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Brasil

Edição 122 > Economia, Política Social e Desigualdade

Economia, Política Social e Desigualdade

Eduardo Fagnani
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A redução da desigualdade social é muito positiva, fruto, sobretudo, da maior centralidade do crescimento na agenda governamental. Entretanto, mesmo com os programas de desenvolvimento do governo e com a recuperação da economia, o Brasil permanece entre as 15 nações com maior concentração de renda do mundo

Apresentação

O que explica o desenvolvimento social recente- A corrente liberal sobrevaloriza o papel das políticas focalizadas, reduz a importância do crescimento econômico e nega a contribuição da cidadania social consagrada em 1988.

Este texto pontua que, ao contrário dessa visão hegemônica, esse fato foi fruto, sobretudo, da melhor articulação entre objetivos econômicos e sociais. A partir de meados da década passada houve maior centralidade do crescimento na agenda governamental, após um quarto de século de marginalidade.

A análise desdobra-se em cinco partes:

  • A primeira aponta que, desgraçadamente, a conquista da cidadania social coincidiu com o esgotamento do Estado Nacional Desenvolvimentista. Faltaram bases financeiras que dariam sustentação para a cidadania recém-conquistada.
  • A segunda indica que a opção neoliberal a partir de 1990 acarretou profunda antinomia entre objetivos econômicos e sociais.
  • A terceira sublinha a difícil transição entre 2003 e 2005. A manutenção dos parâmetros econômicos adotados anteriormente aprofundou uma trilha favorável ao mundo das finanças. Como no passado, as opções macroeconômicas continuaram a minar as possibilidades do desenvolvimento social.
  • A quarta parte sinaliza que esse quadro foi parcialmente mitigado a partir de meados da década passada. O crescimento voltou a ser contemplado na agenda governamental após quase três décadas de marginalização. A recuperação da economia proporcionou geração de emprego, valorização do salário mínimo, expansão do gasto público, ampliação da renda do trabalho e das transferências monetárias das políticas universais. Essas variáveis foram preponderantes no progresso social recente.
  • Finalmente, a quinta parte procura demonstrar, ao longo do tempo, a íntima relação entre a estratégia macroeconômica e o comportamento da desigualdade.

 

1. Cidadania social e esgotamento do Estado Nacional Desenvolvimentista

A partir de meados dos anos 1970, as forças que lutavam contra a ditadura desenharam um projeto de reformas apoiado em três núcleos: a restauração da democracia; o desenho de um sistema de proteção social inspirado em alguns princípios do Welfare State; e a concepção de uma estratégia macroeconômica direcionada para o crescimento com distribuição de renda (PMDB, 1982). A Constituição de 1988 consagrou os dois primeiros. Todavia, a sociedade foi incapaz de viabilizar o terceiro. Faltou, portanto, avançar na construção das bases financeiras que dariam sustentação para a cidadania social conquistada.

Desgraçadamente, o processo de redemocratização e o ensaio de um Estado de bem-estar social coincidiram com o esgotamento do Estado Nacional Desenvolvimentista. A crise dos anos 1980 combinou desaceleração da taxa de investimento, estagnação, vulnerabilidade externa, crise fiscal e aumento das pressões inflacionárias. Colocado no epicentro da crise, o Estado perdeu o comando da política macroeconômica e da iniciativa do crescimento.

2. Neoliberalismo e antinomia entre objetivos econômicos e sociais

Este cenário foi agravado a partir de 1990 quando se forma no Brasil -o grande consenso favorável às políticas de ajuste e às reformas propugnadas pelo Consenso de Washington- (FIORI, 1993:152). Fomos um dos últimos países a aderir ao projeto neoliberal e essa opção tardia foi passiva e subserviente. Abrimos mão do exercício de política macroeconômica ativa em defesa dos interesses nacionais. A submissão às regras impostas pelas finanças internacionais foi aprofundada.

No período 1990-2002 houve incompatibilidade entre a estratégia macroeconômica e as possibilidades de desenvolvimento social (FAGNANI, 2005). Em primeiro lugar, essa estratégia acarretou aumento da crise social percebida, sobretudo, pela desestruturação do mercado de trabalho e seus efeitos nefastos sobre o emprego e a renda. Desemprego, trabalho precário, redução dos postos formais, queda do emprego industrial, concentração da renda, estancamento da mobilidade social e enfraquecimento do poder dos sindicatos são faces visíveis desse processo.

