• Home
  • Nossa História
    • Nosso Time
  • Edições
    • Principios de 101 a atual
    • Coleção Principios - 1 a 100
  • Índice Remissivo
  • Contato

Revista Principios

  • Home
  • Nossa História
    • Nosso Time
  • Edições
    • Principios de 101 a atual
    • Coleção Principios - 1 a 100
  • Índice Remissivo
  • Contato

Economia

Edição 126 > Marx, teorias e crises do capitalismo contemporâneo (conclusão)

Marx, teorias e crises do capitalismo contemporâneo (conclusão)

A. Sérgio Barroso*
Twitter
FaceBook

O agravamento da crise do capitalismo, iniciado em 2007, tem acentuado o debate teórico sobre a sua natureza e a sua causa. Diferentes pontos de vista expressam detalhes que vão dando forma a uma fase inicial, pode-se dizer, de um diagnóstico mais preciso. E o exame dos estudos de Karl Marx é um aspecto fundamental nessa tarefa

Retomando a discussão sobre a Lei da tendência de queda da taxa de lucro, há muito se discute que é o próprio Marx quem apresenta fatores que contrariariam esta tendência de queda, encarando-a como lei de longo prazo. Diz ele que esses fatores seriam: a) o aumento do grau de exploração do trabalho; b) a redução dos salários; c) a baixa no preço dos elementos que compõem o capital constante; d) a superpopulação relativa (o exército industrial de reserva da Lei Geral da acumulação capitalista); e) o comércio exterior; e f) o aumento do capital por ações (juros+rentismo).

A propósito, estudos recentes demonstram a vigência empírica da Lei Tendencial da Queda da Taxa de Lucro (LTQTL), nos EUA, notadamente em seu caráter longoprazista [1]:

Sistema de crédito, especulação e crises  

-Se o sistema de crédito é o propulsor principal da superprodução e da especulação excessiva... (...) acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercado mundial... (...) Ao mesmo tempo, o crédito acelera as erupções violentas dessa contradição, as crises... (...) levando a um sistema puro e gigantesco de especulação e jogo- (MARX, O Capital, Livro 3, v. 5, p. 510, Civilização Brasileira, s/d).

Prosseguindo no enfoque mais teórico, vimos que, segundo Marx, a) mutantes, o capital-dinheiro, o capital-mercadoria e o capita-produtivo formam as -três figuras do ciclo-, isto querendo dizer que são distintas as formas que o capital assume, mantendo-se a unidade do ciclo; b) nas crises do capitalismo - (que se expressam regularmente nos fenômenos de superprodução/superacumulção, lei da tendência de queda da taxa de lucros e desproporção entre os departamentos), a manifestação em uma de suas esferas (como em 2007, iniciada na financeira) é inseparável da dinâmica do ciclo global do capital. Mas independência não quer dizer separação.

Quer dizer, não há sentido algum apartar a esfera financeira da produtiva (circulação e produção são integradas, porém -paralelas-), ou falar-se que -a crise não é só financeira, é econômica-, do ponto de vista do modo de produção capitalista. Mas o mesmo não se pode dizer da -autonomização- que realiza o capital financeiro enquanto formas distintas: a) de capital portador de juros; b) de capital fictício. Por quê- Como assim-

-Da totalidade do capital destaca-se e se torna autônoma determinada parte, na forma de capital-dinheiro [como capital portador de juros], tendo a função capitalista de efetuar com exclusividade essas operações para toda a classe dos capitalistas industriais e comerciais- (MARX, Op. cit., p. 363).

Hoje, analisa R. Guttmann, -(...) o capitalismo dirigido pelas finanças tem dado prioridade ao capital fictício, cujos novos condutos, com derivativos ou valores mobiliários lastreados em ativos, estão a vários níveis de distância e qualquer atividade econômica real de criação de valor. Nessa esfera, o objetivo principal é negociar ativos de forma lucrativa para obter ganhos de capital, uma atividade bem mais definida como especulação- [2].

