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Edição 125 > Novas dinâmicas do capital financeiro na agricultura brasileira

Novas dinâmicas do capital financeiro na agricultura brasileira

Marlon Clovis Medeiros*
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Nas ciências humanas e sociais, e mesmo nos movimentos sociais, as discussões sobre as desigualdades na agricultura brasileira focam na questão da concentração fundiária e na contratação de mão de obra, relegando a questão financeira a papel secundário. Com o avanço da financeirização e da interligação entre os setores produtivos, estes dois elementos foram relativizados. Assim, o mais importante indicador de concentração da riqueza é o dos recursos financeiros, e não da terra em si.

Introdução

Nas duas últimas décadas, inúmeras mudanças ocorreram na agricultura brasileira pela ampliação da ação dos grandes grupos internacionais, e pela reorganização dos programas estatais de financiamento. Na década de 1990 houve corte de recursos oficiais e crescimento do financiamento privado do custeio agrícola. Já na década de 2000 ocorreu, por um lado, crescimento dos recursos produtivos, dos programas federais para as cooperativas agrícolas e para a agricultura familiar e, por outro, da financeirização e especulação ligada aos títulos agropecuários e às tradings internacionais, com significativos impactos econômicos.

As referências atuais para discussão do papel do financiamento agropecuário ainda se pautam em contextos de décadas anteriores: da crítica à modernização conservadora e ao crédito subsidiado à retirada dos subsídios e ao papel dos novos mecanismos privados. O novo crescimento dos recursos do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), e do BNDES em particular, torna necessária a discussão do novo papel do capital financeiro na agricultura.

As mudanças no financiamento agropecuário brasileiro

As dificuldades quanto ao crédito rural são centrais para o entendimento das crises da agricultura a partir da década de 1990. No geral, os volumes de financiamentos, especialmente para investimentos, caíram a níveis baixíssimos, ao passo que a inadimplência se expandiu a níveis sem precedentes. A exceção ocorreu com a soja e o milho, que passaram a contar com financiamento de custeio via tradings internacionais e títulos financeiros como a Cédula de Produto Rural (CPR). Mesmo estas culturas passaram por dificuldades, uma vez que o custo dos recursos era elevado e pela restrição cambial às exportações após o plano Real. As maiores dificuldades foram sentidas por pequenos produtores com pouco acesso aos recursos. Com o crescimento dos movimentos sociais como o MST, e do apoio à agricultura familiar, o governo cria o Pronaf, na tentativa de remediar os prejuízos da desastrosa política econômica.

Na década de 2000 o Estado retoma programas de financiamento da produção via SNCR, de recuperação das cooperativas agropecuárias e de investimentos pelo BNDES. Ocorre elevação dos recursos de crédito rural e a agricultura entra em nova trajetória de crescimento não obstante a recorrência de alguns períodos de crise. No governo Lula, o crédito rural cresce significativamente, e passa por mudanças importantes, como a criação do plano Safra da agricultura familiar e a maior participação das cooperativas agropecuárias. O crédito passou a ser tratado pelos formuladores de política não mais apenas como instrumento de financiamento da produção, mas como elemento no combate às desigualdades regionais. Priorizou-se o aumento de repasses para as regiões Norte e Nordeste, bem como para pequenos produtores das regiões Sul e Sudeste. Ao mesmo tempo, permaneceu a vinculação do crédito às principais culturas de grande escala e de interesse nos mercados externos, para viabilizar superávits da balança comercial. Tanto o agronegócio quanto os produtores familiares conseguiram institucionalizar suas demandas nas políticas de financiamento.

Em fins da década de 1990, o BNDES se tornou um dos principais agentes do financiamento agropecuário, especialmente para investimentos em maquinário agrícola de grande porte e para a agroindústria. No ano de 2010, os recursos para a agropecuária representaram 20% do total de desembolsos do BNDES (BNDES, 2011, p. 01). Neste ano, esse banco liberou para a agropecuária e a agroindústria, o montante total de R$ 34,3 bilhões, o que corresponde a 41,8% dos valores do crédito rural. Se considerarmos apenas os valores do BNDES destinados à agropecuária, estes representavam 3,4% do total em 1997 e em 2011 chegaram a 13,1% dos valores do crédito rural total. A agroindústria apresentou participação crescente, na tomada de recursos. O BNDES passou a ter grande influência no direcionamento dos investimentos e na escala dos empreendimentos agropecuários. O setor agropecuário (juntamente com petróleo e gás; energia e logística) foi definido como setor prioritário de atuação do BNDES para o crescimento da economia brasileira (COUTINHO, 2009).

