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Edição 127 > Um chute da ciência brasileira para a humanidade

Um chute da ciência brasileira para a humanidade

Rogério Rangel*
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"Aqui, no país do futebol, em plena Copa, o mundo vai esperar as confirmações, mais uma vez, dos estereótipos brasileiros - os grandes jogadores de futebol, a música, as belezas naturais. Acontece que queremos mostrar que somos mais do que isso. Vai ser um chute da ciência brasileira para toda a humanidade", afirmou um emocionado Nicolelis em palestra na Finep

No final do século XIX, um jovem mineiro milionário, herdeiro de -barões do café-, foi confrontado pela mãe sobre o que gostaria de fazer na vida, segundo dizem. A resposta veio tão rápida quanto assustadora: -Eu vou voar-. E assim fez Alberto Santos Dumont, que poderia ter sido qualquer coisa e acabou por ser o maior inovador nascido no Brasil. Do nome e do gênio do inventor vieram a inspiração para a criação da Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP), fundada há dez anos pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Hoje, a AASDAP conta com 170 funcionários e é a matriz de projetos que, se não fazem voar, fazem crianças pobres se apaixonarem por ciência, e prometem uma chance às pessoas presas a uma cadeira de rodas: andar de novo.

A abertura da Copa do Mundo de 2014, no estádio do Itaquerão, em São Paulo, será palco de um chute histórico: um cidadão brasileiro paraplégico será capaz de levantar-se de uma cadeira de rodas, dar 25 passos e inaugurar com um pontapé não apenas o evento, como também a maior vitória da neurociência no mundo. A proposta é considerada pela revista Scientific American uma das dez ideias que estão -além dos limites da ciência atual-. Segundo Nicolelis, há vários desafios a serem suplantados até lá, mas -tudo está funcionando como planejado-. O Projeto Andar de Novo está sendo apoiado pela Finep, com cerca de R$ 33 milhões em recursos não reembolsáveis. -Esta é a forma que encontramos de comunicar para o mundo que existe uma nova neurociência, e ela pode transformar a vida de milhões de pessoas com lesões medulares-, afirma o cientista.

-Aqui, no país do futebol, em plena Copa, o mundo vai esperar as confirmações, mais uma vez, dos estereótipos brasileiros - os grandes jogadores de futebol, a música, as belezas naturais. Acontece que queremos mostrar que somos mais do que isso. Vai ser um chute da ciência brasileira para toda a humanidade-, afirmou um emocionado Nicolelis em recente palestra na Finep.

O Projeto Andar de Novo é possível graças a um exoesqueleto, uma espécie de prótese externa do esqueleto humano, -vestida- e controlada diretamente pela pessoa com deficiência. A ideia é fruto de mais de uma década de pesquisas em Interfaces Cérebro-Máquina (ICMs), que possibilitam a transmissão de impulsos elétricos cerebrais para algum receptor externo, que, por sua vez, entendem os comandos e os executam. As pesquisas, iniciadas há mais de uma década na Universidade de Duke, nos EUA, onde Nicolelis é Professor Titular de Neurobiologia e Codiretor do Centro de Neuroengenharia, têm sido feitas também no Instituto lnternacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS).

Em 2003, Nicolelis conseguiu registrar pela primeira vez os sons de uma -tempestade cerebral-, ou seja, os impulsos elétricos emitidos no cérebro de macacos, que puderam ser lidos e decodificados de maneira tal que se conseguia prever a que tipo de movimento físico eles corresponderiam - mexer um braço, uma perna e daí por diante. Esse foi o primeiro passo para que esse sinal pudesse ser transferido a um robô, que executaria o mesmo movimento apenas -pensado- pelo animal. Hoje, o mapeamento chega a cerca de dois mil neurônios, em vez dos cem do primeiro experimento. Nos próximos meses, serão implantados milhares de minúsculos eletrodos no cérebro de um macaco. Os sinais registrados serão digitalizados, submetidos a diversos modelos matemáticos, que vão extrair dessa atividade cerebral os comandos necessários pra que o artefato robótico possa realizar o movimento que o cérebro está planejando milissegundos antes que o movimento em si ocorra. -É dessa maneira que nosso cérebro funciona, ele antecipa o futuro, mesmo com os movimentos mais simples-, explica o cientista. O desafio, agora, é a aplicação em humanos. Hoje já existem empresas de neurotecnologia nos EUA voltadas a usar aplicações desse conhecimento na confecção de uma série de artefatos biomédicos para o tratamento de uma variedade de doenças.

