Capa
Edição 127 > Entrevista com Daniel Dias: “Brasil é referência em esportes paraolímpicos”
Entrevista com Daniel Dias: “Brasil é referência em esportes paraolímpicos”
Considerado - por duas vezes - como o melhor atleta do mundo em paraolimpíadas, em poucos anos, Daniel Dias viu o investimento em seu talento esportivo aumentar e abrir oportunidades inéditas. Hoje, diz ele, não falta nada para um verdadeiro talento alcançar seus sonhos

Desde que descobriu a existência das Paraolimpíadas, assistindo à edição de Atenas, em 2004, até receber o primeiro Laureus, em 2008, foram apenas quatro anos de uma trajetória esportiva intensa. Tão pouco e tão rápido o tempo que o nadador Daniel Dias parece ter dificuldade de olhar para trás e traçar uma análise mais elaborada sobre suas motivações, impulsos e conquistas. Em entrevista à revista Princípios, em sua casa em Bragança Paulista, a 86 km da capital paulista, ele se mostrou mais à vontade ao falar sobre o futuro e opinar sobre os rumos do esporte.
Ele não hesita ao afirmar que o Brasil, hoje, é referência no esporte paraolímpico. -Eu confesso que estamos chegando ao ideal, com várias categorias de bolsas para atletas, acompanhando todos os momentos de uma carreira-, diz ele. E afirma que autoridades esportivas de outros países procuram o Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), para saber o que o Brasil fez para ter tanto destaque e divulgação. Ele conta que, em Montreal, nosso país tinha mais veículos de comunicação cobrindo a Paraolimpíada que todos os outros países. -O Brasil acreditou e, com poucos recursos, investiu o que não tinha para que a imprensa estivesse acompanhando os jogos. Agora, a mídia paga para estar lá cobrindo-, relata.
O fato de ele ter percebido a existência dos esportes paraolímpicos em Atenas já foi determinado pelo destaque brasileiro naquele ano. A edição de Sydney, em 2000, foi o marco da participação do Brasil em Paraolimpíadas, com a conquista de 22 medalhas em quatro modalidades diferentes. De lá para cá, no quadro geral de medalhas, o país saltou do 24º lugar para o 14º, em Atenas, em 2004 e para o 9º, em Pequim, 2008. Com as seis medalhas de Daniel Dias, o Brasil conseguiu superar a meta para Londres, em 2012, e passou para o 7º lugar, com 43 medalhas.
Com resultados assim, os atletas paraolímpicos receberam tanta ou mais atenção da mídia e da torcida do que os atletas olímpicos. Para Daniel, os resultados superiores da Paraolimpíada estão relacionados com o histórico de vida dos atletas, para além do esporte. -Desde o início da vida, a gente tem que lutar muito e provar muita coisa para todo mundo. A gente tem que superar obstáculos o tempo todo-, explicou. Ele acredita que o brasileiro se vê na luta das pessoas com deficiência para alcançar pódios tão destacados diante do mundo todo.
Oportunidade ampliada
Mas Daniel também atribui ao aumento dos investimentos o destaque que o Brasil vem tendo nesta área. Quando ele começou já dava para perceber um início dos investimentos governamentais e privados em atletas paraolímpicos. -Mas não era como está hoje.-
Daniel vê atletas iniciantes, nos dias atuais, que já contam com a Bolsa Atleta, da qual ele não dispunha quando começou. -Eu precisava estar entre os três melhores do Brasil para ter uma bolsa, e agora não precisa mais disso-, diz ele, que contou com o -paitrocínio- durante parte de sua carreira. -Se tinha algum incentivo de governo, nessa época, eu desconhecia...-
Ele conta que procura conscientizar os novos atletas sobre a necessidade de se reconhecer - com o esforço pessoal - a importância dessas bolsas. É preciso esforço e desempenho para garantir uma bolsa, critério que Daniel considera importante -para não virar bagunça-. -Mas todo atleta com algum talento e esforço garante esse tipo de apoio e estímulo.-
Falta alguma coisa para esse atleta iniciante dar andamento a uma carreira de alto desempenho- -Hoje, não! Eles têm nutricionista, fazem pilates, com a bolsa conseguem comprar os suplementos. Mesmo antes de garantir conquistas em competições, eles já estão usufruindo desses benefícios, que eu tive mais tarde-, opina ele.
Pressa de vencer
Daniel respira fundo para responder sobre o grande momento de sua carreira, até o momento. São tantos, em tão pouco tempo! Ele escolhe a segunda conquista do Laureus, depois de Londres (o primeiro foi conquistado depois de Pequim), prêmio conhecido como o -Oscar- do esporte. Entre os brasileiros, apenas os jogadores de futebol Pelé e Ronaldinho, e o skatista Bob Burnquist, têm esse troféu no armário. Com isso, Daniel é considerado o melhor atleta paraolímpico do mundo, e não apenas o melhor da natação.
O fato de ter nascido com deficiência nos membros superiores e inferiores, nunca impediu Daniel de querer ser um atleta. Apaixonado pelo Corinthians, ele já se imaginava um jogador de futebol. E, antes de andar com prótese, aos três anos, já brincava de bola correndo de joelhos. -Acho que eu era bom. Não era o primeiro a ser escolhido, mas também não era o último!-
A natação veio do esforço de buscar orientação para esportes adaptados à sua deficiência na Associação Desportiva para Deficientes (ADD). -A natação caiu de paraquedas, foi algo que sobrou. Graças a Deus, o futebol não deu certo, porque a minha aptidão era na piscina-, explica ele, dizendo que teria de jogar futebol sem a prótese. Em oito aulas de natação, Daniel já havia aprendido com destreza todos os oito estilos, em meio a outros nadadores que faziam apenas fisioterapia ou uma atividade relaxante, conforme o tipo de deficiência. Sua aptidão tornava-se evidente.
