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Edição 109 > A resposta brasileira aos desafios energéticos
A resposta brasileira aos desafios energéticos
O Brasil “é hoje uma espécie de laboratório de uma mudança global no setor energético”. Por esta vertente ocorre um grande avanço tecnológico da indústria nacional

Uma nova e radical transformação está ocorrendo em frente de nossos olhos e tem o Brasil como protagonista privilegiado em diversos setores e atividades. O país está na vanguarda tecnológica da produção e exploração de petróleo e gás natural em águas profundas e ultraprofundas, como o caso do pré-sal. Mais do que isso, o Brasil é hoje, na verdade, uma espécie de laboratório de uma mudança global no setor energético. Exemplos disso são as usinas de etanol e açúcar que se transformaram em complexos de bioenergia, com produção integrada de etanol, açúcar, eletricidade, créditos de carbono e, em alguns casos, biodiesel. Nossa matriz energética, a mais limpa do mundo, coloca o país numa situação especial: estamos hoje onde o mundo gostaria de estar! Para se ter ideia, 47% da oferta interna de energia no Brasil foram geradas por fontes renováveis, enquanto a média mundial se situa em torno de 13%, a dos países da OCDE em 6,5%.
Isso tudo só ocorreu porque há uma agenda clara em que se integram as políticas econômicas, energéticas, tecnológicas, estabilidade regulatória, além de um norte político claro. Nesse contexto está o fortalecimento da ANP como agência reguladora, investimentos em tecnologia e recursos humanos, aliados a um forte crescimento do país. No aspecto energético, está clara para o mundo a decisão brasileira de ter uma matriz energética diversa, dinâmica, com o fortalecimento do usuário como eixo que norteia esse dinamismo.
Esse papel integrado só ocorre obviamente porque o Brasil está assentado em um paradigma de investimento em conhecimento – que gera a inovação. Não teríamos chegado até aqui se não fosse o conhecimento associado à exploração em águas profundas – que inaugurou o pré-sal no mundo – e o investimento na tecnologia da cana-de-açúcar – que permitiu a este país ser hoje referência internacional no setor de biocombustíveis. De fato, o mundo pode ser dividido entre países que possuem conhecimento e aqueles que não o têm. Exemplos clássicos são Japão e Tigres Asiáticos, EUA e países da Europa Ocidental, enquanto os mais recentes são os componentes do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).
A inovação é que levou àquela frase que se atribui a um ex-ministro do Petróleo da Arábia Saudita, Xeque Yamani: “Tal como a Idade da Pedra não acabou por causa da falta de pedras, a idade do petróleo não acabará por falta de petróleo”. O uso de combustíveis fósseis terminará porque a tecnologia irá evoluir a partir da inovação, que é a capacidade de se re-inventar. De produzir conhecimento. De parir informação. Algo novo, sobre o qual ninguém tinha pensado em um determinado contexto. Junção da oportunidade temporal, política, econômica ou ambiental. E na área de energia o Brasil, podemos dizer sem modéstia, é realmente líder em inovação, seja em matéria de formulação de políticas setoriais seja na área da produção de energia.
Em 55 anos de existência da Petrobras, o Brasil se tornou líder na exploração e produção de petróleo offshore, com destaque para as atividades em águas profundas e ultraprofundas. Isso tudo aconteceu por conta de planejamento, investimento em recursos humanos e inovação. De um lado, houve o desenvolvimento global na área de sísmica, que consiste em “mapear” a estrutura geológica. Mas cabe evidenciar o papel do Programa de capacitação tecnológica em sistemas de exploração para águas profundas da companhia, o chamado PROCAP. A partir dele foram desenvolvidas bombas centrífugas para águas profundas; métodos para depósitos de parafina e hidratos em linhas de escoamento e equipamentos submarinos; tecnologia para amarração e ancoragem, entre vários outros avanços.
Há, no entanto, desafios tecnológicos. O engenheiro José Formigli cita onde a Petrobras terá de evoluir: definição dos reservato´rios, engenharia de poc¸os, garantia de escoamento, logi´stica de ga´s associado, unidades de produção flutuantes, engenharia submarina. Com isso, igualmente, haverá provavelmente avanços em nanotecnologia, engenharia de controle ou mesmo em neurociência para as plataformas desabitadas.
