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Edição 102 > Unidade para enfrentar a crise
Unidade para enfrentar a crise
A ação conjunta das centrais sindicais, em aliança com as demais forças políticas progressistas, potencializa o papel da classe
trabalhadora na luta política

Unidade para enfrentar a crise é o lema do 2º Congresso da CTB, que será realizado em São Paulo nos dias 24 a 26 de setembro, e vai
debater o rumo político do país e propor uma ampla união dos movimentos sociais e das forças progressistas. A unidade é o caminho para
elevar o protagonismo da classe trabalhadora, das centrais sindicais na luta pelo desenvolvimento nacional com soberania e valorização
do trabalho e pelo socialismo. A realização de uma nova Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora) pode consolidar e
conferir um sentido mais avançado à união alcançada até o momento.
O movimento sindical no Brasil vive um momento contraditório, carregado de adversidades, mas também promissor. Os efeitos da crise do
capitalismo são perversos para a classe trabalhadora e a situação que o mundo vive neste momento não é uma exceção a esta regra. O
desemprego cresce, os salários caem, os direitos estão sob ameaça em todo o globo. O ciclo de crescimento do PIB da produção, do
emprego formal e da renda que estava em curso na economia nacional foi subitamente interrompido no último trimestre do ano passado e
deu lugar a um cenário de sombras no mercado de trabalho, marcado por demissões, arrocho e precarização.
Ao mesmo tempo, é inegável que a crise atual abre para as organizações e forças comprometidas com os interesses dos trabalhadores e
trabalhadoras. É uma oportunidade ímpar para elevar o seu nível de intervenção e protagonismo político, tanto em seus desdobramentos
imediatos quanto futuros, na medida em que requer uma forte mobilização em defesa do emprego. A crise também põe em xeque as políticas
neoliberais, os modelos econômicos hegemônicos e, em perspectiva, o próprio sistema capitalista.
Mobilização
Liderada pelos sindicatos, a classe trabalhadora reage com maior ou menor vigor aos efeitos da crise em todo o mundo. Milhões foram
mobilizados em greves, manifestações de rua e ocupação de empresas, em defesa do emprego, dos salários e dos direitos, para que o ônus
da crise não seja descarregado exclusivamente sobre as famílias operárias.
A FSM (Federação Sindical Mundial) promoveu manifestações em mais de 45 países no dia 1º de abril. No Brasil, o protesto foi
antecipado para 30 de março a fim de garantir a participação unitária de todas as centrais (inclusive Intersindical e Conlutas) e
demais organizações dos movimentos sociais, que mobilizaram dezenas de milhares em São Paulo e nos demais Estados naquele dia.
Redução da jornada
Outro momento marcante da luta social foi a pressão exercida pelos sindicalistas na Câmara Federal durante a votação, em comissão
especial, da proposta de redução da jornada de trabalho sem redução de salários, no dia 30 de junho. O relatório do deputado
Vicentinho favorável à PEC dos senadores Inácio Arruda e Paulo Paim acabou aprovado por unanimidade pelos parlamentares. Cerca de mil
lideranças acompanharam a sessão, que foi realizada no auditório Nereu Ramos.
Aspiração e bandeira histórica da classe trabalhadora, a redução da jornada sem redução de salários ganha maior relevância nesta
conjuntura para contornar as demissões em massa e o crescimento da taxa de desemprego. A aprovação na comissão especial da Câmara foi
um passo importante, pois a PEC não mais poderá ser arquivada, ficando na pauta do plenário até que seja votada. A tendência do voto
em plenário não será necessariamente igual à que se verificou na comissão especial, pois o patronato é majoritariamente hostil à
ideia e vai procurar fazer valer sua influência no Congresso. A proposta exige quorum qualificado nas duas casas, de modo que as
centrais e as forças progressistas terão de redobrar a mobilização a partir do local de trabalho e ganhar a opinião pública para
conquistar a vitória final nesta luta estratégica, mas um passo indispensável e fundamental nesta direção foi dado dia 30 de junho.
Lição da história
Com mais força e vivacidade que a teoria, a vida tem mostrado a importância da unidade para o sindicalismo nacional. As centrais
caminharam juntas nas marchas a Brasília em defesa de uma política permanente para o salário-mínimo, realizaram atos unitários diante
de sedes e agências do Banco Central pela redução substancial da taxa básica de juros (Selic), assim como pela redução constitucional
da jornada sem redução de salários, em defesa do emprego, dos salários e dos direitos sociais.
