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Edição 133 > Redes sociais e participação cívico-política nas eleições de 2014

Redes sociais e participação cívico-política nas eleições de 2014

Fábio Palácio de Azevedo*
Twitter
FaceBook

As redes sociais jogaram papel destacado na disputa eleitoral de 2014. Em que medida podemos atribuir-lhes o desenlace favorável às forças progressistas? Teriam as redes contribuído para contrabalançar o poder dos oligopólios da comunicação?

O advento das chamadas tecnologias de informação e comunicação (TICs) trouxe consigo transformações na forma como experimentamos os movimentos e processos democráticos, com novidades importantes no âmbito da participação social e política. Em um momento no qual os atos participativos, sejam eles ou não de cunho explicitamente político, parecem moldados desde o início aos espaços comunicacionais, a discussão sobre as tendências da comunicação mostra-se cada vez mais vinculada ao debate sobre o futuro da democracia.

No Brasil, isso ficou patente ao longo da acirrada disputa eleitoral de 2014. O pleito deixou claro não apenas o quanto a existência de oligopólios midiáticos acarreta distorções e ameaças ao exercício pleno da democracia, mas também de que maneira as mudanças recentes na -ecologia- da comunicação- trazidas pelo advento da chamada web 2.0 e, em especial, das redes sociais digitais - impactam o poder político desses mesmos oligopólios.

O episódio mais marcante e revelador ocorreu em 24 de outubro, apenas dois dias antesdo segundo turno das eleições. Naquela data a revista Veja divulgou matéria de capa que trazia uma acusação bombástica: a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teriam conhecimento de esquemas de corrupção na Petrobras. A reportagem, baseada em suposto depoimento do doleiro Alberto Youssef à Polícia Federal, não continha nenhuma prova e chegou a ser desmentida pelo advogado do malfeitor no dia mesmo da publicação. Ainda assim, a campanha e simpatizantes do candidato oposicionista Aécio Neves agitaram intensamente o fato, chegando a distribuir panfletos com a capa da revista em várias cidades do Brasil.

Considerada a -bala de prata- da oposição para evitar a quarta vitória consecutiva dasforças progressistas em eleições presidenciais, a reportagem passou a ser duramente contestadalogo após sua divulgação. No horário eleitoral televisivo, Dilma Rousseff teceu longas críticas à investida inescrupulosa de Veja. A Justiça condenou a revista por fazer -propaganda eleitoral- e concedeu direito de resposta ao PT. Nas redes sociais, começaram a circular massivamente capas fictícias de Veja que, em chave burlesca, acusavam Dilma e Lula de serem responsáveis por todos os males da Terra. -Dilma e Lula atiraram o pau no gato-, dizia uma; -PT financiou maçã envenenada da Branca de Neve-, completava outra. Foi o meio encontrado pelos simpatizantes de Dilma para denunciarem, com bom humor e fina ironia, o posicionamento unilateral da revista e sua defesa da candidatura direitista.

-A revista operou de maneira a desinformar-, disse o sociólogo Sérgio Amadeu, acrescentando que a capa de Veja teve o claro propósito de influenciar o resultado eleitoral. -Ela normalmente está nas bancas no sábado, mas saiu na sexta-feira. [...] Não há como dizer agora o quanto impactou, mas eles influíram claramente na votação de domingo [26/10], porque o Aécio conseguiu [...] crescer e encostar na candidata Dilma Rousseff.- (1).

Ao comparar o caso à ação midiática que decidiu o pleito presidencial de 1989 - quando a edição televisiva de um debate presidencial favoreceu a eleição de Fernando Collor de Mello -, Amadeu mostra-se convicto de que o plano de Veja só não foi bem-sucedido nas urnas por conta da internet.

-[...] Além de as pessoas já conhecerem a manobra de grupos de comunicação misturados à elite política e econômica no caso da vitória do Collor, também existe hoje a internet, que não tinha naquela época. Então, se não houvesse a internet, certamente o candidato Aécio Neves teria ganho a eleição. A internet foi decisiva para a garantia de um debate que não existiria se fossem apenas os meios de comunicação de massa atuando nessas eleições.- (2).