Daniel abocanhou cinco medalhas em seu primeiro mundial, em Durban (África do Sul), quando treinava natação havia cerca de dois anos, ou seja, começou a nadar com 16 anos e com 18 já havia se tornado uma revelação mundial. -Eu me imaginava competindo numa paraolimpíada, mas não tão rápido-, diz ele sobre Pequim (2008), quando conquistou nove medalhas.
A velocidade foi tal que Daniel demorou a perceber que sua trajetória não era comum. -Tem pessoas que treinam anos para conseguir uma vaga e representar o Brasil num mundial, quanto mais num Parapan-Americano ou Paraolimpíada.- De família presbiteriana, Daniel só encontra explicação para tanto num dom dado por Deus para alguém que tinha tudo para desistir de qualquer esporte.
Amparo institucional
Hoje Daniel avalia que o acesso à informação sobre esportes de alto rendimento para atletas com deficiência é muito melhor. A própria instituição do Comitê Paraolímpico Brasileiro contribui muito para facilitar o avanço de uma carreira. O CPB pode ser o primeiro contato de um atleta, assim como a fonte de informação e encaminhamentos sobre apoio técnico e financeiro.
Segundo ele, antes do Mundial de Durban, em 2006, ele já havia passado a receber uma ajuda de custo do CPB, devido a seu desempenho nas competições nacionais. Por essa época, o Comitê já contava com patrocínios e calendário garantido de competições - conquistas importantes para os atletas paraolímpicos.
Depois das medalhas na África, veio o primeiro patrocínio, garantindo exclusividade de dedicação aos treinos, mais tempo de descanso, nutricionista e suplementos alimentares, preparador físico de pilates - -detalhes que fazem toda a diferença-. Em troca, ele agrega uma agenda de eventos do patrocinador em que tem a oportunidade de divulgar o esporte paraolímpico, algo que sempre quis poder fazer. Daniel sonha em criar um instituto para afastar crianças da vulnerabilidade social e trazê-las para o esporte.
Brasil, a ficha caiu!
Daniel estava na Dinamarca, com o presidente Lula, quando o Rio de Janeiro foi anunciado como sede das Olimpíadas de 2016. Ele confessa que não achava que conseguiríamos. -Mas, chegando lá, e conhecendo o projeto, entramos no clima de todo mundo, ficou muito claro que tínhamos tudo para ganhar-. Para ele, a emoção de competir em casa é uma alegria enorme. Ele tenta imaginar qual será a emoção de ver e ouvir milhares de torcedores cantando o Hino Nacional brasileiro durante a conquista de uma medalha de ouro.
Todos os atletas brasileiros se sentem com uma responsabilidade adicional, desde Londres. -Parece que o mundo todo está vigiando a gente, agora que vamos sediar as Olimpíadas-, diz Daniel. A passagem da bandeira olímpica para as mãos dos brasileiros, no encerramento das Olimpíadas de Londres, foi para ele o momento em que -caiu a ficha-. -A minha expectativa é das melhores. Sou muito otimista e acho que o Brasil tem a grande chance de mostrar que não é apenas o país do futebol-, afirmou.
Não obstante ele perceber uma mudança no modo como o país acompanha os jogos de vôlei - devido a um trabalho contínuo feito desde muito tempo neste esporte - Daniel ressalta que ainda somos apenas o país do futebol. -As olimpíadas mexem muito com o país, mesmo ocorrendo em apenas uma cidade-, diz ele, confiante de que a atenção dos brasileiros sobre outros esportes vá aumentar.
Direito à cidade
A acessibilidade urbana é o foco de atenção de Daniel, quando pensa nos avanços que devem ocorrer no país, com a vinda da Copa e das Olimpíadas. Ele está confiante de que a realização de grandes eventos no Rio de Janeiro vai tornar a cidade um modelo de acessibilidade para pessoas com deficiência para todo o Brasil. Este, para ele, deve ser o principal impacto, desde a Copa do Mundo. -As demais cidades vão poder se espelhar no Rio de Janeiro para tornarem-se acessíveis a todos- - acredita ele -, citando avanços legislativos nesse sentido, que obrigam as cidades a se adaptarem e garantirem o direito de locomoção para todos.
Daniel opina que as pessoas estão certas em ir às ruas, expressar suas inquietações sobre a realização dos eventos esportivos. -Elas não querem fazer feio, mas mostrar para o mundo do que os brasileiros são capazes-. Cobrar o bom uso do dinheiro, de acordo com ele, faz bem para a Nação e, -quando vir tudo pronto e der certo, as pessoas vão poder dizer que fizeram parte disso.- Ele diz que já esperava esse tipo de expressão popular, só se surpreendeu com a antecipação das manifestações.
Ele não tem dúvidas de que o Brasil vai estar à altura do nível de uma competição de qualquer outro país do mundo. À exceção da China! Ele diz que, depois de Pequim 2008, Londres tinha um abacaxi nas mãos. -Os chineses fizeram algo tão extraordinário, que acho que dificilmente vamos ver algo igual, novamente-. No entanto, o Brasil tem a alegria e a simpatia tropical para mostrar - que ele acredita serem únicas. -E vamos ter uma vila olímpica que eu jamais vi-, ressalta.
*Cezar Xavier é editor executivo do Portal Grabois, entrevistou Daniel Dias na casa do atleta, em Bragança Paulista - SP, em 26 de setembro 2013
LEGENDAS
Daniel Dias em entrevista para Princípios em sua casa em Bragança Paulista - SP
Nadador paraolímpico com seis ouros nos jogos de Londres, Daniel Dias é o maior medalhista do Brasil
Presidenta Dilma Rousseff recebe Daniel Dias em Brasília