Caso as atuais estimativas de reservas do pré-sal sejam confirmadas, o Brasil poderá passar da 16ª para a 8ª posição no ranking mundial de reservas provadas de petróleo. As estimativas mais otimistas são da ordem de 50 bilhões de barris de óleo equivalente (petróleo e gás natural), situados numa área de 149.000 quilômetros quadrados. Em tal contexto, aliado ao baixo risco exploratório da região, a discussão de um novo marco regulatório para as áreas do pré-sal tem por objetivo assegurar o caráter estratégico das decisões e garantir um maior controle do Estado sobre as riquezas minerais do subsolo. Com a mudança para o regime de Contratos de Partilha, poderemos controlar a velocidade da produção dos hidrocarbonetos, além de fazer com que as receitas auferidas pela União sejam partilhadas de forma mais igualitária por toda a sociedade brasileira.
No segmento de refino, destaca-se o desenvolvimento de tecnologias adequadas ao processamento do petróleo nacional, pesado e ácido, e de menor valor comercial que, entretanto, se refinado no Brasil em instalações de maior complexidade, proporciona bons rendimentos em derivados de maior valor agregado. Nesse sentido, os investimentos se concentraram na instalação de unidades de “fundo de barril” nas nossas refinarias, que proporcionam uma capacidade maior de conversão ao parque industrial brasileiro.
O processo H-BIO, que utiliza óleos vegetais como matéria-prima na produção de óleo diesel diretamente nas refinarias de petróleo, é outra novidade desenvolvida no Brasil, tendo como resultado um óleo diesel parcialmente renovável e com menor teor de enxofre, na medida em que o óleo vegetal é isento de tal elemento químico.
Também tivemos a entrada no mercado do óleo diesel com baixos teores de enxofre (50 e 10 partes por milhão), necessário ao atendimento das Resoluções do CONAMA, que preveem a obrigatoriedade da comercialização de tais produtos segundo cronogramas pré-definidos, assim como às especificações de qualidade da ANP.
Na indústria de biocombustíveis, o Brasil é um país com destaque no cenário internacional, devido a seus dois programas de governo, o Pró-álcool e o Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB). Os programas foram e são essenciais para a ampliação da oferta de energia a custos acessíveis, sem onerar nossa balança comercial. Além disso, por sua extensão territorial e condições propícias de clima e solo, nosso país possui vocação natural para a produção e a utilização de fontes renováveis de energia.
Dois resultados positivos do desenvolvimento da indústria de biocombustíveis no Brasil devem ser ressaltados: 1) expressiva redução da dependência externa por petróleo, cujos preços residem atualmente na faixa de U$ 75,00/barril. A economia de divisas para o país, desde o início do Pró-álcool foi de mais U$ 60 bilhões, isso sem falar na entrada de recursos oriundos das exportações de etanol; e 2) diminuição significativa das emissões de gases de efeito estufa, na medida em que o carbono emitido durante a queima do etanol é consumido quando do crescimento dos vegetais que o originam, durante o qual o CO2 é necessário para a fotossíntese. Os biocombustíveis também têm a vantagem de poder ser produzidos em diversas regiões do país, o que facilita o atendimento às demandas locais e a redução de custos com transporte e distribuição, importante diferencial em se tratando do abastecimento de um país de dimensões continentais como o Brasil.
Como já amplamente conhecido, os benefícios ambientais decorrentes da substituição da gasolina pelo etanol fazem dele um combustível de extrema importância para a rápida resposta que o mundo deve dar à questão das mudanças climáticas. Estima-se que desde 1970 até 2007 tenham sido evitadas emissões da ordem de 800 milhões de toneladas de CO2 equivalentes devido à utilização do etanol combustível (MME, 2008). Apenas em 2009, de acordo com estimativas da EPE, foi evitada a emissão de 48 milhões de toneladas de CO2 equivalentes.
Mais ainda: para termos uma ideia do tamanho de nossa inovação no setor, basta nos compararmos ao programa americano de etanol a partir do milho. Pode-se afirmar que o balanço de energia para converter milho em etanol é negativo. Isto é, para cada 1 kcal de energia fornecida pelo etanol, 29% mais energia fóssil são usadas para produzir o etanol (1,29 : 1). Enquanto o balanço de energia para converter cana-de-açúcar em etanol é positivo (1 : 3,24). Além disso, três vezes mais etanol é produzido por unidade de área com cana-de-açúcar do que com milho.