As afirmações de Amadeu dão o que pensar. Qual teria sido o peso do fator internet na definição do resultado eleitoral- Em que medida podemos atribuir às redes sociais e demais ferramentas interativas o desenlace favorável às forças progressistas- Teriam as redes contribuído para contrabalançar o poder dos oligopólios da comunicação- A fim de abordar com maior propriedade estas e outras questões, será útil revisitarmos alguns dados sobre o uso de redes sociais no Brasil. Eles ajudam a entender por que as redes ocuparam lugar privilegiado na disputa eleitoral de 2014.

O Brasil está entre os cinco principais consumidores mundiais de redes sociais. O Twitter não divulga dados sobre o número de usuários brasileiros que possui; limita-se a dizer que a quantidade triplicou entre 2011 e 2014. Já o Facebook - principal rede social da atualidade - possui no Brasil 89 milhões de usuários que o acessam pelo menos uma vez por mês (3). Isso corresponde a três em cada cinco eleitores. Destes, 52 milhões entram na rede social todo dia. A média de visualizações diárias chega a 1 bilhão - 65% das quais por internet móvel.A maioria do público é jovem: 54% têm entre 15 e 34 anos(4).

Mais do que entretenimento ou fofocas, o Facebook identificou que seu público interessa-se por política. Este foi o segundo tema mais abordado na rede em 2013, atrás apenas do Papa Francisco. Nas eleições de 2014, 674,4 milhões de interações sobre o pleito foram registradas. É o maior número de postagens sobre eleições na história da rede social. O recorde anterior pertencia às eleições indianas deste ano, ocasião em que se registraram 227 milhões de interações(5).

A internet substituirá a televisão-

Números tais ajudam a entender por que, na opinião de muitos, as redes sociais podem pôr fim à longa dominância da TV na arena política. É bem verdade que, enquanto 65% dos brasileiros assistem à televisão todo dia, a maioria da população (53%) ainda não tem acesso à internet, e apenas 26% acessam a rede diariamente (6). Mesmo assim, a conversação massiva sobre política nas redes sociais já emerge como a terceira força da persuasão de massa, ao lado dos grandes noticiários e da propaganda política. Nos tempos atuais, um vídeo caseiro pode alcançar mais eleitores do que um anúncio multimilionário. E, o que é mais importante, esse vídeo estará chegando de fontes insuspeitas - amigos, parentes etc. - e não dos menos confiáveis canais unidirecionais (7).

O que está se tornando cada vez mais claro com as redes é que a persuasão é mais eficiente quando se baseia em interações interpessoais: evidentemente, as pessoas acreditam mais em amigos e vizinhos do que em mensagens impessoais. O problema está exatamente em que, desde que a política é um campo institucionalizado, com regras e gestualidade próprias, gerações inteiras de políticos foram adestradas a evitar a espontaneidade, a autenticidade, o humor, a abordagem crua, o tropeço ocasional (8). Isso vem mudando rapidamente, e alguns dos políticos mais bem-sucedidos são aqueles que reconhecem essa tendência e se antecipam a ela.

A bem da verdade, a própria televisão já introduz uma primeira camada de autenticidade na relação político-eleitor. Como lembra o britânico Raymond Williams em seu clássico Television, há muitos elementos oriundos da câmera de TV que chegam com menos processamento ou filtragem do que teríamos em qualquer outro meio. Esse fato acarreta consequências importantes no que respeita aos líderes políticos, -que estão agora menos protegidos por fórmulas standard de comunicação do tipo -o presidente declarou que...-, e que, a despeito de muitos artifícios consequentes, são agora mais visíveis na íntegra como pessoas- (9).