Três observações conclusivas sobre assunto esse central:

1) o mesmo sistema de crédito que potencializa a acumulação desenvolve também o capital fictício, que está na base das crises financeiras. A crise em Marx surge também como imposição de limites às mencionadas autonomias entre circulação em relação à produção; a crise financeira como ideia de crise financeira pondo limites ao desenvolvimento do capital fictício.

2) Simultaneamente, devemos entender o capital financeiro como o que se especializa no comércio de dinheiro, como constituído tanto do capital de empréstimo portador de juros quanto do capital fictício (tipos diferentes). Mas a valorização das ações nos mercados secundários (Bolsas) no lugar de dinheiro é capital fictício, porque - Marx - são multiplicações do mesmo capital, e não voltam à produção, estimulando-a, perdendo, por isso, o lastro em valor-trabalho. Mas ganhos fictícios não podem se manter indefinidamente, se rendas, provenientes da produção, não fornecerem a demanda necessária à sua valorização.

3) Marx descreve nas -Teorias da Mais-Valia-: -a disjunção do processo de produção (imediato) e do processo de circulação desenvolve de novo e desenvolve mais a possibilidade da crise já na simples metamorfose da mercadoria. É suficiente que a passagem de um desses dois processos ao outro não se opere de uma maneira fluída, mas que se tornem autônomos um com relação ao outro e a crise está lá-.

"Financeirização", crises e tipologias

Com a grande crise capitalista atual, não à toa a categoria -financeirização- da riqueza capitalista, assim como sua mediatizada relação com as crises financeiras mais recorrentes, vêm assumindo um nível mais elevado de teorização. Num artigo do economista J. C. Braga, as ideias centrais que sustentam sua nova formulação em -Crise sistêmica da financeirização e a incerteza das mudanças- [3], enfatizam não só ser a crise da natureza do capital e do capitalismo desregulado. Para Braga, não há -nenhuma deformação, nenhum desvio da essência do processo de acumulação-, seja pela via da acumulação produtiva, seja pela -articulação daquela com a acumulação financeira e da autonomização dessa última-. Isto porque, em palavras mais diretas e se referindo à crise das -hipotecas subprime- (2007):

-A dinâmica da valorização imobiliária e seu fenecimento que está na origem da crise atual expressou a extensão da globalização financeira e a intensificação da financeirização das economias- (Idem).

Sob ângulo similar, a temática comparece em entrevista com o destacado economista cubano Oswaldo Martínez. Em sua opinião, uma das principais características da economia capitalista contemporânea diz respeito a -um nível de financeirização da economia mundial enormemente superior também. (-) Hoje a especulação financeira alcança uma sofisticação imensa, e essa sofisticação é por sua vez um dos pontos débeis, quer dizer, faz operações especulativas tão sofisticadas, arriscadas, irreais, e tão fraudulentas, que se encontra na base da explosão financeira que tem ocorrido- [4].

É fundamental, no entanto, perceber que as características da dinâmica capitalista previstas na teoria de Marx apontam a relação entre o desenvolvimento das forças produtivas e do moderno sistema de crédito com as formas assumidas pelas crises. Por exemplo, a crise atual, de excepcionais dimensões e ainda em seu desenrolar de grandes perplexidades, chama a atenção por acontecer muito raramente, cujo curso decompôs o sistema bancário dos EUA, de atuação global (GUTTMANN, ).

Altvater, Lênin, Hobsbawm, Marramao e Roberts: polêmicas de teorias das crises, críticas da -teoria del derrumbe-

 A esse respeito, a análise dogmática de certas tipologias das crises do capitalismo foi examinada num célebre ensaio do alemão E. Altvater [5]. Para ele, as -teorias das crises- então existentes não seriam capazes de reproduzir conceitualmente a complexidade dos processos, tampouco serviriam para dar consequência a -projetos políticos adequados-. Ou seja: a) a teoria do -desequilíbrio ou desproporção- dos departamentos não captaria a -contraditoriedade social expressa na valorização do capital-; b) as teorias do -subconsumo- seriam a representação de um modelo do ciclo capitalista -bastante simplificado-, constituindo uma variante da -teoria do colapso ou da impossibilidade- sistêmica de uma nova fase de acumulação; c) a do colapso do teórico H. Grossmann seria incapaz, "absolutamente, de compreender o capitalismo como sistema social-; e d) a do russo E. Varga, uma teoria subconsumista -aperfeiçoada com elementos extraídos da teoria da superacumulação-, que impossibilitaria - imagina Altvater"  igualmente "uma regeneração temporária com o auxílio da crise".