Em segundo lugar, a estratégia macroeconômica minou as bases financeiras do Estado, debilitando sua capacidade de intervenção. Esse movimento foi consequência das políticas monetária, cambial e fiscal adotadas, que provocaram um ordenamento restritivo das finanças públicas dos três níveis de governo. Esse ordenamento das finanças públicas é restritivo, no sentido de que limita a expansão do gasto social e, ao mesmo tempo, procura ampliar o espaço orçamentário para o pagamento de juros da dívida pública - decorrentes dos apertos monetários. Essa degradação das finanças públicas constituiu-se num dos principais indutores das contramarchas impostas ao embrião do Estado de bem-estar social esboçado pela Constituição de 1988.

Juros exorbitantes travam o crescimento e limitam o desenvolvimento social. A maior pressão do pagamento das despesas financeiras sobre o orçamento estreitava as margens do financiamento dos gastos sociais. Observe-se que entre 1996 e 2003, a participação do gasto social federal na despesa total efetiva do governo declinou dez pontos percentuais (de 60 para 50%), enquanto a participação das despesas financeiras cresceu 16 pontos (de 17 para 33%). Isso explica o aumento da carga tributária entre 1995 e 2002 (de 29% para 36% do PIB) (IPEA, 2005).

Esses, em resumo, foram os parâmetros mais gerais que influenciaram os rumos da política social entre 1990 e 2002. É com esse pano de fundo que poderemos compreender a trajetória de supressão dos direitos trabalhistas; de retrocesso dos direitos da previdência social; de estiolamento das políticas urbanas; e o paradoxo das políticas de saúde, assistência social e educação fundamental, quando os avanços institucionais conquistados nesses setores foram sistematicamente minados pela estratégia macroeconômica. É também desta perspectiva que poderemos perceber que a contrarreforma liberal tentou impor a focalização como política social possível no Brasil.

Em suma, no âmbito da política econômica, os objetivos que visavam ao desenvolvimento social foram submetidos a tratamento de segunda classe. Nesse sentido, vale recordar um trecho de uma aula profética, ministrada pelo professor João Manuel Cardoso de Mello, que foi gravada pelos alunos e transcrita num texto -clandestino- intitulado O significado da -Revolução de 64-. Referindo-se à composição do governo parlamentarista de -união nacional- que se formou após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e à dependência essencial que tem de haver entre o projeto econômico e o projeto político-social para que haja inclusão social e desenvolvimento, o professor viu com clareza o quanto se jogava, naquele momento, do futuro do Brasil:

"Todos os conservadores ficaram na área econômica e, na área social, os mais progressistas. Do ponto de vista dos conservadores, a área social só serve para isso: para os progressistas se -divertirem-". [Os conservadores sabem que] "a área social não consegue sustentar-se sozinha".

 

3- Difícil Transição

A eleição de 2002 trazia a esperança por mudanças. Mas a crise de confiança nos fundamentos da economia e a pressão das forças do mercado reduziram os ímpetos reformistas. Os impulsos privatizantes foram interrompidos, mas a política macroeconômica seguiu, em essência, os parâmetros adotados pelo governo anterior. Essa opção aprofundava a trilha seguida desde 1990, favorável ao mundo das finanças, em detrimento da indústria e do desenvolvimento nacional. É verdade que, apesar da ortodoxia econômica, o comércio internacional favorável trouxe algum crescimento econômico com reflexos positivos sobre o emprego formal.

Reformas liberais exigidas pelo mercado passaram a ser implantadas, com destaque para a tributária e previdenciária. A continuidade da ortodoxia econômica limitava as possibilidades das políticas sociais. Como no passado, continuou a haver antinomia entre a estratégia econômica e o desenvolvimento social. As tensões entre os paradigmas do Estado Mínimo e do Estado de bem-estar, presentes desde 1990, mantiveram-se acirradas, sobretudo pelo acolhimento da agenda liberal pelo Ministério da Fazenda (2003 e 2004). Os rumos da política social permaneceram indefinidos. O núcleo da estratégia social de Lula era o Programa Fome Zero, mas, ainda em 2003, o Programa Bolsa Família passou a ser a principal política social - o que reforçava a opção da focalização como -estratégia única-.

4- Maior articulação entre objetivos econômicos e sociais

Esse quadro de antinomia foi parcialmente mitigado a partir de meados da década passada. Passou a haver maior convergência entre objetivos econômicos e sociais. O crescimento voltou a ser contemplado na agenda governamental após quase três décadas de marginalização. É verdade que esse movimento havia sido iniciado no começo da década passada pelo comércio internacional favorável, puxado pela China. Também é verdade que a partir de 2006 a política econômica permaneceu assentada em câmbio valorizado, juros altos, metas de inflação, superávit primário e autonomia do Banco Central. Todavia, o governo optou por políticas fiscais e monetárias menos restritivas, sobretudo após a crise financeira internacional de 2008.