Sem sombra de dúvida, esse efeito surge ainda mais reforçado na internet. Com a diferença de que, nela, não apenas as lideranças políticas são induzidas a uma relação de maior autenticidade com o eleitor. O próprio eleitor também se sente à vontade para assumir uma postura mais genuína em sua relação com líderes e campanhas políticas - tendência que, por sinal, também surgiu cristalina nas eleições de 2014. Muito se tem comentado sobre o fato de que as redes sociais reproduziram vivamente o acirramento político-partidário verificado durante a campanha eleitoral. Não é difícil entender por que isso ocorre: nas redes interativas a alternância emissor-receptor é quase bidirecional e aproxima-se daquela que vemos na comunicação interpessoal. Cria-se, assim, uma ilusão de -desintermediação- que faz com que se reproduzam nesse ambiente traços típicos da linguagem das ruas: palavrório chulo, polarizações radicais, ironias e interpretações maldosas, ânimos exaltados, xingamentos e difamações.

Não resta dúvida de que, protegido pelo avatar dos perfis de rede, o eleitor sente-se mais à vontade para expressar suas -vastas emoções e pensamentos imperfeitos-. E muitos já pensam em converter essa característica da internet em dividendos eleitorais. O Facebook, em parceria com a rede televisiva norte-americana ABC, vem desenvolvendo projeto no complexo campo da -análise sentimental-. Trata-se da tentativa de esquadrinhar cientificamente os sentimentos das pessoas com base no que escrevem. Já se cogita que a nova experiência pode vir a ser a mais importante fonte de dados políticos para as eleições presidenciais americanas de 2016 (10).

Web 2.0 versus oligopólios informacionais

Se a autenticidade já faz da internet uma poderosa ferramenta eleitoral, cada vez mais capaz de rivalizar com os oligopólios televisivos e midiáticos, que dizer de sua característica mais marcante - a imensa conectividade e a interatividade garantidas pela arquitetura distribuída das redes informacionais- É aqui que encontramos alguns dos elementos mais promissores no que tange à efetiva democratização da comunicação e da cultura.

Por suas características topológicas, as redes sociais garantem extensa conectividade. Permitem o mais amplo compartilhamento de conteúdos, impulsionando as conexões sociais, a participação cívica e a cultura associativa. Mesmo internautas com pouquíssimas habilidades técnicas podem assumir maior protagonismo, seja inserindo, -tagueando- ou avaliando conteúdos, seja, mesmo, editando informações. A web potencializa-se, dessa forma, como alavanca para a participação e fonte geradora de competências. Reduzem-se as barreiras à expressão de opiniões e ao engajamento cívico-político.

Sejam quais forem os interesses que se servem da web 2.0, é fato irrecusável que ela ampliou o -poder de fogo- de campanhas, movimentos e demais articulações da sociedade civil. As redes sociais expandiram o poder de convocatória e a capacidade de mobilização de atores e entidades do universo associativo; subverteram esquemas tradicionais de organização; garantiram maior abertura e abrangência ao debate público, e introduziram plataformas de discussão mais atrativas e envolventes.Essa realidade traz consigo, sem dúvida, perspectivas alvissareiras, ainda mais quando tomamos na devida conta a concentração de poder nos meios de comunicação, uma das mais sérias ameaças à efetiva democratização da cultura.

Em seu Television, Raymond Williams critica a pretensão alimentada pelos meios de massa, em particular a TV, de monopolizar o debate público. Um poderoso meio centralizador como a televisão pode, da mesma forma que os procedimentos representativos, mas centralizados, de governo, esgotar ou mesmo pretender esgotar os processos necessariamente múltiplos e irregulares de verdadeira discussão pública. A política ortodoxa esgota esses processos no nível representativo; a televisão, no nível reativo (11).

Com o advento dos novos meios digitais, estas e outras tendências midiáticas hegemônicas podem ser mais facilmente contra-arrestadas por atores, campanhas, movimentos e organizações da sociedade civil. Erguem-se barreiras - ainda que restritas - ao monopólio da representação da realidade pretendido pelos meios convencionais. Se neles, pela própria configuração tecnológica dos suportes impressos e eletrônicos, a participação das audiências fica secundarizada, nas novas tecnologias de informação e comunicação suas possibilidades de inserção elevam-se a um patamar superior.