Os resultados alcançados até o momento foram bastante positivos. As ações conjuntas das centrais sindicais, em ampla aliança com as
demais organizações dos movimentos sociais, sociedade civil e forças políticas progressistas, potencializam a intervenção e elevam o
protagonismo da classe trabalhadora na luta política. É esta a lição que devemos extrair da história.
Desafio
O principal desafio que se coloca para o sindicalismo e as forças políticas identificadas com os interesses da classe trabalhadora, é
consolidar e ampliar a unidade alcançada e intensificar a mobilização e as lutas em defesa do emprego, dos salários e dos direitos,
interligando-as com as batalhas políticas em curso em nosso país. O movimento político dos trabalhadores, preservando sua autonomia,
deve influir de forma decisiva na correlação de forças das eleições de 2010. Tudo isto vai demandar maior elevação da consciência
social, unidade e maior inserção do sindicalismo no interior das empresas.
Já está claro que a unidade do sindicalismo nacional não se dará no interior de uma única central. Esta unidade pressupõe consenso e
maturidade dos dirigentes das diferentes centrais que foram criadas no país. Além da realização de manifestações unitárias, outros
passos foram dados nesta direção, como a constituição de um fórum das centrais que se reúne periodicamente para definir algumas
iniciativas comuns, porém é possível e necessário avançar mais.
Nova Conclat
Com o objetivo de consolidar e ampliar a unidade das centrais, a CTB defende a realização de uma nova Conclat (Conferência Nacional da
Classe Trabalhadora), reunindo representantes de todas as centrais, confederações, federações, sindicatos e respectivas bases, sem
exclusões. O encontro de milhares de lideranças do sindicalismo nacional deve ter por objetivo definir uma agenda de ações e lutas
conjuntas em defesa do emprego, dos salários e dos direitos sociais, assim como uma plataforma unitária da classe trabalhadora para
intervenção nas eleições de 2010.
A nova Conclat (a outra foi realizada em 1981) será o coroamento do processo de unidade nas lutas concretas que já está em curso e se
intensificou com a crise. Cresce entre as lideranças da classe trabalhadora a consciência de que é necessário dar novos passos para
ampliar a unidade. A direção da CTB vem contribuindo decisivamente para a unidade das centrais e não vai medir esforços para
concretizar a conferência.
A mudança do cenário político na América Latina e no Brasil, consequente da eleição de Chávez, Lula e outros líderes de esquerda
oriundos dos movimentos sociais, é outro fator que conta a favor da mobilização e da elevação do protagonismo da classe trabalhadora
na região.
Projeto Nacional
A unidade se materializa através de ações concretas e conjuntas em defesa da classe trabalhadora, ultimamente concentradas no combate
aos efeitos da crise. As centrais encaminharam um documento conjunto ao presidente Lula, elencando uma série de reivindicações neste
sentido e agendaram com o presidente da Câmara Federal, Michel Temer, uma agenda positiva no Congresso. Todavia, as centrais são
instrumento eminentemente político e devem avançar além das demandas emergenciais em resposta à recessão mundial.
A crise acirra a disputa em torno de um novo projeto de nação e o movimento sindical precisa elevar sua participação nesta luta, que
não abrange apenas os interesses específicos da categoria, mas o conjunto da sociedade. As centrais que estão realizando congressos
(CTB, FS, CUT e Nova Central) contemplaram, em primeiro plano, o debate sobre um novo projeto de desenvolvimento.
O fracasso dos modelos neoliberais realçou a necessidade de mudanças políticas e sociais mais profundas no Brasil e no mundo, trazendo
à ordem-do- dia a luta por um novo projeto de desenvolvimento nacional. Na opinião da CTB este desenvolvimento deve basear-se na
defesa da soberania e a valorização da classe trabalhadora. Afinal, o neoliberalismo concebe a depreciação do trabalho e o
desmantelamento da rede de seguridade social (através da flexibilização e precarização dos contratos, redução de salários, das
aposentadorias e dos direitos) como condições para o desenvolvimento. Os fatos sugerem o contrário.
