• Home
  • Nossa História
    • Nosso Time
  • Edições
    • Principios de 101 a atual
    • Coleção Principios - 1 a 100
  • Índice Remissivo
  • Contato

Revista Principios

  • Home
  • Nossa História
    • Nosso Time
  • Edições
    • Principios de 101 a atual
    • Coleção Principios - 1 a 100
  • Índice Remissivo
  • Contato

Capa

Edição 126 > A velha arapuca do voto distrital

A velha arapuca do voto distrital

Bernardo Joffily*
Twitter
FaceBook

Sempre que a Reforma Política entra em debate, os setores conservadores aparecem balançando a bandeira do nocivo sistema de voto distrital. Experiências de outros países e até mesmo da história brasileira revelam que este sistema inviabiliza a representação das minorias, aniquila a pluralidade partidária, rebaixa a atuação parlamentar e transforma os distritos em verdadeiros currais eleitorais

Toda vez que o Brasil se debate com a necessidade de uma Reforma Política - e elas não têm faltado, nos últimos 20 anos ou nos últimos 200 -, entram em cena os defensores do voto distrital. Na tentativa de 2013 eles voltaram à carga, sempre esperançosos de fazer com que a democracia brasileira retroceda oito décadas - ressuscitando um sistema que a tornaria mais paroquial e menos representativa.

Os distritistas estão concentrados no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). O Programa dos tucanos (2007) prega a -distritalização do voto- e apresenta três alternativas, com diferentes graus de repúdio a sistema representativo. O Partido Social Democrático (PSD) aderiu, seu site diz que -apoia esta causa!-, mas os tucanos são os mais ardorosos distritistas, a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em entrevista à Rede Bandeirantes (19-04-2013), FHC, após admitir a derrota da pregação parlamentarista tucana, recomendava: -Temos que insistir noutro ponto, que vinha junto com o parlamentarismo, que é o voto distrital-.

Mais recentemente (06-08-2013), o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), foi enfático: -O voto distrital é o ideal para o país. (...) Sou totalmente favorável-. Durante os Protestos de Junho, o governa dor Geraldo Alckmin citou os distritos como exemplo das -reformas estruturantes- para responder ao que chamou de -crise de liderança política-.

Política ao gosto conservador

Há motivos para a insistência. Os sistemas eleitorais, por si, não determinam os destinos da luta política. Mas influem, às vezes decisivamente.

Um bom exemplo é o papel que a -brecha presidencialista- tem jogado nos avanços das forças populares e progressistas latino-americanas, a partir das vitórias de Hugo Chávez, em 1998, e de Lula, em 2002: a eleição direta do chefe de Estado e de governo, com o acúmulo de poderes que possui no continente, nas condições do fim do ciclo ditatorial-militar e do fracasso do ciclo neoliberal, mostrou ser o calcanhar de Aquiles do domínio oligárquico-neocolonial, a via capaz de concentrar e, em certa medida, efetivar, as esperanças, demandas e exigências do andar de baixo da pirâmide social.

Se a -brecha presidencialista- tem favorecido a esquerda latino-americana, a adoção do voto distrital no Brasil, ao contrário, estimularia um tipo de política ao gosto dos conservadores. O tema, portanto, é fortemente controvertido e o autor deste artigo alinha-se com os defensores do voto proporcional (1).

No sistema distrital, ou de maioria simples, o país é dividido em distritos eleitorais (também chamados circunscrições), com eleitorado mais ou menos semelhante. Em Minas Gerais, por exemplo, os 55 deputados federais seriam eleitos em 55 distritos, e em cada um deles a eleição seria majoritária: cada partido apresentaria um só candidato e o mais votado venceria. Outra divisão criaria 77 -distritos estaduais-, cada um elegendo um dos membros da Assembleia Legislativa mineira. E cada município seria dividido em tantos distritos quanto o número de cadeiras de vereador.

O sistema também comporta variantes. O voto distrital clássico é uninominal: cada distrito elege um só nome; mas há países onde um distrito elege dois ou mais cadeiras. Também há os sistemas mistos, que combinam de diferentes formas o voto distrital com o proporcional, na tentativa de escapar das deformações do sistema distrital.