Com a relativa liberação do polo da emissão, amplia-se o antagonismo entre atores que,na velha lógica fordista de produção de mensagens, detinham o controle da informação e os novos atores que entram em cena com a web 2.0. A validação da informação, antes mais fortemente dependente de elites eruditas (acadêmicos, políticos, jornalistas e outros -formadores de opinião-) e organizações de grande escala (corporações públicas e privadas), entra num processo sem precedentes de envolvimento do conjunto dos usuários conectados. Essa realidade faz da internet um ambiente menos tolerante a relações hierárquicas.

Uma -revolução democrática

É certo que a nova era digital vem transformando ambientes e formas de participação, assim como o próprio significado do termo. Verifica-se, em decorrência disso, a emergência de uma retórica excessivamente otimista, por meio da qual se busca idealizar os novos meios digitais como agentes de uma -revolução silenciosa-.

-A web 2.0 tem sido acompanhada pelo que poderia ser um pensamento retórico de -democratização-. Isso é definido pelas histórias e imagens de -pessoas- aproveitando a internet e tomando controle do seu conteúdo; um tipo de -internet pessoal-, a emergência de uma cultura do amador. Isso nos levaria a acreditar em uma nova cultura colaborativa, participativa e aberta, em que todos podem ter envolvimento e ter potencial para ser vistos e ouvidos.- (12).

Compõe esse caldo de cultura a ideia segundo a qual os -novos- movimentos sociais seriam uma derivação direta da cultura colaborativa originada nas redes digitais. O jornalismo tem sido pródigo nesse tipo de imagem, como constatamos na veiculação de notícias sobre movimentos como os -indignados- da Espanha, a -primavera árabe-, as revoltas estudantis chilenas de 2011 ou as manifestações de junho de 2013 no Brasil. Todos esses movimentos, independentemente de suas distintas orientações políticas, foram classificados pelos meios de comunicação -como expressões das revoluções -Facebook ou Twitter-- (13).

Contribuem para reforçar essa idealização noções como a do fim do esquema clássico de emissor e receptor, que se teria tornado obsoleto com a aparição da web 2.0. Em vários níveis, a linha demarcatória entre emissão e recepção de conteúdos informativos, que surge bem delimitada nos meios de comunicação tradicionais, ter-se-ia tornado, nos meios conectados, enturvecida - nos discursos mais sóbrios - ou simplesmente evanescente - no imaginário dos mais incautos. Nas palavras panglossianas de García-Galera, Del-Hoyo e Fernández, os internautas -já não desempenham unicamente o papel de receptores [...],mas também assumem alternativamente o papel de receptores e o de emissores, alternância quase inata à comunicação interpessoal que agora se transpõe à comunicação global- (14).

Tal ideário, generalizado com relativa rapidez, está a exigir das ciências sociais uma análise crítica e rigorosa. Não se trata, obviamente, de negar a possibilidade de que as linhas demarcatórias entre emissores e receptores, ou entre produção e consumo de informações, tenham-se flexibilizado com a emergência dos ambientes de rede. Trata-se, isto sim, de verificar em que medida, dadas as condicionalidades sociais, esse fenômeno não permanece como uma possibilidade in abstracto ou meramente técnica, consideradas as assimetrias de vários tipos e origens que insistem em se insinuar na rede, oriundas do misterioso mundo de além-web.

"Nova política"

Diversos estudiosos têm questionado a ênfase excessiva nas redes digitais como catalisadoras seja de mobilizações e ações de protesto, seja de uma nova cultura participativa e democrática. Para Gladwell, haveria um -desproporcional entusiasmo em relação às redes sociais- (15). Já na visão da Cabalin, pesquisador que estudou as grandes manifestações estudantis chilenas de 2011,

-Evidentemente, as novas tecnologias da informação são ferramentas fundamentais para o desenvolvimento dos movimentos juvenis atuais, mas não se podem considerar exclusivamente como os fatores que possibilitam o êxito e o alcance desses movimentos. No caso do movimento estudantil chileno, seu prolongado desenvolvimento se explica por razões estruturais associadas à reprodução das desigualdades no sistema educacional e às reconfigurações políticas e culturais do país. De todo modo, Facebook e outras plataformas digitais foram chave para o desempenho comunicacional das mobilizações, facilitando a transformação de muitos espectadores em aderentes do movimento.- (16).

