: primeiro, o assombro, susto, do FMI com a estagnação na Europa, além da fraqueza japonesa; segundo, o novo tom das recomendações.

-O ritmo da recuperação mundial foi frustrado nos últimos anos-, reconhece o FMI (2014, p. 1). Para essa instituição, a herança de elevado nível de dívida pública e privada está lançando sombras sobre a recuperação dos países avançados, enquanto os emergentes experimentam taxas mais baixas de crescimento em comparação ao desempenho antes da crise e na recuperação imediata, como, por exemplo, no ano de 2010. Assim, destacam-se as condições piores da recuperação no Japão e Europa e a desaceleração na China e no Brasil. Os investimentos continuam muito baixos nos países avançados, em contraste com expansões dos mercados financeiros. A estimativa do FMI para a América Latina e Caribe foi de crescimento de apenas 1,3% em 2014.

Segunda parte: perspectivas

Sobre o que não fazer

A proposta conservadora, apresentada por economistas ortodoxos, representando os interesses sobretudo do mercado financeiro, está centrada no ajuste fiscal e na elevação da taxa de juros. Alega-se que essas medidas -amigáveis ao mercado- resultariam na reconstrução da credibilidade. Assim, busca-se tanto minimizar o papel do Estado, quanto reduzir as pressões salariais no mercado de trabalho com baixo desemprego. Alguns dizem que o ajuste seria em 2015, outros dizem que serão necessários dois anos das chamadas medidas impopulares. Há prognósticos de que a inevitabilidade absoluta do ajuste já teria condenado o novo governo, em seu período de quatro anos, a amargar recessão em 2015 e 2016 e retomada, crível, do crescimento econômico, lentamente, apenas na segunda metade do mandato. O jornal Valor Econômico trombeteou: -Reequilíbrio fiscal deve levar dois anos-,- -Dever de casa- passa por revisão da dívida bruta e vai consumir metade do novo mandato- (SAFATLE, 2014, p. A-3). O discurso, na referida matéria jornalística, é de: -reorganização geral das finanças públicas-, -recuperação das contas públicas coerente com o controle da inflação-, -ajuste fiscal equivalente a quatro pontos percentuais do produto interno-, -choque de confiança-.

Essas propostas contradizem alguns ensaios de mudanças de política macroeconômica (redução de juros, administração do câmbio e redução do superávit primário) tentadas no governo Dilma. Esses pequenos ensaios foram chamados, pelos conservadores, de Nova Matriz Macroeconômica. Além disso, a adoção das recomendações conservadoras, no novo governo Dilma, produziria efeitos políticos negativos no apoio dos trabalhadores ao governo, depois de uma campanha eleitoral em que se criticou acerbamente o papel dos banqueiros, as taxas de juros, a proposta de Banco Central independente, em paralelo com a defesa do emprego, dos salários e de melhoria nas condições de vida da população.

Em um momento difícil em que assoma o perigo da recessão é completamente contraproducente, temerária, a adoção de medidas econômicas contracionistas. Pela ação do multiplicador, como se sabe, o efeito na contração do PIB seria de magnitude mais elevada do que o próprio tamanho do corte de gastos. Esse ajuste ortodoxo bloquearia a perspectiva de recuperação do crescimento econômico, levando ao encadeamento e interação de cortes de gastos de consumo e de investimentos. Nesse caso, há que se aprender com a recente experiência europeia. A aplicação das políticas de austeridade empurrou a economia da Europa para a assombrosa prostração e retrocesso de hoje.

Quem te viu, quem te vê. Em vez de austeridade, agora o FMI reclama: -A economia mundial necessita de políticas fiscais inteligentes-. Parece que no mundo há novidades na visão sobre o papel da política fiscal. Assim, o FMI (2014, p. 2), no resumo executivo do seu relatório Monitor Fiscal, divulgado em outubro de 2014, surpreendentemente, adverte: -Nas economias emergentes e em desenvolvimento, os ajustes baseados no gasto tendem a incidir mais negativamente no emprego, talvez devido aos cortes nos níveis de investimento público e serviços públicos, que já, por si mesmos, estão reduzidos. Em última instância, o que talvez tenha mais importância é a natureza concreta das medidas de receita e gasto que já foram aplicadas-. É curioso que a repercussão dos últimos pronunciamentos e avaliações do FMI só ocorre no Brasil, através dos meios de comunicação, de forma completamente distorcida. A mídia, por aqui, toma uma linha, uma frase, fora do contexto em um documento do FMI, e distorce o seu sentido, produzindo uma gigantesca celeuma no país, sobre o iminente colapso das finanças públicas e da economia brasileira, segundo supostamente o FMI.

