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Edição 129 > O PCdoB e a ditadura militar

O PCdoB e a ditadura militar

Augusto Buonicore*
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O PCdoB, de maneira pioneira, alertou sobre o golpe que viria, afirmando, inclusive, que vinha para ficar e que não seria algo passageiro, como muitos pensavam. Consumado o golpe, os comunistas não titubearam em se colocar na linha de frente do combate à ditadura, uma luta que custou a vida de muitos de seus combatentes, mas que logrou reconquistar a democracia

Os dois primeiros anos de reorganização do PCdoBrasil (1962-1964) foram marcados por uma luta acirrada contra as ilusões reformistas presentes na esquerda brasileira. No entanto, buscando o caminho correto, acabou caindo em posições esquerdistas, colocando o governo do presidente João Goulart como centro dos seus ataques. Em julho de 1963, a manchete d-A Classe Operária traduzia bem as posições esquerdistas do PCdoB: -Nem Gorilas. Nem Goulart-.

Entre 27 e 30 de março de 1964 reuniu-se o Comitê Central do PCdoB. Depois de algum debate, decidiu-se por se manter na oposição, mas se incorporar à luta pelas reformas de base. No dia seguinte, ocorreu o golpe que, com apoio do imperialismo estadunidense, derrubou o presidente e deu início ao longo período de ditadura militar no Brasil.

O PCdoB e o golpe militar

Em agosto daquele ano, a direção do PC do Brasil se reuniu e aprovou um documento que fazia duras críticas à política reformista adotada pelo PCB no pré-golpe. A tese -da revolução pelas reformas redundou em completo malogro-, afirmava o texto. O PCdoB, de maneira pioneira, alertou que o golpe tinha vindo para ficar e não era algo passageiro, como muitos pensavam.

Ele, então, passou a listar as lições que deveriam ser extraídas daquele acontecimento: 1ª) A inviabilidade do caminho pacífico; 2ª) o imperialismo estadunidense era o principal inimigo do povo brasileiro; 3ª) o movimento democrático e anti-imperialista só seria vitorioso se tiver à sua frente o proletariado; 4ª) a necessidade de organizar e desenvolver o movimento camponês, -tendo em vista que a luta de libertação nacional será dura e prolongada e se travará fundamentalmente no interior do país-; e 5ª) a importância de se constituir uma ampla frente política e social.

O Partido fez também uma autocrítica de suas posições durante o governo Jango. Na época, teriam se manifestado -tendências sectárias-, que se traduziram -em alguns exageros no combate ao que havia de errôneo na política do senhor João Goulart-. Essas tendências, -obstaculizaram a maior participação do Partido no movimento democrático e anti-imperialista-.

Diante do novo quadro político criado com o golpe militar, o PCdoB aumentou o ritmo dos preparativos para o desencadeamento da luta armada. Ainda em março de 1964 seguiu para a China o primeiro grupo que faria um curso político-militar de seis meses. No país, o primeiro passo foi escolher os locais para implantação da futura guerrilha. No início de 1965, inúmeros militantes foram enviados para o interior de Goiás. O esquema se desfez quando dois militantes foram presos. Outros comunistas foram a Mato Grosso. Antes do final do ano, porém, foram desmobilizados. O lugar foi considerado inadequado. Experiências desse tipo se desenvolveram em outras regiões do país.

O primeiro -assalto- a um quartel, visando a adquirir armas para resistir à ditadura, foi realizado por militantes do PCdoB em Goiás. Isso ocorreu na madrugada de 14 para 15 de novembro de 1964, quando alguns militantes ocuparam o Tiro de Guerra de Anápolis e levaram vários fuzis. Naqueles dias, o estado estava sob ameaça de uma intervenção federal e o governador Mauro Borges prometia resistir. Contudo, no dia seguinte, os -assaltantes- foram presos e as armas apreendidas pelo Exército, com apoio do próprio governador, que não apostava suas fichas na luta armada e sim numa decisão do STF. Por fim, ele foi destituído e no seu lugar colocado um interventor militar.