 Concordando com as teses de Altvater (mas não isolando a importância da desproporção/desequilíbrio dos departamentos como retroalimentador da crise), acrescento que, seguindo a interpretação marxiana, Lênin (1897), após implacável rechaço da visão -subconsumista- como produtora de crises capitalistas, enfatiza a configuração contraditória da produção capitalista:

 -Pelo contrário, se explicamos as crises pela contradição entre o caráter social da produção e o caráter individual da apropriação, reconhecemos com isso a realidade e o caráter progressivo do caminho capitalista (...)- [6]. Isto significa - escreve a seguir Lênin - que a versão subconsumista das crises -vê a raiz do fenômeno fora da produção-; a teoria de Marx -a vê precisamente nas condições da produção- (Idem, p. 98). Ora, sabemos bem que raiz é uma coisa, frutas frescas (e outras podres) são bem distintas - relacionam-se mediatizadamente.

De outra parte, não é à toa que o historiador Hobsbawm foi buscar na grande contribuição de Lênin a ideia de que é falsa a -teoria del derrumbe del capitalismo-, a partir da correlação finalística -crise-catástrofe-colapso-, imputada à teoria leninista. Dissertou ele:

-A Era dos Impérios ou, como Lênin a chamou, o imperialismo, não foi, evidentemente, -a etapa final- do capitalismo; mas, à época, Lênin nunca afirmou realmente que fosse. Simplesmente a denominou, na primeira versão de seu influente escrito, -a última etapa- do capitalismo- [7]. Até porque - todas as tentativas de -isolar a explicação do imperialismo do desenvolvimento específico do capitalismo no fim do século 19- não passam de -exercícios ideológicos- (Idem, p. 110).

 Numa visão similar, o marxista italiano G. Marramao, quando do vasto exame do debate marxista dos anos 1920-30 sobre as -vicissitudes da -teoria do colapso--, destaca o erro grosseiro dos que não distinguiam e faziam -referências indevidas entre o -plano lógico- e o -plano histórico- (exposição científica das leis tendenciais e movimento real), tanto na defesa como na crítica da análise marxiana do capitalismo- [8].

Bem mais recentemente, e se referindo à profundidade da crise atual, o pesquisador marxista Michel Roberts, ao analisar as teses de R. Kurz e de D. Graeber, defensores da teoria do colapso, conclui sobre esses autores que:

-Tenho grande simpatia pela visão de Kurz e de Graeber, mas mantenho as minhas reservas nesse entretempo. Se ao longo dessa depressão não ocorrer a sua substituição por meio da política dos movimentos recém-energizados de trabalhadores, é possível que o capitalismo emergente possa criar um novo período de desenvolvimento-. De acordo com Roberts, não é certo que o capitalismo maduro não possa desenvolver novas tecnologias, apesar de ter falhado em áreas tais como robótica, inteligência artificial, impressão em 3D e nanotecnologia; -alguns argumentam que a tecnologia norte-americana está desenvolvendo a técnica para extrair óleo e gás do xisto, de um modo tal que trará o balanço do poder energético de volta para os Estados Unidos da América do Norte, assim como para as economias maduras, em detrimento da Ásia e do Oriente Médio- [9].

Crise por -subconsumismo-: violação dogmática da teoria de Marx

No rastro da grande crise dos dias que correm, teóricos voltaram a ressuscitar a tese de ser a crise atual gerada por -subconsumo das massas-; e por -superprodução de mercadorias-. De saída, o não-consumo dos chamados bens salários seria o responsável pelas crises de superprodução.