Os mercados financeiros e os investimentos em commodities agropecuárias

As inúmeras crises financeiras da década de 1990 causaram sérios problemas internacionais, abalaram a economia de diversos países e reduziram a -confiança- nas aberturas e nos investimentos puramente financeiros. Neste contexto de incertezas quanto aos ativos financeiros, e de crescimento econômico de países periféricos, especialmente a China, os investimentos migram para commodities tradicionais, como petróleo, minerais metálicos e alimentos. Inicia-se um ciclo ascendente de investimentos nas bolsas de mercadorias e futuros, com rendimentos crescentes. Isto atrai novos investimentos e puxa para cima os preços internacionais. Tanto os alimentos quanto o petróleo chegaram a preços recordes de 2006 a 2008. Houve a formação de uma bolha de ativos, exatamente como aquelas do fim da década de 1990, com a diferença de que agora afetava commodities fundamentais para a produção industrial e para o consumo.

As oscilações de preços passam a ocorrer antes mesmo que as safras sejam plantadas, ou seja, os plantios variam conforme os preços futuros, e não o contrário. O que passa a governar esta dinâmica não é a tradicional lógica da produção agrícola, mas a lógica financeira pura e simples. A expectativa sobre um evento futuro (no caso as safras) se torna o elemento dominante, guiando as apostas dos investidores e corretores. Os títulos financeiros agropecuários vendidos, revendidos e securitizados circulam como qualquer outro título financeiro e se regem pelas mesmas leis econômicas. É esta realidade que os mercados financeiros buscaram encobrir quando eclodiu a alta dos preços agrícolas em 2006-2008. Como a alta dos preços apresentou impacto significativo no consumo de alimentos nos países subdesenvolvidos, aumentaram as pressões contra a especulação agrícola. Os órgãos do mercado financeiro trataram de desviar o foco das discussões negando a relação entre os mercados futuros e a inflação de alimentos.

Com a expansão dos investimentos em futuros agropecuários e das exportações brasileiras, os serviços de intermediação se tornaram centrais, tanto para a obtenção dos recursos, quanto para a formação das expectativas e para a tomada de decisão de produtores e investidores. Como no restante do sistema financeiro, a ação do corretor e analista de investimentos dos grandes grupos tem grande influência na dinâmica dos setores envolvidos, e suas análises lidam com processos ainda não ocorridos.

Assim, ficam claras as ligações entre os vários sub-setores dos agronegócios pela dinâmica financeira, desde os pequenos estabelecimentos de vendas de insumos-compra de cereais, em pequenas cidades do interior, até as tradings alavancadas por fundos de internacionais. As grandes Bolsas, como a de Chicago (CBOT) influenciam a formação de preços no mundo inteiro. No Brasil, por exemplo, tornou-se comum que compradores e vendedores de grãos de todo as regiões sempre consultem o preço do dia e o preço futuro na BM&F antes de efetuarem suas negociações. A BM&F e os investidores, por sua vez, consultam preços internacionais, tomando por base a Bolsa de Chicago. Assim, ocorre uma integração dos preços dos mercados de futuros e, para além destes, de qualquer negociação de compra e venda de produtos agrícolas com preço estabelecido nas Bolsas, mesmo que não tenham relação direta com esta.

A crescente importância dos mercados futuros na circulação e no estabelecimento dos preços agrícolas fez emergir a preocupação com questões de segurança alimentar, as quais alertam para a inevitável discussão sobre formas de regulação estatal. É esta discussão que se tem evitado. Os mercados financeiros tornaram-se os principais agentes das superssafras ou da escassez de alimentos.

A centralidade da questão financeira na agricultura

Nas ciências humanas e sociais, e mesmo nos movimentos sociais, as discussões sobre as desigualdades na agricultura brasileira se concentram na questão da concentração fundiária e na contratação de mão de obra (no interior do estabelecimento agrícola), relegando a questão financeira a papel secundário. Com o avanço da financeirização e da interligação entre os setores produtivos, estes dois elementos foram relativizados. A própria concentração fundiária, atualmente, só pode ser compreendida à luz da aliança do agronegócio com a grande propriedade fundiária, como apontou Delgado (2010). A questão central é o acesso aos recursos financeiros que possibilitam a monopolização da produção de insumos e equipamentos, pelo lado da indústria, e a utilização dos serviços e insumos necessários à produção, pelo lado agrícola. Assim, o mais importante indicador da concentração da riqueza é o dos recursos financeiros, e não da terra em si.

