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Edição 127 > Cafu: a bola une os países!
Cafu: a bola une os países!
No começo da noite de 29 de outubro de 2013, um dos maiores jogadores da história conversou com Princípios sobre o papel social do esporte, especialmente o futebol. Durante quase uma hora de conversa ele passou por sua história, falou dos seus projetos sociais e comentou a importância da realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil

Marcos Evangelista de Morais nasceu em 7 de junho de 1970, em plena Copa do Mundo, no dia em que o Brasil ganhou da Inglaterra por um a zero, gol de Jairzinho. Naquele momento a enfermeira arriscou um chute: Nasceu um jogador de futebol! E acertou - aquele bebê que acabara de vir à luz seria um dos maiores jogadores da história do futebol, capitão da Seleção Brasileira. -Eu já nasci com um DNA de futebol, um DNA de Seleção Brasileira-, constata Marcos.
Os primeiros chutes aconteceram no Jardim Irene, bairro da Zona Sul paulistana. Depois Marcos passou por clubes da região, como o Juventude, o Guarani e o Vasquinho, e chegou ao Nacional da Comendador Sousa, ao Itaquaquecetuba e foi ser profissional no São Paulo Futebol Clube. Jogava na ponta direita e, segundo seus companheiros, lembrava Cafuringa, jogador do Fluminense, do Rio de Janeiro, que fez história na posição. Foi rebatizado com o nome de Cafu, com o qual ficaria famoso.
No São Paulo, começou a ser treinado por Telê Santana, o técnico que dirigiu a Seleção nas Copas de 1982 e 1986. A fome se juntou à vontade de comer, na síntese de Cafu, porque um gostava de dar treino e outro adorava treinar. Passou da ponta direita para a lateral direita, a pedido do técnico, e de lá não saiu mais.
Essa lenda do futebol recebeu Princípios na sua sala repleta de troféus, medalhas, chuteiras, camisas autografadas e outras lembranças de uma carreira reconhecidamente vitoriosa. A imponência do espaço reservado em sua casa no luxuoso Residencial Alphaville 2, em Barueri, nas imediações da cidade de São Paulo, impressiona.
Logo na entrada da sala, uma camisa de mangas longas da Seleção Brasileira, caprichosamente emoldurada, se destaca e chama a atenção pela dedicatória de Pelé ao -irmão- Cafu. Cada objeto ali -tem uma história, um porquê-. Na parede, as camisas lembram passagens por São Paulo, Palmeiras, Juventude, Zaragoza (Espanha), Roma, Milan (Itália), Itaquaquecetuba (um dos seus primeiros clubes em São Paulo)... Uma do Brasil, relíquia do jogo número cem de Cafu vestindo o manto da Seleção Brasileira, também está autografada pelo -irmão- Pelé.
Ele se ajeitou na cadeira e começou a falar da Fundação Cafu, que tem uma -história bastante interessante-, iniciada por inspiração nos pais que -viviam ajudando instituições-. Trajando camiseta da Fundação, ele se empolga a cada dado que apresenta. -A Fundação Cafu, por incrível que pareça, não é uma escolinha de futebol. Muita gente confunde. O nosso foco e a nossa missão é 100% inclusão social. Fazer com que as crianças se incluam na sociedade com mais igualdade-, comenta, demonstrando a satisfação pelos resultados com seu riso fácil.
O custo de tudo isso- Ele explica que faz parcerias com várias empresas. -Fora disso, quando falta é o próprio Cafu que acaba bancando, colocando do seu bolso para dar sequência aos projetos-, diz, recorrendo à terceira pessoa do singular para enfatizar até onde vai a sua dedicação. Segundo ele, são atendidas 750 crianças, de 3 a 17 anos, com cursos profissionalizantes e reforço escolar.
E segue explicando: -Por exemplo, nós temos curso de cabeleireiro, que é feito pelo Instituto Embelleze, um colaborador mensal; temos o curso de corte e costura, que é profissionalizante; o curso de informática, que também é profissionalizante; o curso de grafite, também profissionalizante; e o curso de inglês, que vira um curso profissionalizante.- Tem ainda brinquedoteca, biblioteca, canto, dança, coral, consultório odontológico, sala multimídia... -É uma Fundação completa e ampla, com espaço para que as crianças realmente possam expressar suas inteligências-, resume.
