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Edição 124 > Os avanços e os impasses de uma década que apontou para a construção de um novo país

Os avanços e os impasses de uma década que apontou para a construção de um novo país

Roberto Amaral*
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Nosso país e nosso povo vivem, desde a redemocratização iniciada em 1984, o mais longo período de estabilidade democrática, de preeminência do poder civil e silêncio dos quartéis e de avanços sociais, da história republicana, a reafirmar a lição segundo a qual a democracia é o melhor caminho para o desenvolvimento e a promoção dos interesses populares. Mas não se trata de história uniforme, pois, só agora, transitando das conquistas democráticas para as conquistas sociais, conseguimos, no Brasil, construir aquela correlação de forças que ensejou, a partir de 2002, eleição e sustentação de governos populares e de vocação nacionalista

Completamos uma década de governos de centro-esquerda ungidos e referendados pelas urnas (Jango, vice-presidente, só tomou posse em consequência de um contragolpe), o mais longo e tranquilo período de governos progressistas, tanto do ponto de vista institucional quanto social, desde a redemocratização de 1946. Nada que nos lembre os anos 1950, marcados pelo golpe reacionário que levou Vargas ao suicídio. Nada que nos lembre, sequer, o governo desenvolvimentista de JK, juncado por sucessivas tentativas de golpes de Estado e intentonas militares, articuladas antes mesmo de sua posse. Nada que nos lembre as aflições do período Goulart, o primeiro a trazer para a ordem do dia as -reformas de base-, de reivindicação ainda atual, como a reforma agrária. Nada que nos lembre a longa noite de terror implantada pelo golpe protofascista de 1964, o preço pago/cobrado pela ascensão das massas que se sucedeu à Campanha da Legalidade (1961).

Nada, também, que nos lembre o pesadelo Collor, com sua corrupção larvar, mas principalmente com seu empenho deliberado de desarticulação da economia brasileira e de desbaratamento do Estado: um governo antipopular e antinacional que só conhece paralelo nos longos oito anos do governo FHC. Um largo período de governos (faça-se a justa ressalva da administração Itamar, até a ascensão e preeminência de FHC) voltados para os interesses das classes dominantes, ostensivamente antipovo, antidesenvolvimentistas, internacionalmente subordinados aos interesses geopolítico-econômicos dos EUA, e nacionalmente atrelados aos interesses do estamento financeiro.

A nova correlação de forças

Esses 10 anos de governo de centro-esquerda - que tem em nossa história acumulada seu artífice, é preciso sempre lembrá-lo - apontam para a construção de um novo país, moderno, soberano, democrático e necessariamente plural, socialmente mais justo, em um contexto continental regido pelo encontro da retomada democrática e do sistema representativo (e da emergência das massas) com o desenvolvimento econômico-social comandado por governos comprometidos com a soberania popular, liderados por quadros oriundos dos segmentos populares, nomeadamente Lula, Chávez (e agora Maduro, um ex-motorista de ônibus), Evo Morales, Rafael Correa e -Pepe- Mujica. Uma saga que trouxe, para o comando de seus governos, líderes construídos na resistência militar às ditaduras: Bachelet (que ainda este ano voltará à presidência), Dilma e Mujica.

Pela primeira vez, a gente do povo (refiro-me especialmente a Lula, Chávez e Evo Morales) se faz dirigente, dispensada a intermediação com quadros progressistas fornecidos pela pequena burguesia.

Esses governos sepultaram os experimentos neoliberais trazidos para o Continente pela ditadura Pinochet, e o desenvolvimento econômico passou a ser encarado como instrumento de defesa nacional e promoção dos interesses das grandes massas, e não mais dos banqueiros. Em todos os nossos países foram adotadas medidas de distribuição de riqueza, de reafirmação da soberania econômica e a partir dela da soberania política. O processo democrático (ou: a democracia vista como processo), caminha para saltar do plano das boas intenções constitucionais para converter-se em ferramenta das grandes massas para autogovernar-se. Há muito caminho por percorrer, sabemos, mas a largada já foi dada. E o conquistado não foi pouco. Os imperativos da tecno-burocracia do FMI são, hoje, mais que tudo, apenas má memória. Em muitos países, como na Venezuela, no Equador e na Bolívia, foram alcançadas reformas estruturais que atingiram o cerne das elites rentistas.