Mercado Interno
A experiência histórica revela que a valorização do trabalho, além de responder a uma justa demanda social, é um caminho eficaz do
ponto de vista econômico para fortalecer o mercado interno, expandindo o consumo das massas, estimulando o comércio e, por
consequência, a produção. O aumento real do salário-mínimo, associado à Bolsa Família, a elevação do nível de emprego e da massa
salarial (ainda que não signifique o aumento do salário real médio nem tenha melhorado a distribuição funcional da renda), assim como
a manutenção do investimento na recuperação dos concursos e plano de cargos e carreira do funcionalismo público, não só contribuíram
decisivamente para o crescimento do PIB nos últimos anos como também suavizaram os efeitos da crise no Brasil. O desenvolvimento das
forças produtivas deve servir à maioria da sociedade e não à ganância capitalista.
A redução da jornada sem redução de salários, por exemplo, significa uma apropriação e repartição mais justa dos ganhos de
produtividade (que hoje derivam principalmente do avanço da ciência) a favor da classe trabalhadora. Em vez de resultar em desemprego,
as novas tecnologias serão colocadas a serviço da redução do tempo de trabalho, ampliando o emprego, a renda dos assalariados e o
consumo doméstico, além de liberar tempo para o lazer, a educação e a convivência familiar.
Não à Discriminação
A valorização da classe trabalhadora exige um combate sem tréguas a todo e qualquer tipo de discriminação, pois é evidente que o
capital lucra com a discriminação e esta, de resto, também funciona como um fator de divisão entre os explorados. Na Europa, a direita
capitalista procura culpar os imigrantes pela crise, disseminando intolerância e xenofobia, matérias-primas do neofascismo.
A temática do desenvolvimento aliado à preservação ambiental também merece destaque, pois emerge como uma das principais questões da
atualidade. A Natureza tem sofrido as consequências da produção capitalista, fundada na maximização dos lucros e na anarquia dos
mercados, com uma série de efeitos danosos ao meio ambiente, como o agravamento do efeito estufa, que promove o aquecimento da Terra,
o degelo polar e a elevação dos níveis do mar. O impulso atávico do capitalismo à expansão sem fronteiras e sem limites conduz ao
esgotamento da força de trabalho e também dos recursos naturais. A bandeira da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentado
deve estar presente, com grande destaque, no novo projeto de desenvolvimento.
Projeto para o Campo
A proposta da CTB também contempla o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS) da Contag. Há um
conflito entre os diferentes modelos de desenvolvimento no campo, que refletem contradições de classes: por um lado, temos o chamado
agronegócio (que não deve ser confundido com agroindústria), baseado no monocultivo para exportação, degradação ambiental,
concentração das terras, brutal exploração dos assalariados e altos investimentos em mecanização, com o objetivo de reduzir custos com
mão-de-obra.
Do outro lado, a agricultura familiar se organiza por meio da ampliação de ocupações produtivas, diversificação da produção que
potencialmente é menos danosa ao meio ambiente, além de produzir principalmente alimentos para o mercado interno, com impactos
importantes na redução da exclusão social e produtiva da população. Aliado a esses interesses estão os assalariados do campo, que são
vítimas inclusive do trabalho escravo e lutam contra a superexploração. Portanto, a base social do PADRSS, que representa os
interesses da classe trabalhadora, é antagônica à do agronegócio, que traduz os interesses do velho e do moderno latifúndio.
Segundo dados do Projeto de Cooperação Técnica Incra/FAO, a agricultura familiar representa 85,2% do total dos estabelecimentos, que
ocupam 30,5% da área total e são responsáveis por 37,9% do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional. Isto significa dizer que 52%
da pecuária de leite, 58% dos suínos, 40% das aves e ovos, 72% da cebola, 97% do fumo, 49% do milho, 67% do feijão, 84% da mandioca,
32% da soja, 31% do arroz, 58% da banana, 27% da laranja, 25% do café e 47% da uva são produzidos nos estabelecimentos da agricultura
familiar. Estes dados são significativos e confirmam a importância da agricultura familiar na economia brasileira. A ideia de que a
agricultura familiar se resumia a uma atividade de subsistência não tem correspondência na realidade.
Integração e reformas
A defesa da soberania nacional, nas condições atuais, passa pela integração política e soberana da América Latina e a oposição aos
desígnios do imperialismo norte-americano para a região. Os movimentos sociais devem apoiar as iniciativas progressistas que estão
sendo adotadas nesta direção e pressionar para que os interesses da classe trabalhadora sejam contemplados no processo de integração.
Convocado por 168 entidades do continente, representando mais de 20 países, o 2º Encontro Sindical Nossa América, que será realizado
em São Paulo nos dias 22 a 24 de setembro, pode cumprir relevante papel neste sentido.