Como sugere o autor, redes interativas digitais não possuem a propriedade mágica decriar desejos de participação. Antes, dão vazão a esses anseios. Ou, como explica Sérgio Amadeu,

"Obviamente, as ferramentas tecnológicas não criam a participação, mas são construídas exatamente porque um conjunto crescente de cidadãos está disposto a discutir e a participar do debate sobre diversos assuntos, inclusive os políticos. São construções sociotécnicas que beneficiam simultaneamente a interação e a diversidade."(17).

Aquilo de que poucos se dão conta é que, na contramão da retórica democratizante, as potencialidades engendradas pelas TICs em tempos de web 2.0 surgem no mesmo momento em que tanto se fala de crise da representação, com a perda, pelos cidadãos, do poder de coordenar o debate e as decisões de interesse público. Qualquer tentativa de explicar semelhante paradoxo precisa encarar de frente o fato de que, por mais abertos e flexíveis que sejam, os ambientes virtuais - além de não esgotarem o conjunto das esferas públicas - não são imunes à concentração de poder. O ciberespaço não é tão igualitário ou -distribuído- como se costuma pensar.

Com efeito, é preciso considerar que, mesmo na web 2.0, alguns poucos atores concentram a maioria dos fluxos comunicativos. Isso é facilmente visível nos mecanismos de busca - poderosos instrumentos de poder informacional. Grandes corporações multinacionais como Google e Yahoo estabelecem os critérios que determinarão a visibilidade relativa de conteúdos informacionais em todo o planeta. Vista sob essa ótica, a internet revela-se não tão distante dos velhos modelos da mídia de massa. Como lembra Sérgio Amadeu, um pouco mais de canais nem sempre representa uma mudança estrutural nas comunicações (18).

Além disso, devemos recordar que quem controla a infraestrutura da internet tende a controlar também suas camadas lógicas. E esta pode ser a porta de entrada para numerosos interesses políticos e comerciais - muitos deles inefáveis, como revela Gladwell:

-[...] Quando protestos estudantis abalaram Teerã, o Departamento de Estado americano tomou a providência inusual de solicitar ao Twitter que suspendesse uma pausa programada para manutenção do site, pois o governo não desejava que uma ferramenta tão vital estivesse inativa no auge das manifestações. -Sem o Twitter, o povo do Irã não se teria sentido capaz e confiante o bastante para sair em defesa da liberdade e da democracia-, escreveu o ex-assessor de segurança nacional Mark Pfeifle, clamando para que o Twitter ganhasse o Prêmio Nobel da Paz.- (19).

Como fica claro, as ferramentas interativas da web 2.0 podem ser utilizadas pelos poderes político e econômico para plantar ideias e semear interesses. E também, na mão inversa, para coletar informações, como mostram os recentes episódios envolvendo a utilização das redes para fins de espionagem. A internet revela-se, assim, terreno fértil não apenas para a expressão de opiniões e demandas das -pessoas-, mas também para os intuitos e manobras dos poderosos.

E,ao falar em poderosos, devemos estar preparados para incluir no termo as grandes corporações dos oligopólios midiáticos. Afinal, redes sociais e demais ferramentas web não são ilhas apartadas do conjunto dos ecossistemas comunicacionais. Ao contrário, rádios, diários impressos e digitais, além da televisão, estão entre os maiores fornecedores de conteúdos para os ambientes web. No caso das eleições de 2014, 61% dos links compartilhados vieram da mídia profissional (20).

O imaginário construído em torno da internet costuma incensá-la com os odores de um igualitarismo abstrato, que sugere a inexistência de relações de poder nas ambiências virtuais. Nada mais falso. A questão não está em discutir se a internet encontra-se ou não eivada de relações de poder, mas em explicitar as diferenças de organização entre um poder, digamos, ostensivo, organizado territorialmente, e um poder intangível, embora não menos efetivo, que se estabelece por meio de distribuições de atenção e prestígio em um espaço lógico (21). Nessa perspectiva, o que existe na internet não é a ausência de política, mas uma -nova política-, entendida como novas relações de dominação e concentração de poder.