Cafu explica que a Fundação presta contas ao Ministério Público, demonstrando que é uma instituição -seríssima-. -Então, eu acho que o governo federal, sem sombra de dúvida, poderia valorizar um pouco mais essas instituições que realmente trabalham para o bem das crianças. Nós trabalhamos com um único objetivo. Tanto que nosso slogan é -alimentando sonhos-. Trabalhamos alimentando os sonhos das crianças que não têm oportunidade-, detalha. Segundo ele, o governo poderia mandar pessoas sérias vistoriar todas as fundações. -Por exemplo: a Fundação Cafu existe há 11 anos, trabalhando no mercado, formando cidadão para o mundo-, enfatiza.
Ele eleva o tom da voz para dizer que poderia muito bem estar sentado à beira de um lago, ou em cima de um barco pescando, e não estar nem aí com o que acontece no mundo. Mas volta à realidade rapidamente, lembrando que tem 750 crianças precisando de dinheiro. -Infelizmente, dependemos das pessoas para que possamos dar sequência ao nosso trabalho-, lamenta.
Se em sua época existisse a Fundação Cafu muitos dos seus amigos não teriam sido perdidos para o mundo do crime. -Não teria perdido tantas meninas para o mundo da prostituição, não teria perdido tantos amigos, hoje mortos, outros na cadeia, outros em cadeira de rodas, porque não tínhamos oportunidade para expressar a nossa inteligência. A gente vivia na rua. Então, esse é um dos motivos de eu ter montado a Fundação lá no bairro do Jardim Irene-, diz.
Ao falar de si mesmo, Cafu fica encabulado. -O Cafu é este cara que você está vendo aqui. Gosto de ajudar as pessoas. Sou um cara de família humilde, pobre, mas digna. Uma coisa que meu pai sempre me ensinou foi ter dignidade, honestidade, para andar de cabeça erguida. Eu sou aquele mesmo Marquinhos do Jardim Irene. Claro, a vida me deu oportunidade para que eu pudesse mudar a minha qualidade de vida-, comenta.
Quando fala dos pais, falecidos há quatro anos, demonstra emoção. -E quem assumiu a responsabilidade de gerir toda a família fui eu-, emenda, tentando mudar de assunto. O irmão mais velho, Marcelo, é o presidente da Fundação Cafu. O Maurício é subsecretário de esportes de Barueri. O Mauro é o gerente do seu escritório. A Margarete é a secretária. A Mara toma conta da casa...
Pai de Danilo (24 anos), Wellington (23) e Michele (22); avô da Yasmin (1 ano) e do Gabriel (2 meses), Cafu é o recordista de jogos pela Seleção Brasileira, com 148 partidas. Fez parte das equipes vencedoras de 1994 e 2002, e das que disputaram as Copas de 1998 e 2006. É o único jogador na história do futebol a ter entrado em campo em três finais de Copa. Em 1994, foi eleito pelo jornal uruguaio El País o melhor jogador da América.
Antes de se firmar como jogador profissional, Cafu passou por nove -peneiras- - seleção de jovens promovida pelos clubes - sem sucesso. Na Copa de 2002, foi o capitão do Brasil e imortalizou o amor à esposa, proclamando: -Regina, eu te amo!-. Na camisa, escreveu a frase -100% Jardim Irene-, lembrando e imortalizando o bairro onde nasceu.
Ao falar da realização da Copa do Mundo no Brasil, Cafu se emociona. -Ah, vai ser fantástica! Olha, pena que a idade já passou, meu timing já deu, se não eu disputaria a Copa do Mundo em nosso país. Para quem disputou quatro Copas, participar de uma aqui no nosso glorioso país ia ser uma coisa maravilhosa. O Brasil hoje tem capacidade e vai fazer uma das Copas jamais vistas por todo o mundo. Muita gente está criticando, falando da nossa infraestrutura, do nosso país... Você vai ver. Nós vamos fazer uma Copa do Mundo da qual todos vão sair do Brasil elogiando. Se vai ganhar ou não é outro discurso, mas que vamos fazer uma Copa do Mundo fantástica, vamos!-
Segundo ele, a Copa vai coroar a imagem do Brasil como o país do futebol, do samba, do carnaval. -Um país completo! O Brasil é um país completo! Nós temos tudo! E quando se fala de futebol, carnaval e samba, e agora Copa do Mundo, coisa que não vemos há 50 anos, então eu acho que a sinergia dessa Copa veio no momento certo. Vem num momento em que o Brasil está numa ascensão muito boa e o povo está confiante em relação a nosso país. Essa Copa do Mundo vai deixar não só os estrangeiros, mas o povo brasileiro muito feliz-, analisa.
