Cultura
Edição 102 > Michael Jackson e a luta cultural contra o capitalismo
Michael Jackson e a luta cultural contra o capitalismo
Com o falecimento, no dia 25 de junho passado, de um dos ícones da música pop para a juventude que viveu e cresceu excluída de muitos direitos, como foi Michael Jackson, muitas questões se reacendem

A black music norte-americana – assim como o forró, o samba e o hip-hop no Brasil – é expressão de uma juventude que luta e enfrenta condições adversas. Não falo aqui de somente ouvir ou gostar desses ritmos. Cito aqueles que, através dessas e de outras expressões musicais, externam sua realidade, na maioria das vezes dura, porém enfrentadas com criatividade, alegria, vontade de vencer e acima de tudo respeito ao ser humano.
A identidade inicia-se na origem, de famílias proletárias, de artistas e militantes dessas expressões culturais. Passa pelas barreiras do pré-conceito e explodem na aceitação e simpatia assumidas pelos povos por essas expressões culturais. Assim como no Harlem em Nova Iorque, a vida no sertão nordestino, nas periferias do Rio de Janeiro e de São Paulo é enfrentar as barreiras do direito à alimentação, ao emprego, à educação e a tantos outros direitos básicos que, no regime socialista, serão superados.
Em meio a essas barreiras, homens e mulheres, na maioria das vezes jovens, conseguem compor e cantar músicas muitas vezes críticas, que dão conforto e mensagem buscados por outros milhões de homens e mulheres. Mais ainda, elas inspiram para continuar a luta e a caminhada pela sobrevivência e pelos nossos direitos.
No Brasil, especialmente nos finais de semana, os bailes funk, as rodas de samba e os forrós são espaços para esses maravilhosos momentos em que, sem distinção étnica, econômica e social, todos se encontram e extravasam suas energias e se preparam para mais uma semana, na qual os trabalhadores terão novamente sua força de trabalho sugada.
As elites muitas vezes não entendem como certos fenômenos populares rompem barreiras de seus modos de pensar, em suas mídias manipuladas e até mesmo nas suas gigantescas salas-de-estar, onde muitos de seus filhos também ouvem e dançam músicas compostas nos guetos e favelas do mudo, levando a esses espaços letras e conteúdos que queriam elas – as elites – que fossem sufocados onde eles não passam nem por perto.
Nesse sentido, render homenagens a Michael Jackson é lembrar que ele e sua família de origem operária romperam barreiras através da música; que ele, ainda em um mundo sem internet e sem a universalização da televisão, já era um ídolo nas periferias do nosso país e do mundo. Inspirou Tim Maia, Jorge Ben (hoje Benjor) e Sandra de Sá, dentre outros milhões de pessoas em todo o mundo.
Assim como Martinho da Vila, Luiz Gonzaga e Mano Brown, Michael representou as lutas e os anseios de muitas pessoas oprimidas pelo sistema. Sucumbiu antes de morrer às garras do mercado, das aparências ditadas, das concepções e doenças contemporâneas que o capitalismo tenta nos enfiar goela abaixo. Porém, deixou um legado que em todo o mundo será lembrado, para que também através da música todos possamos alimentar nossos sonhos e lutas para superar o regime capitalista caduco, opressor e desumano.
Wander Geraldo é membro do Comitê Central do PCdoB. Integra, em São Paulo, a Escola de Samba Unidos do Peruche e o Bloco Carnavalesco Unidos do Pé Grande.
A personificação da polêmicaCarolina Maria Ruy
Na opinião do jornalista Ricardo Franca Cruz, editor da revista Rolling Stone Brasil, Michael Jackson representava o homem da “rua”, com suas imperfeições, ao mesmo tempo em que projetava a imagem de um ser inacessível. Para Cruz, essa habilidade em associar o mundano ao extraordinário fez dele o rei do pop. O cantor, continua o jornalista, não era apenas a mais importante cara da cultura pop: Michael Jackson era a pura cultura pop.
