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Edição 126 > Política não é negócio: é hora de acabar com o financiamento privado das campanhas eleitorais
Política não é negócio: é hora de acabar com o financiamento privado das campanhas eleitorais

A questão central da Reforma Política é mudar a forma como as campanhas são financiadas no Brasil. O dinheiro não deve vir de empresas privadas. É preciso garantir maior igualdade de condições entre os candidatos. Nesse sentido, a política deve ter como centro ideias, projetos e programas. Interesses privados não devem se sobrepor às prioridades dos cidadãos. Precisamos superar o sistema político injusto, caro e cada vez mais dominado pelo poder econômico que prevalece no país.
É significativo o momento político histórico que o Brasil vive após um período de avanços democráticos, de redução significativa da pobreza, de conquistas sociais e de afirmação da soberania nacional nestes últimos 10 anos. A onda de manifestações populares, que chegou a levar 1,4 milhão de brasileiros às ruas de 120 cidades, em 20 de junho, traz para a ordem do dia a necessidade de reformas estruturais no país, como a reforma urbana e política.
Os parlamentares do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) têm desempenhado papel estratégico na luta para garantir a concretização de mudanças exigidas pelos brasileiros. Conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), encomendada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, do qual faz parte a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 85% são a favor de uma Reforma Política. O levantamento indicou ainda que 84% dos entrevistados em todo o Brasil acreditam que, se aprovada, a Reforma deveria vigorar já para a eleição de 2014. O Instituto ouviu por telefone, entre 27 e 30 de julho, 1.500 pessoas com mais de 16 anos. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. Esses números reafirmaram o que a voz das ruas já havia apontado.
As grandes mobilizações populares colocaram em evidência a necessidade de se aprofundar um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. O Brasil pode inovar promovendo uma nova fase de desenvolvimento político, de aprofundamento e ampliação da democracia e de elevação dos níveis de participação popular. Pode, entretanto, sofrer grave retrocesso se a Reforma Política for pautada pelo pensamento conservador e antidemocrático.
A bancada do PCdoB na Câmara dos Deputados luta para fortalecer ainda mais a liderança política da presidenta Dilma Rousseff, reunindo forças políticas e sociais avançadas para impulsionar mudanças democráticas e progressistas maiores no país. As mobilizações mostraram que o Congresso funciona mais sintonizado com os anseios populares. E a criação de um grupo na Câmara para discutir a Reforma Política foi uma resposta concreta às demandas, mas é fundamental que haja avanço concreto e não apenas a venda da ilusão de que medidas pontuais resolverão os dilemas nacionais. A cada ano, o Congresso faz mudanças na legislação para alterar regras eleitorais no país, como a proibição de showmícios, de brindes e de outdoors nas campanhas. Essas medidas fatiadas, porém, não resolveram o problema central da política brasileira: o financiamento das campanhas eleitorais. Ao contrário, mostram que há uma tendência de aumento no custo das campanhas. Proibiu-se a distribuição de lixas de unha, e não o abuso do poder econômico.
Para garantir a vitória nas urnas, os políticos precisam cada vez mais de cifras enormes, ficando dependentes dos financiadores de campanha. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre 2002 e 2010, por exemplo, os gastos totais declarados nas eleições gerais do Brasil cresceram exponencialmente, passando de R$ 827 milhões para R$ 4,09 bilhões, um aumento de 591% no período. Dos 513 parlamentares eleitos em 2010, 369 foram os que mais gastaram, sendo que investiram em média 12 vezes mais do que os demais candidatos. Conforme Dowbor, um assento de deputado federal custa aproximadamente R$ 2,5 milhões. Esses valores são bancados por empresas que têm interesses, e cobrarão a fatura do candidato eleito que já age muitas vezes pensando em garantir a reeleição. As empresas que contribuem nem sempre têm as mesmas prioridades do conjunto da população. Quando fazem contribuições para as campanhas eleitorais, estão apostando nos candidatos que vão priorizar as suas bandeiras individuais.
Quanto mais cara a campanha, mais o processo democrático é deformado por grandes doadores. Conforme Mancuso e Speck, os recursos empresariais são a principal fonte de financiamento das campanhas no Brasil, tendo representado 74,4% de todo o dinheiro aplicado nas eleições em 2010 (mais de R$ 2 bilhões), segundo estatísticas do TSE.
A representação política não deve se nortear pelo poder econômico. É razoável manter um sistema que cada vez mais seja regido pelo dinheiro, em que cerca de 400 executivos de empresas privadas escolhem os eleitos e assim influenciam decisivamente os rumos do país- Ou é melhor garantir que todos os brasileiros financiem a política para que ela volte a ser o terreno de ideias, de projetos e de programas em favor da sociedade- Certamente, é preciso mudar a realidade, ficando com a segunda opção. As decisões tomadas pela gestão pública não podem ser influenciadas pelo que é mais importante para as empresas que financiam as campanhas eleitorais. A continuidade dessa lógica no sistema eleitoral é muito perversa para as transformações necessárias que levem ao aprofundamento da democracia no país.
Financiamento privado de campanhas deve ser proibido
Apesar de os brasileiros defenderem com veemência a reforma estrutural do sistema político brasileiro, o desafio de avançar no Legislativo é enorme. Há mais de 15 anos, o Congresso debate diferentes propostas de Reforma Política sem conseguir votar qualquer mudança que reestruture a política nacional. Em 2013, a maioria dos líderes dos partidos se recusou a dar urgência para a votação do relatório do deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), depois de dois anos de discussões com partidos e com a sociedade. A iniciativa foi para a gaveta sem sequer ser aprovada, criticada ou emendada, e nada foi colocado no lugar. Para alguns parlamentares, o atual modelo serve. Por isso, a ideia é votar uma minirreforma eleitoral que não sana as deficiências históricas da política brasileira.
