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Teoria

Edição 124 > Marx, teorias e crises do capitalismo contemporâneo [parte 1]

Marx, teorias e crises do capitalismo contemporâneo [parte 1]

A. Sérgio Barroso*
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Relembrar 130 anos do desaparecimento do gênio revolucionário Karl Marx é recuperar várias de suas categorias e interpretações que se projetam no tempo adquirindo novas formas pelo movimento mesmo do regime do capital. O que traduz a dialética de seu método e de sua teoria: totalidade e contradição

"Em outras palavras, as perdas dos capitalistas foram pagas com o patrimônio de toda a sociedade, representada pelo governo. Este tipo de comunismo, no qual a reciprocidade é completamente unilateral, parece ser muito atrativo para os capitalistas europeus- (MARX, Karl. -A crise financeira na Europa-. Em: New York Daily Tribune, 22-12-1857) [1].

Este artigo debate a interpretação marxiana - e marxista - das crises capitalistas. Busca: a) contribuir para a compreensão do fenômeno, e parte integrante da estrutura dinâmica do capitalismo e aspectos centrais da teoria de Karl Marx: -As crises não são mais que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito- [2]; b) situar criticamente interpretações anacrônicas do marxismo, algumas na crise global de agora, que ressuscitam a mania escatológica [3]; c) aludir a novos fenômenos que -assaltaram- o capitalismo movido pelas finanças. Porque constitui imenso equívoco borrar as formas que redesenham as crises mimetizadas no desenvolvimento do capitalismo.

Tais questões aqui visam a clarificar um panorama turvo de horizontes para combates mais consequentes. Noutras palavras, as críticas de análises reducionistas das teorias de Marx e Lênin frente aos complexos (e singulares) processos das grandes crises não são problema acadêmico ou exclusivamente teórico: possuem grave acento político, na medida em que aquelas resultam na substituição dum sistema tático de reforço das posições revolucionárias, pelo -estrategismo- - o discurso estratégico errático e esquemático.

Fundamentos inseparáveis: dinamismo e crises

A valorização do valor (da mais-valia) é objetivo central da produção capitalista, o que sistemicamente resulta sempre em superacumulação de capital (também ativos financeiros). Fenômenos que se manifestaram na origem e no desenrolar da crise global que ora presenciamos.

As crises no capitalismo não podem ser separadas da sua dinâmica própria, intrínseca. O capitalismo, em seu móvel de acumular por acumular, jamais se interessará pelas -necessidades sociais- das massas trabalhadoras. Isto diz respeito à sua -missão-, a qual, segundo Marx, é produzir em larguíssima escala, implicando superproduzir capital. Quer dizer, sobreinvestir para fazer crescer a produtividade social do trabalho e suplantar a concorrência, superproduzir para superlucrar, e superacumular capital em excesso e em todas as suas formas, referenciando-se numa dada taxa média de lucro. Ocorre que a superprodução de capital - máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas, e ativos financeiros - é uma -novidade- do século 19, então anunciada por Marx contra as teorias Smith e Ricardo.

Esclareço. Trata-se sim - a atual - de uma crise gestada num padrão de acumulação capitalista francamente voltado para a acumulação financeira, onde a -financeirização- dos mercados de riqueza institucionalizou-se globalmente. Como se disse, o capital é também ativos financeiros que rendem juros e dinheiro. Manipulado por capitalistas, o dinheiro produz mais dinheiro por ser reserva de valor, por agir como capital a juros (capital-dinheiro), por potencialmente atrair mais crédito. O capital procura se valorizar sempre - sinuosamente tal qual uma serpente -, movimentando-se entre o dinheiro, os ativos financeiros, as mercadorias ampliando sua base de valorização. Na operação crédito/capital a juros o capital converte-se em mercadoria e exprime-se -cada vez mais como puro capital-, no capital por ações, e outros títulos financeiros que representam o direito de apropriação da riqueza [4]. É uma dimensão do movimento de suas formas, que o gênio Karl Marx denominou de -as três figuras do ciclo-:

-Sempre mudando de forma e se reproduzindo, parte do capital existe como capital-mercadoria que se converte em dinheiro; outra, como capital-dinheiro que se transforma em capital produtivo; uma terceira, como capital produtivo que se torna capital-mercadoria. A existência contínua dessas três formas decorre de o ciclo do capital global passar por essas três fases- [5].