Atualmente estão em fase de pesquisa nas universidades brasileiras tecnologias para a produção do chamado etanol de segunda geração, obtido a partir da hidrólise da lignocelulose do bagaço de cana-de-açúcar ou de qualquer outro resíduo agroindustrial que seja fonte de celulose, como, por exemplo, a torta de mamona, resíduo da produção do biodiesel de mamona. A Embrapa estima que o aproveitamento do bagaço excedente e parte das palhas e das pontas da cana-de-açúcar elevem a produção de etanol em 30% a 40% da atual, sem que haja necessidade de aumentar a área plantada. O balanço energético do etanol celulósico mostra que 10 unidades de energia são produzidas por unidade de combustível fóssil utilizada para sua produção, sem falar na redução extra de emissões de gases de efeito estufa obtida com a segunda geração.
Há também, já em avançada experimentação, os casos de gasolina ou diesel produzidos a partir de cana-de-açúcar. O processo de produção de hidrocarbonetos é baseado na conversão dos açúcares presentes na biomassa, produzindo a chamada “gasolina verde”, que estará disponível no mercado em até sete anos. O processo, inicialmente desenvolvido nos EUA, consiste em submeter uma pasta aquosa de açúcares e carboidratos vegetais a catalisadores, que aceleram a reação. Com isso, as moléculas são separadas em componentes que se recombinam para formar as mesmas substâncias que compõem o óleo diesel e a gasolina obtidos através do processamento do petróleo cru nas refinarias. No Brasil, a Amrys, empresa instalada em Campinas, está também desenvolvendo pesquisas com esse objetivo.
O uso de enzimas, por um lado, permite um processo mais seletivo, dirigido a um tipo específico de moléculas, caso da produção tradicional de etanol. Os catalisadores, por outro, podem operar em altas temperaturas, o que normalmente destruiria as enzimas. As altas temperaturas permitem que as reações sejam milhares de vezes mais velozes. Além disso, a produção de hidrocarbonetos a partir de matérias-primas vegetais acaba sendo mais eficiente que a de etanol, porque este último precisa ser separado por destilação, processo que requer grandes quantidades de energia, enquanto o óleo diesel e a gasolina se separam automaticamente da água. A intenção não é substituir o etanol por hidrocarbonetos verdes, mas sim complementar a produção e a utilização de combustíveis renováveis.
O álcool ofereceu significativos benefícios econômicos e ambientais à sociedade brasileira. Estima-se que mais de 1,2 milhão de pessoas estejam formalmente empregadas na cultura da cana-de-açúcar e na produção de etanol. O setor sucroalcooleiro gera, anualmente, uma renda de mais de U$ 28 bilhões, incluídos neste total tributos de mais de 7 bilhões (UNICA, 2010). Em 2009, a produção nacional de etanol foi equivalente a 26 bilhões de litros e o Brasil foi o segundo produtor mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. As vendas do produto superaram as de gasolina durante todo o ano, em virtude do crescimento da frota de veículos flex fuel, assegurando ao consumidor a oportunidade de escolha para abastecer seu carro.
O setor sucroalcooleiro do Brasil é um dos mais competitivos do mundo, apresentando os maiores níveis de produtividade e de rendimento industrial, além de menores custos de produção, situados em torno de U$ 0,20/litro. Com o petróleo acima de U$ 30,00 o barril, a competitividade do álcool brasileiro como substituto da gasolina é uma realidade. Além disso, cabe lembrar que toda a gasolina comercializada no Brasil contém, obrigatoriamente, 25% de álcool anidro.
Em tese, o cultivo da cana-de-açúcar é possível em quase todo o território brasileiro, na dependência apenas de variáveis adequadas e adaptações nas práticas agrícolas, para as quais existem tecnologias disponíveis. Isso tudo de uma forma sustentável. De fato, para atender à demanda de etanol em 2017 será necessário o uso de apenas 2,56% da área agrícola do Brasil. A Lei de Zoneamento Ecológico, hoje no Congresso Nacional, mantém intactos a Amazônia, o Pantanal Matogrossense e outras importantes regiões nacionais para a preservação ambiental. Há inclusive limites para a agricultura que privilegia a mecanização, evitando a devastação.