Determinismo tecnológico

Do ponto de vista do materialismo histórico, a análise da cultura, independentemente de seus meios de difusão, é sempre a análise de um sistema de hegemonia - noção desenvolvida originalmente por Antônio Gramsci. Na visão de Williams, que também abordou o tema, a hegemonia é um -sistema central de práticas, significados e valores que podemos chamar apropriadamente de dominante e eficaz- (22).

A ênfase em sistemas de hegemonia e mapas de sentido que informam práticas e experiências funciona como antídoto contra abordagens tecnicistas, e faz com que a análise da cultura adquira tonalidades politizadoras. Tal pressuposto assume grande importância no exame das relações entre tecnologia e transformação social, ainda mais no momento em que movimentos e articulações com finalidades políticas as mais diversas assumem ares -democráticos- pelo único motivo de lançarem mão de novos sistemas tecnológicos como Facebook e Twitter. Como afirma Gladwell, não sem uma pitada de escárnio, -se antes os ativistas eram definidos por suas causas, agora são definidos pelas ferramentas que empregam- (23).

A perspectiva tecnocrática não é nova e nem se inaugura com análises sobre as mídiassociais. Ela já se colocava no contexto do debate sobre os meios tradicionais, como podemos constatar nas palavras abaixo, que abrem o livro Television:

-Diz-se frequentemente que a televisão mudou nosso mundo. No mesmo sentido, fala-se frequentemente em um novo mundo, em uma nova sociedade, em uma nova fase da história sendo criada por esta ou aquela tecnologia: a máquina a vapor, o automóvel, a bomba atômica. Muitos de nós sabem o que está em geral implicado quando tais coisas são ditas. Mas esta pode ser a dificuldade central: que nós temos costumeiramente aceitado essas afirmações de tipo geral em nossas discussões ordinárias, mas podemos falhar em determinar seus significados específicos.- (24).

É surpreende como os termos da discussão sobre -um novo mundo, uma nova sociedade- são retomados quase integralmente no debate sobre redes sociais e tecnologias interativas. Isso não se dá à toa. Como explica Williams a respeito do chamado determinismo tecnológico,

-É uma visão imensamente poderosa e agora em grande parte ortodoxa da natureza da mudança social. Novas tecnologias são descobertas por um processo essencialmente interno de pesquisa e desenvolvimento, o qual, em seguida, define as condições para a mudança social e o progresso. Progresso, em particular, é a história dessas invenções, que -criaram o mundo moderno-.- (25).

A verdade é que hoje nos encontramos de tal modo acostumados a uma situação na qual broadcasting e internet se tornaram instituições sociais predominantes que tendemos a acreditar que isso foi predestinado pela tecnologia. Essa -predestinação-, contudo, quando examinada de perto, revela-se não mais que um conjunto de decisões sociais particulares, as quais foram tão amplamente ratificadas que se torna agora difícil vê-las como decisões em lugar de como resultados inevitáveis.

-[...] Pode ser possível delinear um tipo diferente de interpretação [...]. Tal interpretação difere do determinismo tecnológico pelo fato de que restaura a intenção ao processo de pesquisa e desenvolvimento. Isto é, a tecnologia seria vista como buscada e desenvolvida com determinados propósitos e práticas já em mente. Ao mesmo tempo, a interpretação seria diferente [...] em que esses propósitos e práticas seriam vistos como diretos: como necessidades sociais conhecidas, objetivos e práticas para os quais a tecnologia não é marginal, mas central.- (26).

Essa concepção materialista renovada dos processos culturais é de fundamental importância porquanto, ao tempo em que permite reconhecer o papel central da tecnologia para a satisfação de necessidades sociais conhecidas, evita a rendição a relações de causalidade inadmissíveis no pensamento sociológico moderno, como aquela materializada em formulações que enxergam -novas tecnologias criando novas sociedades-. Em outras palavras, se de um lado é necessário reconhecer o papel civilizatório das novas tecnologias, de outro devemos admitir que elas, em si mesmas, nada significam. Seus sentidos só podem ser aquilatados à luz de um exame das estruturas sociais mais amplas que determinam essas tecnologias em seus usos concretos.