Assim, segundo R. Guttmann, a crise atual -todavia, é diferente. Não apenas emanou do centro... como também revelou falhas estruturais profundas na arquitetura institucional de contratos, fundos e mercados que compunham o sistema financeiro novo e desregulamentado. Estamos diante de uma crise sistêmica, que é sempre um evento de proporções épicas e efeitos duradouros. Claras são as distinções da preponderância esmagadora da finança, nesta crise- [6].

O que quer dizer também: as crises não são sempre sistêmicas desde priscas eras.

Valorização, superacumulação e crises

Conforme Marx: -a força motriz da produção capitalista é a valorização do capital, ou a seja, a criação de mais-valia, sem nenhuma consideração para com o trabalhador- [7]. Crescimento, recessão, recuperação, expansão e instabilidade - também estagnação - são as categorias principais do capitalismo, e seu vetor de acumulação capturada pela hegemonia da haute finance (Karl Polanyi).

Pelo seu caráter incontornavelmente expansivo [8] - de outra parte não seria possível a -financeirização- -, esse padrão passou a ser imprescindível às determinações da grande finança especulativa e concorrencial. -Brotar- da estagnação (veremos adiante mais sobre isso) é um artifício estagnacionista. Nas grandes fases expansivas, antecedem a dinâmica das crises, geralmente: monopolização + -financeirização- + superacumulação (também de riqueza financeira fictícia) + crises [podendo haver ou não estagnação].

Está em Marx que o desenvolvimento do moderno sistema de crédito decorre da imperiosa necessidade de centralização de massas de capitais, o que coincide com o processo de autonomização do capital a juros, configurando um circuito financeiro que mobiliza, utiliza e centraliza capital monetário e valoriza capital fictício. É assim que: a) a proliferação de títulos financeiros passa -a ter uma circulação e valorização próprias-; b) as variadas formas de ativos -passam a ser disputadas pelas massas centralizadas de capital-, onde o investimento busca todos os espaços de valorização; onde a sistemática -transformação dos lucros em excedentes financeiros- se submetem -a uma lógica particular de valorização- [9].

Importa aqui recordar que o monopólio não apenas reafirma a tendência à superacumulação como introduz novas determinações que terminam por agravar a instabilidade e a incerteza do cálculo capitalista, próprias desse regime de produção, notadamente na época da -globalização financeira-. Na mesma direção, a teorização dos processos mais recentes que catapultam as crises via circuitos da -finança mundializada- (Chesnais) são similares aos mecanismos originários das crises desse regime de produção. O que, mais uma vez, na presente crise global, pode ser constatado cabalmente na decomposição de vários dos maiores bancos de -investimento- - gigantescos bancos e coração do sistema financeiro dos EUA -, verificada após o deflagrar da crise, em agosto de 2007.

Aliás, além de superacumulação-superprodução, devemos insistir em que a lei de tendência de queda da taxa de lucro e a desproporção entre os departamentos são igualmente fenômenos que se expressam da dinâmica da crise. Crises que, conforme Marx, em última instância tem como determinação originária um antagonismo irresoluto: apropriação cada vez mais privada X produção cada vez mais expansivamente social.

"Financeirização" e crise

-Essa mudança é chamada de financeirização. A crescente integração dos mercados financeiros em cada país e a interligação global entre as praças financeiras são necessárias às operações da gigantesca riqueza financeira atual. (...) Aumentaram os episódios das crises financeiras, como os anos 1990 e 2000 demonstraram (SOUZA, R. 2008) [10].

Trazendo à luz, das passagens referidas, chamemos a atenção para questões centrais da dinâmica do regime do capital do nosso tempo: a) a fixação da categoria -financeirização- da riqueza capitalista; b) a ideia de uma interligação sistêmica dos -mercados financeiros nacionais e internacionais- [11]; c) o visível aumento da frequência das crises (detonadas nas esferas) financeiras, notadamente desde os fins dos anos 1980, tipificando assim uma particularidade dessa dinâmica.