O que dizem 2003 e 2011 para 2015- Há uma ilusão sobre a repetição da política praticada em 2003 e a recuperação econômica nos anos seguintes durante o governo Lula. Pretende-se repetir a fórmula de ajuste recessivo de 2003, impunemente. Todavia, as condições de 2003 e de 2014/2015 são muito diferentes. Fatores negativos em 2003: o presidente Lula assumiu o governo com crise inflacionária, deterioração fiscal grave e fuga de capitais. Em agosto de 2002, o governo tinha recorrido ao FMI. Não há esses fatores de crise, apesar dificuldades agora, 2014/2015. Fatores positivos em 2003: o governo Lula tinha margem de manobra, espaço, para adotar medidas ortodoxas em 2003 porque a economia internacional estava em crescimento, havia o efeito China e a ascensão do comércio e preços das commodities. O governo Lula ainda beneficiou-se dos impactos comerciais positivos e defasados temporalmente da desvalorização de 30% do real na crise de 1999. O crescimento do saldo comercial passou de 5,7% em 2001 para 3,7% em 2002 e deu os grandes saltos de 21,1% em 2003 e 32,1% em 2004. Agora, 2014/2015, não há essa preciosa ajuda internacional, compensando com exportações e termos de troca favoráveis, um ajuste recessivo doméstico. Por fim, os efeitos deletérios da medidas contracionistas adotadas no começo do governo Dilma, nos primeiros meses de 2011, no instante de colapso europeu, já ensinaram sobejamente a lição sobre a relação entre política econômica e contexto da economia, doméstica e internacional.

É desaconselhável aceitar-se a proposta de se abandonar a política industrial de conteúdo nacional para que as filiais de multinacionais no Brasil possam importar abusivamente peças, componentes e insumos ou máquinas e equipamentos, em conflito aberto com os interesses da -reindustrialização- do país. Historicamente, as multinacionais têm dominado muitos setores dinâmicos da economia brasileira sem demonstrar interesse em instalação de seus centros de pesquisa e laboratórios aqui. Aliás, essas filiais estrangeiras poderiam fazer mais pela presença brasileira nas cadeias de valor global. Tem todos os recursos para isso. Mas, veja-se a experiência asiática. Ali, no Japão, Coreia do Sul, China etc. criaram-se empresas nacionais, em setores dinâmicos e estratégicos, ou, no caso chinês, promoveram-se também associações com firmas estrangeiras, com transferência de desenvolvimento tecnológico e exigências de exportações.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou aos candidatos à presidência da República um conjunto de propostas. Em seus apelos, a CNI, a fim de recuperar a competitividade da indústria, propôs uma política de claro ataque aos salários e direitos dos trabalhadores. Eles querem: fim da aplicação da atual fórmula de reajuste do salário mínimo; negociação salarial por empresa; liberalização legalizada da terceirização; diferenciação salarial para trabalho igual, sob o pretexto de premiação da meritocracia; liberdade para fixar jornadas de trabalho diferenciadas, conforme o ritmo dos negócios da empresa; poder legal pleno para impor múltiplas funções para o trabalhador.

A aceitação dessas propostas da CNI levaria à queda dos salários e maior exploração dos trabalhadores. Com isso, haveria perda dos pequenos avanços na distribuição de renda no país. Sindicatos seriam enfraquecidos. A desestruturação do mercado de trabalho voltaria, antes de ser vencida duradouramente. Os salários arrochados e seus impactos sobre o consumo seriam mais um fator de pressão recessiva sobre a economia. Considere-se, nesse sentido, que nos últimos anos, há queda gradual do consumo, como provam as suas taxas de crescimento de: 4,1% em 2011; 3,2% em 2012; 2,6 em 2013 (IPEA, 2014, p. 8).

Na discussão fiscal, alardeia-se, sem qualquer fundamento, a existência de crise. É forte o coro por corte de gastos. Em resposta, de todos os lados, há sugestões. Por exemplo, há uma concentração muito grande de propostas para reduzir despesas com seguro-desemprego, abono salarial e pensões por mortes. Mas não se trata apenas de combate justo e indispensável às fraudes. As propostas avançam para mudar a legislação e restringir o acesso, a cobertura e os valores monetários desses direitos, mesmo que os beneficiários disponham, legalmente, de todas as condições justas e provadas para o recebimento dos benefícios. Defende-se que -o salário mínimo real cresça moderadamente para evitar um aumento explosivo do gasto com previdência social- (SAFATLE, 2014, p. A2). Propõe-se mais uma rodada de reforma da previdência para a única finalidade de limitar gastos, desconsiderando arrogantemente o papel dos benefícios previdenciários, em geral de parcos valores, para reduzir as gritantes desigualdades brasileiras. Ainda no terreno fiscal, mesmo alguns setores vinculados diretamente ao governo, propõem a redução da já minguada atual despesa de investimento de pouco mais de 1,2% do PIB em 2014 para 0,8% do PIB em 2015.