A postura em favor do crescimento havia sido reforçada antes da crise internacional. Em 2007 foi lançado o Programa de Aceleração do Crescimento que assegura ao Estado algum papel de coordenação dos investimentos públicos e privados na expansão da infraestrutura econômica e social.

A ênfase no crescimento foi reforçada pela eclosão da crise internacional. Medidas anticíclicas foram adotadas, a taxa de juros básicos caiu, a meta de superávit primário foi aflouxada e os bancos públicos adotaram uma estratégia agressiva de ampliação do crédito. A taxa de crescimento da economia e a renda per capita elevaram-se no período recente.

A melhoria do mercado de trabalho e a recuperação do valor real do salário mínimo foram fatores determinantes para a elevação do consumo das massas e a redução das desigualdades sociais. Papel semelhante tiveram as transferências monetárias da Seguridade Social (previdência urbana e rural, assistência social e seguro desemprego) que somam mais de 34 milhões de benefícios, 90% dos quais equivalentes ao piso do salário mínimo.

O crescimento econômico puxado pelo mercado interno e pelo consumo das massas impulsionou as receitas fiscais, melhorando as contas públicas e reduzindo as restrições para o gasto social. Com a crise financeira de 2008 os gastos sociais do governo federal assumem um -inédito comportamento anticíclico- (IPEA 2011).

5- Economia e desigualdade social

No período recente os indicadores de distribuição da renda, desigualdade social, renda per capita, pobreza, mobilidade social e consumo das famílias apresentaram melhoria relativa. Estudos recentes revelam que o Brasil atingiu em 2011 seu menor nível de desigualdade de renda medido pelo índice de Gini desde 1960 (IPEA, 2012).

A renda domiciliar per capita, após ficar estagnada por dez anos, elevou-se a partir de meados da década anterior. A desigualdade social caiu entre os assalariados: os estratos mais pobres experimentaram ganhos relativamente maiores que os estratos mais ricos.

Entre 2003 e 2009 cerca de 30 milhões de pessoas ultrapassaram a questionável linha de pobreza definida pelos organismos internacionais (US$ 2 por dia). Como proporção da população total, esse contingente caiu de 35,8% para 21,4%. Análises recentes revelam a continuidade desse processo. Em 2010 e 2011 a pobreza teve queda de, respectivamente, 16,3% e 7%.

O que explica a melhoria relativa do bem-estar no período recente-

A corrente liberal sobrevaloriza o papel do programa Bolsa Família nesse processo. Difunde a falsa visão de que a proteção social brasileira se restringe a essa ação de governo e que os avanços recentes são frutos exclusivos dela. Reduz a importância do crescimento econômico e nega a contribuição das conquistas da cidadania obtidas em 1988, baseadas nos princípios da universalidade e da seguridade social. Essa interpretação é hegemônica no Brasil e tem sido amplamente difundida por setores da sociedade, do governo e pelos principais organismos de fomento internacional.

Ao longo do texto, procurou-se demonstrar que, ao contrário, o progresso social recente foi fruto, sobretudo, da maior centralidade do crescimento na agenda governamental, após um quarto de século de marginalidade.

A recuperação da economia proporcionou geração de emprego, valorização do salário mínimo, expansão do gasto público, ampliação da renda do trabalho e das transferências monetárias das políticas universais.

Em relação ao passado, houve maior convergência entre objetivos econômicos e sociais. Isso contribuiu para que fosse parcialmente mitigada a profunda antinomia entre as estratégias macroeconômica e de desenvolvimento social observada entre 1990 e 2005. Essa interpretação não deixa de reconhecer os méritos do programa Bolsa Família na mitigação da fome e da miséria dos que estão totalmente à margem.

Os reflexos da articulação entre objetivos econômicos e sociais ficam evidentes em estudo que identifica três momentos singulares no comportamento da desigualdade social entre 1995 e 2009 (IPEA, 2010). No primeiro (1995-2001), a renda geral caiu 16% e não houve mudanças significativas na desigualdade. No segundo (2001-2004), a renda total teve acréscimo reduzido (3,6%), mas foi distribuído de forma diferenciada entre os diversos estratos: o mais rico perdeu renda; os estratos intermediários obtiveram ganhos modestos; e o estrato mais pobre auferiu ganhos de 64%. No terceiro período (2005-2009), a renda geral aumentou 20% e todos os estratos experimentaram fortes ganhos de renda. O estrato mais pobre teve incremento relativamente maior (31%) que o estrato mais rico (13%).