VI Conferência do PCdoB - União dos brasileiros contra a ditadura

A situação exigia construir uma tática partidária adequada à existência da ditadura militar - coisa que começou a ser feita em agosto de 1964. Para isso, em 1966, foi realizada a VI Conferência Nacional. Esta aprovou o documento União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista. O texto afirmava: -Perigo sem precedente paira sobre o Brasil, sujeito a viver longo tempo sob o regime ditatorial, a ter seu desenvolvimento interrompido e a perder suas características de nação independente. Em tal circunstância, nenhum problema pode sobrepor-se ao objetivo de salvar o país desse perigo (...). Está colocada na ordem do dia a necessidade de organizar a mais ampla união patriótica, sob o lema de independência, progresso e liberdade-. Alertava ainda para a necessidade de dar maior atenção ao trabalho no interior do país, visando a criar condições mais adequadas para a deflagração da luta armada contra o regime militar.

Segundo Osvaldo Bertolino, -o PCdoB saiu a campo para verificar os melhores lugares para instalar a guerrilha. (...) O grupo de Pedro Pomar trabalhou no Vale do Ribeira, em São Paulo; Carlos Danielli e seus companheiros foram para o oeste da Bahia (...). Maurício Grabois e João Amazonas foram para a região do Araguaia, sul do Pará- (BERTOLINO, 2004:169). A direção central do PCdoB foi dividida em duas partes. A primeira cuidaria do Partido nas cidades e a segunda controlaria o trabalho na área principal da guerrilha.

A tática aprovada na VI Conferência pautaria as posições do Partido diante de fenômenos complexos que foram surgindo, como a criação da Frente Ampla. Esta era uma aliança política que congregava políticos oposicionistas de matizes variadas, como Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Muitas organizações de esquerda condenavam a frente ampla pela presença de Lacerda, líder civil do golpe, e pelo seu conteúdo burguês-reformista.

O PCdoB pensava diferente. Dizia ele: -a Frente Ampla é uma tentativa de unir forças para modificar o sistema ditatorial vigente em benefício de correntes políticas alijadas do poder com o golpe militar (...). Hostilizados pela ditadura, esses políticos esforçam-se para levantar um movimento que, dentro da ordem atual, permita a conquista de certas franquias e lhes possibilite influir mais diretamente na vida política do país-. Assim, -o MDB e a Frente Ampla desempenham determinado papel na luta contra a ditadura (...) (e) contribuem para o seu isolamento-. O Partido defendia o apoio à frente ampla, mas sem colocar-se a reboque dela.

Preparando a Guerrilha do Araguaia

A partir de 1967 começaram os deslocamentos de militantes para a região do Araguaia. No início de 1972 já havia 69 guerrilheiros. Eles formaram três destacamentos e uma Comissão Militar, composta por João Amazonas, Maurício Grabois e Ângelo Arroyo.

Em maio de 1968, o Comitê Central do PCdoB se reuniu para discutir o processo de ascensão do movimento de massas no Brasil, capitaneado pelos estudantes. Nessa reunião, foram aprovados três importantes documentos: Preparar o partido para grandes lutas, A política estudantil do Partido Comunista do Brasil e Alguns problemas ideológicos da revolução na América Latina. O primeiro deles afirmava: -O povo em defensiva desde o golpe de 1964 começa tomar a iniciativa e dispõe-se a passar à ofensiva. É profundo o descontentamento popular e as massas vão perdendo as ilusões numa saída pacífica e nos métodos de luta legalista-.

Alguns meses depois, a ditadura começou a enfrentar dificuldades no seu próprio terreno. Em dezembro, o Congresso Nacional recusou-se a dar licença para que o governo pudesse processar o combativo deputado Márcio Moreira Alves. Muitos parlamentares da Arena - partido governista - votaram com a oposição. Enquanto isso, contra a vontade do presidente da República, o Supremo Tribunal Federal (STF) dava habeas corpus aos dirigentes estudantis presos em Ibiúna, que ainda estavam presos. Vozes discordantes também havia no Supremo Tribunal Militar.