Outra interessante inovação brasileira: os veículos flex fuel ou bicombustíveis. No fundo, esse é um dos primeiros carros ditos “híbridos” a circular de forma comercial no planeta. Em 1979 foram produzidas as primeiras unidades de veículos leves movidos a etanol no Brasil e a tecnologia flex fuel começou a ser desenvolvida em 1994. Em 2003, os veículos bicombustíveis foram introduzidos no Brasil, capazes de rodar com etanol, gasolina e misturas dos dois combustíveis em quaisquer proporções. Desde então, as vendas de veículos de passageiros flex fuel têm sido crescentes. Em 2009, 92% dos veículos vendidos em nosso país estavam equipados com motores bicombustível. Hoje, dentre os veículos leves, estima-se que cerca de 50% sejam flex fuel. A EPE, em seu Plano Decenal de Energia, estima que em 2019 eles representem quase 80% da frota nacional.
A introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, por sua vez, foi estabelecida pela Lei Federal n. 11.097 de janeiro de 2005, que determinou a criação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e a adição voluntária de 2% de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor final até 2007; em 2010 a adição de 5% já se tornou obrigatória.
Um dos principais objetivos do programa é produzir o biodiesel a partir de diferentes fontes de oleaginosas e em regiões diversas, além de promover o incentivo às políticas industriais e de inovação tecnológica. Atualmente, há 67 usinas produzindo biodiesel, tendo como principais matérias-primas a soja e as gorduras de origem animal (cerca de 70% e 20%, respectivamente). A Embrapa, entretanto, tem desenvolvido pesquisas visando ao aproveitamento comercial de micro algas, dendê e pinhão manso.
Os ganhos ambientais derivados da utilização do biodiesel incluem, além da redução de cerca de 95% das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE), a diminuição da poluição do ar nas grandes cidades, na medida em que o combustível é isento de enxofre, não gerando emissões de óxidos de enxofre. Adicionalmente, o biodiesel, por ser um composto oxigenado, reduz em 78% as emissões líquidas de CO2 e em 48% as de CO. Em contrapartida, ocorre um ligeiro aumento nas emissões de óxidos de nitrogênio do tipo NOx (cerca de 10%).
Desde o início da adição obrigatória do biodiesel ao diesel, o Brasil já economizou divisas da ordem de US$ 2,4 milhões de dólares. Pode-se dizer, no entanto, que este é um setor em evolução.
Mas os projetos nacionais para a introdução e o aproveitamento de novas fontes de energia não param nos biocombustíveis. O presidente Lula anunciou investimento de R$ 500 milhões para estudo da tecnologia do carro híbrido em solo brasileiro. Preferencialmente, esse veículo deverá usar uma mistura de eletricidade, gasolina e etanol. É o que chamo de “duplex”. Já há várias montadoras interessadas no conceito. Trata-se de um conceito em crescimento. Para se ter ideia, hoje o carro híbrido está sendo vendido nos EUA, Japão, Europa e também em países emergentes como China e Índia. Há duas vantagens combinadas nessa tecnologia. Já que esse veículo roda mais por litro de combustível (alguns deles fazem 25 km/l no perímetro urbano, enquanto o equivalente convencional faz em torno de 10 km/l), traz ganhos ambientais pela redução proporcional das emissões de CO2 e pesa menos no bolso.
Outra importante iniciativa do governo é o Projeto do Ônibus Brasileiro a Hidrogênio. Ele é equipado com uma célula combustível movida a hidrogênio e um dos objetivos de sua implementação é a inserção deste último na Matriz Energética Nacional. O ônibus a hidrogênio não faz barulho e não emite poluentes atmosféricos, liberando apenas vapor d’água para a atmosfera. É movido à tração elétrica. A propulsão do veículo ocorre quando o hidrogênio armazenado nos tanques do ônibus é introduzido na célula a combustível, onde ocorre um processo eletroquímico que produz energia elétrica por meio da reação do hidrogênio com o oxigênio do ar, liberando água como subproduto. O projeto foi escolhido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Global Environmental Facility (GEF) como piloto na América Latina.