O avanço dos arrendamentos agrícolas pelos grandes produtores empresariais no Mato Grosso, região do agronegócio mais desenvolvida, demonstra isto com clareza. A expansão de grandes grupos vem ocorrendo via grandes financiamentos e arrendamentos. As compras de terras pelos grandes grupos estão praticamente paralisadas. A internacionalização e a concentração do capital nos setores da agroindústria, da produção de insumos agrícolas e da comercialização (via tradings) avançaram significativamente levando esta realidade a um novo patamar. Como argumentou Gonçalves (2005), os fluxos financeiros são o elemento determinante da dinâmica das cadeias globais dos agronegócios, rompendo a autonomia das decisões locais e o isolamento do produtor agrícola.

A inserção da agricultura no mercado de insumos e equipamentos marca um aprofundamento da divisão social do trabalho, pois estes são produzidos por setores especializados da indústria. Isto marca uma possibilidade profunda de mudança social entre os produtores, mesmo que envolva pouco assalariamento no interior dos estabelecimentos considerados -agricultores familiares-. A expansão do assalariamento ocorre nos setores que realizam trabalho agrícola fora do estabelecimento rural. Assim, para além do tamanho do estabelecimento, ou da não-utilização de trabalho assalariado, a inserção nos financiamentos é um passo do aprofundamento da agricultura como ramo da acumulação de capital. A agricultura em si perdeu importância como ramo autossuficiente, e a sua inserção na divisão social do trabalho se tornou central na sua dinâmica.

O capital financeiro e a agricultura familiar

Um dos principais argumentos dos críticos da modernização da agricultura é de que houve grande concentração dos recursos nos grandes produtores e pequeno acesso aos pequenos produtores. Atualmente se reproduz a mesma ideia em termos de agronegócio e agricultura familiar, argumentando-se que o primeiro recebe a maior fatia dos recursos. O problema desta ideia é que entre o próprio segmento chamado agricultura familiar existe considerável desigualdade na distribuição dos recursos financeiros.

Os três estados do Sul recebem, juntos, em torno 60% dos recursos do Pronaf. Isto demonstra a grande concentração regional do crédito e abre a discussão de que a polarização não se dá entre -pequenos- e -grandes- produtores, mas entre produtores de regiões mais dinâmicas, com estrutura institucional e agroindustrial que levou à inserção no sistema, e produtores de regiões não integradas à modernização.

Os estados do Sul do Brasil apresentam maior nível de integração da agropecuária à agroindústria em diversos ramos (suínos, aves, leite, fumo, grãos entre outros). O grande número de pequenas propriedades inseridas neste processo demonstra que não é o tamanho do estabelecimento o elemento qualitativo de análise da agricultura. A densidade de aplicação de capital e tecnologia é que constitui o elemento central.

O grande número de cooperativas agrícolas com pequenos produtores associados e o grande número de contratos de financiamento agropecuário no Sul do Brasil demonstram que os produtores buscam a dinâmica da grande produção pela integração aos mercados de bens e serviços. Neste sentido, pouco importa que no interior dos estabelecimentos se mantenha trabalho familiar. É justamente a integração que permite esta manutenção, pois o aumento da produtividade possibilita aumento da renda com menor número de pessoas e menor. A não-integração do produtor nunca garantiu maior autonomia, mas vulnerabilidade que se transformava em aberta exploração pelos comerciantes locais que monopolizavam a circulação da produção. A produção familiar na última década se beneficiou crescentemente dos programas oficiais de crédito, especialmente do Pronaf, possibilitando investimentos, expansão da capacidade produtiva e da mecanização.

Bibliografia

BNDES. Informe Setorial, nº 20, abril, 2011.

COUTINHO, Luciano. A crise financeira internacional, os impactos sobre a economia brasileira e o papel do BNDES. Brasília: Senado Federal, 2009.

DELGADO, Guilherme da C. -Especialização primária como limite ao desenvolvimento-. In: Desenvolvimento em Debate, vol.1, nº 2, p.111-125, janeiro-abril e maio-agosto 2010.

GONÇALVES, José Sidnei. -Agricultura sob a égide do capital financeiro: passo rumo ao aprofundamento do desenvolvimento dos agronegócios-. In: Informações Econômicas. São Paulo, vol. 35, nº 4, abril de 2005.

______________, RESENDE, José V., MARTIN, Nelson B., VEGRO, Celso L. R. Novos títulos financeiros e novo padrão de financiamento do agronegócio. Instituto de Economia Agrícola, 2005.

LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

______________. Capitalismo e Agricultura nos Estados Unidos da América. São Paulo: Brasil Debates, 1980 (coleção alicerces).

MAMIGONIAN, Armen. Teorias sobre a industrialização brasileira. Florianópolis: UFSC, 2000.

MARX, Karl. O Capital. Livro 1, Vol. I e II. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

RANGEL, Ignácio. Obras Reunidas. Vol. 1 e 2. Rio de Janeiro: Contraponto/BNDES, 2005.

* Marlon Clovis Medeiros é doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), professor dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Francisco Beltrão.

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