A resposta da ditadura foi a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 13 de dezembro de 1968. A repressão política recrudesceu e atingiu seu ápice. A tortura, já existente, foi institucionalizada e, ao longo dos anos, centenas de militantes de esquerda foram brutalmente assassinados. Isso reforçou as posições dos que defendiam a luta armada como única alternativa para combater um regime cada vez mais brutal.

Em relação à estratégia revolucionária para o país, o PCdoB travava uma luta em duas frentes. De um lado, se opunha ao reformismo do PC Brasileiro. De outro, combatia o foquismo, defendido por alguns grupamentos da esquerda armada, como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

O principal texto do PCdoB tratando da luta guerrilheira foi Guerra Popular: caminho da luta armada no Brasil, publicado em janeiro de 1969. Nele, -pela primeira vez, os comunistas abordam de modo claro e fundamentado sua concepção sobre a luta armada (...). O documento demonstra que, para ser vitoriosa, a revolução assumirá o aspecto de guerra prolongada, travada fundamentalmente no interior, que se inicia por pequenos grupos guerrilheiros, cria bases de apoio no campo e se orienta para incorporar à luta grandes massas populares. As cidades cumprirão importante função, apoiando concretamente as ações guerrilheiras no interior e coordenando com estas lutas suas ações urbanas de diferentes tipos- (50 anos de Luta, março de 1972).

Subestimando o inimigo

Logo após o AI-5 - em janeiro de 1969 -, o Comitê Central do PCdoB lança um manifesto ao povo brasileiro onde se lê: -Impotentes diante do impetuoso movimento de massas e desesperados com a desmoralização crescente do governo, (os generais) recorrem a novas e brutais violências. Instauraram, com o Ato Institucional nº 5, um regime do mais completo arbítrio (...). A nação brasileira jamais conheceu governo tão despótico como o atual-. Já nesse documento aparece a ideia de que o AI-5 era apenas uma demonstração da fraqueza do regime. Nos anos que se seguiriam - especialmente no governo Médici -, tal visão seria aprofundada.

Em dezembro de 1969 os comunistas lançam o documento Responder ao banditismo da ditadura com a intensificação da luta do povo. Ele parte da constatação de que o governo Médici -é uma ditadura militar de caráter terrorista-. A opinião do Partido é de que -o sentimento popular em favor da revolução é muito grande-. O país viveria um momento em que -uma fagulha pode transformar-se numa chama vigorosa que as forças reacionárias jamais conseguirão apagar.-. Para os comunistas as condições objetivas já seriam favoráveis à revolução.

Seis meses depois, em julho de 1970, o Partido aprova o documento Mais audácia na luta contra a ditadura. Segundo ele, a -situação econômica do país sob a ditadura chefiada por Garrastazu é das mais difíceis (...). O tão propalado crescimento do Produto Interno Bruto resulta de grosseira manipulação de dados. (...). Os militares procuram aparentar força, apresentar seu poder como inabalável. Mas, na realidade, esse poder é um poder precário, fraco e instável-.

Isso leva a uma visão otimista sobre as reais possibilidades de retomada das lutas sociais. -Imenso é o descontentamento popular diante da inépcia e dos desmandos dos militares. As massas vão, paulatinamente, retomando a iniciativa no combate à ditadura (...). Apesar do terror governamental, as forças revolucionárias lutam da mais diferentes formas. Multiplicam-se suas ações, não dão trégua à reação-. O texto reitera que -cabe aos comunistas organizar e levar a cabo ações revolucionárias (...). A passividade, o conformismo, as posições contemplativas, o espírito burocrático e os debates estéreis são atitudes inteiramente alheias ao revolucionário proletário-. Se até 1969 tratava-se de imunizar o Partido contra o foquismo e o aventureirismo, agora o problema era combater o imobilismo que dificultava o lançamento da Guerra Popular.

Em abril de 1971 o artigo publicado n-A Classe Operária, -Mentira e violências da ditadura- reafirmava a ideia de que o governo Médici era -um governo fraco e instável, que se impopulariza e se isola cada vez mais-. Alguns meses depois, o mesmo jornal afirmaria que a base política do governo Médici -é a mais estreita que a dos governos militares anteriores-.

