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Edição 104 > Reflexões sobre a crise - Entrevista com o professor José Carlos Braga

Reflexões sobre a crise - Entrevista com o professor José Carlos Braga

A. Sérgio Barroso
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José Carlos Souza Braga, doutor em Economia pelo IE/Unicamp e autor do estudo A
temporalidade da riqueza: teoria da dinâmica e financeirização do capitalismo,
conversou com Princípíos sobre as teorias que rondam a atual crise. Seus
comentários vão desde a comparação à Queda da Bolsa de 1929, até as “finanças
industrializantes”,  às quais se referiu no início do anos 1990, pondo em ênfase
tanto no  processo de desenvolvimento capitalista quanto na saída das crises

Princípios -  Segundo interpretação de Hobsbawm, Eichengreen e Niall Ferguson vivenciamos uma nova Grande Depressão, somente matizada pela intervenção econômica inédita dos Estados centrais e periféricos. Como você vê isso?

Braga - Quer dizer que não fossem os Estados Nacionais e certa coordenação ad hoc dos principais bancos centrais o mundo teria vivenciado uma Grande Depressão. Como houve essa pronta e “eficiente” atuação pública costumo dizer que a partir de certo tempo passamos a experimentar o “Segundo Momento Minsky”, em referência a Hyman Minsky o grande intérprete da instabilidade estrutural do capitalismo após Keynes e que viveu até 1996. Nesse segundo momento as consequências benéficas da ação do Banco Central – Big Bank, como ele chamava – e dos grandes gastos públicos – Big Government, segundo ele – começam a aparecer e as economias “escapam” da Grande Depressão. O Segundo Momento Minsky nessa crise tem implicado um envolvimento dos Estados Nacionais muito mais amplo do que o próprio Minsky imaginou.

Uso essa expressão para fazer um irônico jogo de palavras em referência ao que a literatura atual acerca da crise mencionou abundantemente como Momento Minsky. Isto é, aquele em que, dada a instabilidade presente nas estruturas ativas e passivas das instituições financeiras e das empresas, dada a especulação exacerbada que os preços financeiros e outros expressam, vem a hora da “virada” em que o auge se metamorfoseia em recessão e depressão. Mas esse mergulho que seria indefinido “num buraco sem fundo” é alterado quando começa a operar o que chamo de o “Segundo Momento Minsky”, doravante denominado de SMM.

E é isso que vem ocorrendo. Trata-se de equívoco ou de conversa ideológica barata começar a advertência sobre a elevada presença do Estado nas economias, sobre os déficits públicos e os riscos de inflação. Trata-se de pessoa irresponsável que, apressadamente em defesa do “livre mercado”, afirma já estar na hora de o Estado bater em retirada. Ora, isso seria uma temeridade. Até Paul Krugman –  antes chegou a “coquetear” com a globalização liberal, mas com as grossuras de Bush tomou juízo e melhorou de posições – tem alertado: a preocupação ainda é evitar o declínio econômico, depois se pensa em inflação, se e quando ela der as caras.

E para evitar uma Grande Depressão é importante assinalar que os bancos centrais, sobretudo o FED americano, desdobraram-se, “inovaram”, digamos assim, fizeram o que podiam e não podiam pelo marco legal vigente. Quanto ao FED especialmente não só foi prestamista de última instância – lender of last resort – como ocupou o lugar do mercado que não conseguia fazer preço, nem girar os títulos financeiros. O mercado travou. O FED entrou como realizador de mercado de última instância – market maker of last resort.
 Tomou títulos privados “micados” e entregou títulos públicos em troca – logo entregou liquidez imediata – para evitar colapso de mercados e de agentes relevantes capazes de semear pânico, contaminação etc.

A meu ver, a década de 1930 foi o primeiro grande momento de construção da relação Estado-Mercado no Capitalismo Monopolista pondo fim a qualquer ilusão de fato e de direito quanto a um SISTEMA DE MERCADO AUTORREGULÁVEL. E isso continuou valendo mesmo durante a recente onda neoliberal em que de forma nenhuma o Estado saiu de cena. Agora, abre-se um segundo momento de construção daquela relação cujos contornos estamos por conhecer. Quero dizer: estará em disputa se no bojo dessa relação haverá avanços para o desenvolvimento das forças produtivas e no controle do “instinto de morte” prevalecente na concorrência intercapitalista e na desenfreada acumulação de capital sob qualquer de suas formas. Se esses avanços acontecerem estaremos diante de uma relação Estado-Mercado revigorada para colocar a economia a serviço de propósitos mais civilizados. Sobre possibilidades destrutivas da dinâmica desenfreada da riqueza financeira e especulativa é bom ver o livro Capitalisme et pulsion de mort, de Gilles Dostaller e Bernard Maris.

