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Edição 114 > O controle social e a participação popular no Sistema Único de Saúde

O controle social e a participação popular no Sistema Único de Saúde

Márcio Florentino Pereira
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Neste artigo, o autor discute a experiência de controle social na construção da política pública de saúde no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), como uma ação estratégica para consolidar o direito universal à saúde e uma possibilidade rumo ao novo projeto nacional de desenvolvimento social e cidadão, com participação popular

Vivemos num contexto mundial, onde as economias de países que estão no centro do neoliberalismo passam por dificuldades, o que tem recolocado o debate político - como um debate central - para repensar o desenvolvimento e novas formas de regulação e controle social. Uma conjuntura de disputa entre projetos democráticos e participativos com projetos conservadores e de mercado. É neste cenário que o debate sobre um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento é apresentado como alternativa de desenvolvimento e para a transformação social no Brasil.

Um momento importante para a retomada da discussão sobre o papel do Estado e da sociedade na perspectiva de uma cidadania ativa, autônoma e cidadã. Segundo Énrique Dussel, filósofo marxista, latino-americano e um dos gurus de Hugo Chávez da Revolução Bolivariana na Venezuela, na Filosofia da Libertação (2005): -devemos começar a criar uma nova perspectiva política e teórica coerente com a profunda transformação que nossos povos estão vivendo e que se expressam em projetos de reformas econômicas, sociais e políticas no cenário de redemocratização do Estado na América Latina-.

Surgem novas dimensões do poder, em construção, realizadas por meio das importantes experiências no campo democrático, que envolvem a realização de direitos, com estímulo à criação de modelos de participação popular. Uma ideia de desenvolvimento centrada na realização da vida, como um processo de libertação. Uma concepção positiva e emancipatória do desenvolvimento com base no pensamento de liberdade, como uma dimensão central da vida e da humanidade. Um pensamento ético/político de desenvolvimento que se traduz no fundamental na vontade de viver e na ação de realizá-la coletivamente, como uma política da vida e para a vida. O desenvolvimento como a realização integral das necessidades na constituição do espaço da vida em comunidade e na sua dimensão coletiva e democrática.

O SUS e o controle social em saúde

No Brasil, nos anos 1980, a luta por direitos políticos e sociais - dentre os quais o direito à saúde - mobilizou um conjunto de representação social, cultural e popular para a construção de um projeto político de desenvolvimento democrático, participativo e cidadão, com fortes ligações com o movimento mais geral de redemocratização do Estado.

O movimento da Reforma Sanitária propôs a superação de uma concepção elitista e liberal por parte do Estado, que levou a uma lógica desigual e excludente de saúde, com privilégio dos interesses capitalistas em detrimento das expectativas de boa parte da população. O SUS surgiu, portanto, como uma dimensão central da luta pelos direitos e na constituição de um processo de redemocratização no país. Partiu de uma compreensão ampliada da saúde, entendida como fenômeno político e que não se reduz a uma racionalidade consumista e individualista do homem.

Este movimento crítico, com fortes raízes marxistas, tem permitido repensar a saúde como uma questão social e democrática, determinada nas relações sociais e de poder entre Estado e sociedade. Tais análises partem da premissa de que as posições de classe explicariam melhor o processo saúde-doença de qualquer fato biológico, particularmente nos países periféricos, onde a modernização capitalista traduziu-se na internacionalização, industrialização e urbanização aceleradas, com uma forte desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres (BREILH, 1986).

O Controle Social em Saúde surgiu, portanto, como expressão no processo de constituição do SUS, de novas institucionalidades, como no caso dos Conselhos e Conferências de Saúde, que colocaram em ação de elaboração, planejamento, avaliação e fiscalização da política pública, atores e saberes que foram surgindo da luta pelo direito à saúde e da nova fase do desenvolvimento, com perspectivas de justiça social, cidadania e dos direitos humanos.

