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Cultura

Edição 127 > Entrevista com Paolo Gerbaudo: “Redes sociais criam paixão política comum que deságua nas ruas”

Entrevista com Paolo Gerbaudo: “Redes sociais criam paixão política comum que deságua nas ruas”

Cezar Xavier*
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Sociólogo italiano revela como o caráter passional das redes sociais provoca mobilizações vagas, com teor ideológico indefinido, baixa capacidade de intervenção política. Gerbaudo acredita que a resposta precisa vir dos políticos progressistas, mostrando que são capazes de entender a linguagem do movimento. O fato de os movimentos partirem de uma classe média urbana, que já domina ferramentas de internet há algum tempo, é um recado importante para as esquerdas

Em entrevista à Fundação Maurício Grabois, o sociólogo italiano, Paolo Gerbaudo, jornalista e professor da universidade King-s College de Londres, apontou as características comuns que marcam os protestos que tomaram as ruas de vários continentes, nos últimos meses. Ele pode acompanhar de perto os protestos ocorridos a partir de mobilizações via internet, desde a Primavera Árabe, continuando com os Indignados na Espanha, os movimentos contra a austeridade na Europa e o movimento Occupy Wall Street nos Estados Unidos.

Os pontos comuns entre esses movimentos, de acordo com Gerbaudo, é que -há uma forte impressão de que a classe política e a empresarial são cúmplices num sistema de poder que exclui a grande maioria da população-. Há a impressão de que os tradicionais instrumentos de participação política da democracia representativa não são capazes de veicular as demandas populares. -Não obstante as enormes diferenças existentes neles, há uma crítica profunda em relação à democracia parlamentar e à democracia liberal.-

Gerbaudo aponta o reflexo ocidental da luta dos árabes contra as ditaduras, porquanto não haja ditaduras daquele tipo no ocidente. -No entanto, a democracia é percebida como ditadura, como uma forma autocrática. Então, penso que há diferenças entre esses movimentos, em diferentes áreas geográficas, como consequência de diferenças de regimes políticos, sociais, de cultura. Mas há ao mesmo tempo uma espécie de convergência entre as questões que dominam as lutas sociais e políticas.-

 

O avanço qualitativo brasileiro

 

Durante visita ao Rio de Janeiro, em agosto, Gerbaudo disse que, mesmo no Brasil, as manifestações podem ser consideradas parte da onda de -movimentos das praças-, apesar de terem objetivos e identificarem inimigos tão distintos (ditaduras, austeridade econômica ou a democracia representativa). As praças representam a demanda pelo direito à cidade, negado pela repressão policial ou pela falta de serviços urbanos de qualidade.

-No Brasil o governo tratou, pelo menos, de abrir um diálogo e demonstrar sua disponibilidade de satisfazer algumas demandas. Então, depende muito do tipo de governo que se encontra nesses países, quando esses movimentos sociais se desenrolam. Seguramente, no Brasil há uma tradição maior de cooperação entre movimentos e partidos de esquerda, o que pode produzir uma dinâmica positiva-, avalia ele, sobre o tipo de resposta que os governos dão às manifestações. As respostas puramente repressivas são as mais comuns, porque, segundo ele, há demandas que os governos não querem satisfazer, porque isso significaria mudar profundamente sua política econômica, que até agora tem sido muito neoliberal.

Em sua avaliação sobre o caso brasileiro, o sociólogo diz que vê um sistema institucional que avançou nas condições da maioria da população brasileira, mas que não conseguiu satisfazer a muitas perguntas do progresso social. Ele cita autores que falam em um avanço quantitativo que ocorreu com os governos de Lula e depois de Dilma, mas não um avanço qualitativo. -Esta é uma direção para a esquerda brasileira, qual seja, de conseguir passar a uma nova fase, em que essas questões da qualidade de vida, do direito à cidade e aos serviços públicos façam parte da agenda. E não simplesmente as questões em que o governo tem se focado até agora: questões econômicas, dos salários, de subsídios para os pobres...-