Princípios -  S. Roach, em artigo no Financial Times (25-08-2009), ironizou os mercados financeiros “exultantes com esperanças de revitalização econômica”, insufladas pelas declarações otimistas de Ben Bernanke (presidente do Banco Central dos EUA). Para Roach, “há boa razão para acreditar que a recuperação dos EUA será anêmica e frágil”. Será assim?

Braga - No imediato ela está assim, haverá idas e vindas em direção a uma sólida recuperação que não está garantida no futuro. As notícias ora são favoráveis ora não o são. Em 6 de Outubro de 2009 um índice sobre 60 setores não industriais dos EUA subiu de 48,4% para 50,9% e mudou expectativas negativas de resultados da semana anterior, segundo relato de Luiz Sérgio Guimarães em sua coluna no Valor. Os grandes investidores, diz ele, correram para comprar ativos. Típico da natureza intrínsecamente especulativa da dinamica capitalista.

O que me parece hipótese consistente é que o mercado por si mesmo não reerguerá uma senda de expansão. As políticas públicas terão de persistir cumprindo seu papel e até mesmo ampliando-o. Sobretudo se – como deve ser – o objetivo é recuperar o emprego, redistribuir renda e riqueza.

Penso que uma construção de desenvolvimento global requer após essa crise a organização de “Economias Mistas”, ou seja, em que a cooperação público-privado, a disciplina financeira, a coordenação dos investimentos sejam para valer. Ora, mas é da natureza do capital e dos capitalistas buscar a livre movimentação da riqueza. Contradição. É por isso que a malfadada nova Regulação emerge no discurso, mas na prática vai tropeçando; a ver até quando seguem os tropeços em meio a belos discursos e no que resultará. Não se deve descartar a hipótese de mudanças limitadas na chamada Regulação com o que a vitória das forças “não-reformistas” implicará a continuação da dinâmica expansão/crise em sucessivas repetições, ora com maior ora com menor amplitude, por vezes num ou em determinados países, outras vezes reintroduzindo o risco sistêmico, a “crise global”.

Princípios -  Segundo R. Zoellick (presidente do Banco Mundial), a grande crise capitalista já aponta o surgimento de um sistema plurimonetário, onde “o dólar é e seguirá sendo uma das principais divisas”; a China se movimenta em direção à internacionalização de sua moeda; déficits fiscais enormes, a perspectiva da inflação e a “revisão” de seu sistema financeiro são sérios desafios à retomada norte-americana. Comente tais opiniões.

Braga - O tamanho da economia americana no mundo econômico-financeiro requer que esses desafios sejam enfrentados com responsabilidade pública. Por isso eu mencionei a ideia de “Economia Mista”. Os problemas trazidos pela evolução capitalista no século XX e já no presente século são de grande complexidade justamente por causa da globalização que não produz uma economia planetária homogênea e harmônica tal como aparece no discurso enganoso do paradigma de “desenvolvimento” liberal.

China, Japão e demais países asiáticos. A União Europeia. Os Estados Unidos da América do Norte. Essas são dimensões geoeconômicas e geopolíticas vigorosas que apontam para uma ordem multipolar. Agora, isso não significa evidentemente estabilidade, pax mundial, convivência pacífica entre os polos. Parece que seguem valendo a intensidade da concorrência intercapitalista – Marx – e a da competição inter-estatal-Weber; o que implica disputas, conflitos e guerras, no limite.

Obviamente nesse raciocínio está descartada a hipótese heroica de que a cooperação entre os povos pelo desenvolvimento – que ademais tem de ser ambientalmente sustentável para não arrebentar com o planeta – e pela paz vá ser implantada logo mais à frente. É desejável, mas não está no horizonte histórico visível.

A China tem um projeto nacional de desenvolvimento e soberania cuja estabilidade requer muito cuidado, pois se trata de um país continental com uma população gigantesca cujo nível de vida precisa ser elevado com uma certa rapidez e não pode ser agravado por aventuras monetário-financeiras em nome de ter uma moeda internacional, conversível, alvo de especulação e correspondentemente ter um sistema financeiro doméstico aberto às peripécias dos movimentos dos capitais.

Consequentemente vejo que se amplia o poder de negociação das áreas mencionadas com os Estados Unidos, ampliam-se também os poderes de países ditos emergentes, nesse quadro, mas a configuração não está clara, está em aberto, e seguirá considerável a influência monetária e financeira americana no curto e médio prazos.