Conclusão

De um lado, o fato irrecusável de que a evolução das TICs acarretou certo nível de democratização da produção cultural sob as condições do urbano-industrialismo burguês. De outro, o fato de que, como as possibilidades técnicas dos novos meios de comunicação e cultura realizam-se dentro de uma sociedade estabelecida, elas carregam consigo não apenas as vantagens, mas também os limites dessa sociedade. A relativa democratização da produção de sentidos e cultura que entra em novo patamar com a web 2.0 ocorre sob condições determinadas, que ditam não apenas potencialidades, mas também restrições e limites.

E é neste ponto que nos reencontramos com as questões levantadas no início deste artigo. Teriam sido a internet e suas redes interativas - na contramão do poder midiático - decisivas para a definição do resultado eleitoral favorável às forças progressistas- A resposta é sim e não. Sim, pois, de fato, à proporção que foram apropriadas pelas forças democráticas, as redes transformaram-se em diques e anteparos às intenções golpistas das elites dominantes, de suas organizações políticas e de sua mídia oligopolizada. Mas ao mesmo tempo a resposta é não. Pois o motivo de fundo da vitória das forças progressistas nas eleições de 2014 - este sim realmente decisivo - foi o amadurecimento da cultura político-democrática do povo brasileiro.

Essa cultura, podemos estar certos, não é uma criação de novas ferramentas tecnológicas. Ela é fruto da história e de uma vivência social e política cotidiana, que inclui como capítulo destacado a participação em campanhas e atividades cívicas. Foi assim, ano a ano, década a década, que ganharam corpo a cultura democrática e a tradição associativa do povo brasileiro. Não é o advento das redes sociais que explica o amadurecimento dessa cultura e dessa tradição. Ao contrário, é o caráter aberto, sociável, participativo e democrático de nosso povo que explica por que o Brasil está entre os países que mais utilizam redes sociais e demais ferramentas interativas. Dito de outra maneira, talvez a questão não seja tanto de ferramentas interativas, mas da interatividade em suas diversas ferramentas.

Contudo, embora não devam ser postuladas, em sentido rigoroso, como as criadoras da democracia e da participação, é certo que as redes digitais podem contribuir para reforçá-las. Ao proporcionarem a democratização do acesso não apenas à informação, mas também às rotinas de produção de conteúdos, as redes interativas fortalecerão cada vez mais as conexões sociais e a cultura participativa, assim como a própria democracia. Farão isso, se não de outras maneiras, contribuindo no combate àquilo que poderíamos denominar fetichismo da comunicação. Como explica Williams,

-A grande mídia impessoal, como imprensa, cinema, rádio e televisão, chega à maioria das pessoas quase como um ato de Deus. É muito difícil, sem experiência direta de seu trabalho real, vê-la como produto de homens como nós. Bem sei que, à medida que eu tenha visto algo da produção de TV e rádio, e de publicidade, eu tenho atitudes bastante diferentes para com seu trabalho acabado. É uma perda de ingenuidade, mas também, em muitos aspectos, um ganho de respeito: mais crítico, em todo bom sentido, porque mais informado. Se é para sentirmos que nosso sistema de comunicação pertence à sociedade, em vez de sentirmos que é o que -eles- estabeleceram para nós, esse tipo de compreensão do método deve crescer.- (27).

Fazer com que todos sejam de fato sujeitos da comunicação, e com que cada cidadão tenha o direito de comunicar; criar seres humanos plenos sob o aspecto comunicacional; pôr fim à rígida divisão entre -emissores- e -receptores-, entre -formadores de opinião- e consumidores passivos de cultura: eis os desafios de uma sociedade profundamente democrática; eis as potencialidades das redes sociais. Tais potencialidades, contudo, não se realizarão senão por obra das forças da democracia e do progresso social, que precisam empoderar a si e ao povo utilizando as novas tecnologias. Esse esforço é parte incontornável da luta contemporânea pela hegemonia.