Na teoria de Marx, capital (máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas, ativos financeiros) é a valorização do valor que se expande; expande-se a mais-valia a partir da extração do excedente do trabalhador assalariado, subtraindo o valor do tempo de trabalho socialmente necessário, vis-à-vis ao pagamento para reprodução de seus meios de subsistência, da jornada de trabalho produtora de mais-valor; a concorrência intercapitalista impõe a ampliação das escalas de produção e o aumento da produtividade social do trabalho; a concorrência, o crédito, a concentração-centralização de capitais implicam os fenômenos estruturais de superacumulação e superprodução de capitais; a superprodução de capital não indica outra coisa senão superacumulação de capital, enquanto o subconsumo assalariado representa o dado de que se parte previamente.

A esse respeito, observe-se então como Lênin prossegue aclarando Marx a propósito da contradição entre a tendência à ampliação ilimitada da produção e a necessidade de um consumo limitado (a consequência da situação proletária das massas do povo): -Sem embargo, o capitalismo leva sempre implícita, de uma parte, a tendência a ampliação ilimitada do consumo produtivo, a ampliação ilimitada da acumulação e da produção e, de outra parte, a tendência à proletarização das massas do povo, que traz limites bastante estreitos à ampliação do consumo individual- (Op. cit., 1974, p. 211-12).

Ou seja, as crises do capitalismo se expressam em superprodução de capital - e também de mercadorias; superprodução que, para ser assim designadas, envolve os vários ramos da economia e jamais serão deflagradas -por subconsumo das massas-. Regime do capital onde nunca existiu -estagnação- enquanto -modo de ser-, o que deveria ocorrer em função do -subconsumo das massas-, na era dos monopólios, como imaginaram P. Baran e P. Sweezy em seu estudo conceitual O capitalismo monopolista (1969).

Como bem explicou J. Gorender, em sua conhecida -Apresentação-, para O Capital, o que acontece mesmo no desenlace do ciclo econômico não é que a crise sucede a uma queda do consumo, bem ao contrário, ela sucede a uma alta de mais acentuado consumo, uma elevação que não é a regra [10]. Quem escrevera antes e enfaticamente: é -por demais incontestável que Marx recusou a ideia de que a crise cíclica se desencadeasse por efeito da insuficiência de demanda solvente (ou demanda efetiva)- (GORENDER, Idem).

Ainda sobre ao assunto, importa notar que após escrever o exposto na epígrafe deste artigo, Lênin, em sua obra clássica O desenvolvimento do capitalismo na Rússia (1899), referindo-se a variadas  passagens - objetivamente passagens que induzem a erros crassos, na medida do não cotejamento delas com o conjunto completo da obra de Marx sobre a temática ciclo-crise - do texto magno de Marx,  enfatiza que:

-Marx se limita a pôr manifestamente aqui uma contradição do capitalismo assinalada já em outras passagens de O Capital, a saber: a contradição entre a tendência a ampliação ilimitada da produção e a necessidade de um consumo limitado (a consequência da situação proletária das massas do povo)- (LÊNIN, 1899) [11].

Cumpre notar aqui: Karl Marx levava em absoluta consideração o caráter revolucionário do seu método - assentando nele boa parte dos êxitos de sua poderosa interpretação teórica. Com efeito, a clara distinção entre investigação e exposição significava a exaustiva e a mais completa possível apropriação dos dados da realidade em movimento. Vistas as fontes, em sua maior completude possível, a análise se voltava então para as conexões e as formas de desenvolvimento da matéria anatomizada. Só então passar-se-ia à exposição (interpretando) dos resultados obtidos.