Como assinalamos, a predominância avassaladora da valorização financeira no atual padrão contemporâneo de acumulação capitalista mundial - impulsionado pela liberalização e desregulamentação financeiras expandidas - reconfigura as singularidades que se explicitam na marcha da grande crise atual. A dominância sistêmica do capital financeiro e da finança em geral é fato amplamente comprovado. A -finança direta-, por exemplo, preponderou amplamente sobre a antiga função intermediadora do sistema bancário; isto é, os chamados investidores institucionais (e empresas) passaram a operar diretamente com títulos et caterva no mercado de capitais.

Ora, especialmente apontada por Marx no Livro 3 de O Capital, a plenitude do capital financeiro, com o advento do moderno sistema de crédito é recusa de determinações rígidas, estáticas das leis de movimento do capital. Daí que -revoltar-se- contra uma -suposta- financeirização é justificar que andemos em círculos na crise do marxismo. Por suposto, pressupondo a gênese do dinamismo financeiro no caráter endógeno das formas do capital: mercantil, industrial e financeiro.

Não se trata de artificializar discrepâncias intelectuais, muito menos transformá-las em rivalidades. A obra de economia política de Karl Marx não só é complexa - e -inconclusa-, Nota Bene - como necessita de uma visão do conjunto de suas teses essenciais. Num exemplo notável de formulações centrais do estatuto científico do marxismo, escreve o epistemólogo português Armando Castro:

-A totalidade teórica organiza e enuncia um sistema de relações entre representações (cujo centro são as leis), permitindo chegar à explicação de um conjunto de relações com propriedades próprias e diferentes das que se reconhecem nos seus elementos interligados- [12].

O histórico e o lógico. Desconhecimento e negação da teoria de Marx

1. Numa dimensão histórica, consistem em fatos reconhecidos e fartamente analisados a regulamentação do comércio e das finanças internacionais, institucionalizada pelo sistema de Bretton Woods (1944), através das limitações aduaneiras protetivas na periferia e no centro capitalista e também por restrições ao livre movimento de capitais. O que foi sucedido pelo móvel da globalização neoliberal: essencialmente desregulamentação da produção e da circulação de mercadorias em nível internacional e dos mercados financeiros internacionais. Seguiu-se uma forte valorização da riqueza financeira, impulsionada pelos novos instrumentos (-inovações- financeiras) e seus mercados. A propósito, recorde-se aqui: em 2007-2008 completaram-se dez anos da crise iniciada na Ásia, inicialmente na Tailândia, detonada por uma onda de sucessivos ataques especulativos a várias moedas da região, fazendo desabar países (produto e emprego) que particularmente desregulamentaram e liberalizaram a configuração de seus mercados financeiros.

2. Noutra dimensão, do ponto de vista lógico, as ideias de Marx, do final do século 19, sobre o caráter das crises do capitalismo demonstraram não só ser de uma força histórica tremenda. Elas abrigam duas questões cruciais à compreensão da dinâmica sistêmica do capitalismo: a) assinalam a ruptura do ciclo ascensional, por -parada- ou bloqueio dos investimentos, com desdobramento inexorável em -queima de capital-; b) reafirmam o imperativo estrutural de funcionamento no movimento constitutivo e contraditório de expansão-instabilidade-crise.

Dito de outra maneira, não se trata apenas de acusar -problemas relevantes- na esfera financeira. Essa é uma visão que simplesmente -descola- produção de circulação. Para Marx, o próprio desenvolvimento do capital e do sistema de crédito sofre, nas crises, interrupção em:

-inúmeros pontos da cadeia de obrigações de pagamento em prazos determinados, e se agravam com o consequente desmoronamento do sistema de crédito que se desenvolve junto com o capital. Assim redundam em crises violentas, agudas, em depreciações bruscas, brutais, estagnação e perturbação física do processo de reprodução e, por conseguinte, em decréscimo real da produção- (MARX, K. O Capital, Livro 3, vol. 4, p. 292, Civilização Brasileira, s/ data).

Hodiernamente, na medida em que o -capital portador de juros- (MARX) passou a ser o motor das operações financeiras na ascensão do neoliberalismo, assim como foi promotor de uma época crônica de instabilidade e crises financeiras mais frequentes, deve-se acentuar que:

-Sob o aspecto qualitativo, o juro é mais-valia, proporcionada pela nua propriedade do capital, pelo capital em si, embora o proprietário esteja fora do processo de reprodução; é mais-valia que o capital rende, dissociado de seu processo- (MARX, Livro 3, vol. 5, Cap. XXIII, p. 434).