Cafu contabiliza, também, a elevação do nível de conhecimento do povo, que procura se especializar para receber os turistas. -Isso tudo é o legado da Copa do Mundo. A infraestrutura dos nossos aeroportos e do transporte está melhorando, o serviço de saúde também, nossos estádios estão ficando maravilhosos. A Copa do Mundo vai acabar, mas isso vai ficar para nós, brasileiros. É disso que o povo brasileiro tem que se conscientizar. Que a Copa do Mundo não é da Fifa, não é do estrangeiro; a Copa do Mundo é do Brasil, é nossa. Somos nós que vamos usufruir disso tudo. Então, o legado que vai ficar é muito maior do que o prejuízo que pode ter uma Copa do Mundo no país-, comenta.
Ele vê ainda uma boa oportunidade para melhorar a estrutura do futebol brasileiro. Cafu lembra que os atletas lutam por esse objetivo há tempos. -Caramba! O Brasil é o único país pentacampeão do mundo! É o único país que tem três capitães vivos. Por que os outros países, profissionalmente falando, têm de ser melhor do que nós- Porque não podemos ser melhor do que todo mundo- Imagine se nós profissionalizarmos a coisa, com um calendário mais acessível, jogos menos pesados, atletas mais descansados para melhorar o rendimento físico dentro de campo. Acho que isso seria fantástico!-, afirma.
Para ele, o futebol vive um momento especial na passagem dos 150 anos de existência, do qual o Brasil têm motivos especiais para comemorar. -Eu vejo esse momento com a maior felicidade do mundo. São 150 anos de futebol, 73 anos de Pelé e 80 de Garrincha, o Zagallo, uma lenda do futebol, que ainda está vivo... Acho que temos que aproveitar e homenagear essas pessoas enquanto estão vivas. Só o Brasil tem isso, esse celeiro de craques. Você tem dez craques para cada posição. Você tem pessoas que são idolatradas. O futebol brasileiro é idolatrado no mundo. O Pelé onde vai é idolatrado. Foi o jogador do século. Quer dizer: só nós brasileiros temos isso tudo!-
Sobre o favoritismo para o título da Copa de 2014, ele diz, em tom de chiste, que apenas o Brasil está no páreo. -Os favoritos são Brasil, Brasil e Brasil-, pilheriou. -E esse favoritismo nós conseguimos conquistando a Copa das Confederações. Isso deu certa credibilidade à Seleção Brasileira e uma confiança a mais para o povo. Fez com que o povo brasileiro confiasse mais na Seleção. Mas, à parte agora as brincadeiras, eu acho que temos grandes seleções que poderão enfrentar o Brasil de igual para igual. A própria Argentina é uma seleção fantástica. Holanda, Alemanha, Itália, Inglaterra, Espanha são seleções de tradição, que já foram campeãs e podem dar trabalho para a Seleção Brasileira-, analisa.
Cafu comentou também as manifestações de junho, para ele uma ação louvável e justa. -As democráticas, não o vandalismo-, ressalva. -A manifestação é legal, é viável, nós temos de concordar, desde que ela seja com um objetivo. Vamos fazer uma manifestação para pleitear o quê- Qual o nosso objetivo- Não fazer por fazer! Simplesmente para demonstrar que o nosso país não tem governo. Mentira! Temos governo, temos nossa política, nossas leis. E as manifestações, quando têm essa bagunça, essa baderna, dão a impressão de que é isso (não tem governo). Mas não é. Então, temos que realmente fazer manifestações e pleitear aquilo que temos direito-, comenta.
