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Edição 104 > Estados Unidos e Colômbia – As Relações perigosas
Estados Unidos e Colômbia – As Relações perigosas
Peculiaridades históricas e geopolíticas, dinâmica interna e pressão externa na manutenção do imperialismo estadunidense na Colômbia

À maneira de Introdução
s relações internacionais surgem a partir do momento em que se organizam comunidades políticas independentes, com capacidade para estabelecer vínculos de cooperação, sobre a base de identidades, necessidades e possibilidades de atingir o progresso e o bem-estar.
Muito embora alguns analistas do campo das Relações Internacionais e do Direito Internacional partam da concepção de que os Estados se encontram em constante guerra, a verdade é que um exame meticuloso da história demonstra que a guerra não é opção consciente da maioria dos homens. É dizer, que a violência organizada não é uma condição inata. Senão que, pelo contrário, o ser humano é um ser comunitário, capaz de reconhecer as carências que impedem seu desenvolvimento e organizar-se para superá-las.
Certamente, em afirmações como as de que as guerras são inevitáveis e naturais se escondem os interesses daqueles que sustentam teoricamente mecanismos de militarização da sociedade, de inimizades entre povos, de vantagens econômicas ou perpetuação no exercício do poder. Tal discurso é uma necessidade para a poderosa estrutura hegemônica de poder, da qual nos fala Pinheiro Guimarães, edificada ao longo da história pelos denominados Estados centrais, sobre a base de autênticos atos de bandidagem internacional – saqueios, espoliações, colonialismos – com a cumplicidade frequente de oligarquias locais. Assim, os Estados periféricos são submetidos a lógicas guerreiras, em função de interesses de potências hegemônicas.
No que tange à América Latina, como já exposto em oportunidades diversas, a pretensão de domínio dos Estados Unidos iniciou-se praticamente tão logo os novos Estados, no século XIX, conseguiram sua independência de Espanha e Portugal. Por razões históricas, especialmente pelas pressões contínuas em negociações bilaterais realizadas com o intuito de dividir e quebrar embriões do que poderiam ser sólidas unidades entre os Estados da região, que ameaçavam criar-se no continente e que obstaculizavam sua pretensão hegemônica, mas também pela supremacia militar e o uso da força – e não faremos aqui um rol de todas e cada uma das intervenções militares feitas diretamente ou patrocinadas pela potência – a pretensão dos Estados Unidos se concretizou em vários terrenos: o econômico, o cultural, o político e o militar. E, então, nessa afirmação de interesses forâneos e na cumplicidade local começou a esvaziar-se nos Estados latino-americanos a capacidade de realizar autênticos diagnósticos nacionais, de relacionar-se com autodeterminação, de perseguir fins de progresso econômico e justiça social, de consolidar a democracia participativa e de gerar um cenário de inclusão, tolerância e solidariedade.
Evidentemente, não há como qualificar essa atividade externa dos Estados Unidos de outra maneira senão como uma política própria dos impérios, que impõem o modelo econômico e controlam as decisões políticas, em termos civis e militares, isto é, daqueles que condenam a povos inteiros a caminhar sob a diretriz do seu interesse com suas representações e responsáveis provincianos.
Contudo, a resistência e a formulação de propostas com os signos da abertura a horizontes de soberania, democracia e direitos, deram lugar ao advento, logo após o fracasso neoliberal, de projetos de governos que conquistaram a institucionalidade. Assim, na América Latina, com as óbvias heterogeneidades, deficiências e limitações de cada processo, o desenho sobre o estilo, a forma e o conteúdo da política mudou nos últimos dez anos.
Em nosso breve ensaio é importante registrar como as peculiaridades históricas e geopolíticas, bem como as dinâmicas internas e a pressão estadunidense, mantiveram e mantêm a Colômbia em uma situação singular, de enraizamento imperial.
A Colômbia é um Estado localizado no extremo norte da América do Sul, numa área terrestre de 2.070.408 km² e uma marítima de 928.660 km². Conta com uma população de mais de 42 milhões de habitantes. Possui limites terrestres com cinco Estados e os marítimos com 11 (1).
Para qualquer potência que se pretenda hegemônica no contexto da América Latina, a Colômbia representa um bastião a ser mantido, porque é desde onde geopoliticamente é possível gerar as condições político-militares de avanço, cooperação, ajuda ou até agressão a outros projetos que se pretendam afirmar na área.
E nessa lógica, vale apontar para os mais desavisados: a atuação da potência independe dos governos de turno; isso significa que embora a agressividade tenha doses e estilos diversos, a essência imperial configura o eixo central da sua ação internacional e nessa direção não se admitem vacilações.