A CTB entende que o Estado nacional tem um papel decisivo nas mudanças. É imperioso ampliar a regulação e o controle do chamado
mercado e também concretizar algumas reformas estruturais inadiáveis, começando pela reforma agrária e incluindo as reformas política
(sem cláusulas de barreira e com financiamento público), urbana (focada na solução do déficit habitacional) e tributária (fundada na
progressividade, desoneração do trabalho e da produção). A necessidade de uma reforma educacional progressista, ancorada no ensino
laico, público e gratuito, não deve ser postergada.
A educação desempenha um papel estratégico insubstituível no desenvolvimento das nações nos planos econômico, político e ideológico.
Neste sentido, cabe destacar a proposta da CTB de destinar parte da jornada remunerada do trabalhador para atividades associadas a
educação e formação, a exemplo do revolucionário projeto das 150 horas anuais adotado na Itália em 1973.
Combater a rotatividade
A crise conferiu maior importância à?luta pela formalização do mercado de trabalho e coibição da liberdade abusiva de que o patronato
hoje dispõe para demitir, de forma a reduzir sensivelmente a precariedade e o grau de rotatividade da mão-de-obra, que no Brasil
atinge 40% dos ocupados, um dos índices mais elevados do mundo. Isto exacerba a alienação do trabalho e cria uma realidade nociva e
adversa para a organização sindical, bem como para a conscientização e formação de uma identidade de classe entre os trabalhadores e
trabalhadoras.
Cumpre enfatizar ainda a luta contra o monopólio capitalista sobre a mídia, a denúncia das manipulações que esta promove e a batalha
pela democratização dos meios de comunicação. Isto é essencial para fazer avançar a consciência social e elevar o nível da luta no
plano ideológico contra a hegemonia neoliberal.
Fortalecer o sindicalismo
A elevação do protagonismo político da classe trabalhadora, condição para o sucesso da luta pela valorização do trabalho e pelo
socialismo e construção de uma nova maioria política no país, pressupõe o fortalecimento do movimento sindical brasileiro, a ampliação
de sua influência e capacidade de convencimento e mobilização na sociedade e em primeiro lugar no interior de suas bases. Este é um
passo indispensável, que está estreitamente associado ao avanço da consciência de classe.
A força da CTB deverá estar assentada em sindicatos com representatividade e enraizamento no interior das empresas. Os sindicatos
devem procurar construir Comitês Sindicais de Base (CSB) e batalhar pela estabilidade de seus membros em convenções, acordos coletivos
e na Lei. Os sindicatos se fortalecerão na medida em que estiverem bem organizados nas bases para enfrentar a luta pela conquista de
mentes e corações dos trabalhadores e desmascarar a estratégia das empresas que buscam convencer seus funcionários de que são
colaboradores e parceiros. Isso gera uma consciência alienada, ao passo que tais empresas não vacilam em promover demissões em massa,
preservando o lucro a qualquer custo e condenando milhares de famílias operárias à penúria no primeiro sinal de dificuldade.
Além de ser uma trincheira da luta de classes, o sindicato deve ser um centro de convivência social e de educação de classe, um elo de
unidade também com os desempregados e aposentados. A horizontalidade da central se desenvolve através do fortalecimento das direções
nacional e estaduais, pois aí se dá o sentido de classe, o diálogo entre os trabalhadores do campo e da cidade, os operários da
indústria e do serviço, da educação, saúde, comércio, transporte, entre outros. A central é uma coalizão de sindicatos e como existem
mais de uma central é indispensável uma coalizão de centrais para reunir forças frente ao capital.
A classe trabalhadora é o sujeito social que carrega, em suas demandas espontâneas e conscientes, o único projeto de futuro que pode
salvar a humanidade da barbárie. É, conforme observou Karl Marx, o coveiro do capitalismo, a classe que tem por missão acabar com o
mais sofisticado sistema de exploração do homem pelo homem e construir, em seu lugar, um novo sistema social, o socialismo. A luta por
um novo projeto nacional de desenvolvimento, fundado na soberania e na valorização do trabalho, é a forma concreta de abordar a
batalha pelo socialismo em nosso país. Seu sucesso depende da organização, consciência e mobilização dos trabalhadores e
trabalhadoras, em aliança com todos os setores e camadas interessadas na transformação progressista do Brasil.
João Batista Lemos é diretor de Relações Internacionais da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)