Ônibus brasileiro a Hidrogênio
No momento em que este artigo está sendo escrito, está em trâmite no Senado Federal um novo marco regulatório para os biocombustíveis. Um Grupo de Trabalho foi criado no âmbito da Comissão de Infraestrutura, sendo coordenado pelo senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), com o objetivo de produzir um conjunto de leis que definam regras para produção, distribuição e comercialização dos biocombustíveis. Há uma demanda muito grande por mudanças, especialmente no caso da regulação do etanol, cuja legislação pertinente já data de mais de trinta anos, sendo composta por um conjunto disperso de leis e decretos, e suas respectivas emendas. A legislação vigente ainda trata o etanol como um produto agrícola e não como um energético, o que causa distorções quando da comercialização do produto para esta finalidade.
Há uma clara política brasileira para tornar o etanol uma commodity internacional, inclusive tendo sua bandeira levantada pelo presidente Lula. Esforços de vários ministérios estão sendo feitos no sentido de fortalecer o etanol – não só o brasileiro – no âmbito internacional. Outro ponto importante é a certificação da qualidade do produto. A ANP tem feito esforços no sentido de assegurar, junto a outros governos, especificações de qualidade globais para esse produto, ao inaugurar uma forte interação com outras agências reguladoras em âmbito internacional, que saíram fortalecidas após a crise do capitalismo de 2008. Neste contexto, uma mudança implementada recentemente pela ANP foi a criação da figura do Agente Comercializador de Etanol e do Agente Operador de Bolsas de Mercadorias e Futuros. Tais agentes foram criados com o objetivo de aumentar a segurança e a regularidade do abastecimento de etanol, o que contribuirá para a redução das oscilações de preços decorrentes da sazonalidade das colheitas, inerentes ao cultivo da cana-de-açúcar.
Não menos importantes são os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e na capacitação de profissionais para o trabalho na indústria de petróleo e de biocombustíveis. A partir de 2003, implantamos uma política de conteúdo local no setor de petróleo e gás natural com o objetivo de maximizar a participação da indústria nacional no fornecimento de bens e serviços, em bases competitivas e sustentáveis, a fim de traduzir os investimentos do setor em geração de emprego e renda para o país. Neste cenário surgiu o PROMINP (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural) visando ao desenvolvimento de uma indústria de bens e serviços com competitividade de classe mundial, podendo realizar a implantação de projetos de petróleo e gás natural no Brasil e no exterior.
Desde a criação do Programa, ainda em 2003, a participação da indústria nacional nos investimentos do setor aumentou de 57% em 2003 para 75% no primeiro semestre de 2009, o que representou um valor adicional de 14,2 bilhões de dólares de bens e serviços contratados no mercado nacional, além da geração de 640 mil postos de trabalho neste período.
O PROMINP tem sido sucessivamente ampliado, especialmente após a descoberta das reservas do pré-sal, quando os investimentos da Petrobras em exploração e produção saltaram de US$ 35 bilhões no período 2003-2007 para US$ 190 bilhões destinados ao período 2009-2013. Ou seja, o desafio atual da indústria nacional no fornecimento de bens e serviços para o setor de petróleo e gás natural é quase seis vezes maior do que no início do Programa. O Programa de Recursos Humanos da ANP, por sua vez, já concedeu 5.261 bolsas de estudo para alunos de segundo grau técnico, graduação, mestrado e doutorado, desde a sua criação em 1999. Os recursos aplicados na concessão das bolsas ultrapassaram o montante de R$ 190 milhões. São 46 programas de graduação e pós-graduação, em 28 instituições situadas em 16 estados brasileiros.
Outra fonte de recursos para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico nas indústrias de petróleo, gás natural e biocombustíveis é a Participação Especial, modalidade de participação governamental paga pelos concessionários de campos de petróleo de alta rentabilidade. O investimento é de 1% da receita bruta da produção do campo. Este valor tem de ser gasto, obrigatoriamente, em despesas qualificadas como pesquisa e desenvolvimento. A obrigação de investimentos em P&D, desde 1998 até o primeiro trimestre de 2010, já ultrapassou R$ 4,5 bilhões (valor total acumulado).
Hoje o país entende plenamente que a tecnologia é um desestabilizador da história, capaz de transformar realidades. As políticas de ciência, tecnologia e inovação instituídas pelo governo federal dão amplas condições para que o Brasil se torne uma potência energética mundial.