Contra a farsa eleitoral de 1970

As posições conciliadoras do MDB e a sua decisão de participar das eleições convocadas para novembro de 1970 levaram o PCdoB passar a ter uma postura extremamente crítica em relação a esse partido. -Na farsa eleitoral-, diz um documento, -um dos piores papéis foi reservado ao MDB (...). O chamado partido oposicionista, na prática, vem colaborando para que os generais alcancem seus criminosos objetivos antinacionais e antipopulares-. Segue o texto: -tanto a Arena como o MDB estão conjugados com a máquina da ditadura para enganar o povo e caçar votos do eleitorado-. O PCdoB propugna o voto nulo e branco.

No Senado a Arena ganhou 40 cadeiras, perfazendo 59 senadores, e o MDB elegeu apenas 6, ficando com sete. Na Câmara dos Deputados o partido do governo elegeu 220 cadeiras contra 90 da oposição. A Arena se autointitulou o maior partido do Ocidente e muitos chegaram a temer pelo futuro do MDB. Esse resultado foi comemorado pela esquerda revolucionária, pois cerca de 1/3 do eleitorado havia votado em branco ou nulo - além do grande número de abstenções.

O crescimento econômico de mais de 10% ao ano, a forte retórica nacionalista e a vitória na Copa do Mundo - coisas amplamente repercutidas pela mídia - angariaram certo apoio ao governo ditatorial. Isso, por exemplo, é o que diziam as pesquisas de opinião. Embora elas devam ser tratadas com cautela, pois ocorriam nos marcos de uma ditadura feroz. Uma pesquisa do Instituto Gallup, realizada no final de 1970, constatava que metade da população achava que o seu nível de vida estava melhorando e apenas 7% que estava caindo. Cerca de 70% acreditavam que a vida melhoraria em 1971.

Esse quadro era bastante distinto do que pensavam os comunistas, em meio à preparação da luta armada. No artigo -Ampliar e radicalizar as ações populares- - de junho de 1971 - se diz: -Lutas explodem em toda parte, pondo em dificuldades os governantes-. Às vésperas do início da Guerrilha do Araguaia, o PCdoB afirmaria: -São crescentes as ações revolucionárias e novos setores sociais incorporam-se ao combate contra o poder dos generais-. E concluiu: -amadurecem rapidamente as condições para tornar uma realidade a guerra popular-.

Era essa a avaliação do PCdoB quando, no dia 12 de abril de 1972, mais de dois mil soldados iniciaram os ataques às bases guerrilheiras do PCdoB no sul do Pará. O conflito durou mais de dois anos e envolveu cerca de 10 mil homens das três armas. A grande parte dos guerrilheiros foi presa, torturada e assassinada. Até hoje seus corpos continuam desaparecidos.

A eclosão da guerrilha levou a um aumento das perseguições aos dirigentes do PCdoB. Entre 1972 e 1973 seriam presos e assassinados sob torturas Lincoln Cordeiro Oest, Carlos Danielli, Luiz Guilhardini e Lincoln Bicalho Roque. Os três primeiros eram membros da Comissão Nacional de Organização do Comitê Central, responsável pelos contatos da guerrilha com a cidade. Importantes comitês regionais sofreram graves baixas, com centenas de presos.

Hoje sabemos que nesses anos (1969-1973) atravessávamos um período de recuo do movimento de massas. A esquerda armada urbana, por sua vez, estava sendo dizimada ou passava a se fingir de morta. Claro, ainda existiam lutas, mas eram localizadas. Contudo, a crença na fraqueza e no isolamento do governo Médici, a convicção de que as condições objetivas para o desencadeamento da revolução estavam dadas e que -bastava uma fagulha para incendiar a pradaria-, é que nos permitem entender a decisão dos comunistas de desencadear a resistência armada no Araguaia.