O estudo conclui que as rendas do trabalho tiveram maior influência na redução da desigualdade, especialmente em função da valorização real do salário mínimo. Os benefícios previdenciários indexados ao salário mínimo (cerca de 80% do total) também contribuíram de forma significativa. As transferências focalizadas contribuíram de modo secundário; seus impactos foram maiores no período anterior quando teve início o Programa Bolsa Família.

A centralidade da maior articulação entre objetivos econômicos e sociais no período recente e seus impactos na redução da desigualdade também ficam evidentes em estudo realizado por Pochmann (2011) acerca do comportamento da renda funcional nos últimos 15 anos. Como demonstra o gráfico abaixo, entre 1995 e 2004 a renda do trabalho perdeu 9% do seu peso relativo na renda nacional, enquanto a renda da propriedade cresceu 12,3%. Com a maior articulação entre objetivos econômicos e sociais, entre 2005 e 2010 observou-se a inversão de trajetórias. O peso dos salários subiu 10,3% e o da renda da propriedade caiu 12,8%. Com isso, -a repartição da renda nacional entre rendas do trabalho e da propriedade, em 2010, voltou a ser praticamente a observada em 1995, início da estabilização monetária-.

Essa inflexão ocorreu, sobretudo, em função da redução do desemprego e da elevação da massa de salários - apesar da manutenção do ambiente favorável para a ampliação da renda da propriedade decorrente das elevadas taxas de juros praticadas no período.

Notas Finais: a disputa entre dois projetos

Como preservar e ampliar as conquistas recentes-

Cada um dos projetos em disputa aponta para agendas e opções com implicações políticas diametralmente opostas.

O projeto liberal conduz, inevitavelmente, para o aprofundamento da focalização nos pobres eleitos pelo establishment internacional: aqueles que recebem até US$ 2 por dia (R$ 120,00 por mês). Crescimento, emprego, salário mínimo e políticas universais são prescindíveis, pois são considerados -ineficazes- para combater a pobreza.

O projeto desenvolvimentista aponta para a construção de novo padrão de desenvolvimento. A redução da desigualdade social é fato positivo, mas insuficiente. O Brasil permanece entre as 15 nações com maior concentração de renda do mundo. Ainda vivemos graves níveis de concentração de renda e de riqueza que implicam miséria, pobreza, baixos salários e acesso precário aos bens e serviços sociais básicos. São traços marcantes do subdesenvolvimento que precisam ser superados se queremos um país justo e civilizado.

* Eduardo Fagnani é professor do Instituto de Economia da Unicamp (IE/UNICAMP), pesquisador do CESIT/IE/UNICAMP e coordenador do núcleo Plataforma Política Social (www.politicasocial.net.br)

Referências

 

FAGNANI, E. Política social no Brasil (1964-2002): entre a cidadania e a caridade. Campinas: IE-UNICAMP, 2005, Tese de Doutorado (PARTE IV - Capítulo 2).

FIORI, J. L. Ajuste, transicion y governabilidad: el enigma brasilero, mar. Washington: BID, mímeo, 1993.

IPEA. Políticas sociais - acompanhamento e análise. Brasília: IPEA, n. 10, fevereiro de 2005 (www.ipea.gov.br).

IPEA. PNAD 2009 - Primeiras Análises: Distribuição de Renda entre 1995 e 2009. Brasília: IPEA, Comunicado n. 63, 2010.

IPEA. Gastos com a Política Social: alavanca para o crescimento com distribuição de renda. Brasília: IPEA, Comunicado n. 75, 2011.

IPEA. A Década Inclusiva (2001-2011): Desigualdade, Pobreza e Políticas de Renda. Brasília: IPEA, Comunicados do IPEA, n. 155, 2012.

MINISTÉRIO DA FAZENDA. Política econômica e reformas estruturais. Brasília, 2003. www.fazenda.gov.br

MINISTÉRIO DA FAZENDA. O Gasto social do governo central: 2002 e 2003. Brasília, novembro de 2004. www.fazenda.gov.br

PMDB. -Esperança e mudança: uma proposta de governo para o Brasil-. Revista do PMDB, ano II, n. 4. Rio de Janeiro: Fundação Pedroso Horta, 1982.

POCHMANN, M. -Heranças-. Valor, 11-08-2011.

 

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