Política não deve ser confundida com negócio. O maior problema da política brasileira é apostar no dinheiro em vez de investir em ideias, programas, projetos e trajetórias dos candidatos. Deve-se perguntar então, após 25 anos da Constituição Cidadã: Qual o problema principal da política representativa brasileira- Sem dúvida, o financiamento. O PCdoB sempre defendeu o financiamento público das campanhas eleitorais. Sobre financiamento de campanhas, o estudo do Ibope mostrou que 78% dos entrevistados se manifestaram contrários a doações de recursos de empresas privadas a partidos e a candidatos. Na mesma linha, 80% disseram que deveria haver um limite para o uso de dinheiro público nas campanhas eleitorais. O Instituto também mostrou que 90% querem uma punição mais severa para quem pratica o caixa 2.
O dinheiro que financia as candidaturas numa disputa eleitoral não pode ser privado, devendo-se permitir a doação feita por pessoas físicas dentro de um conjunto de regras definidas legalmente. A sociedade será a principal beneficiada com essa iniciativa, visto que haverá maior transparência nos pleitos. Primeiro, porque proporcionará maior igualdade de condições entre os candidatos, garantindo a escolha de quem está mais preparado. Isso reduz o abuso do poder econômico, situação que prejudica o processo como um todo nos municípios, nos estados e no país.
Quase diariamente a imprensa publica reportagens sobre casos desse tipo, o que reforça o descrédito de muitos em relação à política e diminui a credibilidade das instituições. Mudar a forma de financiar campanhas, portanto, é a saída para reduzir a corrupção no Brasil. Vale lembrar, trata-se de tema presente em muitas das manifestações populares atuais.
É hora de reformar a política
O contexto político atual favorece esse debate. Segundo o estudo do Ibope, os cidadãos demonstraram grande disposição em se envolver e em participar da política. De acordo com o Instituto, 92% dos entrevistados se disseram a favor de que a Reforma Política aconteça por meio de uma proposta de iniciativa popular. Em sintonia com a população, o PCdoB está junto com a presidenta Dilma Rousseff na defesa de um plebiscito. As perguntas devem girar em torno do que é ponto central: o financiamento das campanhas eleitorais. Esse processo deve ser deflagrado pelo Congresso, sendo feito o mais rápido possível. As manifestações de rua merecem respostas efetivas. E, em meio à crise de representação, as pessoas não aceitarão uma solução pronta vinda do Legislativo sem debate prévio.
Não se pode temer a voz das ruas e o diálogo. Atuante nesse movimento, a bancada do PCdoB fará o máximo esforço para avançar em projetos importantes e estruturantes para o país, como a Reforma Política. A posição dos parlamentares do PCdoB é clara na defesa de mudanças que ampliem a representação, a participação, a democracia e a transparência.
O plebiscito não guarda nenhuma contradição com outra proposta também apoiada pelo PCdoB, o projeto Eleições Limpas, encampado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento de Combate à Corrupção. O projeto tem como objetivo uma Reforma Política de iniciativa popular que altere o sistema eleitoral brasileiro e o financiamento das campanhas a partir da aprovação de uma nova lei. Para ser apresentado à Câmara e ao Senado, há a exigência de 1,5 milhão de assinaturas (1% do eleitorado). É possível acessar a íntegra do projeto e assinar eletronicamente pelo site www.eleicoeslimpas.org.br. Uma das principais medidas sugeridas é proibir doações de empresas privadas a candidatos. O financiamento seria por pessoas físicas (até R$ 700) e pelo Fundo Democrático de Campanhas, gerido pelo TSE, formado por recursos do orçamento da União, multas administrativas e penalidades eleitorais.
Sendo assim, se não dá para aprovar todas as medidas necessárias, é preciso enfrentar o mais importante na Reforma Política. O fim do financiamento privado é a peça-chave para superar os desafios que ainda permanecem e melhorar a imagem da política e dos políticos nacionalmente.
Há bastante tempo, a bancada do PCdoB na Câmara faz um grande esforço para construir a Reforma Política. As pessoas vão às ruas questionar o sistema político porque ele possui, sim, falhas estruturais, e elas precisam ser superadas. Vive-se um momento único. Não dá para perder a oportunidade de melhorar o Brasil. O pior cenário é manter tudo como está num sistema político injusto e caro, cada vez mais dominado pelo poder econômico.
* Manuela D-Ávila é jornalista e líder do PCdoB na Câmara dos Deputados, onde exerce seu segundo mandato. Atualmente, integra a Comissão Especial de Reforma Política da Câmara
Bibliografia
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DOWBOR, Ladislau. Os descaminhos do dinheiro: a compra das eleições (parte I. Outubro, 2012), 5p. Disponível em: http://dowbor.org/2012/10/os-descaminhos-do-dinheiro-a-compra-das-eleicoes-parte-i-outubro-2012-5p.html Acesso em: 13 de agosto de 2013.
MANCUSO, Wagner & SPECK, Bruno. Financiamento, capital político e gênero: um estudo de determinantes do desempenho eleitoral nas eleições legislativas brasileiras de 2010. In: Encontro Anual das Anpocs, 36, 2012, Águas de Lindoia. Disponível em: http://www.anpocs.org/portal/index.php-option=com_docman&task=doc_view&gid=7985&Itemid=76 Acesso em 13 de agosto de 2013.
LEGENDAS
O Brasil pode inovar promovendo uma nova fase de desenvolvimento político e de elevação dos níveis de participação popular. Pode, entretanto, sofrer grave retrocesso se a Reforma Política for pautada pelo pensamento conservador e antidemocrático