Aprendemos, finalmente, os brasileiros principalmente, que nossos povos têm um destino comum, ou melhor dito, que nosso destino de grandes países e civilizações felizes está imbricado, pois esses constituem um só projeto, um projeto que, ou será de todos nós, ou não será de ninguém, porque, ou nos desenvolveremos todos, ou permaneceremos na periferia do capitalismo, transitando entre o subdesenvolvimento e a -emergência-.

Neste item merece registro especial a visão de Lula - na contramão, é evidente, da direita impressa. Sua política externa, continuada no fundamental por Dilma, revela uma estratégia integracionista que, a partir de nosso subcontinente, se estende para uma política Sul-Sul. Só essa unidade poderá assegurar a continuidade, não apenas de nossas políticas, mas, até, de nossa integridade territorial. E o Brasil de Lula compreendeu o papel que teremos de desempenhar nessa conjuntura, contribuindo para aplainar os terríveis desníveis de desenvolvimento entre nossos países.

Nossos avanços

A avaliação mais corrente ao período deita suas raízes no plano econômico, considerado, à esquerda e à direita, o que garante a popularidade dos governantes, financiador que é dos avanços sociais - os quais, para poupar espaço, resumiremos no binômio pleno emprego-distribuição de renda: 42,5 milhões de brasileiros entraram no sistema financeiro e conheceram o crédito, tornado acessível graças à intervenção política da presidente.

Passados 10 anos, o Brasil de devedor tornou-se credor do FMI; a inflação anual caiu de 12,5% para algo como 5/6%; as reservas cambiais são superiores a um ano de importações, o desequilíbrio cambial foi atenuado e a dívida pública líquida caiu como fração do PIB. Acabou-se com a lenga-lenga de -Banco Central independente-, uma formulação do neoliberalismo cujo único objetivo é fazer com que tudo permaneça inalterável - atendidos os pleitos da banca -, independentemente das mudanças de governo. Acabou-se a era, no Brasil e no Continente, dos Bancos Centrais independentes do país e dependentes dos banqueiros.

Ainda no governo Dilma, os interesses do setor produtivo se sobrepuseram aos do rentismo. Dessa política resultou a redução da taxa básica de juros. Decisão corajosa e tão necessária que, hoje, sob o cediço pretexto da ameaça inflacionária, é bombardeada continuamente pelos jornalões e seus -economistas mediáticos-. Querem aumentar juros e provocar desemprego para -conter- a inflação. Foi assim que FHC entregou o governo com inflação de 12,5%, juros a 40% e dólar a 4 reais! Na verdade, os jornalões apenas expressam os interesses do capital financeiro, contrariados. Registre-se a coragem da presidente Dilma ao acionar os bancos públicos (felizmente FHC não conseguiu acabar com todos, e sobreviveram os principais), e intervir no mercado financeiro, baixando os juros tanto para o consumidor quanto para os financiamentos, obrigando os bancos privados a seguirem suas pegadas. Foi iniciativa sua, da presidente, e não dos tecno-burocratas, a contenção da sobrevalorização do real sobre o dólar e a redução dos custos da energia. O governo utiliza recursos intervencionistas do Estado (desdenhados pelo neoliberalismo) para regular o mercado, em defesa do desenvolvimento e do emprego.

Outros excepcionais indicadores do amadurecimento de nossa economia remetem ao reconhecimento internacional, que se traduz no fato de sermos, hoje, o quarto destino mundial de investimentos estrangeiros (US$ 65,3 bilhões, segundo a Unctad), e de o Tesouro Nacional emitir (e vender) títulos de 20 anos, pagando uma taxa de juros real inferior a 4%! E tudo isso mantendo a política de aumento real do salário mínimo, desmentindo economistas da FGV e da PUC-Rio, para quem ora é inflacionário, ora é ameaçador do -equilíbrio macro-econômico- tudo o que diga respeito à promoção dos interesses populares: o aumento do salário mínimo, a regulamentação da profissão de domésticos, a queda dos juros, o Bolsa Família, o aumento do crédito, o aumento do consumo e mais isso e mais aquilo.

O grande mérito de nosso governo, entretanto, revela-se na sua raiz, com a opção, formulada por Lula na primeira reunião de seu ministério, quando elegeu a eliminação da pobreza como objetivo fundamental. O Bolsa Família tem como único objetivo amenizar a dor enquanto não se revelam os efeitos das ações estruturais visando ao desenvolvimento econômico, sem o qual não há saúde universal, não há educação pública de qualidade, não há pesquisa, não há tecnologia, não há inovação, não há indústria e não há mais nada. Fechando o círculo, não há desenvolvimento, e se não há desenvolvimento, não há como garantir o fim da pobreza.