Sobre o que fazer

Há, obviamente, possibilidades e limites para as propostas de política econômica. A economia capitalista, guiada pelas variações dos lucros, funciona conforme ciclos econômicos e instabilidade intrínseca dos investimentos e não pode evitar episódios de crise. A política econômica de governo pode e deve influenciar o desempenho econômico, mas há limites objetivos para seus efeitos, porque, entre outros fatores: (i) a parte fundamental, a grande maioria, dos gastos e de investimentos naturalmente é privada; (ii) os interesses, na economia, entre classes sociais e setores econômicos são conflituosos e contraditórios; (iii) as decisões de mercado são tomadas em condições de incerteza radical, sempre, sobre o futuro da economia; (iv) as interações com a economia internacional têm pouca possibilidade de regulação e controle nos marcos da globalização contemporânea. Feita essa ressalva, o encaminhamento econômico do novo governo precisa ser orientado pela busca do desenvolvimento e pelo progresso social. O papel de direção do Estado deve ir além da tarefa convencional, burocrática e passiva de regulação administrativa. O Brasil, com base em políticas públicas, tem necessidade crucial de aceleração do crescimento e transformação da estrutura produtiva, em consonância com redução das profundas desigualdades de renda e riqueza. O exemplo do Leste Asiático, como nos casos da Coreia do Sul e da China, mostra as possibilidades de forte integração no processo de globalização em uma estratégia dirigida e controlada pelo Estado em função de interesses desenvolvimentistas nacionais.

Portanto, é preciso olhar com atenção este momento, o instante do novo governo, e combinar os esforços de retomada do crescimento econômico com objetivos de médio e longo prazo. O debate e as ideias lá fora podem favorecer a política pró-crescimento no Brasil. Parece que a persistência das dificuldades econômicas internacionais e o fracasso das políticas de austeridade na Europa estão provocando mudanças nas visões sobre a política econômica, como já se começa a ver no caso do FMI. Entretanto, esses novos posicionamento ainda não contagiaram muitos círculos de economistas e da mída no Brasil. De qualquer maneira, a radicalização do discurso econômico conservador em nosso país começa a perder a referência e o suporte internacional. É claro que o FMI continua sendo uma instituição a serviço do imperialismo norte-americano. Contudo, o interesse deles, no momento, é -salvar- a economia capitalista. Ou seja: eles começaram a preocupar-se com a crise e seus desdobramentos como a explosão de desigualdades e conflitos políticos e sociais abertos. Qual é a prioridade- Assim, para o FMI, agora: -o objetivo de aumentar o crescimento efetivo e potencial continua prioritário-. No passado, essa instituição notabilizou-se pelo receituário recessivo. Mas agora pede -o respaldo contínuo da política monetária e um ajuste fiscal com ritmo e composição calibrados para a finalidade tanto da recuperação como do crescimento a longo prazo-, nos países centrais.

A recuperação do controle sobre a política econômica foi fundamental ao Brasil. No passado, havia o monitoramento do FMI e hoje há a pressão do mercado financeiro. Quanto maior for a dívida pública e quanto maior for o poder dos bancos, consequentemente, maior será a disputa sobre a política econômica no Brasil. Mesmo com superávits primários, há muito tempo, a dívida continua expressiva, apesar de sua trajetória marcadamente declinante nos governos Lula e Dilma. Fica evidente que é o próprio descalabro do tamanho do pagamento dos juros - externamente ao cálculo do resultado primário - que alimenta a dívida, nesse distinto caso brasileiro. Portanto, a reforma da política monetária deve contemplar a queda das estratosféricas taxa de juros no Brasil, com impactos positivos sobre as contas públicas e sobre o investimento e consumo. Isso foi uma meta central do programa do primeiro governo Dilma e agora deveria ser retomada, a partir da melhoria do quadro econômico e recuo inflacionário. Uma mudança indispensável, sempre adiada, é o alargamento do prazo para o sistema de metas de inflação para dois ou três anos, evitando assim a corrida do Banco Central para aumentar a taxa de juros a cada repique inflacionário. Em 2014, no resultado acumulado até setembro, o pagamento de juros já consumia 5,53% do PIB, como demonstração tanto do volume insuportável da despesa com juros no país, quanto do reflexo e repercussão da fase de elevação da taxa de juros pelo Banco Central, entre os meses de abril de 2013 e 2014.