Voltemos, sob esse prisma, ao nosso tema. Hodiernamente, se o -subconsumo as massas- é a razão central das crises desse padrão de acumulação do regime do capital financeirizado, isto significa que:

1) se o -subconsumo as massas- é a razão central das crises, então quanto maior o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do PIB per capita, mais se afastaria a possibilidade das crises no capitalismo dos nossos dias, certo- Totalmente errado: a Suécia sofreu em 2009 uma recessão grave, com queda de 4,2% no PIB, a maior desde o início da Segunda Guerra Mundial; retornou o desemprego em massa ao patamar de 12% até 2011, de acordo com as previsões do governo (Folha OnLine, 1º-04-2009). Ora, a Suécia sempre foi exibida como exemplo paradisíaco da moderna sociedade burguesa, vangloriando-se de uma renda per capita recentemente calculada em nada menos que US$ 39,6 mil (janeiro/2009). Bem, -subconsumo das massas- suecas como causa da crise- Isto é piada de mau gosto.

2) A Índia, segundo dados oficiais, possui cerca de 700 milhões de pessoas em condições de pobreza, e pouco mais de 300 milhões incluídas entre as variadas camadas médias e burguesas. Entre 1991 e 2008, sua taxa de crescimento foi maior que 6%, alcançando, em 2006-2007, nada menos que 9,4% de avanço de seu PIB. Por que a Índia, ao invés de ser submetida a crises econômicas de -subconsumo das massas-, dadas especialmente às centenas de milhões de pessoas (cerca de 2/3 de sua população) vivendo em condição de pobreza crônica, cresce vertiginosamente sua economia a taxas tão elevadas- [12].

3) Finalmente, como se pode insinuar que a crise atual, objetivamente gerada a partir da débâcle das hipotecas suprime nos EUA, ou seja, uma crise centrada no capital portador de juros contidos nos título (hipotecas), auxiliada por residências vendidas aos milhões a uma baixíssima taxa de juros - o grande móvel de massas norte-americanas -, para, a partir das hipotecas, inflar empréstimos para o hiperconsumo (2/3 do PIB dos EUA)- Movimento esse revertido  e -quebrado- também pela inédita alavancagem do sistema bancário-financeiro, reforçada pela especulação derivativa, quer dizer, pela manipulação de títulos podres e impagáveis de famílias endividadas astronomicamente para consumir - tudo isso originou uma crise nos EUA -de subconsumo das massas-

Exatamente sobre a questão, num esclarecedor artigo, L. Belluzzo chama a atenção para o fato de o consumo representar mais de 70% da demanda agregada nos Estados Unidos. Conforme ele explica,

-A economia americana, nos últimos 20 anos, foi impulsionada, sobretudo, pelo crescimento sem precedentes do consumo das famílias. Nos últimos três anos e meio, essa característica da economia americana exasperou-se: o crescimento do consumo -descolou- [disparou] da evolução da renda, dos salários reais e do emprego. Sua evolução depende cada vez mais do efeito-riqueza, concentrado, nos últimos anos, na valorização dos imóveis residenciais- [13].

Seguramente, é de Lênin - e do ucraniano Túgan-Baranovski - a ideia moderna de que no capitalismo o que é preponderante é a demanda por meios de produção (bens de capital; e + ativos financeiros, hoje).

As crises não são, portanto, deflagradas, criadas, originadas pelo -subconsumo das massas-. As condições de realização da produção capitalista não são determinadas pelo nível de renda dos trabalhadores ou consumo das massas. É o investimento capitalista a variante independente e central na dinâmica capitalista e, por sua vez, é ele que pode deflagrar a superacumulação e a superprodução - e as crises concretas.

Duas catástrofes - e um sistema financeiro fantasmático

Na grande e grave crise capitalista que vivenciamos nestes dias - fortes movimentos depressivos -, a grande catástrofe que se apresenta, até agora, é o desemprego elevadíssimo e em massa que se espraia sobre as massas trabalhadoras, especialmente no capitalismo central, e havia pouco -desenvolvido-. De resto, uma gigantesca queima de capital (Marx) e crescente ampliação das desigualdades sociais. E intensa resistência do proletariado e demais trabalhadores ao ataque brutal contra as conquistas do Welfare Estate, particularmente na Europa, bem como os grandes protestos nos EUA.