A consagração da saúde como um direito de todos e dever do Estado e a instituição do controle social do SUS, garantidos na Constituição Federal, inauguraram uma nova fase no que se refere às relações entre a sociedade civil e a sociedade política. A proposta do SUS refletiu um projeto consoante com a construção da cidadania, tanto por representar uma conquista social quanto por incluir em seus princípios a descentralização das ações e serviços de saúde e a participação da comunidade aproximando a população do processo de elaboração e tomada de decisão sobre as políticas de saúde adequadas às demandas da realidade local.

Um impulso importante para a criação e normatização das instâncias de controle social nos municípios, durante o processo de descentralização do SUS, na década de 1990, foi à decisão do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Saúde em garantir a transferência dos recursos financeiros a estados e municípios mediante a existência formal e legal dos Conselhos de Saúde. Acrescido posteriormente de outras exigências, como a obrigação dos Conselhos Municipais de Saúde em examinar e aprovar o Plano de Saúde, o orçamento e relatórios de gestão.

Desse modo, percebe-se que o contexto de democratização do país e as transformações políticas da década de 1980 contribuíram para ampliar a participação popular e o controle social nos processos decisórios das políticas públicas brasileiras. Paradoxalmente, nesse mesmo período analisado, o contexto político e econômico internacional era marcado por uma grave crise que afetou a economia mundial e teve como resposta um processo marcante de internacionalização dos mercados, dos sistemas produtivos e da tendência à unificação monetária que resultou no enfraquecimento da autonomia dos Estados nacionais.

Na América Latina os efeitos dessa crise reforçaram um modelo que vinha sendo aplicado por organismos internacionais, cujos princípios pregados eram os já estabelecidos no -Consenso de Washington-, os quais enfocavam políticas liberalizantes, privatizantes e de mercado, centradas na redução da intervenção do Estado na oferta de bens e serviços de natureza social. As políticas neoliberais disseminadas seguiam caminho contrário aos princípios universalizantes do SUS e constituíam importantes entraves à consolidação do sistema durante a década de 1990.

Os desafios da participação popular no controle social do SUS

A estrutura formal de controle social conta, atualmente, com mais de 5500 Conselhos de Saúde, entre locais, municipais, estadual e nacional, compondo uma rede de mais 60 mil conselheiros espalhados pelo país, representando os segmentos dos gestores e prestadores de serviços de saúde, trabalhadores da área e de forma paritária o segmento dos usuários, que são representados por uma diversidade de interesses comunitários, sindicais, populares, religiosos e culturais.

Em relação às Conferências de saúde estamos neste momento no curso da 14ª - onde vários desafios do SUS, após 23 anos de institucionalização estão sendo discutidos e analisados pelos segmentos do Estado e da sociedade. O principal desafio que o Brasil adotou como experiência singular e atualmente reconhecida internacionalmente é o de constituir um sistema de saúde, de caráter nacional, universal e único nas suas formas de comando e gestão e contando com a participação popular e democrática na deliberação das prioridades e na fiscalização da utilização dos recursos materiais e financeiros. Esta experiência tem exigido um repensar permanente nas relações de poder tradicionalmente exercidas no Estado brasileiro, com uma forte resistência a mecanismos participativos e ao debate público e transparente.

Outro forte desafio para o controle social tem sido o financiamento do sistema universal e os modelos de assistência ao povo de modo geral, onde predomina ainda um componente fortemente assistencial e hospitalar, desumanizado e de pouca qualidade, com tendências de privatização nesta área. De um lado, a forte presença do modelo privatista de assistência médico-hospitalar - herdado da ditadura militar e reforçado nos anos 1980 e 1990 pelo mercado de seguros e planos de saúde - consome atualmente quase 70% do recurso da assistência pública e compromete os orçamentos familiares, particularmente entre os mais idosos.