Eleições de 1974

Nas eleições de 1974 o PCdoB repetiu a tática usada em 1970, apregoando o voto nulo e em branco. Em setembro, o editorial d-A Classe Operária afirmava: -mais uma pantomima encenada pela ditadura terá lugar (...). De antemão é conhecido o resultado do pleito. Sabidos também são os nomes da maioria dos que irão aboletar-se nas cadeiras de pretensos órgãos legislativos - velhas raposas da mais políticas, desprezíveis policiais e alcaguetes ou descarados aproveitadores sempre prontos a servir aos poderosos do momento-. O Partido continuava com uma visão bastante crítica em relação ao MDB. -Os dois agrupamentos, artificialmente criados, que se exibem sob a sigla Arena e MDB não passam de simulacros de partidos políticos (...), constituem peças acessórias da máquina de opressão montada pelo sistema-.

Na edição de outubro a tônica seria um pouco diferente. Ali se afirmava: -apesar de as eleições de 15 de novembro se constituírem numa farsa, na campanha eleitoral também nela se reflete o sentimento de oposição à ditadura. (...) Se é certo que grande contingente do eleitorado não se interessa pelo pleito e está disposto a demonstrar seu repúdio através do voto nulo, em branco ou da abstenção, é verdade igualmente que um segmento do eleitorado se pronuncia pelo voto contra os candidatos do governo. Não tanto como partidários do MDB, mas para exprimir sua condenação ao atual estado de coisas-. Aqui a crítica ao partido oposicionista é matizada e o voto nele é visto de maneira positiva. Parece mesmo que, na última hora, a direção partidária deu a diretiva de votar nos candidatos mais avançados da oposição. Contudo, isso não conseguiu chegar ao conjunto do Partido e muitos regionais continuaram apregoando voto nulo e branco. Após as eleições, A Classe Operária estampou a manchete -Derrota do Regime-. Ali, se comemoravam as vitórias eleitorais do MDB, embora se mantivesse a crítica às posições conciliatórias da cúpula partidária.

Em janeiro de 1975, o PCdoB divulgou o documento Levar adiante e até o fim a luta contra a ditadura - Mensagem aos Brasileiros. Nele, se propunha aglutinar as forças oposicionistas em torno de três grandes bandeiras políticas: 1ª) A convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livremente eleita; 2ª) a abolição de todos os atos e leis de exceção; 3ª) a anistia geral. Afirma o texto: -O êxito nesta tarefa exige a criação de uma ampla e combativa frente de oposição à ditadura (...). A unidade para a luta é a arma da vitória-.

Desde o início da Guerrilha do Araguaia um dos objetivos principais da ditadura era destruir o PCdoB. O problema é que, até 1976, esse partido continuava vivo e atuando em todo o país. Uma situação que se tornou insustentável para os generais.

As coisas pareciam que iam mudar no final daquele ano. Em dezembro a casa onde se reunia a direção nacional foi descoberta e atacada pela repressão, graças à traição de um importante dirigente, Manoel Jover Telles. Na operação, foram mortos Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond. Outros quatro dirigentes foram presos e torturados.

A situação não ficou mais grave porque João Amazonas e Renato Rabelo estavam em missão fora do país. Ali também estavam Diógenes Arruda Câmara, Dynéas Aguiar e Nelson Levi. Não podendo mais voltar ao país, eles tiveram que montar uma direção provisória no exterior. Agora tratava-se de, novamente, reorganizar o Partido Comunista do Brasil.

VII Conferência: uma nova reorganização do Partido

Foram necessários quase dois anos para estabelecer contatos com os comitês regionais e os militantes no interior do país, dando ao Partido uma organicidade mínima. Isso permitiu que fosse convocada a VII Conferência do PCdoB. Ela se realizou na Albânia e teve duas partes. A primeira no segundo semestre de 1978 e a segunda entre junho e julho de 1979.