Condição humana perene, pois, do trabalho sob o capitalismo, desvendado na mesma direção da enorme importância que ele dava ao desenvolvimento do moderno sistema de crédito: e se o dinheiro (então na forma de metais preciosos) consistia no -fulcro- desse sistema de crédito, este -supõe o monopólio- dos meios de produção sociais (capital + propriedade fundiária) em mãos privadas, além de ser a -força motriz- dum desenvolvimento capitalista superior. Essencialmente, segundo Marx,

-O sistema bancário é, pela forma de organização e pela centralização, o resultado mais engenhoso e refinado ao qual leva o modo capitalista de produção-, onde apenas o -desenvolvimento completo do sistema de crédito e do sistema bancário promove e efetiva por inteiro esse caráter social do capital- [14].

-Caráter social do capital-- Sim, para Marx, o sistema bancário, sofisticadamente, -retira das mãos dos capitalistas privados e dos usurários a repartição, o negócio específico e a função social do sistema- (Idem, p. 396), tornando-se (os bancos e os sistema de crédito) inclusive -um dos veículos mais eficazes das crises e da especulação- (Idem, ibidem).

Consideramos que tais definições são de alcance impressionante. No curso da grande crise de 2007-2008, de epicentro nos EUA, acabou o mistério do que vem se conhecendo por shadow banking system. Um sistema financeiro/bancário sombra, denominado pela primeira vez por Paul McCulley (2007), diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a Pimco. Sua definição de shadow banking system -inclui todos os agentes envolvidos em empréstimos alavancados que não têm acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações de redesconto dos bancos centrais-. E, entre as medidas adotadas pelo Fed (Banco Central dos EUA) e por outros bancos centrais, encontra-se a abertura do acesso às operações de redesconto para essas diversas instituições que não podiam utilizá-las como os bancos de investimentos e as GSE (ações negociadas na bolsa, mas patrocinadas pelo governo) [15].

Quer dizer, do surgimento e desenvolvimento de produtos financeiros de alto teor especulativo - como, por exemplo, o Credit Default Swaps (CDS) [16] -, passando pelo desabamento do mercado hipotecário norte-americano (crise das -subprime-), ao colapso financeiro sistêmico provocado pela implosão do banco Lehman Brothers (2008), desvelou-se a emergência de um sistema financeiro sombra.

Não há nenhuma dúvida de que, no capitalismo da globalização neoliberal, o sistema de crédito hodierno chegou perfeitamente -a um sistema puro e gigantesco de especulação e jogo- (MARX, O Capital, Livro 3, v. 5, p. 510).

Nos 130 anos de seu desaparecimento, resgatar a teoria de Karl Marx também significa não recusar a luta de ideias contra -um certo marxismo-. Aquele que desinforma quando simplifica grosseiramente a interpretação da crise capitalista atual resumindo-a à -crise de superprodução e do crédito-; ou, pior ainda, creditar a Marx a ideia de que a crise do capitalismo ocorre quando -a interrupção do processo de circulação do capital ocorre com a paralisação da venda de mercadorias...-.

* A. Sérgio Barroso é médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp e diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois

Notas

[1] Fonte: MANOLAKOS, Deepankar Basuand Panayiotis T. -Is There a Tendency for the Rate of Profit to Fall- Econometric Evidence for the U.S. Economy, 1948-2007-. In: Review of Radical Political Economics. (45(1) 76-95, 2012. O artigo traz ainda vários exemplos: a) do caráter cíclico da LTQTL; b) conclui encontrando -fraca evidência- do declínio da TL nos EUA no longo período investigado, e com recurso aos métodos econométricos.