Sim -dissociado-, pois no processo de valorização do capital portador de juros,

-O ciclo D...D- entrelaça-se com a circulação geral de mercadorias, sai dela e nela entra e é parte dela. Entretanto, constitui, para o capitalista individual, movimento próprio autônomo do valor-capital, movimento que se efetua parte na esfera da circulação geral de mercadorias e parte fora dela, mas conservando sempre seu caráter autônomo- (MARX, O Capital, Livro 2, v. 3, p. 57).

Não deixando dúvidas, mais enfaticamente diz ele ainda sobre a especificidade do capital portador de juros e sua relação com a tendência à superacumulação capitalista:

-Assim, o ciclo do capital-dinheiro é a forma mais exclusiva, mais contundente e mais característica de manifestar-se o ciclo do capital industrial. O objetivo e o motivo propulsor deste nele saltam aos olhos: expandir o valor, fazer dinheiro e acumular (comprar, para vender mais caro)- (MARX, Idem, p. 60).

No entanto, recordando a interpretação dialética de Marx (-as três figuras do ciclo-) do movimento do capital-dinheiro, capital-mercadoria e capital produtivo, é imprescindível que assim compreendamos a totalidade desse movimento:

-Mas, cada parte ininterrupta e sucessivamente de uma fase, [pode passar] de uma forma funcional para outra. As formas são, portanto, fluidas e sua simultaneidade decorre de sua sucessão-. -(...) Só na unidade dos três ciclos se realiza a continuidade do processo global (...). O capital global da sociedade possui sempre essa continuidade e seu processo possui sempre a unidade dos três ciclos- (MARX, Idem, p. 107).

3. Na evolução do capitalismo contemporâneo, a manipulação do capital-dinheiro assim aparece formulada: a) F. Chesnais [13], insistindo, diz que o -predomínio financeiro puro- do ressurgimento das formas do -capital-dinheiro concentrado-, a manejar as alavancas de controle do sistema capitalista mundial, -acentuou o processo de financeirização crescente dos grupos industriais-; b) segundo P. Gowan, a estratégia original do grande capital financeiro norte-americano e britânico impunha a inflação baixa para manter a função da moeda -como um padrão fixo de valor de acordo com os interesses do capital-dinheiro-, tendo sido esta a -verdadeira base para a inauguração do neoliberalismo do Atlântico- [14]; c) porém, em sua dinâmica concreta, ou seja, na macroestrutura financeira desse capitalismo do nosso tempo, realizam-se operações monetário-financeiras e patrimoniais de um conjunto de instituições (bancos centrais relevantes, pelos bancos privados, por diversas organizações financeiras, pelas grandes corporações e pelos proprietários de grandes fortunas); operando em várias praças financeiras a valorização e desvalorização das moedas, dos ativos, gerindo os mercados interligados de crédito e de capitais, ampliando -as transações cambiais autonomizadas em relação ao comércio internacional, direcionando a -poupança financeira- e a liquidez internacional- - descreveu Braga [15]; d) padrão sistêmico esse neoliberal que, por sua feita, determinou as últimas décadas -como as mais tumultuosas da história monetária internacional, em termos de número, escopo e gravidade das crises financeiras- - enfatizam Kindlerberger e Aliber [16].

Superacumulação financeira X estagnacionaismo

Vê-se que a globalização financeira adveio da liberalização do movimento de capitais e transposição de fronteiras econômicas, a par de decisões do Estado norte-americano em catapultar a grande finança especulativa. Cada vez mais intensa, a instabilidade do sistema tende a ser permanente, obstando a taxa de investimento, o que pode reduzir o ritmo da acumulação e do crescimento econômico no centro capitalista e em parte da periferia do sistema.

Assim, as crises canalizadas pelas esferas financeiras, fortemente oligopolizadas do ponto de vista do poder financeiro, mantêm a mesma lógica, numa variante induzida pelo caráter fictício da acumulação financeira, da crise de superprodução; refletindo hodiernamente o excesso de valorização do capital em relação à determinada taxa de juros. Exacerbando alguns traços típicos dessas crises como a rapidez da propagação e a recorrência.