A depender do contexto social em que se inserem, isto é, das relações sociais em cujo âmbito se organizam, os meios de comunicação e cultura podem servir à ampliação ou à restrição da democracia. Podem contribuir para a realização de elevados propósitos de democratização da informação e do saber ou, paradoxalmente, proporcionar o mergulho de populações inteiras nas trevas da estupidez. O que está a requerer de todos o verdadeiro propósito transformador é, diante dessas opções contraditórias, uma firme tomada de posição. ª

* Fábio Palácio de Azevedo é jornalista, doutor em Ciências da Comunicação (ECA-USP). Diretor de Comunicação e Publicações da Fundação Maurício Grabois

NOTAS

(1) BRANDÃO, Renato. --Sem internet, Aécio teria vencido eleição-, diz cientista político-. Rede Brasil Atual [on-line]. 28de outubro de 2014.

(2) Idem. Ibidem.

(3) BEZERRA, Mirthyani. -Interações são recorde na eleição, mas redes não alcançam todo eleitorado-. UOL [on-line]. 24 de outubro de 2014.

(4) PORTELA, Frederico. -Katie Harbath, jornalista e cientista política: -Três em cinco eleitores brasileiros estão nas redes--. O Globo [on-line]. 16de setembro de 2014;ALENCASTRO, Catarina. -Especialista do Facebook dá aula a 200 políticos-. O Globo [on-line]. 12de abril de2014.

(5) -ELEIÇÕES batem recorde de comentários no Facebook-. Agência Brasil [on-line]. 27de outubro de 2014.

(6) BRASIL. SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 - Hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília, fevereiro de 2014.

(7) SMITH, Ben. -The Facebook Election-. BuzzFeedNews [on-line]. 09denovembro de 2014.

(8) Idem. Ibidem.

(9) WILLIAMS, Raymond. Television - Technology and cultural form. New York:

Routledge, 1990. p. 44.

(10) SMITH, Ben. Op. cit.

(11) WILLIAMS, Raymond. Op. cit.,p. 49.

(12) BEER e BURROWS apud LIMA JÚNIOR, Walter Teixeira. -Mídias sociais conectadas e jornalismo participativo-. In: MARQUES, Ângela; COSTA, Caio Túlio [et al.]. Esfera pública, redes e jornalismo. Rio de Janeiro: E-papers, 2009, p. 180-181.

(13) CABALIN, Cristian. -Estudiantes conectados y movilizados: El uso de Facebook en las protestas estudiantiles en Chile-. Comunicar, nº 43, v. XXII, 2014, p. 26.

(14) GARCÍA-GALERA, María-Carmen; DEL-HOYO, Mercedes; FERNÁNDEZ, Cristóbal. -Jóvenes comprometidos en la Red: El papel de las redes sociales en la participación social activa-. Comunicar, nº 43, v. XXII, 2014, p. 36.

(15) GLADWELL, Malcolm. -A revolução não será tuitada-. Observatório da imprensa [on-line]. Edição 620, 14de dezembro de 2010.

(16) CABALIN, Cristian. Op. cit., p. 32.

(17) SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. -Esfera pública interconectada, blogosfera e redes sociais-. In: MARQUES, Ângela; COSTA, Caio Túlio [et al.]. Esfera pública, redes e jornalismo. Rio de Janeiro: E-papers, 2009, p. 82.

(18) Idem. Ibidem, p. 71.

(19) GLADWELL, Malcolm. Op. cit.

(20) -JORNALISMO profissional domina redes sociais-. Folha de S.Paulo, Caderno A, 9 de novembro de 2014, p. 4.

(21) SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Op. cit.,p. 72.

(22) WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. São Paulo: Ed.Unesp, 2011, p. 53.

(23) GLADWELL, Malcolm. Op. cit.

(24) WILLIAMS, Raymond. Television - Technology and cultural form. New York:

Routledge, 1990, p. 1.

(25) Idem. Ibidem, p. 5.

(26) Idem. Ibidem, p. 7.

(27) WILLIAMS, Raymond. Communications. Londres: Penguin Books, 1968, p. 132.

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