O centro da tática aprovada continuava sendo a luta pela -conquista da mais completa liberdade política- e isto passava, necessariamente, pela derrubada do regime militar. As palavras de ordem que poderiam agregar amplas forças sociais e políticas foram: 1) Constituinte livremente eleita, convocada por um governo democrático e provisório; 2) abolição total e imediata de todos os atos e leis arbitrárias; e 3) anistia ampla, geral e irrestrita. Naquele momento, o alvo principal da ação das forças democráticas e patrióticas deveria ser o governo do general João Batista Figueiredo. O objetivo era isolá-lo e derrotá-lo.

Desgastado e sob forte pressão popular, o regime militar estava sendo obrigado a se liberalizar, ainda que lentamente. No final de seu mandato, o general Geisel acabou com a censura prévia e revogou o AI-5. O novo presidente, o general João Batista Figueiredo, prometeu continuar o projeto de abertura. Depois de anos de luta, a lei de anistia foi aprovada, em agosto de 1979. O PCdoB rejeitou o seu caráter parcial e, principalmente, o fato de ela anistiar também os torturadores e assassinos incrustados no regime, mas reconhecia ser ela uma conquista do povo brasileiro.

A reforma eleitoral e a nova tática comunista

Em meio à profunda crise política e econômica na qual vivia mergulhado o regime militar, o bipartidarismo parecia algo extremamente perigoso para os generais. Por isso, no final de 1979, o presidente Figueiredo enviou ao Congresso o seu projeto de reforma partidária, que permitia criar novos partidos - menos o comunista.

Diante da possibilidade de fragmentação dos setores democráticos e populares, o PCdoB defendeu a constituição de um amplo partido de frente-única, com todos esses segmentos da oposição. Os comunistas não conseguiram convencer o restante das forças oposicionistas. Surgiram, então, o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Popular (PP). Contudo, a maioria das personalidades democráticas e nacionalistas optou pela permanência no PMDB - que tinha por base o velho MDB. Este também foi o caminho escolhido pelo PCdoB.

Em junho de 1980, o Comitê Central aprovou o documento Situação brasileira, tarefas e propostas políticas do Partido Comunista do Brasil. Nele, se afirmava: -já não é admissível a unidade feita apenas em torno dos partidos políticos das classes dominantes (...). A classe operária e as massas populares avançaram na sua organização, ocupam lugar destacado na luta democrática, e não pretendem ser simples objetos de ação eleitoral dos partidos oposicionistas. Na atualidade, o que se impõe é a criação de uma frente democrática e de unidade popular, uma frente que agrupe não somente as correntes políticas oposicionistas, mas também, de maneira independente e com organização própria, os movimentos operários e populares unificados-. E apresenta a palavra de ordem -por um governo das forças democráticas e da unidade popular-.

Eleições de 1982 e o voto útil

Em novembro de 1982 ocorreram novas eleições. Nelas estavam em jogo os governos dos estados e municípios, além da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais e parte do Senado. Elas também decidiriam a correlação de forças no Colégio Eleitoral, que elegeria o futuro presidente da República.

O PCdoB aprovou o documento A campanha eleitoral é uma das tarefas principais dos comunistas. Pela primeira vez, uma eleição adquiria tal importância no seu esquema tático. Nele, se advogava o -voto útil- no PMDB, partido que reunia as melhores condições de derrotar o PDS (novo nome da Arena). -Os votos dados a outros partidos (de oposição), principalmente a cargos executivos, por mais respeitáveis que possam ser, no momento atual, favorecem ao PDS-, dizia o documento.

A oposição conseguiu 59% dos votos e, pela primeira vez, fez maioria na Câmara dos Deputados: 240 deputados contra 235. Ela elegeu 11 governadores, entre eles os de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. Contudo, a tática governista de dividir a oposição deu alguns resultados e garantiu-lhe, por exemplo, a eleição do PDS em estados importantes como Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco.

O VII Congresso do PCdoB, ainda na clandestinidade, aconteceu entre o final de 1982 e o início de 1983. Na sua resolução política ficava mais uma vez claro o centro da tática comunista: -a derrubada do regime militar e a conquista da mais completa liberdade política-. A chamada abertura, apregoada pelo regime militar, -visava unicamente contornar dificuldades oriundas do seu isolamento e desgaste e encontrar meios de garantir a sua continuidade-. O PCdoB também apontou para uma nova campanha que, dentro de alguns meses, estaria abalando o país: -Na atualidade, a exigência de eleições diretas para a Presidência da República corresponde a um sentimento generalizado e mobilizador-.