O que significa dizer: as crises contemporâneas se tornam mais frequentes, por expansão e aumento da especulação, e do volume na acumulação fictícia; o que, por sua vez, é decorrente da quantidade/velocidade das transações com ativos financeiros, cada vez mais abrangentes, se propagando mais rapidamente pelos mercados nacionais e alcançando facilmente regiões inteiras ou mesmo o mundo.

Observe-se: divulgou-se em 2008 que a relação entre a riqueza (fictícia) nocional financeira (aquela que é alavancada e derivativa e pode chegar a valer de acordo com o que valha no futuro câmbio ou juros) seria de US$ 350 trilhões, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) dos países do planeta alcançaria US$ 56 trilhões [números redondos e aproximados]. E, ainda, de acordo com o Banco de Compensações Internacionais (BIS), a proporção entre o mercado de capitais e o PIB mundial aumentou 369,2% (2004), subiu para 439,6% em 2007, caiu para 352% em 2008, elevando-se a 418,3% em 2009. E a desvalorização da massa total da riqueza financeira, entre 2007-2008, foi calculada em 11,1%.

Vê-se que, na direção oposta dos que ainda insistem na tese da -estagnação- como produtora de -financeirização-, escreve Marx, desvelando já então um aspecto estrutural (e contemporâneo!) que integra as crises financeiras:

-Esse capital fictício reduz-se enormemente nas crises, e em consequência o poder dos respectivos aos proprietários de obter com ele no mercado. A baixa nominal desses valores mobiliários no boletim da Bolsa não tem relação com o capital real que representam, mas tem muito que ver com a solvência do proprietário- [17].

Em categorias mais precisas, (i) Marx alude a dois tipos de capital financeiro: o portador de juros e o fictício; (ii) o capital fictício consistindo em títulos negociáveis no futuro (para ele composto por ações ordinárias das Bolsas, títulos públicos e a própria moeda de crédito (bancária).

Indispensável aqui o registro da narrativa do norte-americano Guttmann [18]:

-Já há um século atrás, Marx (1894) fazia distinção entre dois tipos de capital financeiro, tais sejam capital de empréstimo portador de juros e o que denominou capital fictício. Esse último consistia, segundo Marx, em títulos negociáveis sobre compromissos de fluxo de caixa futuros (securities), cujo valor era derivado unicamente da capitalização da renda antecipada, sem nenhuma contrapartida em capital produtivo. Marx identificava, como fontes-chave de capital fictício, ações ordinárias negociadas na bolsa de valores, títulos públicos e a própria moeda-creditícia. Todos os três se tornaram muito mais importantes hoje do que eram nos tempos de Marx. (...) O mercado de títulos públicos, cuja dramática expansão foi fruto de meio século de aumento nos déficits orçamentários, na maioria dos países industrializados, oferece hoje aos investidores um instrumento altamente líquido e relativamente livre de risco para aplicar o dinheiro excessivo em caixa-.

Mas vejamos doutro ângulo um exemplo recente de que não é a estagnação que produz a financeirização, quando examinamos a experiência da longa estagnação japonesa (1990-2002). 1) Conforme o especialista Ernani Torres Filho, entre 1983 e 1991 - exatamente o período que antecede a grande crise do país -, o crescimento médio da economia japonesa foi de 4,4%, bem maior que o dos EUA (3,0%) ou da Alemanha (3,1%). O período que vai de 1992 a 1995 - exatamente no período que o Japão afundava na estagnação -, esse crescimento foi de 0,7%, o dos EUA 3,2% e o da Alemanha 1,1% [20]. 2) Para se ter ideia do custo fiscal do Japão para enfrentar a estagnação, deflagrada com a desvalorização de riqueza e a deflação, posteriores à especulação da Bolsa de Valores e de imóveis, ele foi estimado em 20% do PIB, contando apenas a partir dos anos 1992 a 1995 [19].

Estamos afirmando então que já em Marx simultaneamente se processam: a) a acumulação de capital à base da apropriação do trabalho excedente; b) a taxa de lucro induzindo a taxa de juros; c) o capital portador de juros gestando capital fictício. Isso conduz a um vetor que se relaciona com a busca incessante de valorização do valor, para a qual a especulação passa a ser intrínseca ao desenvolvimento do moderno sistema de crédito. Especulação, que, de acordo com uma formulação de Marx, é consequência do desenvolvimento do sistema de crédito e lucro a partir dos juros, e:

-Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo de especulação e embuste no tocante à incorporação das sociedades, lançamento e comércio de ações- [20].