O Programa de Aceleração do Crescimento da Ciência (PAC), lançado pelo governo federal, está orçado em cerca de R$ 41 bilhões, entre recursos públicos e privados, e tem entre seus objetivos elevar o investimento em P&D para um número acima de 1,4% do PIB, contra os atuais 1,1%. O PAC dá parte da identificação de que, apesar de o Brasil ter avançado bastante na geração de conhecimento nas últimas décadas, ele ainda precisa avançar em inovação. É interessante notar que segundo a revista britânica The Economist, o Brasil ocupa a 13ª posição na produção de conhecimento, mas, no ranking dos países inovadores, é o 48º colocado.
Acreditamos ser correta a estratégia de investimentos em P&D, a partir do momento em que há obrigação de que as empresas invistam em sua própria matriz tecnológica. Só para se ter uma idéia, a Petrobras investiu no período de 2006 a 2008 o montante de U$ 2,5 bilhões em seu centro de tecnologia, o CENPES, com valores estimados iguais em diversas universidades brasileiras. Somente para a expansão física do CENPES serão gastos mais de U$ 500 milhões. Deve-se este fato à iniciativa da ANP de colocar tal cláusula no contrato de concessão.
Há uma perspectiva de crescimento para todo o setor. Estudos de especialistas baseados em modelos matemáticos de projeção estatística mostram isso. O Brasil vai jogar um papel fundamental nesse cenário, pois há uma perspectiva de já ser a 5ª economia do mundo em uma década. No entanto, é de fundamental importância entender o que a demanda de redução de CO2 vai causar. Estive recentemente no Japão, onde vi que há uma visão otimista dos vários especialistas daquele país – e a ANP já percebeu – sobre o fortalecimento da eletricidade, dos biocombustíveis e do gás natural para as próximas duas décadas. Deve haver uma especialização no consumo de veículos leves, em que o consumidor vai escolher um carro de acordo com sua necessidade. Um veículo para uso majoritariamente urbano, outro específico para viagens rotineiras ou esporádicas, entre outros usos. Olhando o mercado interno, é bom ressaltar que já em 2013 seremos autossuficientes em GLP. Igualmente, estima-se que hoje o setor sucroalcooleiro seja responsável por 3% da matriz de energia elétrica gerada a partir da cana-de-açúcar. Segundo a UNICA, esse valor pode passar a 15% já em 2017, o que equivaleria a uma Itaipu.
Há um novo contexto internacional, demandando um novo pensar. Relembrando Peter Drucker, é importante perguntar o que estamos fazendo ou deixando de fazer que nos impede de auferir os plenos benefícios de nossas aptidões. Especificamente, e esse contexto exige a inclusão “energética” do cidadão, a garantia da oferta e da qualidade da energia, a proteção do meio ambiente, a redução estratégica da dependência externa por energia, com consequente economia de divisas e geração de empregos, além de desenvolvimento científico e tecnológico.
Devido às demandas do Pré-sal e da exigência de conteúdo local, em que serão necessárias novas sondas e embarcações, por exemplo, cremos serem oportunas políticas similares para setores como o siderúrgico e o naval. Acreditamos ser igualmente importante iniciativa nesse sentido para o setor automobilístico, onde há uma nova perspectiva à vista. Estima-se, por exemplo, que o carro híbrido (com ou sem possibilidade de recarga externa) terá, em 2030, cerca de 60% do mercado americano, enquanto o carro elétrico já corresponderá a 10% das vendas. Os carros a gasolina ocuparão apenas 30%. Essa será talvez uma realidade mundial. Neste cenário, o setor de transportes terá reduzido suas emissões de GEE em 30% em relação às verificadas em 2005.
Conforme pudemos ver, muitas vantagens comparativas de nosso país foram sabiamente aproveitadas. Hoje o brasileiro é o único consumidor do mundo que pode escolher entre combustíveis diferentes ao abastecer seu carro de passeio. Isso só foi possível porque o país assegurou sustentabilidade política às diversas áreas: política, econômica, tecnológica e regulatória. Temos de estar preparados para continuar a dar respostas inovadoras aos novos desafios do setor energético. Os exemplos de sucesso aqui relatados nos credenciam a ter um papel importante no novo modelo de locomoção humana produzindo carros elétricos, híbridos ou a hidrogênio.
Allan Kardec Duailibe é pesquisador e professor em Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)