No início, os macacos eram treinados a usar uma espécie de joystick num jogo de erros e acertos. Com o tempo, retirou-se o joystick e percebeu-se que, mesmo assim, os mesmos comandos cerebrais continuavam a ser realizados. Dessa forma, em vez do controle do jogo, adaptou-se um braço robótico que o animal movia apenas com o comando do cérebro, sem realmente tocá-lo. Em pouco tempo, o cérebro passou a entender que o macaco tinha um -novo braço- - o artefato robótico remoto. Isso demonstra que, no limite, pode-se controlar remotamente qualquer coisa, perto ou do outro lado do planeta, se necessário. Segundo Nicolelis, -é o oposto do evento muito conhecido chamado -membro fantasma-, quando alguém que perde um membro do corpo ainda tem a sensação dessa parte do corpo - 80% das pessoas amputadas têm essa experiência. Aqui, criamos a sensação de que um braço mecânico faz parte do corpo do animal-.

Avatar remoto

Outro momento histórico na evolução das ICMs ocorreu em 2007, quando a macaca Aurora, já perita na utilização remota do braço robótico, foi conectada, via internet de alta velocidade, a um robô humanoide no Japão. Aurora foi treinada a caminhar numa esteira de exercícios, na Universidade de Duke, enquanto observava em uma tela o robô japonês fazendo o mesmo, em Quioto. Pouco tempo depois, o animal aprendeu a ver o robô como um avatar de si próprio, comandando o andar na esteira a milhares de quilômetros de distância, em tempo real.

E, no início de 2013, um novo salto foi demonstrado, dessa vez uma variante da ICM, a ICC - Interface Cérebro-Cérebro, quando dois ratos foram conectados online, um no Brasil, outro nos EUA. No experimento, o ratinho localizado no IINN-ELS, em Natal, chamado de -codificador-, tinha duas alavancas à sua frente e uma luz sinalizava qual delas ele deveria pressionar para receber uma recompensa. Os impulsos cerebrais, captados por microeletrodos implantados em seu cérebro, foram transmitidos para o roedor que estava no laboratório da Universidade de Duke. Esse também tinha os mesmo tipos de alavancas, mas nenhuma indicação luminosa. Para acertar a alavanca, o ratinho americano dependia do sinal transmitido pelo seu colega no Brasil. Quando o animal nos EUA errava, o rato do Brasil alterava seu comportamento, tentando ajudá-lo. Depois de 70 dias, os animais atingem quase 100% de acerto. Foi a primeira interface cérebro-cérebro já feita. Um passo para a criação do conceito de brainet, espécie de -internet cerebral-. -Este é o estado da arte no momento, que indica novos caminhos que poderão nos beneficiar do fenômeno da plasticidade cerebral, aliada à tecnologia-, diz Nicolelis. Toda essa jornada e conjunto de experimentos deram subsídios para o Andar de Novo, cujo próximo passo será começar a selecionar e treinar pessoas que tenham potencial para participar da abertura da Copa.

Made in Macaíba

O resultado da pesquisa de Nicolelis, única no mundo, vem de uma tentativa de um novo modelo de fazer ciência. -É investir na educação, dar espaço à criatividade para apostar na única coisa que faz sentido: a busca da felicidade-, diz. Um dos grandes diferenciais do cientista foi criar, na periferia de Natal (RN), especificamente em Macaíba, o Campus do Cérebro, um polo de ciência, já em construção, capaz de competir com os grandes laboratórios de neurociência do mundo. O campus será composto por 25 laboratórios voltados aos estudos da neurociência e pela escola Lygia Maria, de ensino regular, com capacidade para 1500 estudantes, do berçário ao ensino médio. Uma escola que não tem provas -porque o aprendizado está estampado no rosto de cada um-, orgulha-se Nicolelis. Pesquisas do MEC indicam que a evasão escolar é de 56% no ensino público, enquanto no curso de iniciação científica do programa educacional de Macaíba é de 2%. E esse cuidado começa no pré-natal, quando podem ser detectados problemas passíveis de diagnóstico, sem o qual se tornam lesões cerebrais irreversíveis. Doações públicas e privadas tornaram os laboratórios do IINN-ELS possíveis, assim como o projeto social, chamado de -Educação para a Vida-. Depois de uma década, hoje já existem, inclusive, jovens locais que estão matriculados em universidades de renome no País.