O berço do voto distrital é o Reino Unido. Por isso, o sistema é conhecido pela expressão inglesa -First Past the Post-, ou FPTP (-o primeiro a cruzar a linha de chegada-). E é adotado principalmente por ex-colônias britânicas, como os Estados Unidos, o Canadá, a Índia e países africanos da Commonwealth. A França também adota uma variante de voto distrital, com dois turnos.

O voto distrital à brasileira

O Brasil também adotou o sistema de distritos eleitorais ao longo do Império e da República Velha. Aposentou-o graças à Revolução de 1930.

O mapa da página 31 mostra como eram os distritos em 1868; uns elegeram dois deputados provinciais e outros três. E nem sempre os últimos eram os mais populosos: o distrito do Recife elegeu três deputados e tinha 392 eleitores (o voto, censitário, exigia renda mínima de 200 mil réis); mas Penedo (AL), com 528 eleitores, elegeu dois deputados. Em 1881, a Lei Saraiva restabeleceu os distritos uninominais, sanando algumas distorções, mas criando outras.

Na República, a Lei Eleitoral de 1892 conservou os distritos, cada um elegendo três deputados federais. Em 1904, a Lei Rosa e Silva reduziu o número de distritos de 63 para 41, cada um com cinco a sete deputados.

Nos fundamentos do sistema estavam os coronéis da Guarda Nacional, senhores locais das terras da lei e dos votos. Sobre eles erigiam-se os esquemas de domínio nos distritos, a -política dos governadores- e, por fim, o governo central.

Coube à Revolução de 1930 colocar em xeque esse mais que secular esquema de domínio. Getúlio confiou a tarefa a outro gaúcho, Assis Brasil, republicano histórico, chefe -maragato- nos entreveros de 1923, diplomata, estancieiro, senhor do Castelo de Pedras Altas.

Com base em seu livro Democracia representativa: Do voto e do modo de votar (2), Assis Brasil elaborou o Código Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932. A cidadania brasileira deve a essa lei revolucionária, além do sistema proporcional, o voto secreto - bandeira do movimento de 1930 -, o voto obrigatório, o voto feminino, a criação da Justiça Eleitoral e o recadastramento que pôs fim a uma legião de -fósforos-, defuntos que acorriam fantasmagoricamente às urnas. O Código de 1932 previa até o uso de uma -máquina de votar-, antevendo as urnas eletrônicas atuais.

Depois da Revolução de 1930, o Brasil nunca mais teve voto distrital. Ocorreram tentativas de ressuscitá-lo: na Constituinte de 1946; num projeto do deputado democrata-cristão Franco Montoro (futuro tucano) em 1964; no crepúsculo da ditadura, João Batista Figueiredo ainda fez aprovar um sistema distrital misto, com a Emenda Constitucional 22, de 1982. Mas veio a democratização e o esquema foi suprimido como entulho autoritário.

Porém, o voto distrital tem defensores insistentes. Na Constituinte de 1987-88 ele voltou a ser cogitado. Na reforma constitucional ensaiada no início do governo FHC houve nova tentativa. E outras mais se sucederam - aproveitando que o Brasil de fato precisa de uma Reforma Política (não a dos distritos, mas outra, democrática e profunda).

Ruim para os eleitores e para a democracia

O defeito número um do voto distrital é que ele é desproporcional. Não espelha a vontade do conjunto dos eleitores e com frequência distorce, deforma ou até contraria a voz das urnas.

O sistema distrital possibilita que o partido -A- tenha 49,9% dos votos em cada distrito sem eleger um só representante. Na outra ponta, permite que o partido -B- consiga a metade do total de deputados com 25,1% do total de votos, desde que estes se concentrem estrategicamente de modo a formar maioria na metade dos distritos; ou até que o partido -C- obtenha a totalidade dos deputados graças a uma certeira distribuição de 50,1% dos votos.

Hipóteses desse tipo acontecem. Na última eleição para a Câmara de Representantes dos EUA (04-11-2010), o Partido Republicano teve 47,6% do eleitorado, 1.413.603 votos a menos que o Partido Democrata (48,7%), porém ficou com a maioria das cadeiras - 234 contra 201. No caso mais clamoroso, Pennsylvania, os republicanos, com 50% vos votos, venceram em 13 dos 18 distritos. Na última eleição federal no Canadá, em 2011, o Partido Conservador conseguiu 54% da Câmara, com 39,6% dos votos.