Brevemente, nas presentes linhas, logo de algumas opiniões sobre a situação do país, e à luz da discussão sobre as bases militares, tentaremos apresentar alguns aspectos do processo de instrumentalização que os Estados Unidos pretendem realizar na Colômbia, nas condições atuais da América Latina.
1- Panorama geral
1.1. A questão econômica
Não é nosso foco esgotar a questão econômica colombiana. A ideia consiste apenas em ilustrar o tamanho da crise que atravessa o país e suas nuances. Em tal direção pode-se dizer que o modelo de acumulação capitalista, especialmente na sua etapa neoliberal, tem dois aspectos marcantes: 1) o fortalecimento da estrutura econômica primária exportadora de café, petróleo e carvão e banana, especialmente; 2) a aliança entre o setor latifundiário e o capital financeiro transnacional, este último liberado de grande parte da carga tributária. O resultado dessa conjugação de fatores é a massificação da pobreza.
No embalo de um capitalismo de economistas profetas de “araque”, o governo vendeu a ideia de a segurança democrática – seu eixo político – como a responsável pelo crescimento de um PIB de 6% anual. Entretanto, já no 3° trimestre de 2008 o PIB não cresceu mais do que 2%, enquanto a produção agrícola, que sempre cresceu por baixo do PIB nacional, não passou de 1,2%. Logicamente, além da crise sistêmica, nesse parco crescimento interfere toda a política de abandono do campo, o conflito interno, os deslocamentos populacionais e a pobreza.
Nessas condições, a saída governamental consiste em resistir à crise gerando formas novas de acumulação do capital pela via da desindustrizalização, das propostas de privatização – se anuncia a de empresas de energia elétrica para a obtenção de 1,5 milhões de dólares –, a redução do salário real dos trabalhadores, os despidos massivos e o aumento da carga tributária.
Destarte, enquanto outros países da região fizeram poupança, a Colômbia apresenta um déficit fiscal de 2,5 milhões de dólares. Recentemente o Ministério da Fazenda desceu sua expectativa de crescimento a 3%, logo de trabalhar a começos de anos com a de 5%. O Economist Intelligence Unite (IEU) expressou, por sua vez, que a Colômbia não terá condições de crescer e que, pelo contrario, haverá uma queda de -0,5% (2).
Apesar de a equidade social, o crescimento econômico sustentável e a geração de emprego serem os elementos integrantes e prioritários do Plano de Desenvolvimento do governo, um informe fiscal e de caráter oficial publicado recentemente expressa que entre 2001 e 2007 o Estado gastou 4,7% do seu PIB em armas e segurança e incrementou os gastos militares reduzindo-os na esfera social.
Com relação ao tema dos cultivos ilícitos, tema recorrente pelo seu impacto na economia, ainda que o Plano Colômbia trouxesse o argumento da sua gênese no combate social para a erradicação dos cultivos de folha de coca – o que conduziria à efetividade de uma proposta econômica para o campo –, essa nunca foi sua essência real. Um balanço comprova apenas o incremento da força militar para objetivos políticos e as fumigações para abrir espaços às transnacionais com a expansão da fronteira agrícola. Assim, o Plano não teve repercussão econômica significativa para o camponês, porque não há um programa coerente de desenvolvimento do campo ou de substituição de cultivos. Mais de 40% das terras férteis do país foram adquiridos por dinheiros oriundos do narcotráfico (3) e aumentaram em 27% os cultivos de folha de coca (4).
Indiscutivelmente, a pobreza extrema e a maior concentração da riqueza social supõem uma redefinição das metas de desenvolvimento e o começo de um programa de redistribuição da renda, o que é somente possível com um giro na diretriz da economia, abandonando um teimoso neoliberalismo já ultrapassado pela história.
1.2. O regime político e o conflito interno
A democracia excludente que caracteriza o regime político colombiano desde sua conformação republicana determina que as eleições sejam um fenômeno altamente questionável quanto a sua lisura e especialmente quanto às condições em que em cenários de conflito se realizam os debates e votações.
No contexto atual, para além da inexistência de garantias para o exercício da oposição, o plano de ganhar a guerra militarmente exposto pelo presidente tem como suporte uma reconfiguração do regime em favor de uma concentração de poderes no Executivo. Para tanto, a re-eleição foi um fator fundamental porque implicou simultaneamente um ajuste dos períodos de tempo dos membros dos órgãos cuja nomeação ou indicação dependem dessa rama do Poder. Tais órgãos foram introduzidos à lógica presidencial através de uma condição de dependência que impede um mínimo de transparência na gestão pública.