A conquista de um novo ciclo de desenvolvimento no país exige luta política e mobilização social, em torno de reformas estruturantes, tendo em conta as tarefas do Estado tanto na direção, planejamento e regulação da economia, quanto na execução e gestão de atividades econômicas e serviços públicos. Há funções essenciais do Estado, como a regulação bancária e financeira, a proteção do meio ambiente, o desenvolvimento da educação e da pesquisa e a regulação trabalhista e previdenciária. O papel do Estado, na realidade contemporânea, incorpora importante papel do mercado e do setor privado, em diversas áreas econômicas e sociais, principalmente em obras de infraestrutura e serviços de logística. Nesse sentido, em função do desenvolvimento e do progresso social, há muitas oportunidades de multiplicação e avanços nas concessões e parcerias público-privadas.

Volta à história: a encruzilhada entre ajuste ou crescimento. Em 1974, o governo Geisel decidiu rejeitar um ajuste econômico recomendado pela ortodoxia em face da crise econômica mundial. Adotou-se uma política para manutenção do crescimento econômico e para a transformação da estrutura produtiva. O acordo nuclear Brasil-Alemanha sofreu oposição dos Estados Unidos. O ambicioso II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), financiado pela abundante liquidez internacional, tinha o objetivo de produzir avanços na constituição das indústrias de bens de capital e de bens intermediários. O PIB cresceu em 1974, 8,1%; 1975, 5,2%; 1976, 10,3%; 1977, 4,9%;e 1978, 5,0%.

Por onde começar- Para a retomada do crescimento, considerando-se prioridade e urgência, apostando em efeitos mais significativos, então é preciso concentrar os esforços do início do novo governo na aceleração, antecipação, das concessões, inclusive nas modalidades de parcerias público-privadas, para as obras de infraestrutura. Isso significará um passo importante para recuperação do investimento no Brasil. Como agora argumenta o FMI, em sua talvez nova fase, os gastos do investimento público em infraestrutura alavancam a demanda, com expansão do emprego e da renda, no curto prazo, e constroem as condições para a melhoria da produtividade do trabalho e o avanço da eficiência da economia, no médio e longo prazo. Com o avanço da infraestrutura, os custos da atividade econômica são reduzidos e são gerados estímulos à expansão das empresas.

O gradualismo, em conformidade com metas e etapas, é uma necessidade imposta pelas dificuldades conjunturais tanto econômicas, quanto políticas do início do novo governo em 2015. O combate à inflação e a melhoria do desempenho fiscal deverão ser graduais e não podem subordinar ou dissociar-se dos esforços de retomada do crescimento. O eixo da nova estratégia econômica deve consistir em aceleração dos investimentos em infraestrutura e -reindustrialização-. Os meios dessa estratégia, consideradas as possibilidades macroeconômicas, estarão concentrados em expansão do crédito e gastos públicos de investimentos.

Como sustentar o crescimento- Em três palavras: infraestrutura, indústria e emprego. Esses devem ser os pilares do crescimento econômico contemporâneo do Brasil. A agropecuária já tem demonstrado solidez e forte competitividade. A indústria reconstruída deverá dar dinamismo e sofisticação tecnológica à economia.

A volta do crescimento da indústria e de suas exportações devem se beneficiar de políticas industriais e comerciais efetivas. A exigência de conteúdo nacional, como o governo Dilma tem encaminhado em relação aos setores automobilístico, naval e petróleo e gás, dentre outros, é fundamental para as transformações na estrutura produtiva do país. O câmbio tem um peso específico decisivo, imenso, sobre a reconstrução da competitividade da indústria. Entretanto, a desvalorização cambial precisa ser conduzida de forma lenta e gradual, diminuindo seus impactos inflacionários. Nas atuais condições de déficit nas transações correntes, inclusive com o colapso das exportações de manufaturados, avalia-se que o câmbio deveria se aproximar de R$ 3,00, se neste momento não houvesse o problema inflacionário. Seria necessário reduzir a taxa de juros para reduzir a forte atratividade dos capitais externos (e seu impacto na valorização do câmbio), em função desse rendimento elevado e desproporcional no Brasil, na comparação internacional.