Princípios -  Aliás, China e Índia crescerão em torno de 8,2% e 6% em 2009 (Banco de Desenvolvimento da Ásia). No Brasil, doses cavalares “de Estado” contrarrestaram (entre setembro de 2008 e março de 2009) severos impactos da crise mundial da acumulação capitalista financeirizada; há imensas possibilidades no pré-sal. Além das persistências estruturais do subdesenvolvimento, em que sentido devemos alterar a chamada política macroeconômica?

Braga - No caso brasileiro temos de quebrar esse “triângulo de ferro” que atrapalha o desenvolvimento. Refiro-me à combinação das políticas de metas de inflação-câmbio flutuante-superávit primário. Ou seja, a articulação entre as dimensões monetária, cambial e fiscal tem de ser diferente e com isso teremos uma nova política econômica. Esta não será conivente com juros elevados, com a moeda – o Real – ficticiamente valorizada diante do dólar, nem com a geração de superávit fiscal para sustentar o rentismo – via taxa de juros – dos bancos, das grandes empresas e das famílias privilegiadas de alta e altíssima renda e riqueza.

Isto posto, estará liberado o caminho para combinar estabilidade de preços com desenvolvimento, aproveitando com estratégia inteligente possibilidades como a do pré-sal. Mais que isso, mostram os especialistas, o pré-sal deve ser uma espécie de Projeto-Ponte para, numa visão de longo prazo, preparar a matriz energética do futuro baseada nos biocombustíveis viabilizados pelo potencial de nossa biomassa.

Posta essa outra política macroeconômica, os investimentos públicos e privados podem deslanchar mais facilmente sob menos volatilidade. Há fronteiras de investimentos na infraestrutura econômica e social suficientes para manter boas taxas de crescimento da economia por muito tempo. Os impactos sobre a qualidade de vida da população serão substantivos via os sistemas de saúde, de saneamento, habitacional, de transporte coletivo etc.

Condições como essas acima descritas são imprescindíveis para um crescimento econômico que se qualifique para superar o subdesenvolvimento.

Princípios -  No início da década de 1990 você publicou um trabalho para o IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial)?sobre “finanças industrializantes” a um nosso projeto de desenvolvimento. Passados quase 20 anos, como essa importante questão se recolocaria?

Braga - “Finanças Industrializantes”, naquele contexto, referiam-se à necessidade de o sistema financeiro brasileiro articular-se com as empresas no investimento de longo prazo para que fosse possível construir uma política econômica que combinasse extermínio da alta inflação em simultâneo com a busca do desenvolvimento econômico. Assim era uma proposta contrária à máxima seguinte: primeiro estabilizemos a inflação e naturalmente coincidirá o declínio da taxa nominal e real de juros bem como a retomada do crescimento. O Plano Real baseou-se numa máxima desse tipo e o que vimos foi a inflação controlada, mas os juros elevados e o crescimento garroteado.
Na realidade atual, temos estabilidade de preços e queremos retomar o crescimento sem descurar do controle inflacionário. A providência evidente é de que precisamos ampliar a capacidade de ofertar os diferentes tipos de produtos para que possamos crescer sem pressões de custos e preços. Ora, isso requer justamente ampliar a taxa de investimento da economia, ou seja, a relação Investimento/PIB.

Necessitamos que o moderníssimo e sobrecapitalizadíssimo sistema financeiro privado financie o longo prazo. Faça “finanças industrializantes” ao ampliar a capacidade de investir que as empresas já têm com seus lucros retidos. Que o sistema financeiro faça dinheiro ofertando crédito longo e não com títulos da dívida pública brasileira. Que se junte aos bancos públicos em operações de cofinanciamento, por exemplo. Que corra junto com as empresas o risco do investimento de longo prazo.

Cabe ao governo montar uma política financeira que encaminhe o sistema de bancos privados nessa direção, utilizando modalidades de incentivo às finanças industrializantes e de desestímulo e penalização a finanças rentistas. Para tanto é necessário desmontar o mecanismo de expansão da dívida pública decorrente da própria política monetária de juros antidesenvolvimentista, parte do triângulo de ferro acima mencionado.

Nessas finanças industrializantes o conjunto de bancos públicos exerce um papel já visível nos últimos anos e que pode ser incrementado na medida em que sejam ativos na própria concepção de políticas públicas e projetos de investimento junto com seus respectivos ministérios e na medida em que atuem como força que “empurre” os bancos privados nessa direção.

Em resumo, a ideia de finanças industrializantes no Brasil hoje implica formas atualizadas de articulação entre capital bancário e capital industrial, entre bancos públicos e privados, para que o crescimento do PIB com distribuição de renda e de riqueza seja compatível com uma efetiva estabilidade monetária, fiscal e cambial.

A. Sérgio Barroso é Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp) e diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois

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