Era do Facebook

Gerbaudo afirma que há uma leitura superficial do papel das redes sociais nas mobilizações. Se, por um lado, alguns ignoram sua importância, por outro, superestimam-se as redes com poderes maiores do que têm como meras ferramentas que reúnem comunidades de pessoas. Para ele, as redes sociais têm um papel importante nas mobilizações, não por convocarem as multidões às ruas ou informarem ideologia aos manifestantes, mas por coletivizarem a emoção de experiências individuais de indignação com injustiças, frustração com impunidades e falta de respostas das autoridades. Esse aspecto passional dos meios sociais na internet tem sido a plataforma para a catalisação das energias que levaram as pessoas às ruas.

Para o sociólogo italiano, não há previsibilidade ou racionalidade claras no modo como as diferenças e pontos comuns se expressam nas redes sociais. Se há alguma influência da tecnologia sobre a pauta e agenda de funcionamento dos movimentos, essa influência é emocional e pouco mensurável. -Os meios sociais são uma plataforma dentro da qual há uma convergência entre experiências individuais e individualizadas de frustração e indignação frente ao sistema social injusto. Experiências que se juntam ao redor de um imã, ao redor de símbolos, imagens, nomes e imaginários e sentimentos públicos compartilhados. É isso que fazem os meios sociais, criar uma paixão política comum, começando por experiências individuais e criando uma nova forma de entidade coletiva-.

Novas entidades coletivas

Conforme observa o pensador italiano, a própria constituição apartidária e indefinida ideologicamente, assim como sua incapacidade de gerar resultados claros, está relacionado com o fenômeno virtual. -O que vemos em nomes como Indignados ou Ocuppy Wall Street são designações muito vagas, que não têm um significado muito forte. Exatamente para serem abertos a pessoas diferentes, indivíduos e cidadãos diferentes, que podem compartilhar esse mesmo sentido de frustração e indignação. É isso que são as redes sociais para os movimentos. Menos um meio de informação que uma plataforma de unificação emocional cidadã.-

Gerbaudo concorda que há um sentimento de representatividade, ali dentro do Facebook ou do Twitter, de que na rede social a pessoa tem uma voz e uma representatividade maior do que teria num partido ou movimento social. -Há uma espécie de contraste entre essas experiências... Especialmente os jovens, para os quais, por um lado, os partidos são como algo que nunca viram ou sequer encontraram. Sabemos que a maior parte dos quadros dos partidos é de velhos e cada vez menos numerosos - estão diminuindo. Onde a participação política é algo que não existe em sua biografia [dos jovens] e sua vida cotidiana. Por outro lado, uma experiência de participação comunicativa e cooperação social, que se desenvolve por meio das redes sociais. Esses dois sentimentos chocam-se um contra o outro. Os jovens não encontram nos partidos e formas políticas convencionais essa possibilidade de participação, às vezes superficial, que encontram nas redes sociais.-

A direita extremista sai dos porões

As pessoas, no entanto, têm clara a importância política das ruas sobre o debate na internet. Também vão às ruas para expressarem demandas que não veem representadas nas instituições políticas tradicionais, vistas com muita desconfiança. Para ele, essa desconfiança é típica de um momento em que o sistema institucional não se adaptou para capturar as demandas dos manifestantes. Na Europa, diz ele, não houve protestos apenas contra partidos, mas contra os sindicatos, vistos como cúmplices do desemprego e do trabalho precário, organizações fundamentalmente corporativas, por não defenderem os direitos universais.

Diferentemente dos protestos antiglobalização, que levaram à formação do Fórum Social Mundial (FSM), o intelectual italiano costuma ressaltar que a nova cultura global de protestos surpreende pelo regresso da simbologia nacional. As bandeiras nacionais costumam estar associadas, nas mobilizações de esquerda, ao nacionalismo e ao fascismo de direita. Outras posturas reacionárias de direita ganharam muita força nesses movimentos, representando a saída do armário de setores que tinham vergonha de enfrentar o pensamento solidário e coletivista de esquerda. Assim como no Brasil, pequenas multidões foram pra rua pedir a volta da ditadura, na Europa, neonazistas passaram a marchar contra imigrantes.