Mas o Bolsa Família não é apenas um programa paliativo ou meramente assistencial, conquanto representa uma injeção de capital em mercados carentes, muitos antes conhecendo apenas formas primitivas de troca. E representa, também, o reconhecimento, pelo Estado, de que os mais pobres (que não são -os mais pobres- por opção) fazem jus a uma indenização pelo fato de o país, rico, havê-los condenado à miséria.

O que logramos à esquerda nesses dez anos só é comparável (talvez até superando-o) ao que o país avançou nos governos Vargas e Jango e, pela primeira vez, a direita não teve condições de interromper o processo de ascensão das massas, embora cogitasse dessa aventura em 2005, da qual recuou por medo da voz das ruas. Avançamos, sobretudo, em conquistas econômicas e sociais, que ajudam a explicar a extraordinária popularidade de Lula e de Dilma. Estamos, todavia, ainda a pagar preço absurdamente elevado pela -governabilidade-, o nome elegante da construção da base de apoio parlamentar, preço que impede o avanço político. Pois tudo tem preço.

Os governos Lula e Dilma não são fruto do acaso, nem produto do voluntarismo de partidos de esquerda. Resultam da acumulação das lutas operárias e sociais de todo o século, como as greves paulistas de 1917 e, até, do Tenentismo que, não obstante seus movimentos equivocados, contribuiu para o despertar do país para a necessidade de modernização e, com a ajuda da crise de 1929, abriu caminho para o Levante de 1930, que assinala o primeiro rompimento com as oligarquias agrárias. Somos sucessores dos que tombaram na luta contra o Estado Novo, como somos também herdeiros do sindicalismo liderado por comunistas e trabalhistas no regime de 1946. O primeiro Partido Socialista Brasileiro, um projeto de operários, alfaiates, carpinteiros e intelectuais marxistas, foi fundado, em São Paulo, em 1902 e o Partido Comunista surgiu em 1922 (Niterói, RJ).

O fato novo, a festejar, é que neste século e na abertura do novo milênio foi possível a construção de uma correlação de forças, na sociedade, na política e na economia, que possibilitou a emergência e sustentação de governos de centro-esquerda moderadamente reformadores, o que faltou às iniciativas dos anos 1950 (Vargas) e 1960 (Jango). Desta feita, Lula aproximou-se do centro e de setores conservadores mediante sua Carta aos brasileiros, neutralizando os elementos mais agressivos da direita, especialmente do capital financeiro, sem perder o apoio popular de que já desfrutava. A correlação de forças então gerada, todavia, suficiente para garantir a eleição, não seria suficiente para assegurar as reformas estruturais e a revisão dos crimes da ditadura, no que fomos superados por argentinos, chilenos e uruguaios. Ainda hoje, e só agora, passados quase 30 anos do fim do mandarinato militar, estamos inventariando seus crimes e, como Antígona desesperada, tentando enterrar nossos mortos sem sepultura que a repressão batizou de -desaparecidos-.

Os impasses políticos

Se o que mais festejo são os ganhos políticos, o que mais critico é a timidez política. Pois, se o grande mérito do governo foi a decisão de governar para as grandes massas - decisão de que decorrem os ganhos na economia -, são tímidas as conquistas políticas e ainda mais tímida a disposição do governo de enfrentar o debate político, esperando que por ele falem os movimentos sociais, desarticulados e esvaziados, exatamente pelo exílio da política e a ausência de diálogo. Na verdade, não conseguimos, até aqui, promover as transformações estruturais necessárias, nem institucionalizar nossas conquistas sociais. Nenhum programa nosso, nenhuma política nossa transformou-se, como era de necessidade, em política de Estado. Não obstante a amplíssima base partidária de sustentação parlamentar do governo, não logramos promover a reforma do Estado, não conseguimos democratizar o poder Judiciário e universalizar o acesso à Justiça, que permanece reacionária, corporativa e autoritária, pouco avançamos na reforma agrária, não fizemos a reforma política, donde o controle parlamentar pelas forças conservadoras, nada fizemos com vistas à democratização da comunicação. E não fizemos a reforma tributária, fundamental, não apenas pelo que representa para o equilíbrio federativo, mas pelo que pode representar como instrumento de distribuição de renda. A carga tributária não é alta, é burra e injusta, porque incide sobre a produção e o consumo.