O sistema, em lugar de fortalecer, deslegitima a atuação Executiva e organiza uma direção feudal do Estado onde desaparecem os freios e contrapesos – check and balances. Dessa maneira, o Executivo pretende fugir dos controles legislativos e jurisdicionais.
Quanto ao Congresso, em 20 de julho deste ano começou sua última legislatura. Dos 270 congressistas 77 são investigados por nexos com os grupos paramilitares e 31 renunciaram pela mesma razão. Os processos estão ou bem na Corte Suprema de Justiça ou em instâncias inferiores conforme a competência constitucional.
Com esse pano de fundo institucional se desenvolve o conflito interno não reconhecido pelo presidente nas suas alocuções, pois conforme a ótica governamental existe no país uma luta contra o terrorismo.
Como temos afirmado, a paz e a segurança são elementos imprescindíveis para a criação de uma sociedade em condições de desenvolvimento no meio da pluralidade e o respeito pelos direitos humanos. Por sua vez, são precisamente estes elementos os que garantem os pressupostos iniciais, é dizer, são a efetividade dos direitos fundamentais e a capacidade de aceitação do outro, elementos imprescindíveis para a paz e a segurança.
Desconhecendo o conflito e sem política de paz o Estado renuncia a seus fins, perde legitimidade e condena a efetividade dos direitos humanos.
Em alguns episódios, essa natureza fica mais evidente. Por exemplo, a maneira covarde como jovens desempregados foram executados por parte de membros das forças armadas e, ainda, a forma como o presidente declarou, sem nenhum fundamento, aos meios de comunicação, de que se tratava de guerrilheiros mortos em combate – os chamados falsos positivos denunciados internacionalmente – põem de presente a natureza real do regime político.
A condução errática do processo político, que não oferece chances à paz, implica o incremento do número de efetivos das Forças Armadas e da sua capacidade de ação no território colombiano. Para tal fim, através de decretos, que não passam pelo controle de constitucionalidade ou legalidade, se faculta ao Exército a realizar missões de polícia civil, com uma consequente restrição das liberdades públicas. Simultaneamente, continuam a se desenvolver as redes de informantes civis com o objetivo de, mediante remuneração, prestar colaboração às Forças Armadas, bem como a cooperativas de segurança e exércitos camponeses na perspectiva de contribuir no combate à insurgência.
Nesse esquema de decomposição da vida nacional e deterioro da guerra, a incorporação de civis aos combates e a promoção de recompensas em dinheiro, conforme a quantidade de inimigos mortos ou capturados, convertem a população em alvo e as tropas regulares estatais em mercenários, ou seja, em grupos de homens que não agem defendendo causas que em algum momento podem se justificar como patrióticas, ainda que o argumento seja discutível e forçado, senão como meros assalariados.
Nas palavras do presidente à mídia por ocasião dos falsos positivos se evidencia a ação precipitada, seu distanciamento com a afinidade de uma reconciliação nacional, como corresponde aos bons governantes em termos filosóficos e ético-políticos, e a postura intransigente que confunde a autoridade com o autoritarismo.
A filosofia que orienta a ação estatal substituiu a noção de neutralidade pela absolutização da guerra, identificando amigos e inimigos. Assim, todo aquele que não é meu amigo está contra mim e, portanto, deve ser tratado conforme sua opção. Por conseguinte, no campo civil os partidos de oposição e, em geral, os protagonistas e atores da luta social são considerados não somente opositores, mas inimigos, em consequência potenciais vítimas da ação estatal, perseguidos, cerceados em seus direitos civis e políticos e ameaçados permanentemente.
O telão de fundo dessa proposta é, precisamente, a ajuda fornecida pelos Estados Unidos. A guerra total ou integral requer um suporte tecnológico, que gere as condições de aumento do poderio militar através de armamento sofisticado.
Evidentemente, essas medidas ocasionam uma diminuição da possibilidade de efetivar uma política de direitos humanos e conquistar a paz, posto que a arbitrariedade sobre a base da ampliação de faculdades no terreno militar ocasiona sérios transtornos ao exercício das liberdades de circulação, associação, reunião e opinião, enquanto segue aumentando o número de deslocados internos e refugiados.
Pietro Alárcon é professor Doutor em Direito pela PUC/SP
Notas
(1) Dados do Instituto Geográfico Agustín Codazzi de Colômbia.
(2) Consulte-se http://countryanalysis.eiu.com/country_coverage acesso em 21 de julho de 2009.
(3) Veja-se Jornal El Tiempo, 13-09-2003. Informe Tierra, guerras y paras, p. 1-26.
(4) Consulte-se o documento UNODC-2008. In www.unic.org.ar