O momento, na opinião de Cafu, é propício para as manifestações também a favor de melhorias no futebol. Segundo ele, seria necessária uma ampla união de forças para a busca desse objetivo. Ao comentar o assunto, Cafu volta a se empolgar. -Eu acho que tinha de juntar todo mundo nas federações, nos palácios, ou aqui em casa, ou num boteco, ou num campo de futebol. Todo mundo falar o mesmo idioma, falar a língua do futebol. O futebol para a guerra. Uma bola de futebol une países. O poder que tem a bola de futebol é muito grande. Talvez vocês não tenham noção, não tenham ideia, do que uma bola de futebol é capaz de fazer. A bola de futebol agrada a criança, o irmão, o pai, o tio, a vó, o vô, o idoso, o político, o papa, o muçulmano, o budista, o macumbeiro, o crente, o católico... Une todo mundo!-
Ao comentar esse assunto, Cafu parece tomado pelo entusiasmo de quando deu seus primeiros chutes. -Dificilmente você verá uma pessoa que não gosta de uma bola de futebol. Então, se nós uníssemos todas as categorias e falássemos assim: Gente, vamos modernizar o futebol brasileiro! O que se precisa fazer para que o futebol brasileiro possa ser maior ainda do que é- Poxa, acho que seria fantástico! Mas isso não cabe só a nós atletas. Tinha que ser uma coisa de conjunto. Do governo, da CBF, dos atletas, dos torcedores, dirigentes de clubes... Fazer com que realmente nosso futebol se transformasse em um dos maiores do mundo, além do que já é-.
Cafu demonstra o mesmo entusiasmo em suas atividades profissionais - ele está envolvido com a promoção da Copa, trabalhando com sua empresa de eventos Fo- otwise, especializada em futebol, que lançou o projeto -Brasil - um país, um mundo-. A identidade brasileira, celebrada por meio do futebol, é o centro do projeto, concebido pela Footwise e coordenado pela agência Mix Brand Experience, com a chancela do Ministério do Esporte. No lançamento, na cidade de São Paulo, também estavam presentes Pelé, o embaixador do Brasil para a Copa de 2014; Carlos Alberto Torres, o capitão do tri no México em 1970; e o ministro do Esporte, Aldo Rebelo.
O projeto percorre as 12 cidades-sede da Copa do Mundo e vai até junho de 2014. Cada exposição fica entre 30 e 40 dias em cada uma delas. A ideia também foi apresentada por Cafu ao presidente da Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo), Flávio Dino, em 6 de junho de 2013. Ele explicou que o objetivo é despertar o orgulho dos brasileiros em relação à sua pátria e ao privilégio de sediar o evento esportivo mais importante do planeta, deixando, assim, um forte legado para cada brasileiro.
Flávio Dino elogiou a iniciativa. -Com a proximidade do Mundial de 2014, temos que intensificar ainda mais a promoção do Brasil nos países vizinhos. Uma das possibilidades é levar a mostra para os países onde serão realizadas as próximas edições do Goal to Brasil (série de eventos idealizada pela Embratur para promover internacionalmente os atrativos turísticos das cidades-sede da Copa do Mundo), em eventos que poderão ocorrer simultaneamente-, afirmou.
Cafu informou que o projeto vai além do futebol. --O Brasil - um país, um mundo- tem o intuito de renovar e atualizar a imagem do país, mostrando a todos nossa evolução política, econômica e industrial, nossa relevância cada vez maior como potência global, a beleza única de nossas cidades e do nosso território-, afirmou. -É de extrema importância que possamos fazer ações conjuntas com a Embratur, já que temos o mesmo objetivo, que é divulgar o Brasil para o mundo-, destacou.
* Osvaldo Bertolino, editor do portal Grabois e colaborador da Princípios, entrevistou o ex-jogador Cafu na residência do atleta em Alphaville, São Paulo. Colaborou: Cezar Xavier.
LEGENDAS
Cafu com a taça conquistada pela Seleção Brasileira em 2002: 100% Jardim Irene
Cafu concedeu a entrevista a Princípios em sua sala de troféus
Cafu ao lado de um de seus troféus: a camisa da seleção com dedicatória de Pelé