Ademais, um processo especulativo (e cíclico) que Marx vincula também, claramente, à deflagração de crises financeiras:

-Essas são crises cujo movimento se centra no capital monetário e, por isso, bancos, Bolsas de Valores e finanças são suas esferas imediatas-. [21].

Superacumulação e Lei da Tendência de Queda da Taxa de Lucro

Na correlação anunciada entre valorização do valor e superacumulação desdobra-se a valorização financeira. À guisa de introdução, passemos então a outra correlação (inversa): entre a superacumulação e a Lei de Tendência de Queda da Taxa de Lucro.

Não -apenas- porque, a) a tendência à queda da taxa de lucro é efetivamente, segundo Marx, uma expressão típica desse modo de produção, na medida em que o processo de acumulação capitalista necessita, obrigatoriamente, continuar a expansão da produtividade social do trabalho. Mas notadamente porque, b) a partir da segunda metade do século 20, a enorme expansão do sistema internacional de crédito potencializa a superacumulação de capital.

Expansão essa que, de acordo com interpretação de P. Nakatani acerca do que denomina -desenvolvimento da esfera financeira-, terminou se manifestando em escala mundial. De uma parte - diz ele -, a expansão do sistema financeiro teria absorvido o excesso de capital monetário da esfera produtiva; de outra parte, -gerou uma remuneração que encobriu, pelo menos parcialmente e contraditoriamente, a tendência à queda na taxa de lucro, gerando os períodos de euforia com as -bolhas financeiras-; enfim, essa esfera passou a comandar o conjunto do sistema- [22].

Importa então aqui relembrar simplificadamente que, para Marx, assim se deve equacionar a Taxa de Lucro: Taxa de Lucro: l= m/(c+v).

Sabemos que m é a Taxa de Mais-Valia, c o capital constante e v o valor da força de trabalho (salários). Como afirmamos, para o capitalista é decisivo o investimento em c (máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas), no sentido de aumentar a produtividade do trabalho (força produtiva social). Na mesma medida em que ele mesmo descarta ou até -aniquila- (BELLUZZO) a força de trabalho. Ou seja, fica evidente que a tendência (de longo prazo) da taxa de lucro é cair.

E por que no -longo prazo-- Porque se deve apreendê-lo em duas dimensões:

1) Nas palavras de Marx, cujo idêntico raciocínio crucial persiste especialmente nos Capítulos XII, XIV e XV do Livro 3, volume 4 (também no Livro 1):

-Assim, ao progredir o modo capitalista de produção, o desenvolvimento da produtividade social do trabalho se configura na tendência à baixa progressiva da taxa de lucro e, além disso, no aumento absoluto da massa de mais-valia ou lucro extraído- (O Capital, Livro 3, vol. 4, p. 255).

* A. Sérgio Barroso é doutorando de Economia Social e do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas / SP (Unicamp) e diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois.

Notas

[1] Ver: -La crisis financiera en Europa-, in: Escritos Económicos Menores, Fondo de Cultura, p. 204, 1987.

[2] Ver: O Capital, Civilização Brasileira, Livro 3, vol. 4, p. 292, s/data.

[3] Os adivinhadores da crise última são os mesmos da -catástrofe iminente- do capitalismo, ou da -decomposição iminente do padrão dólar-. Procuram confundir clichês inúteis com tendências que vinham se plasmando de visível grau de superacumulação geral de capital, expansão, especulação, alavancagem e instabilidade.

[4] A passagem tem por base observações de BRAGA, J. C. S. (2000). Em: BARROSO, A. S. Capitalismo e crise contemporânea - a razão novamente oculta, Dissertação de Mestrado, Unicamp/IE, 2003.

[5] Em: O Capital, Livro 2, vol. 3, Cap. IV, p. 106, Civilização Brasileira, s/data.