Esta construção – do formato atual da cultura pop – se deu ao longo de uma carreira tumultuada, que começou aos cinco e terminou aos cinquenta anos de idade. Por isso é justo separá-lo do caldeirão das milhares de produções momentâneas da indústria cultural. Michael Jackson saiu do anonimato à frente do grupo Jackson Five, ao lado de seus irmãos, nas décadas de 1960 e 1970. Mas foi sozinho que se consagrou, transformando-se numa espécie de fábula dos tempos modernos.
O auge de seu sucesso se deu com o lançamento do álbum Thriller, em 1982. Os números superlativos que envolvem tal álbum são controversos. O selo Epic (Sony Music) cita 104 milhões de cópias vendidas, mas, segundo calculam alguns especialistas, as vendas foram entre 50 e 60 milhões de unidades. O certo é que se trata do disco mais vendido da história. Pode-se dizer que com Thriller, que mistura soul, funk e disco e pop, Jackson colocou a música negra em primeiro plano. O videoclipe da música tema, e homônima, do álbum, merece atenção especial. Dirigido pelo cineasta John Landis (diretor de The Blues Brothes e Um Lobisomem Americano em Londres), o vídeo foi reconhecido como inaugurador de um novo formato. O estrondo de Thriller nunca mais se repetiu nem na carreira de Jackson, nem de nenhum outro músico. Mas estima-se que o cantor vendeu em toda a sua carreira cerca de 750 milhões de álbuns e recebeu 13 prêmios Grammy.
Escândalos e acusações envolveram o artista a partir de 1993. Ele teve de responder a longos processos e acusações de pedofilia. O último destes julgamentos terminou em junho de 2005 com sua absolvição de todas as dez denúncias.?Em março de 2009, depois de várias tentativas de recomeço, o cantor anunciou uma turnê de 50 apresentações em Londres, que se estenderiam até fevereiro de 2010. A expectativa do público era tão grande que os ingressos se esgotaram depois de algumas horas de serem postos à venda. Mas os shows não ocorreram. No dia 25 de junho de 2009, Jackson sofreu uma parada cardíaca em sua casa, em Los Angeles, e morreu aos 50 anos de idade.
Além de servir de modelo para seus fãs ele encarnou tendências e comportamentos da sociedade. Basta ver a reação da comunidade negra nos EUA para notar esta realidade – ele foi o primeiro superstar negro e não renegou sua origem. A divulgação da notícia de sua morte foi proporcional ao alcance de sua fama. Michael, mais uma vez, tornou-se objeto de debate e considerações nas mais variadas rodas, mesmo naquelas cujos interesses passam bem longe dos desmandos da indústria cultural. Compreensível que seja assim.O que é, o que representa e de que matéria se formou esta figura tão polêmica? São questões que não desenvolverei aqui, mas que alertam para a complexidade do debate.
A análise da obra de Michael Jackson vai longe. Ela é cheia de símbolos e contradições, e envolve toda uma geração formada no difícil contexto econômico das décadas de 1980 e 1990. Neste período, com o advento do canal musical MTV e com o crescimento acelerado de novas tecnologias, o universo pop explodiu, ditando regras e se infiltrando em todos os poros da vida dos jovens. Jackson não é fruto deste processo, ele é precursor dele. E tudo o que veio no seu esteio pode ser tratado como subproduto. Apontar apressadamente suas “falhas” como pessoa ou como artista é o discurso mais fácil e, ao mesmo tempo, o caminho mais perigoso. Significa desconsiderar a dimensão lúdica e subjetiva deste universo, tratando-o como uma massa homogênea e indiferenciada. A despeito da crítica de compromisso com o lucro da indústria, e todas essas iniquidades óbvias, é válido reconhecer a qualidade técnica, a criatividade, a harmonia e a representatividade dos homens comuns e dos negros, que atravessaram a carreira de Michael Jackson desde o ABC, dos irmãos Jacksons Five, até a preparação para a turnê This is It, em Londres.
Por isso, avaliá-lo pelos mesmos critérios com que se avaliam autênticos enlatados instantâneos, sem sabor ou expressão, como, por exemplo, Britney Spears ou Jonas Brothers, significa cair em uma retórica hermética e inflexível que gira sobre si mesma. Jackson tem uma carreira densa que, para o bem e para o mal, fez escola e influenciou milhões de pessoas. (CMR)