[2] Antes, Guttmann argumentara em seu importante ensaio Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças: -As finanças foram profundamente transformadas por uma combinação de desregulamentação, globalização e informatização. Este impulso triplo transformou um sistema financeiro estritamente controlado, organizado em âmbito nacional e centrado em bancos comerciais (que recebem depósitos e fazem empréstimos), em um sistema autorregulamentado, de âmbito global e centrado em bancos de investimento (corretagem, negociações e underwriting [lançamento de ações com subscrição pública com intermediário] de valores mobiliários). A preferência por mercados financeiros em vez de finanças indiretas utilizando bancos comerciais foi em grande parte facilitada pelo surgimento de fundos (fundos de pensão, fundos mútuos e, mais recentemente, fundos de hedge e de participações) como compradores-chave nesses mercados (Revista Novos Estudos, Cebrap, nov./2008).

[3] Em: Revista Estudos Avançados, da USP-, março de 2009.

[4] Ver: MARTÍNEZ, O. -Crisis económica global. ¿Hasta cuándo-, ¿hasta dónde--. In: rebelión.org (29-04-2009).

[5] Ver: ALTVATER, E. -A crise de 1929 e o debate marxista sobre a teoria da crise-. In: HOBSBAWM, E. (org.). História do marxismo. São Paulo: Paz e Terra, vol. 8, 2ª edição, 1987, especialmente p. 95-133.

[6]Ver: LÊNIN, V. I. -Para una caraterización del romanticismo econômico. (Sismondi y nuestros sismondistas nacionales-). In: Sobre el problema de los mercados, Escritos económicos, vol. 3. Madri: Siglo Veinteuno, 1974, p. 104. 

[7] Ver: HOBSBAWM, E. A era dos impérios - 1871-1914. São Paulo: Paz e Terra, 8ª ed., 2003, p. 27.

[8] Ver: MARRAMAO, G. O político e as transformações. Crítica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vinte e trinta. Oficina de livros, 1990, p. 102.

[9] Ver: ROBERTS, M. -Crise ou colapso--. Em: Economia e Complexidade, blog de Eleutério Prado, postado em 16-10-2012.

[10] Ver: GORENDER, J. -Apresentação-. In: MARX, K. O Capital, vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. LX.

[11] Em: MAZZUCCHELLI, F. -O desenvolvimento do capitalismo na Rússia-. Em: A contradição em processo. O capitalismo e suas crises. Campinas (SP): Unicamp, 2004, p. 58.

[12] Acrescente-se: um informe governamental estima que 77% da população trabalhadora da Índia vivem com menos de meio dólar por dia. Ver: MITTAL, Anuradha. Índia: a economia cresce, a fome também. Em: Portal Terra, 1º-10-2008.

[13] Ver: BELLUZZO, L. O consumo americano. Em: Portal Terra, 10-10-2008.

[14] Em: O Capital, Livro 3, vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, s/d, p. 695.

[15] Ver: CINTRA, Marcos & FARHI, Maryse. -A crise financeira e o global shadow banking system-. Em: Novos Estudos, Cebrap, nº 82, São Paulo, novembro de 2008.

[16] Operação, financeira que consiste numa troca entre o vendedor de proteção (fundo de pensões, as empresas de seguros) e um comprador de proteção (bancos). Depois de terem recebido uma remuneração chamada de -prêmio de risco-, os investidores institucionais cobrem ou -compram- o risco de crédito de um banco (em decorrência da vendedora do risco). De modo geral, os fundos de pensões aceitam cobrir o risco quando os créditos são bem notados pelas agências de risco (a nota máxima é triplo A). Mas, na realidade, o sistema é um pouco mais complexo do que isso, pois ele integra um mecanismo de venda/revenda de crédito e um mecanismo de transferência do risco do crédito. (Ver a explicação em GUTTMANN, R. Uma análise da crise financeira americana e de suas repercussões para a economia brasileira. Em: Anais do II Encontro da Associação Keynesiana Brasileira, setembro de 2009).

voltar

Editora e Livraria Anita Garibaldi - CNPJ 96.337.019/0001-05
Rua Rego Freitas 192 - República - Centro - São Paulo - SP - Cep: 01220-010
Telefone: (11) 3129-4586 - WhatsApp: (11) 9.3466.3212 - E-mail: livraria@anitagaribaldi.com.br