[6] Antes, -As finanças foram profundamente transformadas por uma combinação de desregulamentação, globalização e informatização. Este impulso triplo transformou um sistema financeiro estritamente controlado, organizado em âmbito nacional e centrado em bancos comerciais (que recebem depósitos e fazem empréstimos), em um sistema autorregulamentado, de âmbito global e centrado em bancos de investimento (corretagem, negociações e underwriting [lançamento de ações com subscrição pública com intermediário] de valores mobiliários)- (-Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças-, Revista Novos Estudos, CEBRAP, nov. 2008).

[7] Em: MARX, Karl. Capítulo inédito D-O Capital - resultado do processo de produção imediato, Escorpião, 1975, p. 20.

[8] Há sim limite estrutural irreversível na dinâmica estrutural do capitalismo: enquanto investe perenemente em sua base técnica (desenvolvimento das forças produtivas como determinante histórico do desenvolvimento), parar alagá-la, expandir a produção e suplantar a concorrência, Das Kapital tem que reduzir, descartar, até mesmo destruir sua própria base de valorização: o trabalho humano e o tempo social necessário à sua subsistência e o da extração da mais-valia.

[9] Ver todo o Capitulo 2 (-O monopólio do capital-), uma pequena obra-prima de MAZZUCCHELLI, F. A contradição em processo - o capitalismo e suas crises, 2ª ed., espec. p. 84-90, Unicamp/IE, 2004.

[10] SOUZA, Renildo. -Dominação global, neoliberal e financeira-. Que a seguir acresce Souza: -Ademais, as crises cíclicas periódicas são fomentadas pela superprodução e superacumulação, sob o acicate da globalização da concorrência-. In:

Capitalismo contemporâneo e a nova luta pelo socialismo, p. 49 e 52, São Paulo: Anita Garibaldi, 2008.

[11] Luís Fernandes foi pioneiro no Brasil a teorizar sobre uma dimensão crucial das ideias de Marx e Engels, descritos no Manifesto do Partido Comunista: -A força dessa compreensão reside na identificação de um impulso expansionista insaciável por parte do capital, que o empurra incessantemente para a busca de novos mercados em todo o Globo. Em tempos da chamada -globalização-, a atualidade dessa leitura não poderia se mais evidente- (FERNANDES, L. -O Manifesto Comunista e a dialética da globalização-. In: REIS FILHO, D. A. (org.). O Manifesto comunista 150 anos depois. Contraponto, 1998, p. 109 e 114.

[12] Ver: CASTRO, A. -A contribuição de Marx à teoria e à metodologia das ciências sociais-. In: Conhecer o conhecimento, p. 95, Avante! 1989.

[13] Ver: CHESNAIS, F. -Da noção de imperialismo e da análise de Marx do capitalismo: previsões da crise-. In: NÓVOA, J. (org.). O Incontornável Marx, Unesp/Edufba, 2007, p. 64.

[14] Ver: A roleta global. Uma aposta faustiana de Washington para a dominação do mundo, Record, 2003, p. 81.

[15] Ver: BRAGA, J. C. S. Temporalidade da Riqueza: teoria da dinâmica e financeirização do capitalismo. Campinas: Unicamp/IE, 2000.

[16] Em: WOLF, Martin. A reconstrução do sistema financeiro global. Cap. -Crises financeiras na era da globalização-, Elsevier/Campus, 2009, p. 31.

[17] Ver: MARX, K. O Capital. Livro 3, vol. 5, p. 50.

[18] Ver: GUTTMANN, R. -A transformação do capital financeiro-. In: Economia e Sociedade, n. 7, Unicamp/IE, dez.1996.

[19] Ver: E. T. FILHO. -A crise da economia japonesa nos anos 90: impactos da bolha especulativa-. In: Revista de Economia Política, n. 65, jan./mar 1997; sobre dados de Scott, B.; da OCDE, Economic Outlook, vários anos.

[20] Antes, afirmara: -com o juro ascendente cai o preço deles [dos papéis]. O que também provoca essa queda é a escassez geral de crédito, que força os detentores a lançarem-se em massa no mercado para obter dinheiro- (O Capital, Livro 3, volume 5, p. 566-7).

[21] Em: O Capital, vol. I, p. 116, Nota 99 [à terceira edição alemã], Abril Cultural, 1983.

[22] Ver: NAKATANI, P. A crise atual do sistema capitalista mundial, mimeo, s/data. É bibliografia complementar à Escola Nacional do PCdoB, Núcleo de Economia Política & Desenvolvimento.

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