Para Gerbaudo, a pluralidade dos movimentos junta pessoas com opiniões políticas regressivas, que com as outras compartilham ódios à classe política, mas não necessariamente compartilham opiniões progressistas. Ele cita como exemplo, parte dos Indignados na Espanha, que adotou um discurso de direita com um líder que pertencia à Opus Dei, além de setores do movimento que começaram a dialogar com membros de grupos fascistas. -Creio que seja um risco para todos os movimentos, especialmente estes movimentos populares, que não são nem de esquerda, nem de direita, mas majoritários, e que não se definem politicamente por cores, mas como movimentos de povo-. No Movimento 5 Estrelas, da Itália, a formação partidária, por um lado, tem posições que parecem de esquerda, e, por outro, tem posições claramente xenófobas, de direita - por exemplo, contra os direitos de nascidos de imigrantes em solo italiano.

O dilema do apartidarismo

No Brasil, houve um esforço do Governo Dilma de responder às demandas progressistas das manifestações, ignorando reivindicações vagas ou regressivas. Nos EUA e na Europa, por outro lado, há uma estagnação da agenda política das mobilizações, completamente ignoradas por governos burocráticos e sem liderança clara, subservientes aos centros financeiros e suas regras draconianas. Gerbaudo explica que está colocado um dilema elementar para aqueles movimentos, em sua incapacidade de expressar claramente suas demandas para a sociedade e abrigar alianças capazes de pressionar os governos centrais.

Na Europa, especificamente, há um sentimento de resignação frente à crise econômica e à política de austeridade. Ainda que tenham ocorrido movimentos muito fortes como os Indignados na Espanha e contra a austeridade na Grécia, com caráter quase insurrecional, os movimentos de protesto sozinhos não conseguem mudar a situação, não conseguem derrotar o inimigo da autoridade financeira. -O que se necessita e o que se percebe cada vez mais, em países como a Grécia, é que é preciso acompanhar os movimentos com novas forças de esquerda que possam desenvolver as lutas dentro das instituições. Na Grécia, muitos ativistas, até anarquistas, têm apoiado o Syriza, partido de esquerda, porque têm muito claro que o Estado nacional tem um poder, todavia. O Estado nacional possui os botões que ele pode tocar, e com os quais se pode lutar contra o sistema da oligarquia financeira.-

Se há dificuldade de enxergar na esquerda política um aliado, mas uma necessidade premente de aliar-se a estes setores institucionais para enfrentar a direita, Gerbaudo acredita que a resposta precisa vir desses políticos progressistas, mostrando que são capazes de entender a linguagem do movimento. O fato dos movimentos partirem de uma classe média urbana, que já domina ferramentas de internet há algum tempo, é um recado importante para as esquerdas.

De acordo com Gerbaudo, um problema da esquerda, nesta conjuntura, é ter se acomodado e se concentrado na composição de classe de tipo operária, que ele considera não ser mais hegemônica, mas uma minoria da composição do trabalho. -Representar o trabalhador de serviços da classe média, que hoje é hegemônica, significa mudar o discurso político e as formas de organização. Não significa o fim dos conflitos de classe. É uma nova forma de conflito de classes, em que a classe média tem suas necessidades, que são profundamente diferentes da classe operária, e clamam por adaptação por parte dos partidos de esquerda.-

Segundo o sociólogo, essas características que marcam a nova onda global de protestos sintetizam a ideia segundo a qual o governo é que tem de ter medo do povo, certo espírito neoanarquista que se expressa no tom emocional e difuso das passeatas. Para ele, as manifestações demandam formas de democracia participativa, maior representatividade das reivindicações dos setores médios e jovens da sociedade, mas alertam para um vazio institucional e político que pode ser ocupado por forças autoritárias.

*Cezar Xavier, editor executivo do Portal Grabois, entrevistou Paolo Gerbaudo durante o Seminário -Manifestações de junho - razões e perspectivas- realizado no Rio de Janeiro, em 9 de agosto de 2013

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