Isso acontece porque o sistema distrital é tosco. Só leva em conta os votos para o vencedor no distrito; todos os outros são descartados e têm influência zero no resultado. Tampouco importa se a vantagem do vencedor foi de um voto ou se ele teve o apoio de 100% dos eleitores.

Por essas e outras, nos países onde vigora o voto distrital sempre surgem movimentos pela reforma do sistema. Nos EUA, o Fair Vote (-Voto justo-) luta por -uma democracia representativa que respeite todos os votos e todas as vozes em todas as eleições-. Seu site (http://www.fairvote.org) prevê que a distorção vai aumentar ainda mais em 2014: os republicanos vão levar a maioria da Câmara com apenas 45% dos votos (3).

Há uma versão canadense, o Fair Vote Canada (http://www.fairvote.ca). Visa a -conquistar um amplo e multipartidário apoio para um processo cidadão que permita aos canadenses escolher um sistema eleitoral justo, baseado no princípio de que todos os eleitores são iguais e todos os votos devem contar-.

Já o Reino Unido conta com a Electoral Reform Society, ou ERS (Sociedade da Reforma Eleitoral), fundada em 1884 (!). Ela prega -uma democracia representativa para o século 21-, pois o FPTP -é ruim para os eleitores, ruim para o governo e ruim para a democracia-. A ERS teve papel importante na campanha pelo -Sim- no referendo de 2011 sobre a mudança do sistema eleitoral britânico. O fim do voto distrital não passou, obtendo 32,1% da votação total. No entanto, a ERS conseguiu avanços parciais concretos nos sistemas eleitorais empregados na Escócia e na Irlanda do Norte.

Gerrymandering, o distrito-monstro

O segundo defeito do voto distrital é que ele entrega um gigantesco poder arbitrário aos políticos e/ou tecnocratas que delimitam os distritos. É o que mostra o exemplo hipotético na página ao lado, aliás tirado de um site governamental dos EUA. Há mais de dois séculos existe uma palavra inglesa para o estratagema de fixar os distritos visando a obter vantagens eleitorais: gerrymandering. O termo surgiu da ilustração que abre esta matéria (pág. 29), publicada em 1812 pelo jornal Boston Gazette. O artigo denunciava o governador de Massachusetts, na época, Elbridge Gerry, por manipular o desenho dos distritos. E dava como exemplo esse distrito da área de Boston, tão deformado que ficou com o formato de uma salamandra (em inglês, salamander). Gerry + salamander = gerrymander. O partido de Gerry venceu a eleição de 1812, mas o apelido desmoralizante persegue até hoje os manipuladores de distritos eleitorais.

O gerrymandering continua a ser usado sem muitas cerimônias. Veja, por exemplo, alguns distritos reais e atuais dos EUA (à direita). Às vezes o artifício até tem boas intenções (é o caso do 4º Distrito de Illinois, também chamado -Tapa orelhas-: foi desenhado para conter um eleitorado majoritariamente -hispânico-), em outras visa mesmo à manipulação eleitoral.

O problema se agrava porque todo país que adere ao voto distrital precisa redefinir periodicamente os distritos, para responder às flutuações no número de eleitores. Quando não se faz isso, a emenda é ainda pior: o exemplo clássico é o dos -burgos podres- (-rottenboroughs-), os distritos despovoados que ajudaram a manter artificialmente a maioria parlamentar conservadora na Inglaterra antes da reforma de 1832; o mais famoso deles, Dunwich, tinha sido invadido pelo mar e possuía apenas 32 eleitores...

Já na França contemporânea, ocorreram redefinições dos distritos em três ocasiões: em 1958, 1987 e 2010. A segunda delas, orquestrada pelo gaullista Charles Pasqua, foi um clamoroso gerrymandering; na eleição seguinte, o partido da direita francesa, na época o RPR, elegeu 80% dos deputados com 58% dos votos.