 

A campanha das Diretas já!

Em abril de 1983, o PMDB aprovou desencadear uma campanha nacional, mas somente em 15 de junho realizou o seu primeiro ato em Goiânia que reuniu 5 mil pessoas. As coisas ainda estavam em fogo brando quando, em 27 de novembro, por iniciativa do PT, realizou-se na Praça Charles Miller, na cidade de São Paulo, o primeiro comício das diretas, com a presença de 10 mil pessoas. Em 12 de janeiro de 1984, um comício em Curitiba reuniu 60 mil participantes e, na prática, inaugurou a campanha suprapartidária pelas Diretas Já! No dia 25 ocorreu o comício na Praça da Sé paulistana, com 300 mil pessoas.

Nos dias que se seguiram realizaram-se os maiores atos públicos da história do Brasil. Cerca de 1,2 milhão de pessoas se reuniram no Rio de Janeiro e 1,5 milhão em São Paulo pedindo Diretas Já! Comícios monstros ocorreram nas principais cidades brasileiras. O PCdoB lançou o boletim Os comunistas e a luta pelas diretas. Ali, se dizia: -a luta pela eleição direta aparece como a forma concreta, prática, imediata de pôr fim ao governo dos militares-. Para ser vitoriosa, a campanha devia ter um caráter de massa e unitário, além de um conteúdo claramente oposicionista. Por isso, deveriam participar dela -todos que desejarem, sem distinção de classe social, partido político, credo filosófico ou religioso. Mesmo os membros do PDS que assumem a defesa das diretas são bem-vindos.-. Essa era uma resposta a alguns setores de esquerda que se recusavam a aceitar os políticos oriundos do partido do governo.

Em 25 de abril, a emenda das diretas não foi aprovada na Câmara, pois se ausentaram 112 deputados governistas. Faltaram apenas 22 votos para que ela conseguisse os necessários à sua aprovação. Era preciso procurar outros caminhos.

Ainda em maio, o PCdoB realizou uma inflexão na sua tática. Manteve a bandeira das diretas, mas considerou ser preciso lançar um -candidato único das oposições-. Sua escolha deveria -realizar-se em convenção nacional que reúna os diversos setores oposicionistas, inclusive os representantes das entidades sociais de maior expressão, bem como os partidos de influência popular ainda não reconhecidos oficialmente- (Tribuna da luta Operária, nº 167, 14 a 20-05-1984).

Muda Brasil! Os comunistas, Tancredo e o Colégio Eleitoral

No início de julho, o dirigente comunista Rogério Lustosa apontaria para a possibilidade de apoiar Tancredo Neves no Colégio Eleitoral: -Sem abandonar as diretas já!, urge tomar medidas para neutralizar os planos continuístas dos generais. Para perseguir os mesmos objetivos da campanha das diretas já não é razoável apostar tudo num único caminho, sem considerar as alterações no cenário político-. Continua: -seria criminoso, por omissão ou prurido, deixar o campo aberto para que o sinistro Paulo Maluf ocupe a Presidência da República- (TO, nº 175).

Para os comunistas, a recusa ou aceitação de ir ao Colégio Eleitoral não era uma questão de princípios e sim um problema político, de correlação de forças. A questão central era pôr fim ao regime militar. Assim, foi sendo consolidada a convicção de que era possível - e necessário - vencer no próprio terreno escolhido pela ditadura. As grandes manifestações populares que sacudiram o país naqueles anos - especialmente a campanha pelas Diretas Já! - cindiram o bloco governante e criaram melhores condições para que a oposição vencesse no Colégio Eleitoral.