No campus de Macaíba há um centro de saúde pré-natal materno infantil que realiza atualmente cerca de 12 mil atendimentos por ano. As mães têm acesso a todo cuidado médico. O programa pedagógico com as crianças utiliza o método científico como pilar e desperta desde cedo a curiosidade científica nos pequenos, tão comumente deixada de lado por pura falta de oportunidade. -Construímos um programa educacional que eu gosto de dizer que busca o casamento da genialidade de Santos Dumont com a de Paulo Freire-, afirma Nicolelis. Lá, segundo o cientista, aprende-se fazendo, com ênfase dada ao uso dos laboratórios especialmente desenhados para a criança despertar o prazer pelo conhecimento e pelo aprendizado. -Nossa ideia é que uma criança de Macaíba possa ser acompanhada desde o pré-natal, na clínica especializada, até o final, na pós-graduação, no Campus do Cérebro-, explica Nicolelis. O Campus do Cérebro é um complexo que está sendo construído, que abrigará as instalações definitivas do IINN-ELS, do centro de saúde materno infantil e da escola de ensino regular. Segundo Nicolelis, este será o único campus de pesquisa de alto nível do mundo, ao lado do MIT, que terá uma escola.

Os cursos não têm prova. Lá, crianças e jovens aprendem de modo mais lúdico e logo começam a transformar sua realidade: criaram a rádio Big Bang, que transmite direto da escola. -Elas próprias montaram a rádio e cuidam da programação, que eu retransmito no meu Twitter-, diz o cientista.

* Rogério Rangel é jornalista. Matéria originalmente publicada na revista Inovação em Pauta nº 16 (set/2013). Republicada com novo título e pequenas alterações.

Miguel Nicolelis com a palavra

Como a ciência pode ser uma força de transformação social-

MN: Nossa experiência em Macaíba prova isso na prática. A ciência é um agente de transformação social em vários planos, além de ser relevante até como ponta de alavancagem do desenvolvimento de um país. Não há dúvida alguma de que sociedades que investiram na ciência como motivo principal da sua atividade econômica, assim como na educação científica no ensino fundamental, continuam a ter resultados espetaculares. Nossa ideia, em 2003, de criar um centro desses longe de grandes centros urbanos, parecia louca. Hoje, estamos fazendo o futuro na periferia de Natal.

Por que assuntos ligados ao cérebro provocam tanta curiosidade e até medo nas pessoas-

MN: Muitas histórias sobre o cérebro são mitos, além de ele sempre ter sido a última fronteira da natureza humana, que todos achavam ser intransponível, intocável. Na realidade, estamos mostrando que isso não é verdade. A neurologia do futuro vai atuar diretamente no cérebro para melhorar a condição humana. A educação vai fazer os mitos caírem: só ela seca todas as fontes de ignorância.

É possível impulsionar a evolução humana melhorando o cérebro-

MN: É complicado falar em melhorar o cérebro, porque quais são os critérios de -melhorar-- O que ocorre é que, certamente, estamos interferindo em nossa evolução muito mais que nossos antepassados. As tecnologias que estamos inventando estão alterando a forma como o cérebro funciona em nossos filhos e netos e isso está selecionando quem terá mais aptidão para sobreviver neste ambiente de comunicação instantânea. É um absurdo total a ideia de que a evolução humana parou. A evolução acontece de maneira muito lenta, não é percebida em nossa vida.

Como o senhor vê a cobrança que se faz, às vezes, para que a ciência dê resultados rápidos e práticos-

MN: Por exemplo, o que estamos conseguindo realizar agora, depois de dez anos de trabalhos, só foi possível também devido ao que foi feito nos dez anos anteriores. A sociedade é imediatista para tudo. Não existe ciência aplicada sem ciência básica. Nunca veremos invenções, ou traduções para a prática, em novos produtos ou processos, sem haver um pool de pesquisadores fazendo ciência abstrata, básica. É uma equação conhecida: às vezes, descobertas de ciência básica se tornam coisas muito diferentes do que aquilo para o que elas foram originalmente concebidas. Isso tudo leva muito tempo, dedicação e investimento.

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