A origem de nossas dificuldades

No presidencialismo, o eleitorado costuma pregar peças na vida política ao eleger o presidente da República sem assegurar-lhe maioria parlamentar. Quando isso ocorre em países como os EUA, de bipartidarismo tacanho, o resultado é o que se vê desde o primeiro mandato de Obama, conflito parlamentar e impasse político. No Brasil, e em muitos outros países de -presidencialismo de coalizão-, uma derivação do pluripartidarismo, a alternativa é a composição partidária, no nosso caso desapartada de aproximações ideológicas ou programáticas. O imperativo categórico é a governabilidade, cuja condicionante é a transação. Lula aprenderia nos momentos mais difíceis de 2005, quando teve seu governo sob a ameaça de um impeachment, quais os riscos decorrentes de uma frágil base de apoio no Congresso. Talvez, acossado pelas circunstâncias, não se tenha dado conta de que tudo tem consequência e preço. O preço foi a limitação dos projetos reformistas.

Nosso governo, acossado pela crise de 2005, optou pela composição a mais ampla possível - elástica tanto do ponto de vista do espectro ideológico quanto do padrão ético - abrigando sob suas asas desde a esquerda (PSB, PT, PCdoB e PDT) a partidos como o PP de Maluf, o PTB de Roberto Jefferson e as armadilhas dos soi-disant evangélicos, enfim, 14 siglas que têm sua grande homenagem no velho e notório PMDB. A contraprestação veio em termos, pois, se a governabilidade foi assegurada (mas não só como efeito dessa composição), a maioria no Congresso, hoje como ontem (com Sarney, Itamar, Collor, FHC...) é instável e rentista, sempre sujeita que é ao -toma lá dá cá-.

De outra parte, essa geleia, informe e contraditória política e ideologicamente - na qual, desgraçadamente os partidos de esquerda não se constituíram ou não puderam se constituir em eixo hegemônico -, privou o governo da ação das massas, que lhe são favoráveis, desmobilizou os sindicatos e não ensejou o surgimento de movimentos sociais e culturais capazes de trazer para a política os novos valores e as novas aspirações. Isolando-se, o governo corre o risco de imolar-se nas teias das transações da pequena política, a rainha do Parlamento de hoje, deixando a política para os -outros-.

A direita impressa não se fez de rogada

O fato objetivo é este: se a confortável e extensa base governamental garantiu, até aqui, com custos adicionais, a governabilidade, por outro lado impediu as reformas.

Tal privação talvez explique a resistência de nossos governos em enfrentar a necessária reforma do Estado, que só nós podemos patrocinar, democratizando-o e descondicionando-o da destinação neoliberal e autoritária para a qual foi moldado nos anos 1990. Intocado, permanecerá o Estado de ontem herdado do thatcherismo e da razzia dos dois Fernandos: antipovo, antinacional, o Estado da banca e dos privilégios, o Estado privatizado pelos interesses do capital, uma estrutura, portanto, que resiste à modernidade, à supremacia dos interesses nacionais e das grandes massas, alienado funcional e ideologicamente.

Ao não politizar seus avanços e conquistas, o governo de centro-esquerda renuncia à formulação de um corpus ideológico que daria significado e permanência às conquistas alcançadas, a melhor maneira de garantir no futuro a sobrevivência dos avanços de hoje. O Estado de direita resiste ao governo das massas; o Estado neoliberal resiste ao desenvolvimentismo. O governo de centro-esquerda renuncia ao diálogo com as massas.

No espaço vazio atua a direita impressa

O povo, que apoia o governo de que é beneficiário, é alvo de uma guerra ideológica sistemática levada a cabo pelos grandes meios de comunicação de massa, ideologizados, partidarizados, reacionários. Trata-se, porém, de guerra sem conflito, pois um só exército vomita fogo. Este é o preço da inércia dos partidos, da inércia do que ainda resta de esquerda, esquecida de que, até para ocupar caixinhas no organograma do governo, é indispensável travar a luta política. Sem ela, ficamos sob a ameaça de ou ver o governo derrotado, ou sermos dele alijados.

É hora, portanto, de perguntar onde estão e o que estão fazendo nossos partidos; se estão à esquerda ou à direita do governo, se lideram o governo propugnando pelo seu avanço, ou se atuam como craca, sem vida própria, finalmente, se atuam como vanguarda ou como freio do movimento social.

* Roberto Amaral é primeiro vice-presidente e coordenador de relações internacionais do Partido Socialista Brasileiro-PSB e editor da revista acadêmica Comunicação&política. Mais informações e textos no site: www.ramaral.org

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