O PC do Brasil, então, propôs um Programa Mínimo de 15 pontos ao futuro candidato das oposições. Nele, constavam: garantia das liberdades democráticas, liquidação das leis arbitrárias e dos órgãos de controle e repressão política criados pela ditadura; eleições diretas em todos os níveis; anulação dos acordos com o FMI e suspensão do pagamento da dívida externa; retomada do desenvolvimento em base independente, com o resguardo dos interesses nacionais e fortalecimento do mercado interno.

A Convenção do PMDB ratificou a chapa Tancredo Neves e José Sarney, dissidente do PDS que por exigência legal se filiou ao partido oposicionista. Ali se aprovou uma plataforma eleitoral avançada que contemplava: convocação da Constituinte em 1986 e a garantia das mais amplas liberdades democráticas; liberdade partidária, de imprensa, de reunião, de greve, autonomia sindical, fim da LSN, eleições diretas em todos os níveis. Se aplicada, representaria o fim do regime militar e o retorno à democracia.

O desafio agora era retomar as mobilizações populares e convencer os demais setores da oposição a apoiarem Tancredo. O PDT e o PTB logo aderiram. O PT, contudo, decidiu boicotar o Colégio Eleitoral e sofreu certo isolamento político. O PCdoB lançou o documento Os comunistas e a sucessão presidencial - ou Por que os comunistas apoiam Tancredo -, no qual afirmava: -Impunha-se à oposição indicar, sem mais demora, uma candidatura capaz de reunir o máximo de forças para derrotar, em qualquer circunstância, o esquema continuísta. (...) Recusar essa tomada de posição (...) é colocar-se à margem do processo político em desenvolvimento (...) não é o método que está em jogo, mas o conteúdo; ou seja, o fim do regime militar e a conquista de amplas liberdades-. Grandes plenárias populares e comícios realizaram-se nas principais cidades, mobilizando centenas de milhares de pessoas. Isso reforçou o isolamento do regime e do seu candidato.

No dia 15 de janeiro de 1985, com o voto dos comunistas, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves à presidência da República. João Amazonas declarou: -Esse histórico episódio assinala, sobretudo, a vitória do povo brasileiro, que foi o construtor maior dessa nova perspectiva que se abre para o nosso país. Se a mobilização popular foi importante para a construção da vitória, essa mobilização e a conscientização popular serão ainda mais importantes para a nova etapa que temos pela frente (...). Sem dúvida, com a eleição de Tancredo Neves começa uma nova era em nosso país-.

*Augusto Buonicore é historiador e secretário-geral da Fundação Maurício Grabois.

Fontes

Coleção A Classe Operária (1967-1984) - CDM/Grabois

Coleção Tribuna da Luta Operária (1979-1984) - CDM/Grabois

Bibliografia

BUONICORE, Augusto. Meu verbo é luta: a vida e o pensamento de João Amazonas. São Paulo: Anita Garibaldi, 2002.

PCdoB. Em defesa dos trabalhadores e do povo brasileiro - documento de 1960 a 2000. São Paulo: Anita Garibaldi, 2000.

______. Cinquenta Anos de Luta. Lisboa: Edições Maria da Fonte, 1975.

______. Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no Brasil. Lisboa: Edições Maria da Fonte, 1974.

______. A Linha Política Revolucionária do Partido Comunista do Brasil (M-L). Lisboa: Edições Maria da Fonte, Lisboa, 1974.

______. Política e Revolucionarização do Partido. Lisboa: Edições Maria da Fonte, 1977.

______. Informe Político ao 6º Congresso, s/d.

SKIDMORE, Thomaz. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

LEGENDAS

João Amazonas (de pé) discursa durante ato de celebração dos 40 anos do Partido Comunista do Brasil, realizado logo após a reorganização do Partido

Em dezembro de 1969 os comunistas lançam o documento em que afirmam que o governo Médici -é uma ditadura militar de caráter terrorista-

Delegação brasileira à 2ª parte da 7ª Conferência do PCdoB, em Tirana, Albânia

Junto com o PMDB e outras forças progressistas, os comunistas se engajaram com afinco nos comícios das Diretas Já!

Derrota das Diretas no Congresso levou os comunistas a apoiarem a eleição de Tancredo Neves no Colégio eleitoral

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