O aumento da produtividade do trabalho na indústria só pode ser obtido com aumento dos investimentos: mais e melhores máquinas e equipamentos, mais capital por trabalhador. A elevação dos investimentos na indústria dependerá da formação de novas expectativas, com aumento da confiança dos empresários nas perspectivas de lucros, competitividade e demanda, além das defesas comerciais e crédito favorecido. A retomada do vigor das exportações de manufaturados, além do câmbio e da produtividade, exigirá um processo de inserção nas cadeias de valor global. Quando todos pedem aumento da produtividade do trabalho e redução de custos, cabe lembrar que os gastos públicos em pesquisa, educação, saúde e infraestrutura contribuem, efetivamente, para a eficiência geral da economia.

No âmbito fiscal, as controvérsias na opinião pública e nos meios políticos são sempre muito intensas, com interesses divergentes. Entretanto, compreende-se que a retomada, mesmo que lenta inicialmente, do crescimento econômico tende a melhorar a arrecadação tributária. A depender das avaliações, talvez seja o caso de se promover algumas poucas medidas pelo lado das receitas, como a reintrodução da Cide e da CPMF. Esse último tributo poderia gerar recursos no montante de 1% do PIB para a saúde. A verdade é que, conforme a experiência de 2014, a meta de superávit primário para 2015 deve ser 1%, como já se noticia como proposta de personalidades importantes das hostes governistas, evitando-se, assim, impactos recessivos. Portanto, em resumo, considerando o conjunto das áreas das contas públicas, cabe o exame das seguintes medidas: 1. incorporar a Cide e a CPMF; 2. combater as fraudes em seguro-desemprego, pensões e abono salarial; 3. Promover, conforme avaliações dos impactos macroeconômicos, onde couber, no início do governo, contigenciamentos, limitados em seus montantes e na sua duração; 4. fixar a meta de superávit primário em 1%; 5. preservar e gradualmente elevar os desembolsos de investimento; 6. desenvolver gradualmente grandes esforços para, no médio prazo, alcançar um novo perfil da dívida pública, com papéis mais longos e prefixados.

 

Considerações finais

Neste início do novo governo, seria interessante cotejar a agenda da eleição de Dilma Roussef, na campanha eleitoral de 2010, com os resultados concretos do mandato, considerando as mudanças e os condicionantes tanto domésticos quanto internacionais. Havia uma meta de elevação substancial do investimento na economia brasileira. Pretendia-se normalizar o tamanho das taxas de juros no Brasil, dentro dos padrões do mercado internacional. A política industrial seria objeto de grandes esforços de inovação (o que houve com o Plano Brasil Melhor, lançado em agosto de 2011-). Haveria aceleração e novas etapas nas infraestruturas.

O Brasil é a sexta maior economia do mundo e conta com importantes condições, favoráveis a um novo ciclo de desenvolvimento: um grande mercado interno, muitas oportunidades de expansão de investimentos em infraestrutura logística e urbana, perspectiva de avanços em serviços públicos, aproveitamento de grande potencial em recursos naturais desde a agricultura até o setor extrativo mineral, com destaque para o petróleo do pré-sal.

As manifestações de junho de 2013 reclamaram transformações corajosas e profundas nos serviços públicos. Os manifestantes queriam mais Estado como provedor de serviços, em vez de menos Estado. Olhando um exemplo externo, constata-se que isso é completamente diferente da reação de muitos setores contrários à tímida reforma da saúde de Obama nos Estados Unidos, porque seria uma intromissão estatal, considerando-se que predominam os seguros privados de saúde naquele país. Alguns mais extremados, como o TeaParty, diziam que aquela reforma sanitária limitada era socialismo. Por aqui, a atitude da população é totalmente diferente. Há revolta e sofrimento com as mazelas dos serviços públicos, mas não se propõe privatização. Os brasileiros querem educação, saúde, saneamento, mobilidade urbana e segurança no -padrão FIFA-. Os que querem ajuste recessivo estão contra essas atitudes, reivindicações e expectativas do povo brasileiro. O mercado financeiro está de costas para as desigualdades e injustiças. E esse programa antipovo foi derrotado na última eleição, mais uma vez.

Com a alavanca política da vitória eleitoral, o crescimento econômico, retomado em vez de bloqueado, em conexão com o progresso social, como busca e afirmação do novo governo, é uma condição para a construção de um desenvolvimento econômico e social novo, avançado no Brasil. Ajustar é crescer. Desse ponto de vista, não há tempo a perder na implementação das reformas estruturantes (como, por exemplo, a política, a urbana e a dos meios de comunicação). Para isso, evite-se ouvir o canto enganoso das sereias. ª

*Renildo Souza é bacharel e mestre em Ciências Econômicas e doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde atualmente é professor, com dedicação exclusiva, na Faculdade de Economia

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