Um sistema partidicida

O outro efeito do voto distrital é a drástica redução do número de partidos políticos. Todos os países que adotam o sistema majoritário tendem ao bipartidarismo, conforme observou o sociólogo francês Maurice Duverger, naquela que é conhecida como Lei de Duverger, formulada em 1951.

O fenômeno é particularmente visível nos EUA - caso extremo, ímpar, de país que há um século e meio possui na prática apenas dois partidos. Mas, verifica-se igualmente em outros, enquanto tendência.

Pela Lei de Duverger, o voto distrital concentra drasticamente os mandatos eleitorais entre os dois partidos mais fortes. A terceira legenda é discriminada pela própria lógica do sistema, como mostra o exemplo do terceiro partido britânico, o Liberal Democrata: fundado em 1988, nas cinco eleições parlamentares de que participou ele teve 18%, 17%, 18%, 22% e 23% dos votos; mas ficou com 3%, 7%, 8%, 10% e 9% dos eleitos. E se o terceiro partido sofre tamanho castigo, os outros são praticamente condenados à morte pelo sistema distrital, a não ser que sejam forças locais, como as siglas da Escócia, de País de Gales e Irlanda do Norte, no caso do Reino Unido.

No entanto, essa vocação partidicida é vista pelos distritistas como se fosse um mérito, pois eles alegam que o grande número de partidos é um grave defeito da democracia brasileira. Por que repetir o erro antidemocrático dos golpistas de 1964, que em 1965 impuseram a fórceps o bipartidarismo-

O Brasil de fato tem muitos partidos - 23 siglas representadas na Câmara dos Deputados atualmente. Mas antes de partir para a matança dos partidos pequenos seria aconselhável perguntar as causas substantivas dessa dispersão ditada pelo voto popular.

Logo depois do fim da ditadura, não havia dispersão, mas enorme concentração. Na eleição de 1986, o PMDB elegeu, sozinho, 53,4% da Câmara, 260 dos 487 deputados federais. Mas essa hegemonia não passou no teste da prática e a tendência dos votos mudou. Doze anos mais tarde, em 1998, era o consórcio PSDB-PFL que se sobressaía, com 99 + 105 = 204 deputados, 39,8% do total de 513 deputados. Novo teste, nova rejeição. Mais 12 anos e nas últimas eleições gerais, em 2010, a dupla mais votada foi PT-PMDB, com 88 + 79 = 167 deputados, 32,6% do total.

Em vez de se impor outro bipartidarismo com o fórceps do voto distrital, ou outro qualquer, melhor seria prestar atenção ao que vêm dizendo os eleitores brasileiros. Esses números, essa dança dos partidos mais votados, essa dispersão insistente e crescente, ao longo de mais de uma geração, expressam um real aprendizado democrático. Por tentativa e erro, em meio a um contraditório vivo, às vezes enérgico mesmo, uma massa de mais de cem milhões de eleitores vai fazendo sua experiência. Na medida em que ela decantar soluções que a satisfaçam, com certeza a tendência dispersiva se inverterá, afiançando uma hegemonia nova e mais avançada, sem que para isso seja preciso voltar as costas para a democracia representativa.

* Bernardo Joffily é jornalista, autor do Atlas histórico Brasil 500 anos e colunista da Princípios

Notas

1. Uma defesa representativa do voto distrital é a do citado Programa do PSDB. Disponível em: http://www.psdb.org.br/wp-content/uploads/2010/04/Programa_PSDB_2007.pdf

2. ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco de. Democracia Representativa: do voto e do modo de votar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931.

3. O prognóstico é do Sabato-s Crystal Ball, site de análises eleitorais da Universidade de Virgínia. Disponível em: http://www.centerforpolitics.org/crystalball

LEGENDAS

Ilustração publicada em 1812 pelo jornal Boston Gazette retrata o Gerrymandering, o "distrito monstro"

 

voltar

Editora e Livraria Anita Garibaldi - CNPJ 96.337.019/0001-05
Rua Rego Freitas 192 - República - Centro - São Paulo - SP - Cep: 01220-010
Telefone: (11) 3129-4586 - WhatsApp: (11) 9.3466.3212 - E-mail: livraria@anitagaribaldi.com.br