Do outro, a pouca experiência democrática de participação dos segmentos populares em políticas públicas tem gerado processos de corrupção, cooptação ou de desmobilização, que reforçam os interesses de setores mais interessados nos lucros auferidos na saúde. A atuação dos Conselhos de Saúde tem apresentado diversas dificuldades, atribuídas, em boa medida, à falta de tradição de participação e de cultura cívica no país. Mas nos últimos tempos, com o avanço na melhoria da qualidade de vida, tornaram-se espaços potenciais para a construção da mobilização popular e da democracia participativa.

As Conferências de Saúde reúnem representantes da sociedade no segmento dos usuários do SUS, representantes do governo, prestadores de serviços e trabalhadores de saúde com o objetivo de avaliar a situação e propor diretrizes para a formulação da política de saúde nos municípios, estados e em âmbito nacional. Cabe lembrar que a 8ª Conferência, realizada em 1986, tornou-se um marco por ter discutido o aprofundamento dos grandes temas que subsidiaram a Assembleia Nacional Constituinte. As últimas Conferências Nacionais de Saúde - da 9ª a 12ª - vêm reafirmando como indispensáveis a implementação e o fortalecimento dos mecanismos de controle social já existente.

Considerando o sistema nacional de controle social constituído formalmente na construção do SUS e as dificuldades institucionais de implementação de um poder participativo e cidadão no Brasil - particularmente nos estados e municípios com fortes tradições de poder oligárquicos - foi um avanço importante a criação no Ministério da Saúde de uma Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa e a aprovação entre gestores nacionais, estaduais e municipais da Política Nacional do ParticipaSUS. A gestão participativa constitui-se em estratégia fundamental para viabilizar o controle social e suas instâncias de poder: o Conselho e a Conferência.

Conclusões

Avançar e ampliar a participação popular no controle social do SUS

O viés democrático dado às ações públicas com a Constituição de 1988 no Brasil tem viabilizado a participação das representações comunitárias, de categorias profissionais, de lideranças institucionais nas decisões que envolvem o bem público. Os conselhos de políticas públicas, como os Conselhos Municipais de Saúde, vão configurar esta nova institucionalização híbrida que envolve a participação de diferentes segmentos - com destaque para os representantes da sociedade civil que farão o controle público das políticas. Mas, apesar do status legal constitucional, o momento atual ainda é de implementação do arcabouço ético, político e operacional previsto na lei.

Formalmente, todos os estados e municípios dispõem de Conselhos de Saúde, mas ainda é frágil a efetividade de sua atuação, requerendo iniciativas concretas das três esferas de gestão do SUS e da sociedade civil. Para que o controle social se efetive plenamente é necessário que os estados e municípios fortaleçam, nos níveis locais e regionais, os mecanismos de gestão participativa propostos na ParticipaSUS.

É importante, no entanto, não reduzir o controle social a formas institucionalizadas de gestão participativa que focalizam, apenas, a execução e fiscalização dos serviços de saúde e suas necessidades imediatas. O controle social e a gestão participativa devem estar ancorados em processos de mobilização, participação popular e de promoção da cidadania plena. O controle social deve construir uma agenda política para o SUS que orienta e articula as formas de gestão participativa e os cidadãos envolvidos na construção do direito a saúde.

A construção do controle social cidadão prevê a partilha do poder e o reconhecimento das necessidades, sendo legitimado na participação democrática de alta intensidade da sociedade e na transmutação do papel do Estado, com uma forte revisão de sua estrutura e funcionamento, não mais em função dos interesses da burocracia ou do mercado, mas com um estatuto de poder apoiado na cidadania ativa e na participação popular.

* Márcio Florentino Pereira é professor-adjunto e chefe do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília,UnB.

BIBLIOGRAFIA

BREILH, J. Epidemiologia Social. Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 1986.

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PEREIRA, M. F. O controle social e a participação democrática nos conselhos municipais de saúde da RIDE-DF. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, outubro de 2010.

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